Sob minha pele escrita por Bruna


Capítulo 48
Capítulo 48




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John.

O dia tem sido produtivo, mas também muito chato. Burocracias precisam ser resolvidas. Papéis precisam ser assinados, reuniões precisam ser feitas. Eu apenas estou contando os minutos até que eu finalmente possa ir embora.  Samuel está a minha frente me mostrando os últimos ajustes das construções.

Isso parece nunca ter fim...

— Talvez se tudo der certo daqui a uns cinco meses os imóveis já estarão prontos para venda. – Diz Samuel orgulhoso.

Ele é um funcionário valioso. Sabe se impor, e nunca me decepciona. E também não reclama – com frequência – das horas trabalhadas.

Desde que assumi o lugar do meu pai na presidência eu percebi que dirigir uma empresa desse porte poderia ser tudo, menos fácil. Isso apenas me faz ter mais orgulho do meu pai, orgulho de tudo o que ele conquistou.

— Então por hoje é só? – Pergunto torcendo para que a resposta seja sim.

Já são seis horas da tarde, e eu estou aqui desde as oito da manhã. Eu nunca tenho hora para entrar e nem para sair. Eu até que gosto de preencher todo o meu dia com trabalho, mas especialmente hoje tudo o que eu quero é chegar logo em casa.

— Claro! Por hoje é só! Não vou mais te aborrecer com isso, mas antes de ir, eu preciso que você dê uma olhada na papelada do próximo projeto. Acho que você não vai gostar muito. – Diz fazendo uma careta.

Suspiro cansado.

— Deixe aqui comigo e eu dou uma olhada nesses papéis em casa. – Resmungo mal humorado. Sei bem do que ele está falando. Mas não quero pensar muito no assunto.

Tudo o que eu quero agora é ir para casa, tomar um bom banho e dormir. Sozinho.

— Tudo bem.

Depois que Samuel sai da minha sala eu me preparo para encerrar o expediente. Meu apartamento fica há uns vinte minutos daqui, então às vezes eu gosto de ir andando, me ajuda a pensar, e a tirar um pouco do peso do cansaço das minhas costas. Porém hoje não será possível. Está chovendo. O clima está tão frio quanto o meu coração, tão nublado quanto o meu humor. E eu venho sendo assim por muito tempo. Nada parece me agradar, por mais que as coisas venham sendo muito boas no mundo dos negócios, eu não consigo me sentir inteiramente feliz. É como se isso não fosse possível. Acho que nunca será novamente.

Eu deixei a minha felicidade escorrer por entre meus dedos, e não consegui agarrá-la.

Não gosto de pensar no passado, por isso coloco toda a minha energia em meu trabalho, isso evita que meus pensamentos voem livres até um lugar no meio do nada. Evitam que meus pensamentos voem até a garota para quem eu entreguei meu coração e que ainda não me devolveu.

Eu estava conseguindo. Com bastante esforço eu estava conseguindo. Mas isso foi até a reunião passada. Foi como se o tapete fosse tirado de baixo dos meus pés...

O elevador desce rápido, sem muitas interrupções.

— Boa noite, senhor Ackes. – Me cumprimenta Natanael o segurança do turno da noite.

— Boa noite. – Respondo com um sorriso amarelo no rosto.

A chuva fria cai lenta e melancólica do lado de fora. Aperto meu casaco para evitar que o frio me penetre. O manobrista está a minha espera com a porta do carro aberta. Corro até ele tentando evitar que a chuva me molhe muito.

O trânsito parece estar pior do que o costume, graças à chuva. Pessoas correm para todos os lados na calçada, outras procuram desesperadas por um táxi, outros procuram desesperadamente por um lugar coberto.

Incrível como somos todos alheios a vida um do outro.

Estaciono o carro na garagem subterrânea do meu prédio. Pego o elevador com a senhora que tem mais de dez gatos. Evito fazer contato visual, pois ela tem a mania de achar que isso é um convite para uma conversa longa e sem sentido sobre como os gatos são ótimas companhias.

— Boa noite John! – Diz acenando para mim ao descer no décimo terceiro andar.

