Sob minha pele escrita por Bruna


Capítulo 55
Capítulo 55


Notas iniciais do capítulo

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Mel. 

O mesmo sorriso que esteve tatuado em meu rosto ontem à noite ainda permanece intacto em meu rosto. Pensei que seria estranho, um pouco incômodo, mas eu estava errada. Na verdade, eu venho percebendo que eu estive errada em muitos pontos durante muito tempo. Ver John e Max juntos ontem à noite como filho e pai que eram tirou um pouco do peso que eu carregava sobre meus ombros. Ele ficou para jantar e Max não quis se desgrudar dele por nem um minuto. John só conseguiu ir embora quando ele finalmente cedeu ao sono.

Eu vinha sonhando com isso há muito tempo, e como sempre, a realidade é muito melhor que o sonho.

Mesmo sem querer durante toda à noite eu vim invocando em meus pensamentos todos os momentos em que passamos juntos naquele curto pequeno tempo há três anos atrás. Parece que ficamos juntos uma eternidade, quando na verdade foram apenas algumas semanas.

Entretanto, essas semanas bastaram para me marcar para o resto da vida.

Acabei me recordando da avalanche que senti no momento em que meus olhos o viram pela primeira vez. Nunca passou pela minha cabeça o quanto ele iria mudar a minha vida. O quanto ele iria mudar o que eu era na época. Ele me deu a coisa de mais valor que eu tenho.

Eu me reprimi durante muito tempo. Proibindo a mim mesma de sequer pensar no que havia acontecido entre nós dois. Em tudo o que havia acontecido naquela cabana que eu evitava a qualquer custo. Desde que ele foi embora eu nunca mais voltei a andar perto do lago, perto do lugar onde nós havíamos ficado juntos também. Perto do lugar onde tinham lembranças muito dolorosas. Mas por mais que eu tente reprimir agora, eu simplesmente não consigo. Ele está aqui, ele voltou. Ele sabe que temos um filho. Ele ainda me olha do mesmo jeito. Ele ainda é o mesmo John.

Ele ainda é o homem que eu amo.

Às vezes eu tenho que me segurar para não me atirar em seus braços. A única coisa que me impede é o medo de voltar a sentir tudo de novo, o medo de ter que vê-lo partir outra vez, o medo de que ele me deixe para trás. Foi muito difícil superar da última vez, e sinceramente, eu não estou certa de já ter superado.

— Ele virá pegá-lo hoje à tarde? – Pergunta Ana ao meu lado.

Percebo agora que eu estou há mais de dez minutos encarando a mesma linha do livro à minha frente.

Antes de ir embora John me pediu que desse permissão para que ele levasse Max para passear hoje à tarde. Confesso que me deixou um pouco insegura. Max é uma criança pequena, ele precisa de cuidados, e eu me arrisco a dizer que John nunca teve contato com uma criança da idade dele antes, porém como ele faz questão de me lembrar a cada minuto, ele é o pai do Max. E eu não posso impedir que ele passe um tempo com ele. Ele havia me convidado a me juntar a eles. Ele disse que o levaria aos campos onde ele trabalha. Senti um aperto no peito.

Eu não posso...

Não posso...

— Ele disse que viria lá pelas três horas. – Respondo sem tirar meus olhos da mesma linha. Por mais que meus olhos estejam praticamente enraizados naquela frase, minha cabeça não me deixa formulá-la. John preenche o espaço a cada segundo. E isso é muito irritante.

— Viu como Max estava animado com ele ontem? Viu como John parecia estar encantado com ele? Ele não conseguia disfarçar. E eles são tão parecidos. – Termina Ana com um sorriso no rosto.

Como ela acha que eu não percebi tudo isso?

— Não sei quanto tempo isso vai durar. – Murmuro pensativa.

Ana larga o que está fazendo para me encarar com as sobrancelhas franzidas.

— Como assim?

Bufo.

— Nós duas sabemos o que vai acontecer. Ele vai embora talvez daqui a uma ou duas semanas. – Respondo com amargura.

