Tristeza escrita por Sereny Kyle


Capítulo 1
one-shot


Notas iniciais do capítulo

essa é a 50º fanfic da série. Antes dela veio "Sushi Bar"



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Eu estava recolhida em meu quarto em mais uma noite fria daquela turnê. O dia até que tinha sido agradável, me lembrara os dias quentes da minha cidade de São Paulo, mas à noite as temperaturas tendiam a diminuir de uma maneira que eu ainda não tinha me acostumado.

Deitada sob os cobertores (sim, eu usava três) com grossos casacos de lã e mais meias do que dava pra colocar em cada pé, lia febrilmente os itinerários programados pras próximas apresentações do the GazettE que se seguiriam.

Por algum motivo eu não me sentia bem àquele dia, estava terrivelmente mal humorada e deprimida... Mas eu nunca dei verdadeiro crédito às minhas súbitas mudanças de estado de espírito. Estava ouvindo incansavelmente “Elephant Gun” no meu mp5 e conseguia controlar alguns sentimentos menos humanos que cresciam de vez enquanto em minha mente. Mas eu estava começando a ceder às palavras lentas da música e sentir meu corpo levemente mole e fraco e uma enorme vontade de chorar que sempre me acometia.

Decidi que já sabia o itinerário mais do que de cor e fechei o arquivo no notebook abrindo a janela da internet e buscando algo desesperadamente bom pra me distrair. Nenhum e-mail, nenhum amigo no MSN, nada que me interessasse no Orkut, nenhuma fic nova com uma sinopse que me atraísse no Nyah!

Minha cabeça estava entrando em curto, eu estava tão ansiosa e nervosa que não me aguentava sentada. Levantei da cama e comecei a andar pelo quarto do hotel como se procurasse ou esperasse algo. Eu queria gritar. Caí no chão, apertando o rosto com as mãos.

Não demorou muito e eu não estava mais sentada, mas sim deitada no chão do quarto, tentando controlar o que havia em mim. Aquela angústia amarga estava queimando minha garganta, me sufocando.

Peguei meu casaco e sai do quarto quase correndo, apertei o botão do elevador com violência e fiquei apertando impaciente até que ele chegasse e eu pudesse ter certeza de que nenhum dos meninos me viu saindo. Saí o mais rápido possível pela porta do hotel, recebendo o golpe gelado do vento no rosto, quase congelando minhas pálpebras e lábios.

Andei a esmo pelas ruas, meus passos lentos por causa do peso que eu sentia em todo o meu corpo. Eu devia estar com uma cara péssima, algumas senhoras me olhavam assustadas e preocupadas. Tentava me concentrar apenas em meus passos e minha respiração, forçando-a a desacelerar.

Andei sem parar nem um segundo, sem olhar pra nada, sem prestar atenção onde eu estava indo. Depois de algum tempo, eu parei e me sentei numa praça que estava muito iluminada com as luzes grandes acesas, tinha muitas pessoas conversando ao meu redor, animadas, alheias a minha sensação horrível.

Umas pequenas lágrimas deslizaram pelo meu rosto em silêncio, diminuindo a cada gota aquele sentimento estranho. Eu ainda estava sufocada, eu me sentia completamente só. Como há muito tempo não me sentia. E aquilo estava me esmagando e demolindo por dentro.

Nunca fui de chorar por muito tempo. Em menos de um minuto já tinha parado de soluçar e me tranquilizava. Levantei e comecei a caminhar na direção do hotel. Os mesmos passos lentos e distraídos, sem nenhuma pressa de chegar ao meu destino, sem sono, sem entusiasmo, sem vontade.

A grande fachada luminosa do hotel apareceu antes que eu realmente quisesse vê-la. Inspirei profundamente e olhei para o outro lado da rua. Não tinha nada ali nada que pudesse me dar uma boa desculpa para ainda não entrar, então caminhei um pouco mais depressa e subi os degraus de entrada, agradecendo brevemente com um aceno de cabeça ao senhor que abriu a grande porta de vidro pra mim.

O calor de dentro não teve nem tempo de me acolher, quando eu fui tomada de súbito por braços fortes agarrando, desesperados, meu corpo. Eu conhecia muito bem aquele corpo, aquele calor humano que colidia gritante com a baixa temperatura de minha pele por causa do vento das ruas. Mas ele tremia, me apertava, sua respiração estava acelerada em meu pescoço. Por alguns segundos, achei que ele apertava meu corpo pra ter certeza de que eu estava mesmo ali.