— Boa noite senhora Collins. – Respondo educadamente.

Suspiro aliviado assim que as portas se fecham.

Abro a porta do meu apartamento e sou recebido com um alto e sonoro silêncio enlouquecedor. Já deveria ter me acostumado, pois esse tem sido meu único companheiro nos últimos anos.

— Você virou um pé no saco! – Diz Mark quase todos os dias.

Tiro o terno o jogando em cima do grande sofá na sala espaçosa. Vou até o bar e me sirvo de uma boa dose de uísque. Isso faz o dia ser mais tragável. Sinto meu celular vibrar no bolso.

É uma mensagem do meu pai.

Uma bebida hoje?

Está muito chato ficar aqui sozinho.

Minha mãe viajou com a minha irmã para a casa dos meus avós, já que meu avô está doente. Meu pai odeia ficar sozinho em casa. Ele diz que isso o faz se sentir um velho abandonado.

Respondo sua mensagem.

Acabei de chegar!

Tomarei um banho e logo estarei ai!

Dou um último gole no liquido que desce queimando minha garganta. Antes de subir as escadas meus olhos vão até a papelada do próximo projeto da empresa. Talvez seja melhor eu dar uma olhada nisso, talvez seja melhor eu encarar isso logo de uma vez. Dou alguns passos até o sofá e sento-me pegando os papéis em minhas mãos.

Passando meus olhos pelo documento eu sinto meu coração vir à boca assim que pela primeira vez eu noto o nome que está escrito em negrito. Às vezes eu simplesmente me esqueço de que se passou tanto tempo.

Eu não deveria ter olhado isso agora.

Jogo os papéis de lado e me levanto para ir tomar meu banho, mesmo sabendo que isso não sairá da minha cabeça pelo resto da noite.

[...]

— E então como estão as coisas? – Pergunta meu pai se sentando à minha frente.

A casa fica estranhamente silenciosa sem minha mãe e sem minha irmã, e mesmo que eu vivesse reclamando disso antes, até que eu estou sentindo falta disso agora.

— Estão bem. – Respondo encarando o copo, me perguntando se as coisas estão realmente bem.

— Sabe que eu gostei desse seu novo estilo. – Diz meu pai tirando sarro. – Você parecia um hippie com aquele cabelo todo. Agora você está com a aparência mais adulta.

Não consigo evitar o sorriso que vem ao meu rosto. Meu cabelo está mais curto do que já fora. Eu estou diferente. Eu me sinto diferente. Tanto por dentro, quanto por fora.

— Eu sei disso pai.

Ele tenta me persuadir a cortar o cabelo desde os meus dezoito anos. Ele nunca conseguiu. Mas em uma noite em que eu havia bebido demais, na noite inclusive em que eu fiz uma tatuagem significativa, eu acabei cortando. Eu queria me livrar um pouco do antigo John.

— Aquele seu cabelo comprido me dava agonia. – Diz reprimindo uma risada enquanto leva o copo aos lábios. - Ficou muito melhor agora.

Meu corpo está aqui, mas meu pensamento está nublado.  O silencio preenche a sala.

— Você está esquisito. Aconteceu alguma coisa? Ou é apenas o cansaço do trabalho? – Pergunta meu pai me fitando com a testa franzida.

Desvio meus olhos dos dele.

— Algumas coisas no trabalho. – Respondo taciturno.

Há um mês nós estávamos fechando um negócio muito bom fora do país, o que nos deu uma grande felicidade, já que os lucros foram muito altos. Novos projetos foram apresentados, e um deles mexeu profundamente comigo. Juro que eu estava torcendo para ser adiado para daqui a mais alguns anos, mas eu acho que o destino quer brincar comigo, pois não foi o que o documento me disse hoje.

— Você sabe que se quiser conversar comigo sobre trabalho, não tem problema. – Diz meu pai me fitando com seus olhos azuis. Ele nunca deixa escapar nada. Às vezes ele me assusta, parece enxergar meus sentimentos muito melhor do que eu faria. – Eu estou aposentado, mas ainda sei de algumas coisas. – Diz debochado.

