Sob minha pele escrita por Bruna


Capítulo 53
Capítulo 53




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John. 

Ela não consegue me encarar. Ela segura os braços com força. E eu sinto a raiva irradiar do meu corpo.

Ela engravidou.

Ela teve um filho meu, e não me disse nada.

Nada!

— Eu te fiz uma pergunta Melissa. – Digo secamente, sem conseguir tirar meus olhos dela.

Uma lágrima desce por sua bochecha e ela a seca. Sinto meu coração doer no peito. Não acredito que estamos aqui frente a frente. Não acredito que tivemos um filho. Não acredito que eu sou pai. Incrivelmente isso me deixou muito feliz. Ele é um pedacinho nosso. Ele é adorável e muito inteligente, e pensar que ele nem sabe que eu sou seu pai me machuca mais do que qualquer outra coisa que Mel já tenha feito.

Ela respira fundo e me encara de rosto erguido.

— O que você queria que eu fizesse? – Diz de nariz empinado. Como sempre sendo a criatura teimosa que me tira do sério.

Bufo.

— O que eu queria que você fizesse? – Pergunto irônico. – Você está brincando comigo? Você disse mesmo isso? – A encaro com ferocidade e ela nem sequer treme sobre meu olhar. Eu conheço essa pose. Ela está com sua armadura agora. – Você devia ter me contado sobre ele! Você deveria ter me dito que eu iria ser pai! – Esbravejo.

Ela leva as mãos ao rosto e dá um suspiro longo.

— Eu não sei para que você voltou. Não sei mesmo. – Seus olhos castanhos brilham com uma raiva mal disfarçada. – Você lembra de tudo o que você me disse? Você queria que eu rastejasse aos seus pés com o meu filho nos braços? Nunca! – Ela explode. – Nunca John! Eu nunca faria isso! Eu tenho meu orgulho!

— Que se dane a porcaria do seu orgulho! Eu não queria que você rastejasse aos meus pés! Por que eu iria querer isso? Mas eu tinha o direito de saber! E você tirou isso de mim! – Digo alterado. – Eu nem sei se eu te conheço mais. – Digo baixinho me sentindo magoado. Enganado. – Você não é quem eu achei que fosse. Você é egoísta demais, você nem se importou comigo!

Isso parece irritá-la. Parece irritá-la muito. Seu rosto toma um tom avermelhado, e ela parece prestes a explodir.

— Você disse mesmo isso? Eu não sou quem você achou? Eu sou egoísta? E o que você me diz de você? – Ela grita me acusando. – Eu me apaixonei por você, eu me entreguei para você. Você me fez promessas. E você não cumpriu nem uma delas. Na primeira oportunidade você foi embora daqui e nem sequer olhou para trás. Então eu posso dizer que com certeza você nunca foi quem eu pensava, e o único egoísta que eu vejo aqui é você! Você e a porcaria do seu mundinho egoísta, onde você não aguenta ouvir um não!

Engulo em seco.

— Eu te amei de verdade Mel. – Digo a encarando. – Eu ainda amo você, mas isso, isso é demais para mim, e você não pode me recriminar por estar puto, porra! O que você achou?

— Você não me ama John. Eu não sei o que você sente, mas com toda a certeza não é amor. – Diz com desprezo. – Amor não é isso. Nós lutamos por quem nós amamos. Você nunca lutou por mim.

Eu nunca lutei por ela?

Ela sabe o inferno que tem sido esses últimos anos? Eu mal tenho vivido. Nada me anima, nada me faz feliz. Só por tê-la visto outra vez nesses últimos dias eu já sinto minhas forças renovadas. Ela é uma parte perdida minha. Eu preciso dela para funcionar.

— Eu posso ter agido errado. Eu posso ter feito às coisas de cabeça quente, mas tudo o que eu disse, tudo o que eu prometi, cada segundo, foi muito sincero. E eu estava disposto a lutar por você se você quisesse. Mas você não quis. – Digo a acusando. – Você decidiu ficar!

Ela pisca algumas vezes. Coloca uma mecha longa e castanha de cabelo atrás da orelha, me encara por sob os cílios, e esse olhar destrói meus muros. Minhas fortalezas. Seu olhar desamparado sempre acaba comigo.