— Você sabe que pode impedir isso Mel. – Contra ataca Ana. Ela vem fazendo isso nos últimos dias.

Olho para ela como se tivesse acabado de crescer um chifre em sua cabeça.

— Eu? – Pergunto confusa. – Como eu posso impedir isso? Por algum acaso eu consegui impedir da última vez?

Odeio a parte de mim que ainda sente rancor por isso.

— Mel, as coisas são diferentes agora. Você sabe disso. Ele ainda te ama, e ver vocês três juntos ontem me deixou emocionada. Vocês são uma família. E até um cego pode ver o quanto vocês ainda se amam, ainda que você tente esconder. – Diz com uma expressão zangada. – Por que ao contrário de você, ele não tenta esconder isso. Ele deixa escancarado para qualquer um ver. Pare de ser orgulhosa menina! – Exclama.

— Não sou orgulhosa. – Murmuro.

Ana arqueia uma sobrancelha.

— Você é a pessoa mais orgulhosa que eu conheço nesse mundo. Às vezes eu sinto raiva do quanto você é burra.

Arregalo meus olhos.

— Isso mesmo que você ouviu. Seu orgulho te torna burra! – Esbraveja. – Se você fosse um pouquinho mais esperta, e conseguisse enxergar um palmo a frente dessa sua raiva, você iria com ele, e com seu filho essa tarde. Ficaria com ele. Se permitiria.

— Não. – Digo cortante. – Não mesmo. Ele é pai do Max e isso eu não posso mudar, mas eu não quero ficar perto dele Ana. Não quero.

Ana revira os olhos.

— Haja paciência com você! – Diz Ana fazendo drama.

Por mais que eu queria, eu não posso me deixar envolver de novo. Ninguém além de mim pode entender o porquê de eu me proteger tanto.

Ninguém...

[...]

Acabo de dar banho no Max. Estou penteando seu cabelo enquanto ele brinca com um caminhão de brinquedo. Julia está ao meu lado tagarelando sem parar desde que soube que John jantou aqui à noite passada,

— Não adianta você fazer essa cara de emburrada, que eu sei muito bem que por dentro você está soltando fogos! – Diz Julia dando pulinhos parecendo uma garotinha de cinco anos.

Faço uma careta para ela.

— Isso é muito adulto. – Ela diz revirando os olhos.

— Eu ainda não sei o que você quer que eu diga. Ele veio aqui, ficou com Max, jantou com ele, eles assistiram um filme...

Julia me corta.

— Não adianta omitir nada. Minha tia já me contou que você ficou com ele. Vocês três, sentadinhos, juntinhos. Como a família que são.  – Diz soltando risinhos irritantes.

Ana e sua boca grande!

— Claro que eu tinha que ficar perto do meu filho.

— E do pai dele também. – Diz maliciosa.

Sinto minhas bochechas esquentarem.

— Para com isso! – Digo irritada.

— Vamos ser sinceras. – Diz me encarando de perto. Odeio quando ela faz isso. Eu simplesmente não tenho para onde correr. – Você não sente nada estando perto dele? Sei lá, uma vontade de agarrá-lo! Já faz um bom tempo! Duvido que você não sinta falta de estar com ele.

— Não. Não sinto falta nenhuma. – Minto descaradamente.

Quase meus esforços foram pelo ralo ontem à noite, durante o tempo que tive que ficar ao seu lado. Sentindo sua presença. Sentindo seu cheiro. Seus olhos se desviavam para mim a cada segundo, enquanto eu me obrigava a manter os meus cravados na televisão à minha frente. Me negando a olhá-lo. Me negando a recordar do que tinha acontecido naquela noite na pousada. Eu fui muito consciente dos seus dedos entrelaçados aos meus durante uma parte da noite. Me repreendi mais de mil vezes, quando me pegava desejando com todas as minhas forças que ele me beijasse outra vez.

Essa parte foi um deslize...

E Julia não precisa saber disso.

— Você é uma grande mentirosa! – Me acusa Julia. Posso ver a diversão em seus olhos.  – Duvido que você ainda não o deseje.