Há algum tempo em uma noite em que eu deixei meus sentimentos me dominarem eu contei sobre a garota que conheci, sobre a garota por quem me apaixonei, sobre a garota que vem me perseguindo como um fantasma nos últimos anos.

Bufo frustrado e me levanto do sofá.

— Eu recebi uma noticia que me deixou meio – engulo em seco – sem chão. Eu não estava esperando.

— O que seria? - Insiste meu pai.

Penso um pouco sobre o assunto, penso um pouco se eu devo desabafar.

Quem melhor que o meu pai para me aconselhar?

— Lembra-se da garota que eu conheci naquela viagem que eu fiz até a Espanha?  - Digo um pouco inseguro.

— Claro que sim. Você me falou muito sobre ela. - Diz passando o indicador sobre o queixo como se estivesse pensando. – É aquela garota bonita, aquela da foto no seu escritório.

Eu não deveria nem ressaltar o quanto ele achou estranho eu ter a foto de uma mulher que nem faz mais parte da minha vida. O problema é que alguma coisa dentro de mim não deixa que ela se vá.

— Eu achei que não teria que vê-la outra vez. – Digo sentindo meu coração se comprimir dentro do peito. – Não sei se estou preparado.

— E porque você teria que vê-la outra vez?

— Por que eu vou precisar voltar aquele lugar. – Digo de uma vez. – Eles vão retomar os testes das terras de lá. E eu sei que se eu colocar meus pés lá, eu não vou resistir e vou procurá-la. Ela me odeia. Não quero confirmar que o que ela sentia por mim já morreu. - Essa última palavra sai num fio de voz.

Nossa última conversa pelo telefone há alguns anos ainda povoa meus pensamentos.  

Estando longe eu consigo me controlar, mas estando perto, eu tenho muito medo de fraquejar.

 Meu pai se inclina e coloca o copo vazio em cima do aparador.

— Talvez seja o melhor. Talvez seja o melhor para vocês conversarem outra vez.

— Melhor? – Pergunto confuso.

— Sim. Melhor. – Ele continua. – Vocês tem uma história em comum, e pelo o que você me disse ficou muito mal acabada. Ficou tudo no ar.

— Não teve nada mal acabado. – Digo irritado andando de um lado para outro inquieto. – Ela acabou com tudo! Ela se casou com aquele imbecil!

Só de pensar nisso meu sangue ferve.

Tudo o que nós planejamos. Tudo o que eu queria para nós dois ela está vivendo com aquele imbecil!

— Eu conheço você John, sei o quanto você pode ser orgulhoso. Você deixa o seu orgulho te cegar. Você é assim desde pequeno. – Diz meu pai com sua voz calma.

— O que aconteceu não teve nada a ver com o meu orgulho. – Respondo ríspido.

Não vir comigo foi uma escolha dela, me deixar foi uma escolha dela.

— Será que não? – Continua meu pai ignorando minha raiva. – Você me disse que ela desistiu de vir porque o avô dela estava doente.

— Isso com toda a certeza foi uma desculpa! – Disparo. – Por que ela não conversou comigo antes? Ela podia ter conversado comigo. Se ela sabia que não poderia vir ela podia ter jogado limpo comigo, ao invés disso ficou com joguinhos como se eu fosse um traidor, e depois simplesmente jogou no meu colo que não poderia deixar o avô dela. Se ela não podia deixá-lo ela deveria ter me dito isso logo de cara!

— Você conversou com ela depois? Procurou entender se era verdade ou apenas uma desculpa como você diz? Você não fez isso. Você simplesmente decidiu na hora da raiva que não iria querer nada que não fosse aquilo que você tinha decidido. Você não deu uma chance para ela se explicar.

— Ela me dispensou. Ela não me escolheu, e mesmo que eu tenha sido orgulhoso como você diz, não importa mais. Está tudo acabado e já se passou tempo demais!

Já se passaram anos, e se ela realmente se casou com ele, ela deve ser uma pessoa diferente agora. Talvez eles tenham uma família. Tento ignorar a tristeza que esse pensamento me causa.

