Capítulo 1: O desastroso último dia de verão

Minha irmã é, provavelmente, a única pessoa da cidade que sabe todas as fofocas primeiro que todo mundo. Não tem nada que não passe pelos ouvidos apurados de Alycia Baxendale. E como irmã e melhor amiga, ela sempre dividia as melhores fofocas comigo. Nunca liguei muito para isso, não conheço metade dos nomes das pessoas envolvidas e quando conheço o nome, não conheço o rosto.

Contudo, a mais nova fofoca de Alycia era sobre alguém que eu conhecia muito bem. Não, vou melhorar essa frase. Alguém que um dia eu conheci muito bem.

— Marley! — gritou minha irmã pulando na minha cama.

Aquele era o último dia de verão e eu não estava disposta a levantar. Mas os cachos de Alycia estavam no meu rosto, fazendo cosquinha e dificultando minha respiração.

A empurrei para o lado, tentando derrubá-la no chão. Porém, não sou a pessoa mais forte do mundo quando acabo de acordar, então não fez nenhuma diferença.

— Estou dormindo — murmurei sem abrir os olhos.

— Não está. — Alycia me cutucou. — Você precisa saber dessa novidade.

— Tenho certeza que ela pode esperar até depois do almoço.

Aposto que Jenny Ford traiu Mike Kenny com algum cara do acampamento de verão. Ela sempre trai o namorado, não entendo por que eles ainda estão juntos. Sempre achei Mike muito trouxa. E não, não sei quem é Jenny e Mike, só sei o que minha irmã me conta.

— Marlene Baxendale. — Alycia usou seu tom de voz ameaçador. — Se você não abrir os olhos agora eu vou descer e comer o seu bolo.

Preciso dizer que abri os olhos na mesma hora?

Quando sua família é grande — três irmãs e um irmão — é preciso separar muito bem o que é de cada um. Todos os doces e salgadinhos possuem um post-it com nomes. Caso, por exemplo, eu coma as castanhas do papai, ele tem direito a comer qualquer uma das minhas comidas. Não sei como funciona nas outras famílias, mas isso sempre deu certo na nossa.

Não duvidava que minha irmã fosse capaz de comer meu pedaço do bolo — quando ela quer uma coisa pode usar as táticas mas malvadas para conseguir — e eu queria muito comer aquele bolo, então tive que me render e abrir os olhos.

Alycia sorriu vitoriosa me observando sentar na cama, mal-humorada. Eu não era muito fã de manhãs, enquanto Aly acordava todos os dias com um sorriso no rosto. Nós éramos completamente diferentes e não estou falando só do tom de pele — ela é negra e eu pareço uma vampira de tão branca —, nossas personalidades são opostas. Mas, talvez porque fomos criadas juntas, Alycia é minha melhor amiga.

— Desembucha — falei espreguiçando.

— Talvez você queira se preparar melhor para ouvir isso.

A encarei confusa, algo me dizia que aquilo não era sobre Jenny e Mike.

— Por que eu teria que me preparar? — perguntei cautelosa.

Alycia encarou a minha parede cheia de fotos, como se pensasse na melhor resposta. Agora eu estava nervosa.

— Aly — a chamei. — Eu não sei o que você tem para me dizer, mas vamos imaginar que é um band-aid. — Notei pelo jeito com que ela me encarou que não havia compreendido. — Se você tirar rápido vai doer menos.

A garota fez um bico, parecendo pensar.

— Não tenho certeza se isso vai funcionar — comentou.

— Apenas fale — pedi impaciente.

Alycia respirou e inspirou pôr o que pareceu dolorosas duas horas e, soltou a notícia que deixaria minha manhã ainda mais triste:

— Ronan está de volta! — exclamou animada, como se aquilo fosse algo bom, mesmo sabendo que não era. — E está incrivelmente gostoso!

Eu devo ter congelado, pois não fui capaz de falar nada. Ronan Carless, meu ex-namorado que foi para Austrália e terminou comigo via Facebook, o cara que eu jurei odiar até minha morte. Eu não precisava dele de volta na minha vida agora, não quando estava prestes a ir para o meu penúltimo ano na escola.

Talvez ele esqueça da minha existência, nem fale comigo. Parte de mim espera que isso aconteça e a outra parte vai ficar bem magoada caso isso aconteça.

— Marley? — ouço minha irmã me chamar. — Você ouviu a parte do “incrivelmente gostoso”? — perguntou cutucando a minha bochecha. — S enviou uma foto dele no supermercado, se quiser eu posso...

— Não! — disse rapidamente, saindo do meu estado de choque. Joguei minha cabeça na cama e suspirei: — Preciso dormir.