— Eu não quis? – Pergunta baixinho com a voz embargada. – Antes de ir embora você sequer pensou em conversar comigo de cabeça fria? – Pergunta parecendo desolada. – Você sabe como foi difícil para mim ter que abrir mão de você? Sabe o quão difícil foi te ver indo embora? Sabe como foi passar todos os dias desejando que você voltasse?  – Ela limpa o rosto com as mãos e volta a me encarar. - Sinto muito se eu não correspondi suas expectativas naquela época John. – Diz com a voz pingando sarcasmo.

— Tudo aconteceu de um jeito errado. Nós dois poderíamos ter voltado atrás! – Digo nervoso me lembrando muito bem dela saindo pela porta sem olhar para trás. – Eu não fui o único errado aqui, e você sabe disso! Se você quer apontar erros, então aponte os seus também!

Ela funga.

— Você não me deixou muitas escolhas John! Eu voltei atrás por você naquele dia. Mas acabou não valendo de nada! E tudo porque você é um cabeça dura idiota!

— Você tinha a escolha de me contar Mel. – Digo entredentes. – Tudo poderia ser diferente.

— Eu não sabia que estava grávida naquele dia! – Ela explode irritada. - E eu tentei fazer isso depois. – Diz começando a andar de um lado para o outro. Meus olhos a seguem como se ela fosse um tipo de imã. – Eu liguei para você quando eu descobri que estava grávida, mas você não me atendeu. Nem uma vez sequer!

Franzo minhas sobrancelhas em confusão. Eu não me lembro de ter recebido nenhuma ligação dela depois de ir embora, a não ser em uma certa noite.

— Você podia ter tentado outras coisas Mel. – Digo já me alterando outra vez. Me alterando por ela falar sobre isso com tanta tranquilidade. Como se tivesse feito demais em pelo menos tentar. – Droga! Você me encontrou uma vez! Achou meu telefone! Você já estava grávida! Você poderia ter me dito!

Ela sabia!

 Ela conversou comigo!

 Ela não me disse nada!

Mas que inferno!

— Por que você não tentou? – Diz ríspida apontando o dedo para mim. – Eu tive que ficar te caçando, enquanto tudo o que você precisava fazer era pegar a porcaria do telefone e me ligar! Você sempre soube onde eu estava, mas nunca se importou em saber como eu estava!

— Não era eu que estava com um filho na barriga! Não misture as coisas Melissa! Porra! Uma coisa é nós dois, nossos problemas, outra coisa completamente diferente é o nosso filho! – Eu explodo para ela. – Você sabe o que você fez? Você sabe o que eu estou sentindo agora? Acho que você nunca passou de uma criança mesmo! – Digo sem pensar.

Isso a enfurece.

— Você sabe por tudo o que eu tive que passar? – Ela esbraveja de volta. – Você sabe como eu fiquei aqui sozinha com um filho recém-nascido? Tendo que aguentar os comentários maldosos! Você não sabe de nada porque você estava na porcaria do seu mundinho particular! Onde todos fazem tudo o que você quer!

— Você não precisava ter ficado sozinha, porque ele tem um pai! – Grito para ela. – Você podia ter engolido a porcaria do seu orgulho e me contado! Eu não acredito que você fez isso. – Digo levando minhas mãos a cabeça. Puxando meu cabelo com força entre os dedos.

— Eu engoli a porcaria do meu orgulho muitas vezes por você! – Ela me acusa outra vez. – Eu te procurei quando eu descobri sobre a minha gravidez, porque apesar das coisas terem terminado do jeito que terminaram você ainda tinha o direito de saber por que eu estava carregando o seu filho! - Grita em pose de batalha. - Quando você não me atendeu eu achei que você não quisesse mais falar comigo, então eu decidi ter meu filho sozinha. – Faço menção de falar outra vez, porém ela levanta a mão para me calar. Deixo-a continuar porque eu quero ouvir sua explicação. – Alguns meses depois eu tentei te procurar outra vez, e quando eu finalmente consegui que você me atendesse, quando eu finalmente tomei coragem para te procurar outra vez para te dizer que nós íamos ter um garotinho, uma amiguinha sua atende em seu lugar. Você sabe como eu me senti naquele momento? Eu me senti a mais estúpida de todas as mulheres! Eu me senti enganada! Por que foi o que você fez comigo!