Eu só posso ser a porra de um sadomasoquista por ainda amá-la. Por ainda pensar nela. Por ainda ter a porcaria de uma foto sua na minha casa e no meu trabalho.

— Você tem razão. Se passou bastante tempo. Você é uma pessoa diferente. Eu não vejo mais aquele brilho em seus olhos, e nem aquela vontade que você tinha antes de fazer aquela viagem. Mas eu sei que você ainda sente alguma coisa por ela, e esse sentimento não te deixa ser feliz.

Eu ainda a amo como no primeiro momento. Eu ainda penso nela a todo instante.  Eu me sinto incompleto como se ela fosse a metade que me falta. Tudo parece sem graça, tudo parece ter perdido o interesse, desde a última vez em que falei com ela. Em que ouvi sua voz. Porém minha magoa não ficou para trás. Eu ainda sinto muita raiva de jeito como tudo aconteceu. Eu ainda sinto muita raiva por nada ter dado certo.

Eu sempre fiz tantos planos...

Para nós dois...

— Quando nós amamos alguma pessoa temos como dever engolir o nosso orgulho algumas vezes. Relacionamentos são baseados nisso. Os dois precisam abrir mão de vez em quando, caso contrário nada vai para frente. Você teria aberto mão por ela? Teria ficado lá, por mais algum tempo que fosse?

Olho para ele como se ele fosse louco.

Eu não poderia ficar lá, aquele lugar não tinha nada a ver comigo, e mesmo Mel tendo nascido lá eu via em seus olhos o quanto ela queria sumir daquilo tudo por um tempo.

— Você não respondeu minha pergunta John. - Diz meu pai com a sobrancelha arqueada.  Continuo sem resposta. – Ela iria abrir mão de tudo por você, para vir com você. Eu não sei direito como as coisas se passaram, mas eu tenho a impressão de que não foram bem como você acha.

— Eu não sei pai. – Sussurro me sentando e enfiando minha cabeça em minhas mãos. Isso está me deixando louco. – Às vezes eu acho que fiz o certo, mas às vezes eu acho que fiz a maior burrada de toda a minha vida. Ela podia ter me procurado...

Ele me corta.

— Você também poderia tê-la procurado para conversar antes. – Dispara meu pai. – Mas como sempre, você deixa o seu orgulho falar mais alto, e acaba pagando um alto preço por isso. O que você mudaria se pudesse?

Essa é a mesma pergunta que eu me faço todos os dias antes de dormir. O que eu faria? O que eu mudaria?

— Eu não teria vindo embora. – Digo quase sem voz.

Eu não teria vindo embora. Eu teria a abraçado e dito que eu esperaria por ela o tempo que ela precisasse. Nunca teria saído do seu lado.

— Você teria esperado por ela? – Continua ele com sua inquisição.

— Sim. – Respondo.

Eu teria esperado. Se eu soubesse que minha vida se transformaria nesse inferno eu teria esperado, quanto tempo ela quisesse.

Eu fiquei tão furioso na hora. Para mim pareceu que ela não estava nos levando a sério. Pensei que ela era uma garota imatura. Para mim pareceu uma desculpa. Por que primeiro ela veio com aquela briga por causa da ligação da Kate, me crucificando sem ao menos me deixar explicar, e logo depois veio falando do seu avô.

Ela disse que ele estava melhor. Que ele já estava bem.

Eu me ofereci tantas vezes para falar com ele, e ela sempre vinha com a mesma conversa. De que era um assunto que ela deveria resolver.

Na hora tudo o que eu queria era magoá-la, como ela estava me magoando.

— E porque não voltou atrás em sua decisão? – Ele questiona. – Você tem que saber que quando se trata de amor, não é o orgulho que você deve ouvir.

Meu pai me olha como se eu fosse um grande idiota.

— E o que eu deveria ouvir? – Pergunto engolindo em seco.

— Seu coração.

— E se ele me disser que eu tenho que procurá-la? – Pergunto sentindo o medo se enrolar em minhas entranhas.

— Então é o que você deve fazer. – Responde simplesmente. 

Meu pai se levanta e a poucos passos se aproxima de mim. Sua mão vai até meu ombro onde ele me dá um leve apertão.