— Não precisa. — Alycia pulou da cama e pegou os meus pés, puxando-me para fora. Gritei por socorro, mas foi inútil. Qual é a vantagem de ter uma família grande se ninguém está disponível para te socorrer quando precisa? Rapidamente fui parar no chão, arrastando minha coberta comigo. — Levanta desse chão e vá se arrumar. Seu humor vai ficar muito melhor depois de uma tarde de compras e cupcakes.

— Eu não gosto de fazer compras — resmunguei. — Mas você me convenceu com os cupcakes.

**

Eu não era uma grande fã shopping. Fazer compras era mais cansativo do que correr uma maratona e era difícil ter paciência para aguentar todas aquelas filas. Mas, nunca iria admitir em voz alta, Alycia tornava compras algo divertido.

— Lembra do Ryan? — perguntou ela, enquanto comíamos Burger King na praça de alimentação. Minhas mãos doíam de tanto carregar sacolas e meus pés doíam de tanto andar.

— Ryan Gosling? — indaguei prestando mais atenção na minha comida do que na conversa.

— Não, boba — respondeu Aly. — Ryan um ano mais velho, joga no time da escola e parece aquele cara do Clube dos Cinco.

— O nerd?

— Não, o jogador.

Penso um pouco e acabo lembrando do garoto gato que joga no time da escola e anda com os amigos de Alycia.

— O que tem o Ryan Não-Gosling? — Minha atenção está voltada para as batatas-fritas e não para a conversa, mas tentei parecer interessada para não magoar minha irmã.

— Eu estava naquela festa ontem, aquela que você não quis ir — começou me lançando um olhar mal-humorado.

— Estava fazendo uma maratona de Gotham — expliquei mesmo que ela já soubesse.

— E o Ryan se aproximou de mim — continuou, ignorando minha explicação. — Achei que ele fosse pegar uma bebida, porque a mesa de bebidas estava atrás de mim, mas ao invés de pegar uma bebida ele perguntou: “Aquela garota, Marlene, é sua amiga, não?”

Comecei a rir, porque minha irmã havia forçado uma voz masculina no final.

— O que você disse? — perguntei um pouco mais interessada.

— Eu disse que você era minha irmã e, é claro que ele não acreditou. — Alycia revirou os olhos. — Ai expliquei que você era adotada e ele perguntou se você estava solteira.

— Você disse que eu era adota e logo em seguida ele perguntou se eu era solteira? — questionei arqueando um das sobrancelhas.

— Pois é, simples assim.

— E o que você disse?

— Que você está solteiríssima — respondeu como se fosse óbvio.

— Não acredito que você disse que eu estava solteiríssima. — Tentei parecer séria, mas acabei rindo.

— O Ryan Não-Gosling está caidinho por você, eu senti — falou tomando um gole do seu refrigerante e me olhando com aquele olhar de quem sabe de tudo.

— Eu não sei se quero sair com alguém chamado Ryan Não-Gosling. — Não tenho nada contra Ryan, mas não sou muito fã de relacionamentos, não depois do meu primeiro ter terminado do jeito que terminou. Já sai com outros caras, mas nunca dava certo e não entendia por que minha irmã insistia naquilo.

— Ele vai te chamar para sair amanhã e você vai aceitar — ordenou.

— Fico feliz em poder fazer minhas próprias escolhas — disse com ironia.

Alycia deu os ombros como se minha opinião não importasse, porque ela não importava, e voltou a comer sua comida.

Depois de vários minutos comendo e jogando conversa a fora — parece que Jenny realmente traiu Mike com o garoto do acampamento —, minha irmã quase deixou cair sua bebida no chão ao avistar algo atrás de mim.

— O que foi? — perguntei. — É o Ryan?

Aly não respondeu, ela estava em estado de choque, igual como eu fiquei depois que descobri que Ronan estava de volta.

Então entendi o que estava acontecendo. Mas eu precisava ver com meus próprios olhos, talvez fosse outra coisa completamente diferente. Igual quando você sabe que o personagem da série vai morrer, mas pensa que talvez quando você chegar nesse episódio ele não morra.

Virei-me lentamente, tentando me preparar psicologicamente para aquilo. E ali estava Ronan Carless com alguns amigos.

Agora eu entendia o que Alycia queria dizer com incrivelmente gostoso. Quando namorava Ronan ele era magrelo e alto demais, entretanto agora dava para ver que tinha algo por baixo daquela camisa. Mas tirando isso, ele não parecia ter mudado muito, os mesmo cabelo castanho escuro e bagunçado, os mesmos olhos verdes e o mesmo sorriso idiota.

Voltei meu olhar para Alycia, antes de Ronan me visse. Existia aquela parte de mim que queria ver a reação dele ao me ver, mas essa parte podia esperar até amanhã. Não queria que Ronan Carless estragasse o meu último dia de verão.

— Agora seria uma hora incrível para comer um cupcake — falei chamando atenção da minha irmã.

— Então, é melhor a gente correr, porque ele está vindo para cá.