- Onde você estava? – Kouyou ofegou em meu ouvido e eu arregalei os olhos.

Não tive tempo de responder, senti uma pressão enorme envolta dos braços do meu loiro, e minha respiração ficou dificultada. Olhei espantada para todos os gazettos me apertando num abraço.

– Nunca mais me dê um susto desses, viu? – Yutaka disse no meu ouvido e eu pude sentir seus braços apertando minha cintura.

Todos eles me soltaram depois de um breve tempo e ficaram me encarando com seus olhares questionadores. Eu sorri encabulada. Como é que eu ia imaginar que sair pra andar à noite, sem avisar nenhum deles, ia causar toda aquela confusão?

Fiquei em silêncio, olhando–os de volta. Yuu não se aguentou e correu pra mim mais uma vez me apertando em seus braços fortes. Eu passei os braços, que até então tinham permanecido imóveis caídos ao lado de meu corpo, por sua cintura, retribuindo.

– Desculpem–me – eu disse num fio de voz. – Dei uma saída... Para espairecer... Não imaginei que ficariam preocupados...

– Preocupados... – Akira bufou. Eu o chamei com o dedo e ele veio até mim, tirando–me dos braços de Yuu e me prendendo em seus próprios.

– Acho melhor subirmos – eu ofeguei acariciando o cabelo dele e vendo algumas pessoas nos olhando curiosas.

Nós seis pegamos o elevador e fomos até nosso andar, eu presa entre Yuu e Yutaka. Eu fui arrastada pelo corredor, quatro pares de braços me prendendo e me apertando. Olhei pra Kouyou e ele estava muito sério, seus olhos estavam se vida quando ele me encarou e inspirou. Eu ergui as sobrancelhas, sem entender nada.

– É melhor vocês se deitarem – disse–lhes. – Amanhã temos que acordar bem cedo e não quero que fiquem cansados por minha causa...

– Não vai sumir de novo, vai? – Takanori perguntou, dando um beijo em minha bochecha.

– Não. Prometo – sorri dando–lhe um beijo também.

– Boa noite, Ny-chan – Yutaka me deu um beijo e sorriu quando afaguei suas bochechas com as pontas dos dedos. Vi Mariana esperando por ele na porta do quarto dos dois e acenei pra ela. Minha amiga parecia ter ficado bastante preocupada comigo também e eu pude ver um certo alívio em seus olhos por me ver com eles.

– Boa noite, Ny-chan – Yuu me apertou nos braços e me ergueu do chão.

– Boa noite, Ny-chan – Akira beijou minhas mãos e meu rosto e eu sorri.

Todos eles se dirigiram para seus quartos e eu encarei Kouyou. Ele inspirou e me deu as costas, indo para seu próprio quarto.

– Kou... – chamei–o hesitante. Ele parecia estranho.

Kouyou parou de andar, mas não se virou. Eu fui até ele e toquei suas costas, mas ele partiu o toque assim que sentiu minha mão, se afastando. Eu me assustei e fiquei diante dele olhando–o espantada.

– Kouyou, o que foi?

– Nada! – ele disse e seu tom de voz foi frio e seco. Ele desviou de meu corpo e voltou a caminhar para seu quarto.

– Kouyou, espera – segurei seu braço, mas ele se desvencilhou.

– Eu tenho que dormir Sereny! – sua voz saiu tão rude e baixa que eu caí meu braço como se tivesse levado um choque. Lágrimas brotaram de meus olhos sem que eu esperasse e escorreram pelo meu rosto.

– Kou-chan... – eu voltei a chamá–lo, suplicante. – Por que está falando assim comigo?

– Não. É. Nada – ele disse pausadamente, parecendo furioso. Mais lágrimas escorreram de meus olhos e eu solucei baixo.

Kouyou não se virou, voltou a andar para seu quarto e entrou, me deixando sozinha no corredor, chorando entristecida. Fui caminhando para meu quarto, miseravelmente arrasada, abri a porta e olhei–o por dentro da mesma maneira como estava antes, apenas com minha bolsa fora do lugar, aberta. Caminhei lentamente e olhei pra ver se faltava alguma coisa. Todas as minhas coisas continuavam lá. Um dos meninos deve ter olhado dentro, procurando uma pista de onde eu estava. Kouyou provavelmente. Meu coração se apertou quando a imagem do rosto dele antes de entrar no quarto me voltou à mente.