— E se ela estiver mesmo casada, e se ela não quiser me ouvir? – São tantas perguntas. – Pai, já se passaram três anos. E eu fui um idiota completo, um babaca mesmo.

Eu tenho medo do que eu possa encontrar. Já se passou muito tempo. Eu esperei demais.

— Deixe ela te xingar. Deixe que ela desconte a raiva em você. Tem duas coisas que podem acontecer. A primeira: Ela pode nem lembrar que você existe. A segunda: Ela pode ainda sofrer tanto quanto você. Você só vai descobrir se falar com ela. Não seja medroso, e não fuja disso para o resto da sua vida. Você já deixou passar três anos. Você vai esperar mais três?

Acho que com certeza se eu aparecer em sua frente, dessa vez, ela vai acertar um prato em minha cabeça.

Sorrio com esse pensamento.

— Você acha que foi isso o que eu fiz? – Pergunto o encarando. – Você acha que eu fugi?

— Foi exatamente o que você fez. Você fugiu antes que você pudesse se machucar mais.

Uma risada amarga escapa do fundo de minha garganta.

— Acho que não deu muito certo.

— Penso o mesmo que você. – Responde meu pai sem tirar seus olhos de mim. – Eu olho para você que já é um homem feito, e ainda enxergo aquele menininho. Você não mudou muita coisa. Sempre quer se fazer de mais forte, mas é sempre aquele que mais sofre. – Meu pai acaricia meu cabelo. – Você ainda a ama?

Eu não preciso pensar muito para responder essa pergunta.

— Amo. – Digo com sinceridade.

De tudo o que eu já passei, de tudo o que eu já vivi, essa é a minha maior verdade. Eu nunca consegui tirá-la do meu pensamento, nunca consegui deixar de sofrer por sua ausência nem sequer um dia durante esses anos. Eu bem que tentei odiá-la por isso. Eu bem que tentei não me importar mais com ela, e nem com o que havia acontecido entre nós dois. Mas tudo o que houve foi tão intenso, tão verdadeiro que me marcou para o resto da vida.

Eu nunca vou querer outra pessoa.

Não do jeito que eu a quis.

— Então filho, eu sinceramente não sei o porquê de você ter esperado tanto para ir atrás da sua felicidade.

— E se ela não me amar mais? – Pergunto num fio de voz. Apenas essa hipótese me rasga por dentro.

— Se o que vocês dois sentiram foi o mesmo, ela ainda sente o mesmo que você. – Ele responde. – Eu acho que você deveria arriscar. Você não tem nada a perder, você só tem a ganhar.

— Eu disse coisas horríveis para ela. – Murmuro fechando meus olhos e deixando que a lembrança invada meus pensamentos.

— Não é isso o que você quer? – Eu disse furioso. – Então é o que eu vou fazer. Você continua aqui com sua vida, já que você gosta tanto, e eu vou voltar para a minha. Maldito o momento em que pus meus olhos em você.

Naquela hora eu só queria parar de sentir. Eu queria poder ser o velho John antes de conhecê-la. Eu queria ser aquele que não amava ninguém, mas que também não se magoava. Ela estava me magoando. E eu nunca tinha sentido tamanha dor e tamanha raiva antes. Pensei que indo embora estaria tudo resolvido. Esse foi meu maior erro.

Eu fui egoísta demais.

E demorei muito para enxergar.

— Peça perdão. – Continua meu pai com paciência. – Você precisa reconhecer que errou John. Você não faz ideia do tanto de vezes que eu já tive que pedir perdão para a sua mãe. E eu pediria mais cem vezes se fosse necessário, porque ela é a mulher que eu amo, e por ela vale a pena. Agora eu que te pergunto. Vale a pena por essa moça?

— Você já perdeu alguém importante? – Ela perguntou com uma voz que fez meu coração se partir em um milhão de pedacinhos.

Ela estava tão triste, e tudo o que eu mais queria era abraçá-la e expulsar qualquer coisa que estivesse a deixando triste. Eu nunca havia me importado com os sentimentos de nenhuma mulher antes. Nunca me preocupei se estavam tristes ou não. Porém vê-la triste naquele momento fez alguma coisa dentro de mim se partir.