Cravo meus olhos nela com irritação, mas como sempre ela parece não ligar.

— Para de falar sobre essas coisas na frente do Max. – Digo entredentes.

— Mel, ele é uma bebê. Ele nem entende do que estamos falando. – Diz Julia como se eu fosse idiota. – Não adianta você negar para mim! Eu só queria que você parasse de ser tão burra. E pelo amor de deus, para de pentear o cabelo do meu afilhado! Você está fazendo isso há quase dez minutos! – Diz arrancando a escova das minhas mãos e a atirando em cima da cama.

Max me encara com os olhos muito abertos, deixando muito clara a cor de seus olhos.

Sorrio.

— Desculpa meu amor. – Digo beijando sua bochecha.

— Ah! Você está tão lindo. – Diz Julia tirando Max do meu colo. – Você está animado para passear hoje? – Pergunta.

Max aquiesce.

— Fique com ele que eu vou dar uma olhada se ele já tem tudo o que precisa na bolsa dele. Não quero esquecer nada, para depois ele não me acusar de ser uma mãe desnaturada. – Digo amarga.

— Ele não faria isso, sua chata.

— Chata não! – Diz Max parecendo zangado.

Sorrio satisfeita.

— Ih! Você tem um defensor. – Diz Julia contendo o riso.

Caminho até a cômoda do outro lado do quarto perto da janela. Abro a bolsa e inspeciono para ver se eu não me esqueci de alguma coisa. Mamadeira. Ok. Roupas. Ok. Chupeta. Ok. Fraldas. Ok. Me pego rindo imaginando John trocando a fralda de Max.  

Levanto meus olhos e o vejo. Ele está parado em frente à cabana. Em frente à cabana em que ele ficou da outra vez. Em frente à cabana em que tantas vezes ficamos juntos. Meu coração tem um tombo no peito.

O que ele está fazendo ali?

— Julia, eu já venho. Acho que eu esqueci uma coisa na cozinha. – Digo apressada. – Fique aqui com ele.

— Tudo bem. – Ela responde.

O que eu estou fazendo?

Saio a passos firmes, desço as escadas as pressas, dou a volta no restaurante, fazendo o caminho que eu tanto evito. Ele está lá. Parado. Com as mãos nos bolsos. De costas para mim. Lindo com sua calça jeans escura e sua camisa branca. O cabelo impecavelmente penteado para trás. Deveria ser proibido ser tão bonito. Paro um instante e o observo. Sinto minha respiração presa na garganta.  Meus pés encontram o caminho outra vez. Ele se vira a ponto de ver eu me aproximando.

Um sorriso se abre em seu rosto.

Odeio quando ele sorri desse jeito. Minhas pernas viram gelatinas. E não há nada que eu possa fazer, há não ser me esforçar o máximo para não parecer uma idiota.

— Você está linda. – Seus olhos verdes me examinam dos pés a cabeça.

— Obrigada. – Murmuro contrariada. - O que está fazendo aqui? – Pergunto tentando me recompor. Tentando resgatar o mínimo de dignidade que me resta antes que ela escorra pelo ralo.

— Eu vim buscar o Max. Nós combinamos ontem. – Diz confuso.

— Eu sei disso John. Mas a entrada do restaurante fica do outro lado, não aqui. – Digo irritada.

Seus olhos me encaram por um tempo. Eles quase podem me atravessar. Eu havia me esquecido do quanto ele consegue mexer comigo com apenas um olhar.

E ele sabe disso.

Cretino!

— Não resisti. – Murmura baixinho. – Vocês não usam mais? – Pergunta voltando a olhar a cabana.

— Nós não usamos há muito tempo John, mesmo quando você esteve aqui da outra vez. O que aconteceu foi que a Ana convenceu o meu avô a deixar vocês dois ficarem.

— E você queria que nós fossemos embora. – Diz cruzando os braços em frente ao peito, trazendo a tona aquela noite que ficou perdida no passado.

— Queria. – Respondo, tentando me manter o mais impassível possível.