Tirei meu pijama da mala e olhei o relógio enquanto me trocava: dez e meia da noite. Pra mim tinham passados eras desde que eu tinha estado ali olhando os itinerários. Terminei de me trocar e deitei sob os cobertores novamente. Afundei a cabeça no travesseiro, mas não consegui dormir. Minha mente estava exausta, mas meu espírito estava pesado e inquieto. Eu tremia de frio e nervoso e derramava mais lágrimas silenciosas, enrolada nos cobertores que cobriam até o topo de minha cabeça, molhando um pouco a fronha do travesseiro.

Kou tinha parecido preocupado comigo quando me viu entrando no hotel... Por que tinha ficado de repente tão furioso? Por que falou comigo com tanta frieza? Eu não conseguia entender sua atitude rude, seu olhar tão sem emoção.

Eu consegui dormir poucas horas, vencida pelo cansaço, antes de escutar o despertador tocando. Olhei o relógio: seis horas da manhã. Pela janela eu podia ver a névoa pairando, densa e fria.

Levantei e fui ao banheiro fazer minha higiene pessoal. Olhei meu rosto no espelho depois de jogar a água fria: lastimável! Mas eu tinha que trabalhar, com paz de espírito ou sem. Voltei ao quarto e peguei uma roupa bem grossa pra me proteger do frio: calças, meias de lã grandes, muitos casacos, um cachecol e uma toca horrorosa que eu escondi por baixo de uma boina um tanto charmosa. Coloquei meus óculos escuros que ganhei de presente do Taka no Natal passado e desci as escadas.

Cuidei de toda a minha parte antes mesmo de tomar café. Talvez os meninos se arrumassem sem mim dessa vez. Preferi ficar o mais ocupada possível, pra que nenhum deles visse como eu realmente estava. Olhei de longe os cinco sentados à mesa como sempre faziam e vi que me procuravam. Senti um aperto no peito, mas a expressão de Kouyou voltou a me assustar e eu fugi deles.

Era hora de sairmos antes que eu pudesse comer alguma coisa. Não me sentia com fome, então preferi ir direto para o ônibus e tentar dormir em silêncio nos bancos do fundo.

– Ah, aí está você! Estávamos te procurando à manhã inteira! O que foi que você tinha tanto que fazer? – Yutaka levantou–se do lado de Mari, agarrou minha cintura, dando um beijo na minha bochecha e acho que percebeu que eu não estava bem.

– Fiquei... Supervisionando tudo hoje... – respondi, tentando convencer minha voz a ficar firme e tranquila. Senti a mão de Mari segurando a minha na cintura do namorado dela bem forte, aparentemente preocupada também.

– Supervisionando? – Akira resmungou. – Você cuida da gente! Não tem que supervisionar nada além de nós cinco! – fui puxada para os seus braços fortes e retribui o abraço rindo.

Olhei por cima do ombro de Akira, Kouyou sentado à janela com os olhos perdidos lá fora, a visão assustadora da noite anterior voltando rapidamente a minha memória. Desvencilhei–me dos abraços e fui caminhando para o fundo. Sentei numa das poltronas e me cobri, colocando um travesseiro entre minha cabeça e o vidro frio da janela. Um murmúrio baixo vindo de alguns lugares a frente chegou aos meus ouvidos.

– Por que ela não sentou aqui com você? – era a voz grossa e baixa do vocalista.

– Não sei – Kouyou respondeu secamente.

– Ela está dormindo encostada à janela, Kouyou! Que tipo de namorado é você?

Segurei os lados do travesseiro em minhas orelhas, abafando as vozes. Não queria ouvir mais nada! Não queria chorar de novo. Só queria imergir na inconsciência até a hora de descer do ônibus. E foi o que eu fiz. Só acordei quando estávamos em Yokohama, estacionados diante do hotel. O show seria só no dia seguinte, então entramos tranquilamente e nos acomodamos. Os meninos foram todos almoçar e eu fui para o meu quarto.