— Isso não justifica! Nada do que você disser aqui vai justificar o fato de você tê-lo escondido de mim, e não venha me dizer que não era isso o que você queria, pois eu não vou acreditar! – Digo a repreendendo. – Não ache que você foi a única que sofreu durante esses anos, porque você não foi. Se eu soubesse da existência do meu filho – digo batendo no peito – eu teria voltado, e faria questão de ser o melhor pai do mundo para ele. Eu nunca vou te perdoar por isso!

— Eu não quero seu perdão. – Diz com desprezo. – Saiba que você também nunca vai ter o meu.  – Diz, porém eu sinto o quanto isso a afetou, ela só é orgulhosa demais para admitir. – E o que vai mudar? Você vai embora outra vez, então esqueça que nós existimos.

Olho incrédulo para ela. Sem acreditar no que acabei de ouvir.

— Você acha que eu vou abrir mão dele? – Digo apontando para a porta para onde Ana o levou. – Você abriria mão do seu filho?

— Lógico que não! – Responde na defensiva.

— Pois eu também não. Eu não vou abrir mão dele. Ele é meu filho tem meu sangue, e apesar de você ter me privado de participar da vida dele antes, isso não vai acontecer de novo. Não vai acontecer agora! – Enfatizo para ela. – Nem pense nisso!

Agora que eu sei de tudo eu quero fazer parte da vida dele. Quero cuidar dele. Quero que ele me reconheça como seu pai, porque é isso o que eu sou!

Ela arregala os olhos como se estivesse com medo.

— O que você quer dizer com isso? – Pergunta com os olhos marejados. – Você não pode tirá-lo de mim John! – Diz se aproximando com os olhos suplicantes. Eu vejo o desespero em seus olhos e isso me parte o coração. – Você não pode tirá-lo de mim, ele é a única coisa que eu tenho!

A encaro ainda completamente tomado por todos os sentimentos que eu sinto por essa mulher a minha frente.

Amor, paixão, ternura, carinho, raiva, ódio...

— Eu nunca faria isso Mel. – Digo baixinho, olhando bem fundo em seus olhos escuros. - Eu não quero tirá-lo de você, tudo o que eu peço é que você me deixe fazer parte da vida do meu filho. Você não pode me negar isso!

Ela se afasta de mim com lágrimas escorrendo em seu rosto. Vira-se de costas. Seus ombros tremem. Seus soluços são baixinhos. E eu estou me sentindo sem chão agora. Meu coração está partido no peito. As últimas revelações ainda fervilham em minha cabeça. Eu não sei o que eu enxergo a minha frente. Eu via a menina que eu amei desde a primeira vez que vi. A pessoa mais importante que já havia passado em minha vida. A garota que nunca saiu dos meus pensamentos e nem em meu coração. Porém olhando-a agora, eu vejo a mulher que mentiu para mim.

Não estamos chegando a nenhum lugar com essa confusão. Tudo o que estamos conseguindo é machucar mais ainda um ao outro.

— Você queria me magoar? – Pergunto baixinho.

Ela se vira aos poucos e me encara como se não estivesse me entendendo. Franze as delicadas sobrancelhas escuras.

— O quê? – Pergunta piscando algumas vezes.

— Por isso você escondeu? Você queria me punir? Você queria me magoar? Por mais que eu tente encontrar razões para explicar isso, eu não consigo. Por que você fez isso comigo?

Eu preciso de respostas.

— Eu já expliquei que eu tentei falar com você! Eu tentei ...

