Lua Nova do Eduardo escrita por AmandaC


Capítulo 5
O Beijo




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Carlos ficou pensativo, por fim suspirou.

- Eu nunca tenho certeza se fiz certo, entende. Mesmo sozinho será que eu devia ter imposto essa vida para eles?

Um lado um tanto histérico do meu cérebro protestou contra isso. Sabendo que se Carlos tivesse resistido, eu agora não teria a Clara.

- Foi a mãe de Clara quem fez minha cabeça. – ele olhou para a janela, mas seus olhos pareciam, e deviam, estar a cem anos antes.

- A mãe? – por que o espanto Eduardo? Mesmo sendo vampira ela já teve uma mãe, não acha? Idiota.

- Sim. O nome dela era Eliza Melany. O pai dela foi o primeiro a morrer, nem ao menos estava consciente de coisa alguma. Mas Eliza não, ela se manteve alerta até quase o fim. Poderia ter sobrevivido, estava melhor que o marido e a filha. Mas dedicou todos os cuidados a Clara. Eu havia voltado do meu descanso, e eu odiava essa parte de ter que fingir quando tantos precisavam de mim, e encontrei Eliza nas ultimas. A febre estava muito alta. Foi então que ela agarrou minha mão e me pediu para salvar sua filha. Ela não sentia minha mão anormalmente fria devido à febre. Eu havia me apegado a eles. Isso não é bom. E eu sabia que Clara estava nas ultimas também.

Os olhos dourados de Carlos ficaram mais escuros enquanto prosseguia a história.

- Então ela me disse “faça o que estiver em seu poder, o que os outros não podem. Faça para minha Clara”. Primeiro eu achei que ela estava delirando. Mas o modo como ela me olhou não era de um delírio, era um pedido muito forte, tanto que olhando em seus olhos eu achei que ela iria superar essa crise. Naquele momento eu me assustei. Por que olhando em seus olhos eu percebi que ela sabia meu segredo.

Carlos olhou para mim.

- Eliza perdeu a consciência e morreu uma hora depois do pedido. Enquanto isso eu fiquei remoendo a possibilidade. Há décadas eu já planejava criar uma companhia. Só uma criatura para me conhecer. Alguém que eu não precisasse fingir. Só que eu não queria fazer com alguém o que fizeram comigo.  Mas ela estava morrendo. Tão jovem e sua vida estava indo embora.

Seu rosto se iluminou minimamente.

- Eu olhei bem para o rosto dela. Mesmo tão doente e fraca, Clara tinha um ar tão bondoso e era tão bonita. O rosto que eu gostaria que minha filha tivesse. Então eu tomei a decisão. Levei primeiro sua mãe para o necrotério e depois voltei para pegá-la. Ninguém reparou que ela ainda vivia. Eu fugi com Clara pela porta dos fundos. Andei com ela pelo telhado e a levei para casa. Eu não sabia como fazer isso. Apenas recriei as minhas cicatrizes. Foi mais doloroso e demorado do que esperava mas, - ele balançou a cabeça e olhou para mim. Caraca, eu havia prestado a atenção em tudo. – nunca me arrependo de tê-la salvado. – ele parou um pouco. – Acho que devo levá-lo para casa agora.

- Eu faço isso. – Clara entrou, andando suavemente, devagar demais para ela. A voz não continha nenhuma emoção. E havia algo errado com os olhos verdes que eu tanto amava.

Eu olhei para baixo e notei que minha roupa estava toda suja de sangue. Fiquei um pouco preocupado por Clara, ela deve ter percebido.

- Eu estou bem. Você só precisa trocar de blusa. – comentou, sem nenhuma emoção.

Aquilo me assustou.

- Vou pedir para Edvandro emprestar alguma blusa. – ela saiu da cozinha, sem nem ao menos parecer preocupada com nada.

Olhei para Carlos.

- Ela está chateada?

- Um pouco.

Eu me levantei e voltamos para sala. Esther havia voltado e limpava o chão com algum produto que tinha um cheiro muito forte. Eu desviei o olhar da cena. Não queria relembrar o momento.

Clara entrou com Edvandro.  Ele piscou para mim e me ergueu para o andar superior – eu odiei aquilo, como sempre odiava. Lá me arranjou uma blusa da mesma cor que a minha. O ferimento não parecia mais tão grave sem aquela montoeira de sangue.

- Edvandro, as coisas estão muito ruins? – perguntei, num sussurro.

- Que isso cara. Relaxa. – ele falou baixinho, mas deu um tapaço nas minhas costas que perdi o fôlego.

Respirei fundo antes de perguntar.

- E o Joaquim?

- Está irritado por ser tão fraco. Ainda é difícil para ele.

- Bom, eu não estou chateado com ele. Nem com ninguém. – comentei.

Clara me esperava na porta. Eu fui até ela. Carlos e Esther desejaram boa noite baixinho, olhando furtivamente para Clara. Eu também estava preocupado com ela.

Quando sai vi um carro novinho, verde escuro, com uma fita em cima. Clara me entregou a chave, o rosto impassível. Por um momento eu esqueci de tudo que aconteceu. Senhor, eu havia ganhado um carro! Como eu pude me esquecer disso?

- Posso dirigir? – perguntei, mas já corria para ele. Abri a porta e sentei atrás do volante do MEU carro. Coloquei a chave, todo animado, pronto para dirigir, mas me lembrei que nunca reconheceria o caminho.

Sai do carro. Clara estava do lado da porta, sem nenhuma expressão. Eu segui para o carona e ela não fez nenhuma tentativa de vir me ajudar. Quando sentei ela já estava atrás do volante. Notei que o resto dos meus presentes estavam no banco de trás.

Ela ligou o carro e começou a dirigir apressadamente, sem falar nada. Sem olhar para mim. Aquilo me incomodou.

- Diga algo? – pedi, irritado com o silencio.

- Quer que eu diga o que? – sua voz continuava sem entonação.

- Que não está chateada comigo?

- Com você? – agora ela parecia com raiva. – Como eu poderia estar chateada com você? Você apenas se cortou. Não há nada de errado com isso. O único problema é que eu não podia estar ao seu lado enquanto você levava os pontos por que eu lutava para não te matar. Ou pior, por que eu te joguei contra uma pilha de pratos por que meu irmão queria te matar. Agora eu devo culpá-lo por isso? – ela estava irritada, mas não olhava para mim.

- Eu não me importo. – foi tudo o que eu pude falar. Pensei em algo que pudesse salvar a noite, mas cheguei em casa sem nenhuma grande ideia.

Clara desligou o carro e desceu. Eu abri a porta e sai. Sem que eu notasse ela carregava os presentes.

- Vai ficar essa noite? – perguntei, ansioso.

- Não.

Aquilo me machucou um pouco, mas disfarcei.

- Tudo bem. É meu aniversário, beije-me. – pedi. Ela largou os presentes no capo do carro e se aproximou. O beijo começou como sempre, cuidadoso, do jeito que Clara faz para controlar nosso contato. Mas a coisa começou a esquentar – não literalmente, por que seu corpo era frio contra o meu. Mas começávamos a passar do limite. Eu era o mais propenso a isso, sempre. E Clara não me parou dessa vez, como sempre parava.

Por um momento aquele beijo me soou familiar. Mas eu não conseguia me recordar o que seria. Clara se afastou e sumiu na escuridão sem nenhuma outra palavra.

Eu me senti estranho – sozinho.


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