Peguei algumas roupas na minha mala e entrei no banheiro. Ainda não tinha tirado os óculos escuros e visto como estava meu estado. Não me surpreendi de não estar nada melhor. Pelo menos eu não tinha mais olheiras tão profundas. Rapidamente me despi e entrei embaixo da água quente do chuveiro, tentando relaxar, esvaziar minha mente. Fiquei um tempo com os olhos fechados, sentindo a água escorrer pelo meu rosto, mas não adiantou muito. Fechei o registro e me enrolei na toalha, me secando e colocando as roupas quentes que tinha escolhido. Voltei a olhar o espelho, a imagem me parecia menos destruída.

Sentei na cama e olhei para as informações do hotel. Talvez pedisse meu almoço no quarto mesmo. Estava distraída, dividida entre um salmão com repolho recheado e um risoto de camarão com refogado de abobrinha quando escutei alguém batendo em minha porta. Levantei e abri, vendo Yutaka parado do lado de fora.

– O que foi, Yutaka? – eu perguntei.

– Eu que te pergunto... – ele entrou em meu quarto e eu fechei a porta.

– Como assim? – disse confusa, sentando–me ao seu lado em minha cama.

– O que você tem? – ele tocou meu rosto docemente com um olhar preocupado. – Ontem saiu de repente sem avisar ninguém. Hoje, não foi tomar café conosco, está silenciosa, tristonha, dormiu a viagem inteira nas poltronas do fundo, como se estivesse se excluindo, agora não foi almoçar... O que aconteceu, meu anjo?

Eu sorri ao vê–lo tão preocupado.

– O Kou fez alguma coisa, bebê? – ele voltou a perguntar. – Percebi que não se sentou com ele como sempre faz e que ele nem pareceu se importar... Vocês brigaram?

– Ele... Está estranho comigo... – não tinha porque mentir ao Yutaka. Ele sempre sabia tudo sobre mim.

– Foi por isso que você saiu ontem sozinha?

– Não. Ele começou a agir estranho depois... Eu saí... Porque precisava, Yuk–chan... Estava me sentindo sufocada... Deprimida...

– Entendo... – ele me puxou para um abraço, me fazendo deitar em seu peito. – Você é sempre tão madura que eu costumo me esquecer que é tão novinha...

Eu ri fraco, sentindo de novo vontade de chorar e ele afagou meu rosto.

– Como Kou está estranho com você? – ele perguntou sério.

– Está sendo frio... Parece furioso...

– É... Não é típico dele... – ele inspirou pensativo. Depois colocou em seu rosto seu lindo e famoso sorriso de covinhas que tinha o poder de derreter icebergs. – Quer que eu fale com ele?

– Não, obrigada. Acho que eu que devo conversar com ele...

– Está bem! Você precisa almoçar! Não fique de estomago vazio, por favor.

– Já estava pensando nisso... Ia pedir que trouxessem aqui antes de você entrar.

– Comer sozinha no quarto? Ah, pelo amor de Deus! – ele segurou firme minha mão e saiu me arrastando do quarto até o restaurante do hotel onde os outros estavam. – Não nos esperaram? Que feio!

Takanori, Yuu e Akira deram risada. Kouyou simplesmente olhou na direção oposta. Yutaka puxou a cadeira ao lado da de Akira pra mim e se sentou na que ficava do outro lado. Meus olhos encontraram com os de Takanori, que estava sentado a minha frente e ele parecia preocupado. Tentei sorrir, mas falhei miseravelmente e ele entendeu que eu não estava nada bem, esticou seu braço e segurou minha mão carinhosamente.

Eu e Yutaka fizemos nossos pedidos e eu almocei em silêncio, não participando das brincadeiras deles e apenas respondendo ao que dirigiam a mim. Kouyou não parecia muito melhor. Não parecia Kouyou. Estava silencioso e mal humorado. Estava furioso.

Terminei de comer e pedi licença aos quatro pra me retirar dizendo que estava um pouco zonza e precisava me deitar. Yutaka se ofereceu pra ficar comigo, Yuu queria me carregar até o quarto, Takanori disse que ia ligar pra minha irmã, Akira que me levaria ao pronto socorro mais próximo. Eu sorri carinhosamente e agradeci a preocupação deles, mas disse que era apenas uma zonzeira e uma dor de cabeça fracas que logo passariam assim que me deitasse. Kouyou não moveu um músculo.