— Você falou comigo Melissa, e com certeza você já estava com a gravidez avançada, você poderia ter me dito que estava grávida, ao invés de encher a minha cabeça me dizendo que iria se casar com aquele babaca do seu amigo. Porra! Eu acreditei nisso por anos! Isso me martirizou por anos! Por mais que as coisas tenham dado errado entre nós dois, talvez por erro meu, mas você também errou comigo, eu ainda te amava e amo como se fossem os primeiros dias, talvez até mais. – Sinto as lágrimas escorrerem por meu rosto. Minhas mágoas estão transbordando. – Eu nunca te magoaria de propósito. Nunca te feriria intencionalmente, então porque você me feriu desse jeito? Você me odeia tanto assim?

Ela arregala os olhos em surpresa.

Eu a amo tanto.

— Eu não te odeio John, por mais que eu tentasse eu nunca consegui te odiar. –Choraminga me encarando. – Eu senti muita mágoa, é verdade, mas te odiar não. Eu senti raiva, senti muitas coisas, mas não ódio.

— Não entendo. – Digo em negação.

— Eu passei por muitas coisas desde que você foi embora. Eu tive que aprender a ser mãe, eu tive que aprender a cuidar disso aqui, – diz abrindo os braços – tive que cuidar do meu avô. Tive que ser forte quando ele se foi porque eu tinha um bebezinho que precisava de mim, e você não estava aqui. Eu achei que seria melhor, pensei que você já teria seguido a diante, talvez eu tenha errado, mas na hora pareceu o melhor para mim. Eu queria me poupar, porque eu já estava cansada de ver as pessoas que eu amo irem embora, eu não queria ter que te ver ir embora outra vez. Eu só... – ela fecha os olhos como se as palavras a estivessem machucando demais. Sinto vontade de ir até ela e abraçá-la, mas não faço isso.

— Eu não deveria ter te deixado. – Confesso porque sei o quanto ela tinha medo de ficar sozinha. Ela já havia me dito que seu avô era a única família que ela tinha. Eu disse que ela me teria para sempre, mas eu a deixei sozinha.

— Mas você deixou. E eu precisei tanto de você aqui comigo quando eu estava me sentindo sozinha. Eu não tinha mais ninguém a não ser meu filho.  Você me prometeu que não me deixaria John, e você não cumpriu. – Diz e pela primeira vez ela baixa a guarda, e deixa transparecer sua fragilidade.

— Eu sinto muito Mel.

— Eu também sinto John. Sinto muito. – Sussurra.

Pela primeira vez desde que começamos a debater o ambiente fica em silencio.

Eu vim aqui decidido a reconquistá-la e acabei descobrindo que nós temos algo muito maior que o nosso amor em comum. Eu ganhei uma nova coisa pelo o que lutar. Tenho meu filho.

Apesar de estar me sentindo magoado eu ainda a amo.

Eu preciso pensar um pouco.

Estou muito confuso.

— Quando você vai embora? – Sua voz hesitante corta o silêncio. Eu vejo a dor em seus olhos quando a encaro.

Ah claro!

Como sempre.

Eu vou embora...

— Eu ainda não sei. – Respondo.

Um sorriso triste se abre em seu rosto.

— John, eu não quero brigar mais. – Ela respira fundo. - Eu preciso te dizer que mesmo que você não acredite, mas depois de ontem à noite eu fiquei disposta a te dizer a verdade. Eu voltei para casa e vi meu filho e eu me senti muito mal. Me senti mal quando você me beijou, por estar escondendo isso de você, e mesmo depois de ter me enganado durante tanto tempo, eu sei que você não merecia, sei que nada justifica o que eu fiz, mas eu queria tentar consertar esse erro. Eu iria levá-lo para te ver hoje. Eu juro que ia. – Ela dá um risinho amargo. – Parece que alguém quis brincar comigo, e fazer você vê-lo antes que eu pudesse tentar explicar alguma coisa.

Lembro-me de como ela ficou noite passada. Do jeito como ela fugiu. Do jeito como ela disse que sentia muito. Ela sabia o que estava me escondendo.

Tudo parece se encaixar de repente...

— Talvez você não acredite em mim, mas eu precisava dizer.

— Eu não sei Mel – Digo balançando a cabeça e olhando pela janela – eu não, eu estou muito confuso agora.

— Eu sinto muito. – Choraminga.

[...]