Ele baixa os olhos até um chão e dá um longo suspiro.

— Você não baixa a guarda nunca, não é? – Pergunta parecendo magoado.

Engulo em seco.

O que ele estava esperando?

Eu não consigo ser de outro jeito, não quando estou perto dele. É automático. Eu estou me protegendo.

— Não quero falar disso outra vez.

— Eu te amo. – Ele diz baixinho ignorando minhas palavras. – Eu amo você. Nós temos um filho, e eu pensei muito, e eu estou disposto a esquecer de tudo. Eu quero ficar com você. Eu quero ficar com o nosso filho.

— Não é fácil esquecer de tudo John. – Murmuro sentindo meu coração bater desesperado no peito.

— Eu sei que não é. Eu fiquei com muita raiva quando eu soube sobre o Max, porque eu me dei conta de que eu tinha perdido um tempo importante da vida dele, mas agora que eu estou aqui, eu quero aproveitar o máximo. Eu quero ser o pai que ele precisa, e quanto a nós dois – diz se aproximando – eu não sou ingênuo a ponto de acreditar que nós poderíamos voltar de onde paramos, mas eu acredito que nós podemos ir adiante. Eu só preciso que você me responda. Você me ama?

Claro que eu amo seu grande idiota!

Engulo essas palavras. Não posso me deixar levar. Não posso esquecer tudo. Não posso. Ele não voltou. Ele nunca voltou. Nunca!

— Não quero falar sobre isso John. Por favor, agora não. – Digo desviando meus olhos dos seus.

— E quando vamos falar? – Pergunta erguendo meu rosto para que eu o encare outra vez. Eu não consigo olhar esses olhos e não sentir tudo dentro de mim desmoronar. – Por favor, me dá uma chance. Uma oportunidade. Eu juro que nunca mais vou te magoar Mel. Eu preciso que você me dê uma chance. – Implora.

Ele encosta seu rosto ao meu e eu simplesmente esqueço de tudo. Esqueço de onde estou. Esqueço de tudo o que eu já havia prometido a mim mesma. Esqueço que eu não quero mais amá-lo. Ele deixa um beijo delicado na maçã do meu rosto. Sua barba pinica o meu rosto de um jeito sedutor. Suspiro. Ele arrasta seus lábios até os meus. E eu fico sem reação enquanto ele me beija com cuidado, de um modo que faz meu coração doer. Ele arrasta seus lábios sobre os meus, e eu sinto meu corpo inteiro responder a ele.

— Por favor, não faça isso. – Choramingo.

— Que outro jeito eu posso arranjar para que você não me afaste? – Pergunta. – Eu preciso que você me ouça. Eu amo tanto você.

Quando o último pingo de sensatez desce ralo a baixo, eu jogo meus braços envolta de seu pescoço e o beijo com toda a saudade que sinto. Ele passa seus braços por minha cintura me puxando para ele o máximo possível até nossos corpos estarem completamente grudados. Sinto a mágica que seus lábios me proporcionam reverberar por todo o meu corpo. E não quero que ele me solte. Estando assim tão perto dele eu sei que aqui é onde eu devo estar.

Meu corpo sente a falta dele!

Faz tanto tempo...

Quando o ar falta nos afastamos. Puxo o ar com força. Ouço sua respiração ofegante. Deito minha cabeça em seu ombro. John me abraça forte. Ele acaricia meus braços, e enfia o rosto em meus cabelos exatamente como ele fazia antigamente.

Certas coisas nunca mudam.

— Viu como você me ama. – Não preciso nem olhar para saber que aquele sorriso sedutor está tatuado em seu rosto. – Por que você resiste tanto?

Por que não quero que você me magoe outra vez.

Afasto-me de seus braços e instantaneamente me sinto vazia. Recomponho-me ainda sem conseguir encará-lo.

Não acredito que eu me deixei levar outra vez...

Mas que droga!

Onde diabos está a minha força de vontade quando eu preciso dela?

— O Max já está pronto. Ele está te esperando. – Digo mudando de assunto.