Entrei no quarto e deslizei minhas costas na porta caindo sentada no chão e chorando desesperadamente. Fui me arrastando até chegar à cama e colocar o cobertor por cima da minha cabeça como se pudesse afugentar e me proteger de todos aqueles pensamentos ruins que eu não queria ter. A lembrança do olhar frio de Kouyou e a certeza de que ele não gostava mais de mim. Meus soluços estavam ficando mais altos, então os abafei com o travesseiro.

Ouvi uma batida leve na porta, quase imperceptível. Parei um pouco de soluçar pra ter certeza de que não tinha escutado coisas. A batida ficou um pouquinho mais alto. Eu achei melhor não abrir. Devia ser um dos meninos querendo saber como eu estava e não queria que me vissem completamente manchada de lágrimas. Pensaria que eu estava dormindo e iria embora logo. Ouvi a batida novamente e prendi a respiração, me deitando lentamente.

– Abra logo – a voz de Kouyou saiu baixa e urgente. – Eu sei que não está dormindo. Ouvi você soluçar – droga! – Abra que nós dois precisamos conversar!

Foi um golpe forte em meu peito, senti o coração pesar muito ao ouvir aquelas palavras. Não eram palavras que eu gostava. Mesmo assim me levantei rápido antes que ele ficasse mais furioso e abri a porta, sem me importar com as lágrimas ainda em meu rosto.

Kouyou estava muito sério quando atravessou a porta e fechou, me prendendo entre a madeira e seu corpo. Mas seus olhos não estavam mais frios, estavam tristes.

– O que quer conversar? – eu respondi no mesmo tom frio que ele estava usando.

– Não me parece tão mal... – ele disse em voz baixa, me analisando.

– Como se você não soubesse que era mentira... – bufei e ele arregalou os olhos.

– Não estava se sentindo mal? – ele perguntou surpreso e eu o encarei descrente.

– Disse que queria conversar... – eu repeti impaciente.

Ele se afastou e eu vi um vislumbre da tristeza de seus olhos se espalhando por todo o rosto lindo dele. Fiquei parada ainda encostada à porta, me apoiando para não desabar no chão. Kouyou deu uma volta em torno de seu próprio corpo, gracioso como um gato. Mordeu o lábio avermelhado e ergueu seus olhos chocolates pra mim novamente, estendendo o braço na minha direção. Encarei–o surpresa e peguei sua mão hesitante, sentindo meu corpo, ainda pesado, flutuar e parar entre seus braços, que me apertaram como fizeram na noite anterior.

– Por favor, me desculpe... – ele sussurrou. – Por ter... Sido tão frio e grosso com você ontem à noite. Pode me desculpar, meu amor?

Ofeguei espantada ao ouvi–lo me chamar de “meu amor”. Não podia ter uma reação diferente, eu achava que ele não sentia mais nada por mim. Kouyou me apertou ainda mais em seus braços e, por reflexo, envolvi sua cintura com os meus.

– Eu fiquei... Tão desesperado... Quando não te encontrei no seu quarto – ele falou pausadamente. – Apenas situações ruins vieram à minha cabeça! E eu não sabia o que fazer, onde te procurar... Quando te vi entrar pela porta do saguão, senti um alívio imenso por você estar bem... Por ter voltado pra mim...

Ele inspirou profundamente, mas não estava chorando. Kouyou não era um homem de chorar, mesmo que estivesse tomado por uma emoção muito forte, ele lutava para controlá–la.

– Mas... Você saiu sem me dizer nada... Não foi me procurar... Você não se importou com a preocupação que infligiria a mim desaparecendo sem avisar! Eu entrei em pânico e você apareceu como se não tivesse sido nada. Até agora eu não sei por que você saiu! Não sei aonde foi! Com quem esteve!

Eu me afastei e olhei seus olhos atormentados.

– Por isso foi tão frio comigo? – eu perguntei pasma.

Ele abaixou os olhos e consentiu com a cabeça.

– Não imagina o quanto estou arrependido... – ele sussurrou.

– Arrependido? – eu repeti, não sabendo se estava alegre ou enfurecida.

Kouyou caiu na cama sentado, ao ouvir minhas palavras ásperas.

– Eu mereço que seja severa comigo. Que esteja decepcionada... Eu nunca mereci o seu amor... O seu carinho...

Revirei os olhos, exasperada e me sentei ao seu lado.