Sigo o caminho de volta sem conseguir entender, sem conseguir processar tudo que está se passando por minha cabeça agora. É tudo muito confuso. Como se não fosse real. Tudo sobre o que falamos está explodindo em minha cabeça. Me sinto um merda por tudo o que aconteceu, por tê-la deixado aqui, por ter demorado tanto tempo até procura-la outra vez, porém me sinto pior ainda em pensar que ela escondeu de mim que tivemos um filho, sem se importar se isso me magoaria.

Todo esse tempo sem saber de nada...

Bato com força minha mão contra o volante do carro. Eu preciso me livrar dessa raiva. Eu costumava lidar com esse lado usando a bebida, porém depois de um tempo eu vi o quanto isso me fazia mal, e o quanto fazia mal a minha mãe, por sempre deixá-la muito preocupada.

O céu já está escuro outra vez quando estaciono o carro em frente à pousada. Saio do carro me sentindo destruído. Quase não consigo sentir o chão sob meus pés. Como se nada fosse real.

Porque tudo entre nós dois não pode ser fácil? Porque temos que sempre brigar? Sempre magoar um ao outro? Parece que tudo o que eu faço sempre a machuca.

Abro a porta do quarto e Mark está deitado com o notebook sobre suas pernas. Ele leva um susto quando bato a porta. Passo por ele sem querer conversa.

— Vixi! Acho que as coisas não foram muito bem, não é? – Pergunta hesitante colocando o notebook em cima do criado mudo ao lado de sua cama. – Quer conversar? Me dizer o que aconteceu?

Sento-me em minha cama e seguro minha cabeça entre minhas mãos.

— John? – Chama Mark outra vez. – É por isso que eu não gosto que você vá atrás dela, porque você sempre volta desse jeito. Só você parece não perceber isso. – Continua irritado.

Lembro-me do garotinho. Lembro-me da forma ingênua na qual ele me mostrou deus dois dedinhos, me mostrando sua idade.

Ele é meu filho!

Meu garotinho!

E ao mesmo tempo em que isso me enche de felicidade, também sinto uma leve pitada do amargor da mentira.

Eu não o vi nascer, eu não o vi engatinhar, eu não o vi começar a andar, eu não o vi dizer suas primeiras palavras. Eu perdi tudo isso. Perdi tudo. Perdi a mulher que amo. Perdi meu filho.

O que diabos eu fiz da minha vida?

— Eu tenho um filho. – Murmuro baixinho ainda com minha cabeça entre minhas mãos.

Vejo Mark se sentar em sua cama, ergo meu rosto para encará-lo e sua expressão de espanto me dá uma certa ideia de como deve ter sido a minha no momento em que Max disse o nome de sua mãe. No momento em que eu percebi o quanto ele se parecia comigo. No momento em que finalmente enxerguei o meu garotinho.

Me sento muito mal por ele ter olhado para mim como se eu fosse um completo estranho. E isso eu nunca vou ser capaz de esquecer.

— Você andou bebendo de novo? – Pergunta Mark boquiaberto. – Que papo é esse de filho? Do que você está falando? – Ele para por alguns segundos como se estivesse esperando minha resposta, porém como sempre, antes que eu possa responder ele volta a tagarelar. – Alguma garota engravidou em Nova Iorque?

Bufo frustrado e me levanto passando a andar de um lado para o outro no quarto.

Isso estaria fora de cogitação. Já tem algum tempo que não fico com ninguém, e eu sempre me protegi. Com exceção da Mel.

— Claro que não! – Digo irritado. – Foi a Mel!

— O que tem ela?

— Ela estava grávida quando eu fui embora. Ela estava esperando um filho meu e não me disse nada! Ela não disse porcaria de nada!

— Espera aí! – Diz Mark se levantando e vindo em minha direção me encarando de perto. – Isso já faz muito tempo! Se ela estava grávida naquela época significa que... – Ele franze a testa como se estivesse confuso. – Por algum acaso ela perdeu a criança?