John suspira alto.

— Droga Mel. – Diz exasperado passando os dedos entre os cabelos curtos. –Você não pode fugir para sempre. Nós precisamos falar sobre isso. Sobre nós dois. – Diz parecendo irritado. – Eu sinto muito por antes...

Eu o corto.

— Isso não é hora John. Agora não.  – Digo dando as costas e voltando ao restaurante. Não me permito olhar para trás, porém mesmo assim, eu o sinto vindo em meu encalço.

Entro no restaurante e vejo Julia conversando com Max. Max abre um sorriso assim que vê John. John se agacha e abre os braços assim que o vê. Max corre do seu melhor jeito até ele.

— Que saudade de você. – Diz John o abraçando com força. John se levanta com um Max radiante ainda em seus braços. É inegável que já haja um laço muito forte entre os dois. – Pronto para passear? – Pergunta animado. – Julia! – Diz a saudando.

— Sim. – Responde Max.

Caminho até Julia para pegar a bolsa, e vejo o sorrisinho debochado em seu rosto.

Droga!

Será que ela viu o nosso beijo?

— Aqui está tudo o que ele precisa. – Digo entregando a bolsa para John. Ele a coloca sobre o ombro.

— Certeza que não quer vir com a gente? – Pergunta esperançoso. – Nós vamos fazer um piquenique. – Diz beijando a bochecha do Max.

— Não. Eu tenho muito o que fazer por aqui. – Respondo depressa. – Não descuide dele John. Você não pode tirar os olhos dele. Max pode sumir em segundos. Por favor, me prometa.

Uma parte minha está muito nervosa por deixar os dois a sós. John não deve saber como cuidar de uma criança. Isso está me deixando muito apreensiva.

— Não se preocupe Mel. Não vou tirar os olhos dele. Claro que seria muito melhor se você viesse, mas já que você não quer. – Diz dando de ombros. – De qualquer modo você sabe onde nos encontrar. Se mudar de ideia, nós vamos estar esperando.

É tentador. Muito tentador.

— Não posso. – Respondo juntando todas as minhas forças. – Ei! Você. Não vai se despedir da mamãe? – Pergunto para Max fazendo bico.

Ele sorri. John o coloca no chão e ele vem até mim. Eu o abraço forte. Abraço meu menininho bem perto de mim.

— Eu te amo muito, meu amor. – Murmuro beijando sua testa.

— Amo mamãe. – Ele responde.

— Se comporta. Você tem que obedecer ao seu pa... ao John. – Pisco algumas vezes. Eu ainda não encontrei um modo de dizer para ele. Não sei se ele vai entender. – Me dá um beijo? – Peço. Ele se inclina e deixa um beijo molhado em minha bochecha.

— Vamos, campeão. - Diz John estendendo a mão para ele. Max caminha de volta para ele. Ele acena para mim outra vez. – Eu o trago no fim da tarde Mel. – Diz com o sorriso que puxa as cordas do meu coração.

— Tudo bem. – Digo com o coração apertado ao ver meu garotinho passar pela porta ainda acenando para mim.

— Eles são incríveis juntos. – Diz Julia apoiando a cabeça em meu ombro. – Ver os dois assim me dá vontade de ter filhos. Eu amaria ver o Gabriel desse jeito. Com esse sorriso orgulhoso no rosto. – Diz suspirando.

— Não entendo porque ainda não teve. – Digo virando meu rosto para encará-la. – Vocês estão casados há algum tempo.

— Eu queria esperar ele terminar tudo o que ele tem que fazer. Queria que ele se firmasse de uma vez na carreira.

— Ele já fez isso. – Digo a encarando com a sobrancelha arqueada.

— Verdade, acho que é hora de começar a trabalhar então. – Diz piscando um olho e com um sorriso malicioso desenhado nos lábios.

Solto uma gargalhada.

— Você deveria ter ido com eles.

— Claro que não Julia! – Digo exasperada.

— Eu vi vocês dois. – Ela sussurra baixinho como se fosse um segredo. – Vocês estavam se agarrando. Você se esqueceu de onde fica a janela do seu quarto?