— Não. – Respondi sincero. Apertando mais meus braços ao seu redor.

— Eu já. Mais vezes do que eu gostaria.

O que ela faria se eu dissesse que eu agora tenho outra resposta para essa pergunta? Eu perdi alguém importante por puro orgulho.

— Vale pai. – Murmuro. Sinto as lágrimas queimarem meus olhos. - Vale muito a pena.

Ela foi a mulher mais doce que já conheci, e nenhuma mulher depois dela que já tenha atravessado meu caminho chegou nem perto de me fazer esquecê-la. Nunca ninguém chegou nem perto de me fazer sentir o que ela havia feito.

— Sendo assim, você não tem mais o que decidir. Você tem apenas que fazer suas malas. – Ele diz com um sorriso sincero no rosto. - Me deixe orgulhoso filho! Vá atrás da mulher que você ama!

— Não sei pai. – Digo derrotado. - Talvez ela não queira. Não quero atrapalhar sua vida, e eu também não quero vê-la casada com outro. – Digo encarando minhas mãos. – Eu não vou ter escolha, mas enquanto eu estiver lá, eu vou fazer de tudo para evitar. Não quero sofrer mais. Não quero ver o que eu perdi.

— Você é mesmo um caso perdido John. – Diz balançando a cabeça como se estivesse desapontado comigo.

Eu mesmo me desapontei.

Há três anos.

 [...]

Decidi tirar o dia de folga. Eu preciso pensar, e repensar em tudo o que aconteceu na última semana. Eu não consegui me desligar até agora. Eu apenas fico pensando em tudo o que eu tenho que fazer, e no quão difícil vai ser estar tão perto dela outra vez.

— Eu preciso da sua ajuda. – Digo segurando com força o copo de tequila à minha frente.

Mark bufa.

— Quando você não precisa da minha ajuda? – Diz com sarcasmo. – Anda desembucha. Você está com uma cara péssima, parece que não dorme há dias.

— Eu vou para a Espanha. – Digo sem rodeios.

— Como assim? – Exclama com os olhos arregalados. – Perdeu a cabeça? O que você vai buscar lá?

Respiro fundo.

Às vezes eu me pergunto se Mark realmente trabalha quando está na empresa. Ele nunca está por dentro de nada.

— As terras em Costa. Vão retomar os testes, pode dar um grande lucro para a empresa. – Respondo com meu tom profissional. – Você sabe como tudo ali é valioso, e o quão grande são  as expectativas.

— Você sabe quem vive lá, não é? – Diz como se fosse à coisa mais óbvia do mundo. Ele acha que eu me esqueceria desse detalhe? – Tem certeza que quer voltar para lá, você pode acabar vendo coisas das quais você não vai gostar!

— Eu sei. – Respondo baixinho. – Não tenho muita escolha, tenho? Não posso me dar ao luxo de negar isso agora. Que desculpa eu daria para os sócios?

Sinto muito senhores, mas eu tive uma desilusão amorosa naquele lugar, desilusão essa qual eu ainda não consegui superar. Sinto muito, mas são só alguns milhões.

Isso parece ridículo até em pensamento.

— Você não está prestes a fazer o que eu acho que você está prestes a fazer, não é? – Pergunta incrédulo.

— O que você acha que eu vou fazer?

— Você vai ir atrás dela! – Diz me acusando. - Depois de todo esse tempo John, você não acha que é um pouco tarde? Já se passou tempo demais, e da última vez que vocês se falaram ela disse que ia se casar. Por que você vai se humilhar agora?

Mark nunca entendeu o que eu sinto pela Mel. Ele nunca entendeu o quão forte tudo isso é, ele nunca entendeu o porquê de eu sofrer tanto por ela. E sinceramente nem eu entendo às vezes. Eu nunca senti nada tão forte por nem uma outra pessoa.

Foi só ela...

E ainda é...

— Eu não vou procurá-la Mark. Eu nem sei se vou vê-la outra vez, e eu irei para trabalhar. – Digo sem paciência.