— Não. – Digo massageando minha têmpora. – Ela não perdeu. – Digo fechando os olhos e me lembrando do pequeno garotinho de olhos verdes e cabelos loiros. Essa imagem traz um aperto ao meu coração. – É um garotinho. –Digo com um sorriso no rosto ao me lembrar do meu filho. – Ele tem dois anos.

Mark parece não entender o que eu digo.

— Ela escondeu isso de você? – Ele parece incrédulo. – Como ela pôde fazer isso com você? Meu deus!

 - Se você está assim, imagina como eu estou! Não acredito que ela deixou passar tanto tempo sem me dizer nada sobre a existência do meu filho! – Explodo irritado.

— Eu nem sei o que dizer. – Diz Mark desconcertado. E isso é uma raridade. Ele sempre tem o que dizer. – Então é um garotinho? – Pergunta com um sorriso despontando em seu rosto.

— É. – Digo orgulhoso.

— Você o conheceu? – Pergunta Mark. – Ela te apresentou ele? Como foi?

— Ela disse que iria trazê-lo para me conhecer hoje, mas sinceramente eu não sei se eu acredito nela. Eu ainda estou muito confuso. Eu cheguei lá disposto a conversar com ela, e me deparei com um garotinho sentado sozinho em uma mesa desenhando. Nem passou pela minha cabeça que aquele garotinho era meu filho. Meu filho! Dá para acreditar nisso?

— Não realmente não dá! – Diz Mark ainda desnorteado. – E o que você vai fazer agora?

Tudo o que eu sei é que eu não quero me afastar dele. Ele é meu filho, e eu quero cumprir minhas responsabilidades de pai. Eu e Mel temos um laço muito mais forte agora, mesmo estando irritado como o inferno por ela ter me escondido isso, mesmo estando magoado por ter perdido tanto tempo, ainda sim eu a quero. Agora eu quero que nós tenhamos juntos uma família. Não quero que nossas mágoas atrapalhem tudo. Eu vi em seus olhos o quanto esses anos a machucaram, e eu sei o quanto esses anos me machucaram também, mas eu sei que apenas nós dois podemos curar um ao outro. E agora eu tenho um motivo muito maior para me empenhar muito mais.

— Eu quero dar meu nome para ele, eu quero ser pai dele. – Digo decidido. – Ele não me conhece. Ele nem sabe quem eu sou. Eu quero me aproximar. Eu quero conquistar ele. Ele é meu filho, ele é só um garotinho. Ele precisa de mim. – Digo com fervor, decidido há recuperar o tempo perdido a todo custo. – Quero levá-lo para passear, quero fazer tudo o que meu pai fazia comigo!

— Não posso acreditar em tudo isso. É tudo muito surreal. – Comenta Mark com os olhos arregalados. – Caraca! –Diz com as mãos na cabeça. – Que confusão. Vocês não se protegiam?

Engulo em seco.

— Eu não sei onde eu estava com a cabeça. – Digo me recordando do tanto de vezes em que ficamos juntos sem usar nada. – Eu deveria ter me tocado. Eu fui um imbecil!

Ela era tão nova, eu deveria ter nos protegido. Mas isso não importa mais. Nós temos Max. E ele agora é o meu maior presente.

— Você nunca foi desses. – Diz Mark desconfiado.

— Eu sei, mas a coisas com a Mel sempre foram muito intensas eu não pensava direito, eu apenas agia. Nunca passou pela minha cabeça que ela poderia engravidar! – Nunca mesmo.

Mark bufa.

— Agora é um pouco tarde. – Diz com um sorrisinho malicioso no rosto. – Então você é papai? Essa é boa. De um garotinho! Eu quero só ver você ensinando tudo o que não presta para esse garoto! – Mostro meu dedo do meio para ele como de praxe. – Você não é um belo exemplo a ser seguido. – Diz Mark rindo.

Essa palavra ainda soa tão estranha quando dirigida a mim.

Papai.

— Como vão ficar as coisas entre vocês agora. Ela pelo menos tentou se desculpar? – Continua Mark com sua inquisição. – Porque vamos combinar que o que ela fez foi muito sério.

Lembro-me dela dizendo o quanto se sentiu sozinha.

Eu a abandonei...

E mesmo sem saber acabei abandonando meu filho também...

