A Prayer For The Heartless escrita por Izzy Aguecheek


Capítulo 4
Jocelyn


Notas iniciais do capítulo

Nem demorou tanto quanto eu esperava, mas decididamente foi o capítulo mais difícil até agora (até escolher a frase - a música "Mama", do My Chemical Romance, inteira se encaixa nessa relação). Foi o maior, também. Mas eu gostei bastante do resultado final, então... Até lá embaixo!



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Mama, we're all full of lies
Mama, we're meant for the flies
And right now they're building a coffin your size
Mama. we're all full of lies
Well, mother, what the war did to my legs and to my tongue
You should've raised a baby girl
I should've been a better son
If you can coddle the infection, they can amputate at once
You could've been
I should've been a better son

(Mamãe, nós somos todos cheios de mentiras

Mamãe, nós fomos feitos para as moscas

E agora mesmo eles estão construindo um caixão do seu tamanho

Bem, mãe, o que a guerra fez com as minhas pernas e com a minha língua

Você deveria ter criado uma menininha

Eu deveria ter sido um filho melhor

Se você conseguir parar a infecção, eles podem amputar de uma vez

Você poderia ter sido

Eu deveria ter sido um filho melhor.)
My Chemical Romance - Mama

A conversa na sala morreu quando Sebastian chegou. Ele deu um sorriso sem vida.

– Uma graça, o seu amiguinho - disse para Clary. Ela estava empoleirada no braço do sofá, ao lado de Luke. Jocelyn estava em pé, como se tivesse passado algum tempo andando de um lado para o outro. - Daria um ótimo bichinho de estimação.

Os olhos dela se estreitaram, mas Luke pôs a mão no ombro dela e sorriu.

– Achei que já tivéssemos tido essa conversa, Sebastian - disse ele, em tom de reprovação fingida. - Você não pode ter pessoas como bichinhos de estimação.

Ele estava tentando agir como se fosse uma brincadeira de novo. Mas que diabos, aquilo era irritante.

– Pra quê a Jocelyn mantém você aqui, então? - rebateu Sebastian.

– Chega, Sebastian - Jocelyn interveio. Ela parecia irritada, mas principalmente cansada.

– Tudo bem - tranquilizou-a Luke, fitando Sebastian com algo que parecia mais curiosidade do que rancor. Jocelyn respirou fundo, obviamente tentando se acalmar.

– Sebastian, posso dar uma palavrinha com você? - Ela indicou a cozinha com a cabeça.

Resistindo à tentação de recusar e fazer outro comentário ácido, Sebastian seguiu a mãe até o cômodo ao lado e se sentou. Jocelyn ficou em pé na frente dele. Os braços dela estavam cruzados, mas havia algo defensivo na posição, ao invés de desafiador.

Ela encarou o filho até que este sentiu a pose arrogante fraquejar. Por fim, disse:

– Clary me contou o que aconteceu.

Sebastian revirou os olhos e bufou, exasperado.

– Não aconteceu nada. Eu só fiz um comentário. Meu Deus - Ele inclinou a cadeira, equilibrando-a sobre as duas pernas traseiras. - Não se pode nem brincar nessa casa?

– Esse é o problema, Sebastian. Você não estava brincando.

A cadeira bateu no chão com estrépito. Sebastian fitou a mãe, uma sobrancelha erguida e um sorriso de escárnio se formando nos lábios.

– O que, então a Clary realmente está dormindo com o Simon? Ih, eu acho que você deveria se preocupar com isso, Jocelyn.

Ao contrário do que ele esperava, isso não desconcertou Jocelyn. Ela continuou encarando-o daquele jeito doloroso e exigente, como se ele fosse um experimento científico que dera errado e que ela ainda não conseguira consertar. Às vezes, Sebastian achava que era assim que os pais pensavam nele o tempo todo.

– Eu não posso fazer como o Luke faz - disse, baixando a voz. - e fingir que é tudo uma brincadeira, Sebastian.

Houve um instante de silêncio, semelhante ao que houvera no quarto de Clary, durante o qual ambos se recusaram a desviar o olhar. Então Sebastian soltou teatralmente o ar dos pulmões, em uma espécie de suspiro.

– Graças a Deus - comentou. - Eu não aguentava mais.

Jocelyn estreitou os olhos, lembrando cada vez mais a filha.

– Pare de fazer isso.

– Isso o quê? - rebateu Sebastian. Não havia inocência fingida em sua voz, apenas insolência pura. O tipo de tom que, com Valentim, garantia uma perda de controle imediata.

– Dificultar as coisas, Sebastian! - Jocelyn se apoiou no encosto de uma cadeira, apertando a ponte do nariz entre o polegar e o indicador, e respirou fundo. - Todo mundo já entendeu que você gosta de provocar as pessoas.

– Bem, diga ao seu cachorro para agir de acordo, então. Já estou de saco cheio dele rindo de tudo que eu falo.

O olhar que ela lhe lançou poderia ter partido ao meio a bancada de mármore da cozinha.

