Prólogo

O sol brilhava atrás dos muros do palácio, lançando raios amarelos e laranjas que refletiam no lago, nas flores e na grama verde esmeralda dos jardins, envolvendo-o com uma aura quase mágica. No céu não se via nuvem alguma, o azul se estendia imaculado por quilômetros, até onde a vista alcançava e além. Fazia um dia lindo. Mas a beleza do dia não combinava com o humor da rainha. Depois do vexame que o marido a fizera passar na noite anterior, ela já acordara com o pé esquerdo, e tudo, até os menores suspiros dos criados, eram o suficiente para enerva-la.

Havia se levantado cedo e resolvera dar uma volta pelo palácio para espairecer, mas, enquanto passeava, sua irritação só aumentava conforme notava que ainda era possível perceber resquícios da grande festa de ontem. Papéis prateados no chão, copos espalhados pelas mesas e um leve cheiro de álcool no ar. Rainha Katrina se espantava com o quanto os empregados daquele castelo eram lentos. Se estivesse na sua casa, a situação seria bem diferente. Mas para seu eterno desgosto ela não estava. Não estava desde que foi obrigada pelo pai, o grande Klaus, rei da Alemanha, a se casar com Robert, o ainda maior rei de Illéa. E como ele era grande. Sua barriga chegava a passar os 115 cm de circunferência, de tão grande que ele era.

Ao chegar no Salão de Bailes e avistar a grande poça de vômito sendo limpa pelos empregados, sua fúria aumentou ainda mais. Robert sempre foi famoso por seus hábitos alcoólicos um tanto quanto exagerados, e na noite anterior não fora diferente. Tratava-se da comemoração do aniversário de 20 anos do Nicholas, o filho dos dois e herdeiro do trono, e de Alice, irmã gêmea do garoto. Katrina fizera questão de dar uma grande festa, afinal era uma data importante, e chamou todas as pessoas influentes do reino. Mas é claro que Robert faria o favor de estragar tudo. Logo na primeira hora ele já estava bêbado. E começou a rir alto e contar piadinhas de mal gosto, enquanto continuava a entornar mais e mais copos de cerveja. Era uma atitude ridícula para qualquer pessoa, quem dirá para um rei. E não tardou para que ele vomitasse bem no meio da pista de dança, sujando umas cinco pessoas que estavam por perto.

Depois, dessa visão pouco bem-vinda, Katrina percebeu que passear pelo palácio faria o contrário de acalma-la. Então, invés disso, decidiu sair em busca de seu pai. Ele estava no palácio por ocasião do aniversário dos netos e Katrina apreciava seus conselhos, ainda mais em momentos tão conturbados. Agora que Nicholas já tinha recém completados 20 anos era hora dele se casar. Robert não ia viver por muito tempo, pelo menos não se dependesse dela, e o reino precisava que Nicholas já estivesse casado antes de assumir o trono. Klaus a ajudaria a pensar no que fazer.

O quarto dele ficava no terceiro andar, junto aos aposentos dos membros da família real, pois como ele era rei da Alemanha, lhe era reservado o melhor que o castelo podia oferecer. Enquanto caminhava até lá, Katrina passou por alguns empregados que lhe lançaram olhares de desprezo. Idiotas. Até parece que se importava com o que eles pensavam dela. Mas não pôde deixar de passar pela sua cabeça a possibilidade de eles serem rebeldes infiltrados. Claro, uma exaustiva pesquisa era feita antes deles serem contratados, porém a rainha aprendera a nunca duvidar da capacidade dos membros do grupo A Onda. Eles eram fortes e poderosos, e o mais importante, extremamente determinado a acabar com as castas e com a monarquia.