— Aconteceram muitas coisas Mark. Muitas mesmo. Mas eu preciso esfriar a cabeça. Preciso de um banho, depois nós conversamos. Você poderia comprar alguma coisa para comer? – Pergunto querendo adiar a inquisição.

— Claro que sim princesa! – Diz piscando para mim e eu o fuzilo com os olhos. – Vai lá. Quando eu voltar nós conversamos.

[...]

Mark ficou atordoado assim que contei sobre a morte do avô da Mel. Mal posso descrever o quanto me sinto mal por isso. Eu fiquei cego pela raiva e me deixei levar. Eu deveria ter ficado ao seu lado, eu deveria estar aqui quando tudo isso aconteceu. Eu deveria tê-la amparado. E eu não fiz nada disso.

Mark está roncando na cama ao lado. Não consigo pegar no sono. Minha cabeça ainda está a mil. Não consigo fechar meus olhos e apenas dormir. Levanto-me e vou até o banheiro. Jogo um pouco de água em meu rosto.

Caminho até a janela e me pego relembrando tudo o que aconteceu naquele dia. Ela suplicou para que eu entendesse. Ela implorou para que eu a escutasse, e eu não quis. Eu me deixei levar pela minha raiva e dei as costas para ela.

Eu nunca vou me perdoar por isso...

Alcanço meu celular no criado mudo e saio do quarto sem querer fazer barulho. Disco os números. Ouço o telefone chamar. Aqui agora são uma e meia da manhã, então provavelmente em casa deve ainda estar anoitecendo.

— John! – Diz a voz animada do meu pai. Isso automaticamente traz um sorriso ao meu rosto. – Você demorou para ligar! – Me repreende como de costume.

— Sinto muito pai. Eu ando meio ocupado. – Ouço um barulho muito alto ao fundo. – O que está havendo aí? Que barulho!

— Ah, isso! – Ele dá uma risada abafada. – Sua irmã e sua mãe voltaram hoje para casa, então você já pode adivinhar como devem estar às coisas por aqui. Esta tudo um caos. Sua irmã parece ter trazido à cidade inteira na mala!

Conhecendo ela como eu conheço tenho certeza de que isso não é exagero do meu pai.

— Com quem você está falando? – Ouço uma voz perguntar ao fundo.

— Com o John. – Responde a voz abafada do meu pai.

Sento-me no chão, e encosto minhas costas na parede fria do corredor. Sentindo o peso das revelações finalmente cobrar seu preço.

— Está tudo bem filho? Estou te achando meio estranho. – Diz meu pai desconfiado.

Suspiro alto.

— John? – A voz do meu pai soa preocupada.

Antes que eu perceba já sinto lágrimas escorrerem pelo meu rosto. Uma dor muito forte esmaga meu peito, quase não me permitindo respirar.

— Eu precisava conversar pai. – Murmuro com a voz entrecortada.

Eu sempre quis ser um homem independente e dono do meu nariz. Sempre quis transparecer para o meu pai que eu sou forte o suficiente para agir sozinho, desde que eu me entendo por gente.  Porém agora eu estou precisando dele. Preciso que ele me diga o que fazer. Preciso que ele me mostre o caminho que eu devo seguir.

— O que houve filho? Alguma coisa no trabalho? O que aconteceu? – Pergunta e nesse momento eu tenho certeza de que ele está muito mais que apenas preocupado. – Espere um segundo, eu vou para o escritório para termos um pouco mais de privacidade.

Assinto como se ele pudesse me ver. Ouço o barulho de alguns passos e então de uma porta se fechando.

— Então? – Questiona.

Quase posso vê-lo sentando em seu escritório.

— Eu tenho um filho, pai. – Digo baixinho. Sinto o peso em minhas palavras.  

— O quê? Como você... – ele gagueja um pouco, mas logo se recompõe. – Explica isso direito John. – Ele soa desconsertado.

— Ela estava grávida, pai. Ela estava grávida quando eu fui embora.

Meu pai já sabe de tudo. Ele sabe como tudo aconteceu, e pareceu entender tudo muito melhor que eu.