– Kouyou... Eu... Precisava sair... Estava sufocada... Eu estava... Deprimida... – ele me agarrou novamente, me apertando em seus braços e novamente envolvi sua cintura. – Precisava andar sem rumo, colocar os pensamentos em ordem... Estava me sentindo mal...

– E por que não me procurou? – ele perguntou agoniado. – Por que não foi atrás de mim? Procurar ajuda?Procurar meu carinho?

– Porque eu precisava ficar sozinha... Precisava respirar... Eu não queria te angustiar com... Minhas... Bobagens...

Kouyou segurou meu rosto em suas mãos e me encarou, os olhos em chamas, parecendo tomado novamente pela fúria da noite anterior.

– Bobagens? Eu pareço tão desumano pra achar que seus sentimentos são bobagens? Sereny... Acho que não percebe o que eu fiz! Acho que não tem ideia... Eu... Trouxe você pra cá... Você deve achar que te trouxe pra... Acatar um de seus caprichos... Pra livrá–la do mestrado... Do doutorado... Não, minha querida... Eu a trouxe pra cá... Porque não posso viver sem você ao meu lado... Não posso... – seu tom de angústia era sofrido e doloroso.

– Mas por que falou comigo daquele jeito? Por que foi embora se viu como eu estava?

– Orgulho... Esse maldito orgulho ferido que fica gritando no meu peito... Eu, na hora, não consegui controlar minha ira... Pensar que eu significava tanto que você saiu sem nem me avisar! Eu não queria entender, não queria escutar! Você sabe como eu sou...

– Intolerante! Teimoso! Se acha o dono da verdade? – eu ri fraco, ainda cautelosa.

– Pior! Sou pior que tudo isso! Sou um... Monstro... É isso que eu sou... Magoei a mulher que eu amo por causa de um orgulho idiota... Queria que viesse atrás de mim! Queria que implorasse que eu a escutasse pra que eu dissesse que não queria suas explicações! – ele afundou o rosto no meu colo, envergonhado e eu acariciei os fios loiros que se espalharam em suas costas e nuca.

– Você tem razão... Foi monstruoso da sua parte me fazer chorar a noite inteira... – ele soltou um lamento abafado. – E ainda mais cruel me encarar com seus olhares gélidos e não olhar pra mim no ônibus... Não ir atrás de mim nas poltronas do fundo, nem me aconchegar nos seus braços. Se tivesse feito isso, tudo seria perdoado.

– Acreditaria se eu lhe dissesse que era isso que eu tinha em mente? Sentar–me ao seu lado e puxar seu corpo pros meus braços, aconchegá–la em meu peito e vê–la dormindo tranquila... Mas, você nos evitou a manhã inteira... Tive a certeza de que estávamos brigados, que não queria me ver nunca mais! – eu bufei incrédula. – Temi que se eu sentasse ao seu lado você me expulsaria aos berros! Acha que eu me colocaria nessa situação na frente dos outros membros da banda? Na frente dos staffs? Orgulho, Sereny! Maldito orgulho! – ele afundou o rosto em meu colo novamente.

– Você veio pra se desculpar ou para que eu lhe console? – brinquei.

– Como pode ser tão doce comigo depois de tudo isso? – ele segurou meu rosto próximo demais do seu.

– Você sabe porque, Kouyou... – disse como se a obviedade do motivo conseguisse me irritar. Eu sorri e senti o rosto queimando.

Kouyou segurou meu rosto e foi aproximando cautelosamente do seu, como se temesse que o repelisse. Como se eu fosse capaz de fazer aquilo. Meus olhos se fecharam instantaneamente quando senti seu hálito bater contra meu rosto. Nossos lábios roçaram demoradamente, como se fosse o nosso primeiro beijo. Minhas mãos deslizaram lentamente por seu peito, enquanto que as dele desciam até minha cintura, puxando meu corpo pra perto do dele. Envolvi seu pescoço com os braços, me entregando completamente. Nossos lábios se uniram num beijo cálido e tranquilo, com uma lentidão exagerada, sem nenhuma urgência.

Ele não parecia estar com pressa, não parecia ansioso com um beijo mais profundo. Suas mãos estavam segurando minha cintura com delicadeza, arranhando levemente a pele por baixo da blusa, me arrepiando toda e me fazendo suspirar entre o beijo e pude sentir seus lábios se desenhando num sorriso satisfeito enquanto estavam nos meus.