— Não esqueci. – Respondo brusca.

— Não precisa ficar nervosinha. Eu já te disse tudo o que eu gostaria, e você sabe o que eu penso. Você não resiste àquele sorriso, e nem aquele charme todo que ele esbanja. Não te culpo! De verdade.

Caminho até umas das cadeiras e me apoio nela.

— Não é tão simples. É como se eu ainda estivesse amarrada aquele dia. Amarrada a tudo aquilo o que aconteceu. Eu não consigo me soltar. Eu sempre fico na defensiva... – Deixo a frase no ar.

A sensação de ter o chão desabando sob os meus pés. A sensação de desolação ao vê-lo ir embora. A impotência de não poder fazer nada para fazê-lo mudar de ideia, para fazê-lo ficar ao meu lado ainda me esmagam por dentro. Alguma coisa se perdeu naquele dia, alguma coisa dentro de mim se destruiu, e por mais que eu me esforce eu não consigo resgatá-la.

— Você tem que se deixar levar. – Diz Julia agarrando meu braço e me forçando a me virar para encará-la. – Olha só como você fica. – Murmura secando com ternura as minhas lágrimas. – Você precisa perdoá-lo Mel.

— Não consigo. – Digo com a voz entrecortada. – Não consigo.

Julia me abraça por um tempo, e eu me permito ser confortada, me permito chorar...

— Lembra como você ficava antes de finalmente assumir que estava apaixonada por ele? – Pergunta Julia de repente. Engulo em seco. Não sei aonde ela quer chegar com isso. – Você ficava toda irritada pelo simples fato dele te olhar mais do que o devido. Quando ele sorria para você desse jeito que apenas ele sabe fazer eu tinha medo de que você pulasse em cima dele, e que você acabasse arrancando todos os seus dentes. – Diz soltando risinhos. – Mas eu sabia, eu sempre soube, que no fundo você só estava tentando se proteger. Eu sabia que você gostava dele, assim como eu soube quando você começou a se apaixonar, e então quando passou a amá-lo.

— Por que está me dizendo isso? – Pergunto desconcertada.

— Porque você está fazendo tudo de novo, mas eu devo confessar que com muito mais força de vontade.

— E eu tenho razão em ter mais força de vontade. – Replico. – Por que diferente de antes, agora eu sei como as coisas terminam.

— Você não sabe. – Continua Julia com as sobrancelhas franzidas. – Eu não sei, ele não sabe. Não tem como saber Mel. Se você deixar que esse medo te prenda, se você deixar que esse medo de impeça de tentar outra vez, eu tenho certeza de que você irá se arrepender para o resto da sua vida. Por que se contentar em viver para sempre com a lembrança do homem a quem você ama, quando você pode tê-lo ao seu lado pelo resto da vida?

Suas palavras me acertaram como um soco no estômago. Senti todo o ar deixar o meu corpo. Não sei porque me surpreendi. Julia sempre sabe mais sobre mim do que eu mesma.

— Odeio quando você dá uma de sabichona. – Murmuro com teimosia.

Julia abre um sorriso enorme.

— Se eu não bancar a sabichona de vez em quando você fica empacada na vida.

Sorrio.

— O que quer insinuar? – Pergunto sem conseguir disfarçar a diversão em meu tom de voz. De repente meu humor deu um salto considerável.

— Nada. – Diz piscando angelicalmente. – Por que você não se permite apenas hoje? Só hoje. Por hoje. Não pense no amanhã, apenas, viva hoje. Aproveite! – Diz animada. – Seu filho e seu amor estão te esperando. Você ouviu o que ele disse. Ele está te esperando.

— Não posso aparecer de repente...

— Acho que você precisa de uma desculpa. – Diz Julia dissimulando. Estreito meus olhos para ela. – Talvez eu tenha tirado algumas coisas da bolsa do Max.

Arregalo meus olhos. Tenho certeza de que minha boca está num “O” perfeito.

— Você não fez isso. – Digo incrédula.