— Ah meu deus! Então eu sou avô? – Pergunta animado.

Sorrio.

— Sim, você é. É um garotinho. Max. – Digo sentindo um nó em minha garganta.

— Mas como você nunca soube disso?

Encosto minha cabeça a parede e fecho meus olhos com força.

— Ela nunca me disse nada. – Murmuro. – Como ela pôde fazer isso comigo? – Pergunto desamparado.

— Você a viu?

— Sim.

— E como foi?

Ele queria que eu a procurasse, e mesmo não admitindo nem para ele, essa sempre foi a minha intenção desde que entrei naquele avião.

— Eu ainda a amo pai. Amo muito, mas eu não sei se posso perdoá-la por isso.  Eu quero perdoá-la, mas em outros momentos eu sinto muita raiva por ela ter escondido isso de mim. – Digo me sentindo esgotado.

— Esse é o grande problema entre vocês dois. Pelo o que eu sei vocês sempre agem por impulso, e não pensam muito nas consequências. – Ele suspira. – Não se deixe levar pelo rancor filho. Vocês deviam conversar. Vocês tem um filho, mas agora me diz. Quantos anos ele tem? Você conversou com ele?

— Eu o vi hoje. Ele é muito esperto, ele tem apenas dois anos. Acredita que ele fala muito bem nosso idioma? – Talvez meu pai fique surpreso, assim como eu fiquei. – Quer dizer, ele é muito pequeno, mas eu consegui entendê-lo muito bem. – Digo orgulhoso. – Ele se parece muito com a mamãe. – Confesso baixinho.

Lembro-me de pensar nela assim que meus olhos o viram pela primeira vez. Os cabelos claros, os olhos verdes.

Ah! – Diz meu pai animado, e posso ouvir sua risada abafada. – Se ele se parece com sua mãe, então ele se parece com você! Você é a cara da sua mãe!– Seu entusiasmo me anima. – Veja pelo lado bom filho. Você é pai! E isso é uma benção muito grande!

— É verdade. – Respondo rindo.

Meu filho se parecesse muito comigo.

— Eu quero conhecê-lo. Sua mãe vai enlouquecer quando souber disso. E nem preciso falar sobre a Kelly, não é? Quando você vai vê-lo outra vez? Você podia nos enviar fotos!

— Eu ainda não sei, eu e ela brigamos, mas eu deixei claro que eu não desistiria do meu filho! Eu quero voltar lá amanhã, passar um tempo com ele para que ele se acostume comigo, conversar com ele com mais calma. Eu tenho que ir devagar, não quero assustá-lo!

— Converse com ela também. – Diz meu pai. – Não desista da mulher que você ama outra vez, essas coisas se curam com o tempo. Não deixe que isso seja maior do que o necessário.

— Não sei pai. – Resmungo.

Estou cansado dessa montanha russa que são meus sentimentos por ela. Em um momento eu a amo loucamente, porém em outro eu sinto raiva, e mais raiva ainda por sentir que meu amor por ela é ainda maior que a minha mágoa.

— Pense direito filho. Reflita. Acho que tudo isso é um presente muito grande. Espero que você saiba aproveitar, e que você resolva tudo de cabeça fria. Vou torcer para que dê tudo certo entre vocês dois.

— Eu também pai. Eu também. – Murmuro.

— Eu sou avô! – Diz todo bobo. – Não posso acreditar nisso. Você seu cabeça de vento, cheio de suas surpresas.

— Dessa vez eu surpreendi a mim mesmo pai. – Acrescento.

[...]

Volto para a cama e me pego encarando o teto pensando no próximo passo de amanhã. Eu ainda não sei como as coisas vão ficar, porém tudo o que eu sei é que eu quero ver meu filho. Eu quero passar um tempo com ele. Quero que ele goste de mim.

— Meu filho. – Murmuro para mim mesmo, ainda testando a palavra em minha boca. Sorrio. Eu sempre soube que ela seria importante. Ela é a mulher da minha vida, e a mãe do meu filho.

Talvez nós encontremos um jeito no meio de tudo isso...

Talvez o nosso amor seja mais forte...


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