Aos poucos, ele foi me deitando, virando–se sutilmente para que seu corpo ficasse sobre o meu, sem desgrudar nossos lábios. Meus dedos se perderam em seus cabelos, brincando e acariciando levemente. Segurei mais firme seu rosto no meu esmagando nossos lábios um contra o outro e ele deslizou a língua suavemente sobre a minha boca, pedindo permissão pra finalmente me beijar mais a sério. Num suspiro prolongado, eu separei meus lábios, sentindo–o aprofundar o beijo, se curvando ainda mais sobre mim, cada traço de seu corpo tocando o meu.

Ficamos juntos segundos indefinidos, imagens rápidas e coloridas passando por trás de minhas pálpebras fechadas como se eu flutuasse por cima das nuvens coloridas pelos raios de sol com milhares de borboletas multicoloridas ao meu redor. Mas o ar em meus pulmões acabou rápido demais e nós dois nos soltamos ofegantes. Kouyou deitou a cabeça sobre meu peito, escutando meu coração martelando desenfreado e ouvi sua risada baixa.

– Está rindo de mim? – eu perguntei ofendida e seus olhos me encararam.

– Não. De mim – ele respondeu, mas eu não entendi. – Quando entrei, não tinha certeza de que me perdoaria. Na verdade, você evitou tanto o meu olhar no almoço, que achei que tinha te perdido. Eu estava triste, mas como nunca me achei digno do seu amor, não estava surpreso de você finalmente ter... Você sabe... – ele deitou novamente em meu peito.

Fiquei em silêncio, prestando atenção a respiração dele, acariciando os fios loiros espalhados pelo meu ventre.

– Sua frieza me deu a mesma sensação... – eu disse finalmente e ele voltou a me encarar. Sorri e acariciei seu rosto com as pontas dos dedos, certificando–me de que ele não era feito de sonho. Seus lábios beijaram a palma de minha mão e eu tive certeza. – Achei que não me queria mais...

Ele voltou a deitar, mas meu coração já não estava descompassado, agora batia delicado num ritmo musical. Ele suspirou e beijou meu pescoço, me fazendo rir.

– Quando eu vou parar de magoá–la? – ele lamentou em meu ouvido.

– Você fala como se isso acontecesse com frequência... – eu ri, acariciando seus cabelos. Kouyou não me acompanhou na risada.

– Parece que você sempre está tentando agradar àqueles que a fazem sofrer... Eu não queria ser parte dessas pessoas... Mas sou igualzinho... Eu faço você sofrer e você não merece... Você merece alguém que lhe dê toda atenção e carinho... Que mostre o quanto você é especial e que nunca a faça chorar de tristeza...

– Kouyou... – ele olhou em meus olhos e eu segurei seu rosto com as duas mãos e o puxei para um novo beijo ainda mais intenso. – Eu preciso de você pra ser feliz... – sussurrei contra seus lábios. – Preciso de você pra não me sentir sozinha...

Ele encostou sua testa na minha, com os olhos fechados, procurando sua alma por trás das pálpebras. Ele não tinha a sorte que eu tinha, eu via sua alma quando ele estava de olhos abertos, iluminada pelo brilho de seus olhos. Ele buscava o ponto luminoso mergulhado na escuridão. Ele abriu os olhos e sorriu ao enxergar dentro de mim o reflexo do que ele buscava nele. Eu sorri também.

– Eu sempre fui sua... – sussurrei, acariciando sua nuca. – Sempre serei sua...

– Por via das duvidas – ele sorriu – vou garantir que esse amor – ele colocou a mão sobre meu coração – esse amor – ele pegou minha mão e espalmou no próprio peito – nunca morra de desgosto...

Senti seus batimentos ainda acelerados e fechei os olhos, maravilhada com aquela sensação. As incertezas não eram nada diante daquele amor. Mas, ao mesmo tempo, tinham uma importância enorme para nós dois. Enquanto eu ainda tivesse medo de perder o amor dele, viveria pra vê–lo sorrir, pra estar sempre ao seu lado. E enquanto ele temesse me perder, nunca deixaria que eu mergulhasse num mar de tristezas.


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Notas finais do capítulo

mereço reviews???

a próxima fanfic se chama "Único Como Você"



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