— Como eu disse, se eu não der um empurrão, você fica empacada.

[...]

Desde que entrei no carro, e desde que deixei o restaurante para trás há alguns instantes, eu ainda não sei o que me impulsionou a fazer isso. Não sei o que estou fazendo. Eu só posso ter enlouquecido.

E isso é tudo culpa da Julia!

Ela tirou a mamadeira do meu filho da bolsa! Ela enlouqueceu! Max não fica sem sua mamadeira. Ele deixará John louco! Não posso permitir que isso aconteça. E sendo a boa mãe que me orgulho de ser, me sinto na obrigação de ir até lá.

Claro que é por essa razão.

E apenas por essa razão.

Ele disse que estaria onde nós estivemos há alguns anos atrás. Mesmo evitando esse lugar a todo custo nos últimos três anos, eu sei perfeitamente onde fica. Não acredito que estou indo até lá.

Quando estou me aproximando da pequena estrada que me levará a colina, já vejo sinais de todo o trabalho que está se desenrolando por ali. Avanço com o carro até onde eu posso. Quando a estrada se faz estreita demais para que a caminhonete passe, eu decido por continuar a pé.

Sinto o sol aquecer meu rosto assim que me ponho a subir a colina. O sol brilha forte, e me repreendo por não ter passado protetor solar em Max. Sorte que eu sempre carrego em minha bolsa.

Ótimo! Mais uma desculpa para estar aqui!

Assim que me encontro no topo passo meus olhos por todos os cantos tentando achá-los. Escuto uma agitação a minha frente. Coloco minha mão em frente ao rosto para enxergar melhor já que o sol está muito forte. Max está correndo atrás de uma bola, enquanto é observado de perto por John. Sinto meu coração ter um tombo no peito. É uma vista maravilhosa. Ele ri, gargalha, achando muito divertido toda a brincadeira. John parece se divertir também.

Sorrio.

Eles são perfeitos!

E como são parecidos!

Por deus!

Não é de se admirar que eu nunca tenha sido capaz de esquecer John durante todo esse tempo. De um certo modo Max o substituiu.

Max corre até John e ele o levanta em seus braços o erguendo um pouco acima de sua cabeça. Sinto meu coração parar, e quase me sinto tentada a correr até lá antes que alguma coisa aconteça. Porém a gargalhada alegre de Max me impede.

Ele parece tão feliz...

Sempre sonhei com isso. Sempre soube que John seria um bom pai. Sempre soube que Max estava perdendo algumas coisas. Mesmo que eu tentasse o compensar dando todo o meu amor para ele. Assistindo essa cena agora, eu sei que nunca seria suficiente.

Eu estava enganada!

John o coloca de volta no chão e ele se o põe a correr para recuperar a bola. Nesse momento por alguma razão John se vira e nossos olhos se encontram. Me sinto presa por um momento. Presa como eu sempre estive em sua imensidão verde.

Com o coração dando saltos dignos de uma olimpíada dentro do peito, eu obrigo meus pés a caminharem até ele. Assim que Max me vê ele se agita.

— Mamãe! – Grita agitado correndo até mim.

Me abaixo para receber seu abraço. O agarro com força em meus braços. John nos assiste com uma expressão indecifrável no rosto. Porém, eu consigo ler bem o que se passa em seus olhos. Ele se sente do mesmo modo que eu estava me sentindo assistindo os dois há poucos minutos.

— Fico feliz que você tenha vindo. – Sua voz o trai e ele sabe disso.

Sorrio.

— Está muito quente, e eu me esqueci de passar protetor no Max, além de ter esquecido a mamadeira em cima do balcão na cozinha. – Me apresso em formular uma desculpa decente.

— Claro que sim.

— Você está se divertindo? – Pergunto ao garotinho de olhos brilhantes em meu colo.

— Jogando futebol! – Diz animado.

— Futebol? Sério? – Pergunto achando graça de seu entusiasmo.

— Que tal se dermos uma pausa no futebol para fazermos um lanche? – Pergunta John bagunçando os cabelos loiros de Max.

