O Outro Lado do Espelho escrita por Claire


Capítulo 1
De Novos Futuros


Notas iniciais do capítulo

Espero que os capítulos não estejam muito grandes, perdi o jeito de escrever para sites e não sei mais qual o tamanho "certo"... Vou me adaptar com o tempo =) No mais espero que tenham uma boa leitura e qualquer erro por favor avisem.



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A casa nova tinha cheiro de incenso e uma mobília antiquada, desnecessário dizer que mamãe adorou. A velha Cecília e sua mania de adorar coisas antigas. Só poderia mesmo ser professora de história essa mãe que fui arrumar – e era uma ótima professora, diga-se de passagem. Daniel e eu sempre brincávamos com isso de coisas antigas em casa e na maioria das vezes nossos comentários propositalmente maliciosos faziam mamãe ficar vermelha e dar sermões sobre como o passado era importante para o futuro, mas isso parecia ter acontecido em uma outra vida agora. Daniel não estava mais conosco. Engraçado como a morte pode transformar a vida das pessoas.

Antes de mudarmos para a parte mais remota e chata do mundo – também conhecida como Arapuanã – nós morávamos em Curitiba. Daniel era uma presença divertida na casa, sempre fazendo piadas e tirando o melhor de qualquer situação; e era bastante necessário já que mamãe nunca teve um grande senso de humor. Desde que meu pai morreu, mamãe ficou um tanto áspera e desesperada já que seu salário de professora não dava conta de cuidar de duas crianças pequenas, e foi só quatro anos depois que Daniel apareceu para salvá-la. Seu segundo marido. O único pai que me lembro. Eu tinha quatro anos e meu irmão tinha dois quando nosso pai morreu, então é normal que não nos lembremos dele.

Quando Daniel morreu atropelado minha mãe pensou que ia morrer junto. Era compreensível… Eu também me senti péssima e meu irmão se fechou completamente, não deixando que nem mesmo os psicólogos que mamãe contratava conseguíssem tirar dele como se sentia. Foi aí que ela resolveu que devíamos nos mudar e assim fizemos: Arapuanã aí fomos nós. Benjamin, meu irmão, gostou bastante da ideia de mudança e adorou ainda mais saber que havia um rio bem perto de nossa nova casa; mas também qualquer garoto de 13 anos adoraria isso, não é? Quanto a mim… Bem, eu não ligava. Nunca fui uma adolescente normal no fim das contas, sempre preferi meus livros a uma saída com as amigas – que aliás eu não tinha. Então fomos, mamãe com a cara e a coragem, Ben com a esperança de esquecer e eu indiferente. Ótimo jeito de começar uma nova vida.

Quando enfim todas as nossas coisas estavam naquela casa com cheiro de incenso meu irmão resolveu ir conhecer a cidade e passou a caminhar por horas todos os dias para conhecer cada rua, cada beco, cada comércio aberto daquele lugar, e mamãe espalhou currículos tentando pegar trabalhos de professora substituta enquanto não fazia a prova para lecionar nas escolas públicas. Ela nos matriculou em um colégio perto de nossa casa e em menos de um mês estávamos começando a nos adaptar ao jeito um tanto interiorano de ser das pessoas ali. E foi em uma das aulas de português que descobri o quanto todos eles eram supersticiosos.

_ Então, meninos, quem quer ser o primeiro a ler a redação livre do dever de casa?

A professora de português era uma mulher rechonchuda de óculos quadrados que parecia descendente de índios, mas que falava com um sotaque paulista estranho. Era bastante gentil a pobrezinha e sempre tentava fazer as pestes da minha sala cooperarem e aprenderem, ela até mesmo arrumou livros de literatura inglesa para deixar na sala e emprestar aos alunos que se interessassem, mas só uns três alunos pegaram algo pra ler.

_ Vou ter que chamar alguém? Que tal… Lucas?

O tal Lucas, um menino baixinho de cabelo castanho cacheado e olhos fundos, deu um suspiro alto de impaciência e foi para a frente da sala. Ninguém gostava de apresentar trabalhos na frente da sala e menos ainda de ler redações, mas fazer o que?

