Preto e Branco escrita por Saturno
Notas iniciais do capítulo
Sobre minha pessoa e a depressão.
Bati a porta com delicadeza, anunciando que entraria mesmo sem sua permissão. O encontrei deitado de bruços, com os olhos fechados e com um alto som saindo de seus fones de ouvido.
Caminhei calmamente até ele, observei o quarto sujo e completamente bagunçado. Não era de hoje que John não gostava de organização.
— Ei, John – sussurrei, assim que retirei os fones de seus ouvidos.
Ele abriu os olhos lentamente, sem nenhuma vontade.
— Vamos, levanta. Vou te levar pra um lugar ótimo, você vai gostar — exclamei puxando-o da forma mais gentil que conseguisse.
Minha paciência era grande, ainda mais com a pouca vontade que John sentia de fazer algo nos últimos meses.
Fazia muito tempo que John fora diagnosticado com depressão, ansiedade e pânico, mas isso foi muito antes do nosso namoro começar. Ele começou o tratamento contra a depressão, mas parou por conta própria e então todos aqueles sintomas e todas as crises começaram novamente.
— Você vai comigo ao parque, John? Vamos de bicicleta, vai ser bem legal — falei, animada. Eu estava com muita vontade de ir ao parque, mas queria a companhia de John.
— Eu não estou a fim, Lina — murmurou, voltando a deitar.
— Você está o dia todo trancado no quarto, John, por favor, saía comigo. Por mim. — pedi, abraçando-o carinhosamente.
Eu nunca soube o que dizer para alguém com depressão. Mesmo que eu já houvesse enfrentado tal problema com meu tio, ainda sim eu não sabia o que fazer para convencê-lo.
— Isso é tão importante pra você? — questionou.
— Sim, é. — sorri a ele.
John finalmente levantou-se da cama. Vestiu uma nova camisa e trocou as calças, sem se importar com minha presença. Mesmo a contragosto, fiquei feliz por tirá-lo de casa pelo menos um pouco.
— Eu fiz uma lista do que vamos fazer — exclamei, enquanto caminhávamos até a garagem em busca das bicicletas.
— Uma lista?
— Sim. Você sabe como eu esqueço facilmente as coisas, então resolvi anotar tudo. Primeiro: sentar no banco perto do lago e ficar se beijando por horas. — ele sorriu levemente com aquilo e eu não pude evitar de sorrir também, eu sou incrível, não?
— E a segunda coisa? — perguntou ele, levemente interessado.
— Ir à sorveteria e tomar sorvete até não aguentar mais!
— Está ficando interessante — disse ele, aprovando. John amava sorvete.
— Terceiro: nos beijarmos por mais algumas horas. Quarto: ir para minha casa assistir a um filme. E por fim o último…
— Estou curioso — afirmou.
— O quinto é opcional, certo? Bem, quinto e último: dar uns amassos e transar loucamente. — John não disse nada, apenas continuou com seu mínimo sorriso e suspirou rapidamente.
— Obrigado, Lina. Sério, obrigado por tentar — agradeceu.
— Eu estou tentando, John. Só quero que fique ao meu lado por algum tempo pelo menos, quero te ver feliz, isso é pedir demais?
— Desculpa, Lina. Não é como se eu escolhesse ter essa doença — queixou-se, deixando a bicicleta ao lado e sentando-se na varanda.
— Eu sei, John. Sei que não escolheu ter a doença, mas a escolha é sua se quer continuar para sempre em um quarto ou se quer ter uma vida normal. Eu não entendo porquê você não continua o tratamento…
Sentei-me ao seu lado e o abracei. Nenhum de nós disse mais nada.
Às vezes, tudo que alguém precisa é de um abraço e apenas silêncio. Eu nunca compreendi John, nunca entendi sua dor, mas eu tentava.
— A vida é uma folha imensa de papel, uma folha colorida, e lá no meio tem um ponto branco. Esse ponto é a depressão e ela cresce diariamente, retirando toda a cor do papel. Tornando-o branco, vazio, sem nada além de uma imensidão solitária. — murmurei em seu ouvido.
— E essa cor não vai mais voltar? — perguntou.
— Ela vai. Vai demorar algum tempo, mas aos poucos, com a ajuda de outra folha colorida, o branco vai sumindo e sumindo, até que haja apenas cores e mais cores — respondi, com um sorriso grande no rosto.
— Você é a outra folha colorida, Lina? — indagou, enquanto seu dedo passeava por meu rosto.
— Posso ser se você quiser!
— Não quero ser branco para sempre, Lina. Quero ver além do preto e branco — suplicou.
— Você vai ver, John. Vou te mostrar todas as cores que existem, todas elas. Não haverá mais preto e nem branco. Haverá eu e você.
Sorri quando John me abraçou fortemente. Ele precisava de mim e eu dele. Estava contente por poder ajudá-lo. E contente por vê-lo contente.
No fim das contas, tudo que alguém em branco precisa na sua vida, é de outra pessoa para lhe mostrar a diversidade de cores que há na vida.
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Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!Notas finais do capítulo
Sempre haverá uma folha colorida perto de você. A minha foi minha família e também meus amigos. Não sou 100% colorida, acredito que ninguém seja, mas não há tanto branco como havia antes.
Espero que esteja lendo isso, Ju.