– E algumas pessoas já aprenderam a não morder a isca.

Sebastian ergueu o queixo, tamborilando na mesa com os dedos. Em outras circunstâncias, aquilo teria soado como um desafio, e ele teria passado o resto da conversa tentando contradizer a afirmação. Porém, com Jocelyn ali parada, encarando-o daquela forma, até manter a pose superior estava se tornando difícil; a bancada da cozinha continuava inteira, mas a coragem dele, não.

Por fim, ele falou:

– O que você quer que eu faça, então?

Isso sim pareceu surpreender Jocelyn. Ela piscou, incerta, diante da franqueza da pergunta, em seguida mordeu o lábio inferior. Não podia ter mais de quarenta anos, mas Sebastian subitamente se deu conta de como ela parecia velha. E cansada. Ao invés de responder à pergunta, ela disse:

– Eu não consigo deixar de imaginar que isso tudo é culpa minha.

O impacto dessas palavras quase deixou Sebastian zonzo. Ele sentiu o sangue ferver, ordenando que ele dissesse que sim, era tudo culpa dela, ordenando que ele a fizesse se sentir mal por tê-lo abandonado com o pai. Mas havia um bolo entalado em sua garganta, impedindo as palavras de saírem.

Jocelyn prosseguiu, quase como se falasse consigo mesma:

– Às vezes, eu me pergunto como seria se as coisas tivessem sido… Diferentes.

Sebastian finalmente encontrou a própria voz, e, o que era melhor ainda, ela saiu ácida como de costume:

– Tipo se você tivesse sido uma mãe decente?

Aquilo não estava certo. Ele percebeu isso pelo modo como Jocelyn se encolheu ao ouvir as palavras, e pelo modo como seu próprio coração pareceu encolher em resposta. Não era aquilo que ele queria, magoar Jocelyn como fazia com todo o resto.

Mas ele não sabia o que queria, e algumas coisas simplesmente estavam guardadas há tempo demais.

– Ou se você não tivesse me abandonado com o meu pai? - continuou. Ele se levantou, falando cada vez mais alto. - Ou se não tivesse me afastado da Clary? Ou se você tivesse ao menos reconhecido a minha existência?

Jocelyn não respondeu às acusações nem olhou para ele, o que só deixou Sebastian mais furioso. Ela deveria gritar de volta, dizer que ele estava sendo injusto, provar que, mais uma vez, ele estava errado. Não assumir a culpa daquele jeito, sem contestar, com aquele olhar arrependido no rosto. Ele não podia ficar com raiva dela se ela fizesse isso, e, se não pudesse ficar com raiva da mãe, Sebastian não sabia de que outra forma reagir.

Raiva era tudo que ele conhecera durante a vida inteira.

– Se você não pode agir como se tudo fosse uma brincadeira - concluiu ele, cruzando os braços. -, você precisa reconhecer que tudo isso é real.

– Eu reconheço - respondeu Jocelyn sem hesitação.

– Bem, agora é um pouco tarde, de qualquer jeito.

Sebastian assistiu às palavras perfurarem a mulher à sua frente. Ele viu com clareza absurda como cada sílaba a atingiu, rasgando caminhos através dela, e trincou os dentes, se recusando a voltar atrás. Espero que isso doa, pensou, com um quê de crueldade. Espero que agora você saiba como dói.

O pensamento não vinha inteiramente da raiva. Havia um desespero incoerente por trás dele, uma busca ilógica por uma conexão.

Se ela soubesse como dói, talvez pudéssemos resolver isso.

Uma esperança irracional de que aquilo pudesse mudar as coisas.

Mas não era assim que Jocelyn queria resolver as coisas, e ele sabia disso.

Eles ficaram em silêncio por alguns minutos, fitando um ao outro. Quando Jocelyn falou, havia um tremor quase imperceptível em sua voz:

– Você não vai acreditar em mim, mas eu realmente tentei.

Sebastian era bom em identificar tremores disfarçados, porque sua própria voz escondia muitos. Não naquele momento, entretanto. Ele já tivera tempo de recolocar a máscara.

– Sabe, eu sempre achei que eu não tivesse herdado nenhuma característica sua, só do Valentim. Mas, na verdade, você é até parecida com o meu pai.

– Não ouse me comparar àquele homem - rosnou Jocelyn. Sebastian a ignorou, aumentando o volume da voz para suplantar a dela.

– É sim. Você também é egoísta. Você mente, igualzinho a ele.

Finalmente, a paciência de Jocelyn parecia estar chegando a um limite, para grande satisfação de Sebastian.

– Você não tem a menor ideia do que está falando - disse ela, o rosto assumindo o mesmo tom avermelhado do cabelo.

– Estamos no mesmo barco, então - retrucou Sebastian. - Afinal, o que você sabe sobre mim? Por que eu seria tão melhor se você tivesse me criado?

Ela não respondeu, mas seus lábios tremeram. Ele abaixou o tom, inclinando-se para frente.