_ Portais Secretos – Começou o garoto com uma tonalidade de voz que sugeria vergonha – Os portais secretos estão escondidos por todos os lugares deste mundo. Existem aqueles que levam a outras partes da terra e aqueles que levam para lugares fora de nossa dimensão.

Alguns alunos começaram a dar risinhos abafados enquanto a professora pedia silêncio e o pobre Lucas continuava a leitura. Ouvi algumas meninas comentando que ele era louco, que acreditava em coisas estranhas, e senti um pouco de pena do pobre coitado. Ele estava vermelho de vergonha e agora lia mais rápido para terminar logo e a professora não tirava seus olhos negros dele. Quando enfim terminou o rapaz enfiou o caderno em baixo do braço e quase correu de volta para seu lugar.

_ Hmm interessante… Interessante. Quem vai ser o próximo? – Mas ninguém se voluntariou novamente e a professora escolheu outro infeliz, que repetiu o tom envergonhado e apressado do primeiro.

....

Tirando as aulas chatas e as horas mais chatas ainda em que eu ficava sozinha, gostava de explorar a casa nova. Era uma dessas casas de madeira revestida que tinham a cara do século passado, mas foi construída para ser uma espécie de casa-grande na época da escravidão e por isso tinha algumas passagens secretas que eu pretendia conhecer. Em uma dessas vezes em que me arrastei pelos túneis encontrei uma escada que levava ao sótão, algo que eu jurava que só existia no Estados Unidos. Lá em cima encontrei pouca coisa: uma penteadeira quebrada, um baú com cadeado enferrujado e um espelho com moldura de madeira. Era um daqueles espelhos de bordas arredondadas com aquelas molduras pesadas e trabalhadas que tinham aparência de serem caras, fiquei impressionada com os detalhes daquele espelho. Devia ser muito antigo e estava coberto com camadas e mais camadas de poeira. Quando voltei mostrei o sótão para mamãe.

_ Anna esse espelho é do século passado! Deve valer muito, caramba… É tão lindo…

Como já era de se supor ela ficou apaixonada com o espelho – normal já que era antigo – e quis levá-lo lá para baixo. Foi preciso quase o dia todo e a ajuda de Ben para conseguir tirar aquilo do sótão e pendurá-lo na parede da sala de jantar. Era um daqueles espelhos de colocar no quarto mas mamãe queria que ficasse a mostra. Era um bônus inesperado que ela não podia ter gostado mais.

_ Então Anna já pensou no que quer fazer?

De novo a conversa. Mamãe era daquelas que davam muita importância a educação e queria que eu escolhesse o que faria de faculdade, mas ainda faltavam dois anos para me formar e na verdade eu nem sabia se queria fazer faculdade. Claro que a pressão era em cima de História como ela, mas a boa e velha dona Cecília tentava fingir que não se sentiria triste se eu escolhesse outra coisa.

_ Não mãe, mas vi um curso de enfermagem que parece legal.

_ Curso técnico não é faculdade, Anna, decida-se logo. - E ela enfiou uma colher de arroz com purê na boca com aquele olhar de quem não está para negociações. Suspirei e ela abaixou a colher me fuzilando com o olhar.

_ Mãe eu falei para a senhora que o nosso vizinho está me ensinando a pescar? - Benjamin como sempre veio ao meu resgate. - Ele me deu uma vara e uma lata pra por iscas, vamos nesse fim de semana no rio para pegar peixes.

_ Que legal Ben! Vão ficar fora o fim de semana todo?

_ Não, só o sábado. Volto com um peixe bem grande para a senhora.

E mamãe deu um dos seus sorrisos contidos que, para todos os efeitos, significava “eu te amo”. Benjamin olhou para mim com um sorrisinho cúmplice e eu me senti aliviada pela mudança de foco. Meu irmão, meu principal aliado e meu pequeno salvador do dia. Nós dois odiávamos quando ela começava a falar sobre o futuro.


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Notas finais do capítulo

É a primeira vez que escrevo uma história situada no Brasil, que emocionante e estranho ao mesmo tempo xD