Amor de Flor escrita por brunna


Capítulo 2
δυο


Notas iniciais do capítulo

Obrigada aos dois lindos comentários
[revisado 14/12/15]



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Eu já tinha uma entregadora, faltava-me apenas a carta que era logicamente o mais importante. Devo rever melhor minhas prioridades da próxima vez, mas eu sou confiante o bastante para arriscar que sou uma boa escritora de cartas. Depois de ler inúmeros livros puritanos, estou acostumada em escrever com palavras difíceis e esteticamente bonitas.

Agarrei uma caneta esferográfica com tinta preta e comecei a escrever:

Querida destinatária,

Eu te vi pela primeira vez em um dia promissor, sexta-feira. Juro que encantei-me com seus perfeitos cachos e os lábios bem maquilados. Então, depois de devanear sua imagem, eu percebi que seria justo ser sua admiradora secreta.

Não revelarei minha identidade, apesar da minha caligrafia denunciar meu sexo. Certifico-lhe de que sou uma garota caso o contrário, eu seria um homem afeminado.

Com as melhores intenções,

Flor.

Ao encarar as poucas linhas atingidas, frustrei-me; era um bilhete apenas, mas havia muitas coisas para me fazer frustrada além do tamanho das escrituras. Se aquelas palavras fossem escritas por um homem, não havia erro algum e ele conseguiria a garota em um piscar de olhos, mas eu sou mulher e afirmo gostar de outra mulher que nem ao menos sei o nome.

Aquela manhã de terça-feira veio quieta, sem sol e sem felicidade. A rua era dominada por uma massa cinzenta de neblina e as pessoas pareciam não gostar muito, pois tudo estava deserto e sem brilho.

Encontrei minha amiga no caminho e eu a entreguei a carta intacta, bem dobrada e selada. No verso, eu não escrevi meu nome, mas apenas o apelido, o que era vago.Aliás, nem especificação de espécie de flor havia. Era apenas Flor. Uma flor entre tantas outras.

— Eu posso ler? — perguntou minha amiga.

— Nunca, Mar. Está um horror — indaguei.

— Você me chamou pelo apelido só para me convencer de que eu não preciso ler?

— Sim, Mar.

— Espertinha. — Ela puxou a carta de mim. — Só não lerei para não danificar o selo que ficou uma graça. Parece carta dos reis e rainhas e...

— Ficou antiquado!— preocupei-me.

— Antiquado? Nunca! — respondeu Mar. — Eu acho tudo muito fofo. Como selou a carta?

— Giz-de-cera — contei-lhe. — Minha irmã vai me matar.

— Ela só está com cinco anos.

— E já é perigosa! — exclamei.

— De qualquer forma, eu já estou indo. — Minha amiga apanhou a mochila. — Te encontro no colégio.

— Obrigada pela ajuda, Mar. — Nos abraçamos. — Eu te amo.

— Se você me amasse, não me faria de pombo-correio.

— Se eu não te amasse, eu não confiaria esta entrega a você — falei. — Pare de reclamar, vá!

Ela revirou os olhos e caminhou até o ponto de ônibus mais distante.

O plano seria o seguinte: eu não tomaria um ônibus com a Mar, pois a destinatária desconfiaria de mim. Então decidimos que eu iria mais cedo, no primeiro ônibus e Mar tomaria o mesmo que a destinatária, pois ela entregaria a carta um pouco antes de deixar o ônibus — assim a destinatária não teria tempo para fazer perguntas. Era infalível.

No colégio, depois da minha chegada, eu vi Mar correndo hilariante como alguém que tivesse aprontado feio.

— Eu entreguei! Eu entreguei! — falou-me.

— Como foi? — perguntei curiosa.

— Ela não conseguiu entender bem, mas guardou a carta na bolsa.

— Ela disse alguma coisa? — perguntei.

— Não ainda — disse Mar. — Quem sabe amanhã?

— Amanhã já tem outros planos — comentei. — Eu vou achar a casa dela.

— Doida! — gritou Mar tornando-se o centro das atenções de todos os alunos.

— Doida eu seria se não o fizesse — argumentei. — Só quero saber se é perto da minha casa.

— Tudo bem, vá com toda a sorte que tiver, mas não irei com você.

— Combinado, sozinha é melhor. Se você fosse, ela te reconheceria. Lembre-se de que agora ela te conhece.