– Você não faz ideia, mãe – A última palavra foi cuspida quase com repulsa. - Fosse lá o que meu pai tinha que te botou pra correr, você me deixou sozinho com isso.

Ele se jogou de volta na cadeira que ocupara anteriormente. Houve mais alguns minutos de silêncio, durante os quais eles não fizeram contato visual. Sebastian suspirou, fazendo o que sabia melhor: assumindo uma postura desinteressada enquanto alguma coisa importante ruía dentro dele.

Às vezes, ele se perguntava se já houvera algo importante de verdade ali dentro.

– Meu pai conversava comigo sobre assuntos sérios, sabe - disse Sebastian, analisando as unhas da mão direita. - Quando eu era pequeno.

Ele ergueu o olhar. Jocelyn parecia frágil e vulnerável agora, sem nenhum traço da dureza de alguns minutos atrás. Sebastian sorriu, sentindo uma espécie de prazer sádico ao ver que ele finalmente a havia afetado.

– Quando eu tinha oito anos - continuou, sem tirar os olhos dela. -, eu perguntei a ele por que você tinha ido embora. Ele me disse que tinha sido porque tem alguma coisa errada comigo.

Àquela altura, a lembrança não doía mais, embora ainda deixasse um gosto amargo em sua boca. Ele já se acostumara à ideia; todo mundo tem que se acostumar depois de ter o mesmo fato jogado na cara durante dezessete anos.

– Isso não é verdade - murmurou Jocelyn, sem olhá-lo nos olhos.

– Eu fico verdadeiramente tocado quando vocês mentem por mim - Sebastian fez uma careta, pensativo. - E meio nauseado, também.

– Você acreditaria em mim se eu estivesse falando a verdade?

O que significava que ela não estava falando a verdade.

Aquele fato era diferente dos outros. Quanto mais era jogado contra ele, mais doloroso ficava.

– Não - respondeu Sebastian, após ponderar por um instante. - Mas você não se importaria, não é mesmo?

Os lábios de Jocelyn se crisparam, e Sebastian percebeu, surpreso, que havia lágrimas nos cantos dos olhos dela.

– Eu me importo que você pense assim - disse ela, baixinho.

Ele sentiu os próprios olhos arderem. Mas não ia recuar, não agora. Sebastian bufou e revirou os olhos.

– É, tá certo. Tanto faz.

Fez-se silêncio na cozinha. Sebastian brincou com um copo que estava na mesa à sua frente, pensativo, chateado, sentindo um desespero oco crescer em seu interior. Ele esperou que Jocelyn se virasse e fosse embora, mas ela permaneceu ali, encarando os próprios pés, como se aguardasse uma solução divina para o problema.

Subitamente, Sebastian atirou o copo na direção dela. Errou por cerca de dez centímetros - talvez não acidentalmente -; o objeto se espatifou na parede ao lado da porta com um ruído alto.

Jocelyn olhou para o filho como se ele tivesse acabado de criar chifres e um rabo de demônio. A imagem mental fez Sebastian rir, o som incômodo até aos seus próprios ouvidos.

– Ah, cara - Ele se esforçou para respirar em meio ao riso. - Você definitivamente não sabe brincar. Devia ter visto a sua cara!

Ainda parecendo horrorizada, Jocelyn não respondeu. Ele continuou:

– Suponho que vá me mandar limpar isso aí, mamãe? Bem, acho que não vai rolar - Satisfeito, Sebastian gesticulou na direção dos cacos de vidro. - Talvez você possa pedir ao seu cachorro. Com certeza ele ficará feliz em atender… ou à sua queridinha Clary, talvez? - O riso desapareceu de seu rosto tão rápido quanto surgira. - Por que ela é a filha perfeita, não é?

A pergunta não era completamente retórica, mas Jocelyn não respondeu. Ao invés disso, disse:

– É melhor você ir embora, Sebastian.

As palavras explodiram dentro dele com o copo na parede: afiadas, dolorosamente claras e potencialmente perigosas. Porém, Sebastian apenas deu um sorriso sem vida e se levantou.

– Claro. Acho que o só os bons filhos retornam à casa, não é?

Ele saiu sem abaixar a cabeça, com a mesma arrogância com a qual entrara. Luke e Clary ainda estavam na sala, mas ele os ignorou, concentrado demais no furacão em seu interior para notar os olhares interrogativos deles.

Quando já estava no jardim, Sebastian hesitou. Percebeu que não queria voltar para casa.

Ele realmente tinha uma casa? O que era um lar, afinal? Até aquele dia, Sebastian estivera convencido de que não precisava de um.

Ele não era um bom filho, afinal.

Pessoas como ele não tinham um lugar para o qual retornar.


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Notas finais do capítulo

Então? Pretendo que o próximo seja o do Luke, e talvez eu leve um tempinho para descobrir a dinâmica entre esses dois. Até lá!
(Novamente, peço que apontem meus erros. É sério. Eu já vi que deixei passar umas coisinhas nos últimos capítulos.)



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