— Acho uma ótima ideia. – Digo sorrindo. Sentindo que estou fazendo a coisa certa.

Minha resposta parece alegrar John.

Não sei por que me surpreende o fato de ele ter uma cesta de piquenique pronta no porta malas do carro. Quer dizer, ele fez isso da outra vez.

Eu deveria saber...

Estamos sentados em uma toalha sobre a grama verde da colina. Assisto Max enquanto ele brinca entretido com seu novo carrinho. John está sentado ao meu lado, e parece hipnotizado assistindo Max. Quase como se fosse uma coisa do outro mundo. Entendo que deva ser uma coisa do outro mundo para ele. Eu tive dois anos e quatro meses para me acostumar, e para me sentir maravilhada enquanto assisto o meu garotinho crescer. Ele não. É tudo novo para ele.

— Se lembra da última vez que estivemos aqui? – Ele pergunta de repente quebrando o silêncio. – É uma das melhores lembranças de toda a minha vida.

Sinto meu rosto esquentar, e não tenho certeza de que o sol seja o culpado.

— Eu me lembro. –Murmuro baixinho.

— Era um dia como esse, e nós também fizemos um piquenique. – Diz sem tirar os olhos de Max. – Lembra como você estava preguiçosa naquele dia? Acho que sabemos o motivo agora. – O sorriso em seu rosto me tira o ar.

— É. – Respondo simplesmente.

— Também me lembro muito bem do que aconteceu depois. – Diz sério virando o rosto para me encarar.

Agora sim eu me esqueci de como se respira!

Aquele dia ronda os meus sonhos desde sempre. Eu me lembro de acordar atordoada muitas vezes durante a madrugada depois de sonhar que estávamos nós dois outra vez naquele sofá. Apenas nós dois. Sem mais nada. Porém logo depois a cruel realidade batia a minha porta e se fazia presente.

— Não acredito que o fizemos. – Diz pensativo voltando a encarar Max. – Ele é perfeito.

— Eu sei. Eu me senti assim muitas vezes. Principalmente depois de pegá-lo em meus braços pela primeira vez. – Digo e logo me arrependo. Eu não devo ficar lembrando a todo instante o tanto de coisas que ele perdeu. Principalmente quando eu sou a única culpada por tudo.

— Eu sempre quis ser pai, e depois de te conhecer eu sempre sonhava com uma garotinha de cabelos e olhos escuros. Nunca me passou pela cabeça que na verdade seria um garotinho muito loiro, e de olhos exatamente como os meus.

— Sempre achei que ele deveria parecer comigo. – Digo contendo uma risada.

John me encara e me presenteia com um de seus sorrisos deslumbrantes e destruidor de corações.

— Às vezes a vida não é justa. – Diz e seu comentário me dá a leve impressão de que ele se refere à outra coisa.

— Verdade. – Respondo sustentando meu olhar ao seu, sentindo aquela avassaladora, e já tão familiar energia que nos conecta um ao outro. Quase como uma linha invisível que vai do meu coração até o dele.

Max se cansa de seu carrinho e vem até nos.

— Papai. – Diz puxando as mãos de John para que ele se levante.

O tempo parece parar ao meu redor. Talvez eu tenha ouvido errado. Mas a simples palavra que Max disse fez meu coração se comprimir no peito. E talvez tenha me devolvido algo.

— O que vamos fazer agora? – Diz John se levantando e o jogando por sobre seu ombro o fazendo gargalhar.

Sorrio.

Sinto meus olhos marejarem.

Talvez Julia tenha razão. Talvez eu pudesse tentar. Mal posso imaginar toda a felicidade que eu teria se todos os meus dias pudessem ser assim. Nós três. Juntos.

— Vamos Mel! Precisamos de mais uma pessoa! – Grita John se pondo a correr com um garotinho radiante em seu encalço.

— Vem mamãe! – Grita Max.

Sorrio. Me levanto e corro até eles. Não lembro qual foi a última vez em que me senti tão completa.

Tão feliz.


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