— Dá última vez você também foi para trabalhar, e deu no que deu! – Diz levando o copo aos lábios.

—Dá para parar com isso? E se caso eu a procurasse? Por que seria tão mal afinal? – Pergunto confuso.

— Por que eu não gosto do jeito que você fica quando o assunto é ela. Não gosto do jeito como ela te afeta! Você não vê que te faz mal? Eu nunca vi você tão mal por nada em toda a minha vida, e quando você finalmente volta a ser uma pessoa normal, alguma coisa sobre ela atravessa seu caminho de novo!

Do jeito como ele fala é como se estivesse guardando esse discurso há três anos.

— Ela não atravessou meu caminho. – Digo ríspido. – É um trabalho. Quantas vezes nós já não fizemos isso antes?

Mark revira os olhos.

— E você quer que eu vá nessa com você? – Pergunta com a voz desdenhosa.

— Quero. E, aliás, esse é o seu trabalho. – Digo o encarando com a sobrancelha arqueada.

Ele bufa frustrado.

— Você é um saco! – Mark dá um assovio alto, e pede outra rodada para o garçom. – Se eu vou ter que assistir a essa novela outra vez, eu quero fazer isso bem louco, que é para aguentar a choradeira de novo.

— Não vai ter novela. – Digo desanimado sem tirar meus olhos do copo.

Não vai ter nada.

— Quer apostar comigo? – Pergunta fazendo uma careta. – Você sabe que eu adoro uma graninha fácil.

[...]

Nosso voo está marcado para as onze horas da manhã. Eu acordei as cinco e simplesmente não consegui mais fechar os olhos. Eu não consigo tirar da minha cabeça que em menos de doze horas eu vou estar perto dela outra vez.

Encaro meu rosto no espelho. Encaro seu nome que está tatuado em uma letra cursiva em minha costela direita. Às vezes eu acho que Mark tem razão, e o que eu sinto por ela é uma obsessão. Ninguém ama desse jeito. Não durante tanto tempo. Nós não passamos nem tanto tempo juntos. Eu tive relacionamentos mais longos e mesmo assim não sofri nem um pouco depois do término. Com ela foi tudo diferente. Tudo tão intenso. Com ela eu senti que uma metade minha havia se completado. Eu assumo que algumas vezes eu me pegava ligando ao restaurante apenas para ouvir a sua voz. Eu nunca dizia nada, eu apenas, ouvia...

— Você precisa se controlar John. – Digo encarando meu reflexo no espelho. – Você vai fazer o que tem que fazer, e vai voltar para casa.

Eu posso dizer isso quantas vezes eu quiser. Eu sei que as coisas não vão ser bem assim.

[...]

Os testes retomaram há três dias. Estou no portão de embarque do aeroporto com um Mark de ressaca ao meu lado. Meu coração bate desesperado no peito.

— Você sabe que não deveria beber antes de viajar. – Digo para irritá-lo.

Preciso me distrair com alguma coisa.

Ele me olha como se quisesse arrancar a minha cabeça fora.

— Você não sabe aproveitar a vida. – Diz de cara amarrada. – Eu sei como fazer isso. – Ele levanta os óculos escuros para me encarar com uma expressão preocupada. – Você está bem? – Ele dá de ombros. – Sabe com tudo isso. Em voltar aquele lugar?

Respiro fundo.

— Eu vou ficar bem. – Respondo sem muito entusiasmo.

— Você quer que eu te tranque no quarto, ou te amarre na cama? – Franzo minhas sobrancelhas para ele. – Assim você não vai atrás dela, e não vai fazer papel de idiota.

— Não vai ser necessário. – Respondo com meu melhor sorriso. – Ela me odeia esqueceu? Não quero ter que ouvir isso outra vez.

Mark me encara por um tempo, como se para ter certeza se eu estou sendo mesmo sincero.

— Estão nos chamando. Vamos. – Diz Mark pegando a mochila e colocando a alça sobre o ombro.

Eu o sigo sentindo um frio na barriga.

Não pense muito nisso John...

Apenas faça o que tem que ser feito. 


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