Sentei-me ao lado de Liz, que ainda estava com uma expressão estranha. Um garoto entrou no ônibus e só aí ela mudou a expressão, quando percebeu que ele estava encarando ela. Ele estava dando em cima da minha Liz.

— Nem só por isso eu vou ficar abilolada — comentei, chamando a atenção de Liz.

— O quê?

—Eu não estou tendo ciúmes, como você teve.

—Pelo Universo, Maya! — reclamou Liz. — Eu não estou com ciúmes.

— Hm, então tá — falei. — Não sei como seu nariz é tão pequeno, mentirosa.

— Ah, se você voltar neste assunto, eu quebrarei o trato de uma semana — falou Liz me fazendo arquear as sobrancelhas.

— Então tá, mon amour — falei. — Você é quem manda.

— Gostei disso — falou. — E sobre hoje, sua mãe vai ligar para a minha?

— Eu deixei o número de sua casa com minha mãe, ela vai ligar e convencer sua mãe com toda a certeza. Você vai dormir lá em casa hoje.

— Vamos fazer festa. — Ela encostou sua cabeça no meu ombro.

— A que horas você sai do curso? — perguntei.

— Seis e meia, por quê?

— Para voltarmos juntas — sugeri. — Eu saio às seis e vou até seu curso, que não é tão longe da minha escola. De lá, a gente volta para minha casa juntas.

— E minhas roupas? — perguntou Liz.

— Minha mãe deve ir à sua casa buscar, ela gosta de fazer minhas vontades — comentei.

— Combinado.

***

Felipe estava sozinho em um dos bancos do pátio. Eu me sentei ao seu lado e ele me encarou com uma expressão vaga. Eu correspondi com um sorriso e ele estudou a situação com a mão no queixo.

— Eu estive pensando — falou. — Eu fui na casa daquela garota, fiz um site falso para o colégio PAG, que teve dois acessos. Agora me diga, você me prometeu que me arranjaria com alguém.

— Por que você não tenta algo com a Mar? — não consegui evitar falar. — Eu acho que ela gosta de você.

Eu sei que a Mar nutre uma paixonite por aquele garoto CDF fã de quadrinhos e animes, mas é como uma regra entre amigas. A gente não pode sair por aí revelando os segredos alheios, principalmente o que faria a Mar esteticamente mais frágil. Além do mais, faria Felipe mais seguro de si.

— Ela é uma gatinha — falou e eu assenti.

— Tem uma hora que o homem tem de decidir sair da zona da amizade. — Eu pisquei para ele.

— O que eu deveria fazer? — ele me perguntou. — Chamá-la para sair?

Depois de admirar o modo como ele falava certo, eu assenti com um sorriso de canto.

— Onde você sugere? — me perguntou.

— Uma sorveteria lá perto de casa vai fazer aniversário — contei, — Vai ter uma banda legal e tudo mais. Eu vou com a Liz, você vai com a Mar.

— Um encontro de casais? — perguntou-me.

— Isso é muito norte-americano — comentei. — Prefiro... tá, estou sem ideia, encontro de casais é um ótimo nome.

Logo depois vi Mar chegar e fiz questão de me levantar do banco. Como eu imaginei, ela foi diretamente ao lado de Felipe, antes me cumprimentando.

Eu e a Mar, pessoas gostando de outras que nem ao menos ligam para nossa existência.

Não sei, talvez aquilo que Liz tinha falado poderia ser um tipo de comentário ciumento, mas eu já sabia e ela deixou bem claro que estava apaixonada pelo autor das cartas e não pela figura que este representava. Mas ela me beijou, pois eu fiz um poema a ela.

Pronto, uma lâmpada poderia estar acesa sobre minha cabeça neste exato momento. Liz é apaixonada por Literatura, seu curso é sobre isso. Ela escreve bem, está no concurso comigo. Então, ficou totalmente óbvio que eu deveria escrever a Liz.

— Maya, você não vai acreditar! — Mar espantou meus pensamentos com suas gritarias cotidianas.

— Felipe te chamou para sair, especialmente em uma sorveteria, junto a mim e a Liz?

— Ei, você que deu a ideia?

— Claro, me agradeça.

Mar revirou os olhos, mas se rendeu em um abraço depois de avaliar a situação. Ela deve te percebido que eu realmente a ajudei em muita coisa e me apertou ainda mais em seus braços.

— Amiga! Amiga! Amiga! — exclamava Mar. — Você é tão, tão, tão linda.

— Tá..tá, tá — respondi. — Vamos então torcer para não acabar em bagunça.

— O que poderia dar errado? — ela perguntou.

— Com você nada... — Lembrei-me da vez em que Liz saiu da sorveteria após nosso beijo. — Mas eu estou insegura.

— Insegura é uma palavra difícil — comentou Mar. — Fale “bolada”.

— Mas as duas palavras tem significados diferentes — falei. — Ah, foda-se. Eu estou tanto insegura como bolada.

— Não se preocupe, minha amiga — disse Mar. — Se ela te magoar, eu darei meu jeitinho de descontar!

— Imagino... — falei. — Mas a culpa não é dela.

— Com assim?

— Nada, nada — disse. — É melhor esquecer, aliás vamos sair sábado, não? Então... o que você vai vestir?

— Será que o Felipe iria gostar de um vestido um tanto feminino demais?

— Foda-se o Felipe, o que você quer usar?

— Ah, olhe quem fala... a garota que foi de maria-rapaz para o encontro com a Liz.

— Não mude de assunto, a Liz é alguém que vale a pena agradar.

— E, para mim, Felipe é um alguém que vale a pena agradar.

— É... que você sabe... eu não gosto de ver mulheres fazendo a vontade de homens.

— Mas e você fazendo as vontades da Liz? Qual é a diferença? — comentou Mar com toda a razão.

—Você tem razão — falei. — Mas às vezes eu gosto de fingir que a Liz gosta de mim de verdade, sabe? Eu sinto que pode ser algo para valer.

— Eu só não quero que você saia magoada desta.

Então seguimos a sala de aula.

***

Seis horas pontuais e eu saía da escola a caminho do curso de Liz, que ficava no mesmo bairro, o centro da cidade, mas um pouco mais perto da parte comercial. Eu caminhava enquanto conferia novas mensagens recebidas, uma da minha mãe foi aberta e o conteúdo me surpreendeu.

Maya, o resultado do concurso saiu hoje mesmo. Você passou, filha!! Em primeiro lugar!! Parabéns, mamãe te ama.