— É uma verdade — falou Mar. — É menos encrenca para você me arranjar.

Fomos interrompidas com a chegada de outro amigo. É um garoto magricela, pele pálida e óculos com grandes armações. Felipe. Atende também por Você aí Dos Óculos Gigantes.

— Felipe! — Mar o cumprimentou animadamente.

— Oi, Mar — respondeu. — Como vocês estão?

— Bem — tomei a liberdade de responder por nós duas. — Na verdade, muito bem.

— Eu entreguei a carta para o amor platônico da Maya — contou Mar.

— Eu queria ser como Maya e conseguir mandar essas cartas para quem eu gosto — falou Felipe. Talvez uma indireta a Mar.

— Mandar cartas anônimas é fácil — falei. — Difícil mesmo será quando eu me revelar.

— Boa sorte! — Felipe segurou minha mão cordialmente. — Preciso ir, vejo vocês na aula.

Depois que ele foi, eu resolvi quebrar o silêncio.

— Mar, você ouviu o que ele falou sobre quem ele gosta? — perguntei.

— Sim, eu o ouvi — respondeu Mar.

— Eu tenho certeza de que foi uma indireta a você.

— A mim? Sério?

— Você é modesta demais para assumir que percebeu também, mas lhe digo que é seríssimo. O que você acha dele?

— É bonitinho, inteligente, gosta de revista em quadrinhos... Sou eu na forma masculina!

Sustentei o assunto e debatemos sobre ele até o começo das aulas.

***

Uma eternidade até chegar o intervalo e eu tive a surpresa de ser chamada por Felipe. Ele disse que precisava da minha ajuda no pequeno laboratório da escola, mas lá eu ainda não consegui entender nada.

— O que é para fazer? — perguntei.

— Nada — respondeu-me. — Eu te chamei para admitir algo.

— Vá em frente então.

— É sobre amor e...

— Amor? Então já sei! —Eu abri um grande sorriso. — Eu já sei que você ama a Mar.

— Mar? Eu não a amo. De onde tirou isso?

— Então o que quer dizer?

— Que eu amo você. Não é óbvio?

— Eu? — Senti meu rosto enrubescer bruscamente.

— Sim. Eu sei que você gosta de garotas e tem este lance de você nunca gostar de mim, mas talvez você quisesse tentar.

— Tentar?

— Sim, tentar gostar de um garoto...

— Isso é um absurdo! — queixei-me.

— É o que eu sinto — defendeu-se Felipe.

Eu o ignorei, e o deixei sozinho no laboratório. Não falei com ninguém até o fim das aulas e à noite só consegui pensar na minha procura pela casa da garota que eu mal conhecia. Decidi faltar a aula.

***

— Mãe, é uma dor horrível. Suspeito que seja cólica.

— Eu acho que eu tenho alguns comprimidos.

Mas ela não tinha, pois eu fiz questão de sumir com todos eles antes de dormir.

— Querida, eu acho melhor você não ir ao colégio hoje — disse minha mãe. — Quando eu voltar do trabalho, trago novos comprimidos. Enquanto isto, eu farei um chá para ajudar a disfarçar a dor.

Respondi com gemidos convincentes.

Quando minha mãe saiu para trabalhar, eu ainda pude dormir mais um pouco. O meu celular alertou-me às treze e eu corri em direção ao ponto de ônibus. Eu sabia qual era a rua que vinha aquela menina, logo eu só precisaria adentrá-la e esperar ela sair de alguma das casas.

Para esta ocasião, eu fui bem vestida. Eu usava meu vestido indiano que combinaria com a blusa que ela usava na última vez que eu a encontrei. As flores no meu cabelo eram pequenas, apenas umas violetas brancas que eu amava bastante.

Eu conhecia aquela rua, era pequena e de comércio havia apenas um salão de beleza com um nome engraçado. Depois de alguns minutos, um portão vizinho ao salão de beleza abriu-se e de lá saiu a minha garota.

Ela usava uma saia florida e uma blusa lilás sem estampas, seu cabelo estava preso em um rabo de cavalo volumoso. Eu quis naquele momento correr até ela e abraça-la... mas o que eu fiz foi ficar parada como uma idiota. Para minha sorte, ela não me percebeu, mas eu a percebi o suficiente para ver que ela portava minha carta em mãos. Na verdade, eram duas cartas.

Ou ela tem mais um remetente ou eu ganharei uma resposta.


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