Ao chegar à porta do quarto de Klaus, guardas que estavam um em cada lado dela a examinaram por um segundo antes de permitirem sua entrada, deixando Katrina meio desconcertada. Como eles ousavam hesitar em abrir as portas do quarto do pai para a sua própria filha? Lançou lhes um olhar venenoso antes de entrar. Encontrou Klaus atrás de sua escrivaninha, com os olhos fixos em uma pilha de documentos, mas os levantou quando a ouviu se aproximar. Os dois eram muito parecidos. Ambos tinham os mesmos olhos de um tom de verde puxado para o amarelo e os mesmos cabelos escuros, os dele agora brancos por causa da idade. Mas a grande diferença era que ele era rei de uma das nações mais ricas e poderosas da atualidade enquanto ela era a rainha de um rei bêbado e de uma nação afogada em problemas.

— Estou surpreso de encontrá-la aqui. Achei que estaria coordenando a limpeza do palácio - disse Klaus, levantando as sobrancelhas.

— Tem assuntos mais urgentes que necessitam da minha atenção. Como a futura esposa do meu filho - disse Katrina, enquanto se sentava em um dos sofás espalhados pelo quarto e pegava uma xícara de chá.

— Entendo. E o que você quer fazer quanto a isso?

— Estava pensando em promete-lo a princesa da França. Ela é uma garota bonita. Exageradamente doce, mas fácil de ser manipulada. Ou talvez a Amber, filha daquela família de nobres da Noruécia. Ou quem sabe...

— Não - seu pai a interrompeu, levantando uma das mãos

— Não?! – exclamou Katrina.

— Não – ele disse, calmamente – Ando pensando nesse assunto por algum tempo, e imagino que esteja familiarizada com a história de Illéa, considerando esse um de seus deveres como rainha desse país.

Katrina deu um sorriso irônico.

— História? Acho que está me confundindo com meu irmãozinho, pai.

Klaus franziu a testa, em sinal de desapontamento.

— Mas você conhece um processo chamado A Seleção, eu suponho.

Os olhos da rainha se estreitaram de desconfiança.

— Sim, por que? – foi então que a percepção a invadiu – Você não está pensando...? De jeito nenhum. Você acha mesmo que eu vou permitir que meu filho se case com uma garota qualquer da casta quatro?! Ou pior, da casta seis?!

— Só porque ele terá uma seleção não significa que ele tem que se casar com uma garota de casta baixa. Garotas de castas altas também participam. Além disso, nós todos sabemos que a situação no país não é das melhores. Uma Seleção seria a coisa perfeita para o momento, todos os olhos da nação estariam voltados para o príncipe e suas candidatas a rainha. Seria uma chance de acalmar as coisas enquanto não tomamos uma medida mais drástica contra A Onda, uma distração para que possamos resolver nossos problemas

— É estranho a maneira como você se incluiu, considerando que Illéa não é o país que você governa – Katrina comentou, levantando uma das sobrancelhas

— Considerando a forte aliança, assegurada principalmente por você, entre esse país e o meu, acho que eu tenho o direito de me incluir quando digo “nossos problemas”.

Katrina ficou calada por um momento, pensando.

— Eu vou poder escolher as selecionadas?

— Não – Klaus respondeu – Temos que deixar claro que nós não tivemos nada a ver com as garotas que vão para o palácio. O melhor a fazer seria um sorteio. E na frente das câmeras e ao vivo. Só assim a população vai ficar realmente satisfeita.

Katrina deu uma risada de desdém.

— Satisfeita? Eles são um bando de ingratos, nunca vão ficar realmente satisfeitos.

Klaus se reclinou na cadeira e disse:

— Você devia passar a considerar mais os plebeus, Katrina. Pode não gostar deles, mas deixou-os pensar que você gosta. Ou vai ter que lidar com ainda mais problemas do que os que já enfrenta no momento – fixou seus olhos nos dela, e os dois permaneceram olhando um para o outro até que ela virou a cabeça para o chão - Acha que devemos perguntar ao rei sua opinião sobre o assunto? Afinal, ele é o pai do garoto.

A rainha negou com a cabeça.

— De forma alguma. Robert só se importa com qual é o dia que irá chegar o próximo carregamento de bebidas – disse, com um gesto de mão - Uma seleção, então?

Se levantou em um rompante, quase derrubando o chá que segurava.

— Então está decidido. Nicholas terá sua seleção. Quer ele queira ou não.