Destrua-me escrita por Siryen Blue


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Quando eu terminei de escrever essa fic, pensei em postá-la como um short-fic. Mas acho q perderia um pouco do encanto se eu a fragmentasse. Então, aqui está uma oneshot bem grandinha para vocês. Enjoy!



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POV: Haruno Sakura

A sessão de fotos com o badalado Terry Richardson tinha sido um sucesso. Ele era o maior fotógrafo do mundo e havia vindo ao Japão apenas por mim.

O dia havia sido longo, mas finalmente eu teria meu descanso.

— Sakura! — Tsunade, minha assessora de imprensa, entrou no camarim gritando. — Você não vai acreditar!

— O que foi dessa vez? — Perguntei irritada.

— Aquele colunista da J-World Magazine te atacou de novo. — Falou, entregando-me o IPad dela.

Não podia ser.

Droga!

Na página principal do site de uma das maiores revistas japonesas, a notícia envolvendo meu nome estava em destaque.

"Haruno Sakura agride fã."

— Maldito! — Gritei furiosa. Ao abrir a matéria me deparei com uma imagem minha enforcando uma menina loira com um golpe de gravata. — Que absurdo! Nós estávamos apenas brincando!

— Você a conhece? — Tsunade perguntou.

— Não. Ela se aproximou de mim um pouco antes de começar o meu último show, dizendo que era filha do chefe de segurança. — Expliquei. — Nós conversamos bastante. Rimos bastante. Daí ela disse que ia me ensinar alguns golpes que aprendeu com o pai. E foi assim que nós acabamos nessa situação. O nome dela é Temari, se não me engano.

— Foi armação! — Tsunade falou, indignada.

— Não. Temari é legal. — Defendi.

Tsunade passou a mão pelos cabelos. — Quantas vezes? Quantas vezes esse colunista filho da puta não inventou histórias sobre você, baseada em fotos tiradas de contexto?

Merda!

Tsunade estava certa.

Uchiha Sasuke era o colunista mais filho da puta de todo o Japão. Ele era capaz de tudo.

Soltei um gemido de frustração.

— No dia eu que eu conhecer esse imbecil, eu juro que acabo com a raça dele! — Falei revoltada.

— Agora não adianta reclamar. Eu vou dar um jeito nisso. — Tsunade afirmou.

— Faça isso! Por favor!

— Claro. É o meu trabalho... Consertar as merdas em que você se mete. — Falou, bufando.

Tsunade saiu do camarim batendo a porta com força.

Droga! Já não bastava a última vez que Uchiha Sasuke publicou uma matéria dizendo que eu tinha passado a noite em um motel com um dos meu dançarinos. Agora, além de ser acusada de promíscua, seria acusada de violenta.

Filho da puta.

Esse cara não era nada sem mim. A carreira dele era baseada em me difamar. Era a única coisa que ele sabia fazer.

Como alguém pode ser tão baixo ao ponto de ter que pisar nos outros para subir na vida?

Eu nunca fui santa e estava longe de ser. Mas pelo menos, nos meus 19 anos de vida, eu nunca pisei em ninguém para chegar onde estou hoje.

Eu tinha honra. Algo que Uchiha Sasuke não devia saber nem o significado.

*

*

POV: Uchiha Sasuke

A minha nova matéria sobre Haruno Sakura estava sendo um sucesso.

Até o meu chefe exigente havia vindo em minha mesa para me elogiar.

Nada mal para um estagiário de 20 anos que ainda nem havia concluído a faculdade de jornalismo.

Eu terminaria meu curso em um ano, mas já estava tratando de garantir que a J-World Magazine me contratasse permanentemente.

Ser um colunista de fofocas não era bem o que eu queria pra minha vida. O que eu queria mesmo era ser um grande jornalista investigativo trabalhando para alguma grande emissora.

No entanto, eu ainda tinha um longo caminho para percorrer. E começar minha carreira trabalhando para uma das maiores revistas do Japão não era nada mal.

Eu já havia crescido bastante dentro da J-World. Antes, eu só servia cafés, mas logo percebi que poderia ser promovido, se trouxesse algo lucrativo para a revista.

E havia algo mais lucrativo do que Haruno Sakura?

A resposta era não.

Tudo que Sakura tocava virava ouro.

Qualquer notícia sobre ela era ouro.

E quanto mais bombástica a matéria fosse, mais e mais ouro.

O fato é que escrever sobre a vida de Haruno Sakura estava sendo muito lucrativo para mim.

A primeira matéria que eu fiz sobre ela, foi totalmente verdadeira.

Eu havia sido convidado por Neji, meu amigo rico, para uma festa badalada.

E Haruno Sakura estava lá.

Bêbada.

Saiu carregada pelas amigas. E ela não tinha nem 20 anos. Ainda era, legalmente, menor de idade.
Tirei fotos de Sakura e entreguei a matéria para meu chefe.

Foi uma bomba.

O Japão inteiro comentou a minha notícia. Se fosse em países ocidentais, como os Estados Unidos, não teria sido nada grande.

Mas o Japão era um país conservador demais.

Ao extremo.

E Sakura havia saído com a imagem bem manchada. Se não fosse o talento absurdo da garota, ela nunca teria se levantado e sua carreira estaria destruída, como a de tantos outros artistas de J-pop, massacrados por coisas bem menores.

Isso havia ocorrido há seis meses, e na época, meu chefe disse que se eu conseguisse mais alguma bomba sobre Sakura eu ganharia uma coluna só minha para falar da vida de celebridades.

Mas claro, o foco seria sempre a maior delas: Haruno Sakura.

Passei a perseguir a garota, mas não encontrei nada que pudesse usar. Até que consegui o contato de uma das dançarinas de Sakura e a seduzi.

Depois, quando a garota já estava totalmente apaixonada por mim, pedi para ela dizer que Sakura a tratava mal.

Foi mais um escândalo.

Eu não tinha dinheiro, mas paguei Mei, a dançarina, com a melhor transa que ela já teve na vida.

A garota foi demitida, claro, mas ganhou muito dinheiro com as entrevistas que deu.

Sakura poderia ter a processado, mas Mei disse-me que se garantia por saber um segredo da Haruno que a manteria em sua mão. Razão pela qual Sakura nunca havia desmentido a dançarina.

Até hoje eu tentava descobrir o que era.

Mas aparentemente, nem a minha aparência irresistível fazia Mei abrir a boca.

Deveria ser algo grande mesmo.

Mas enquanto eu não descobria o tal segredo, contentava-me com essas matérias inventadas sobre Sakura.

Não tinha pena.

A garota nunca tinha passado dificuldades na vida. Sempre teve tudo. Mimada. E além disso, tinha dinheiro que a manteria pelo resto da vida no luxo, sem precisar nunca mais trabalhar.

Já eu, estive sozinho a minha vida inteira. Tive que vencer a fome pra chegar onde cheguei. Eu saí do buraco, e definitivamente não voltaria para lá. Precisava conquistar o meu lugar ao Sol.

Meus pensamentos foram interrompidos quando escutei batidas na porta de meu apartamento.

Era Temari.

— Meu pai está furioso. — Ela disse, passando pela porta.

— Depois passa. — Abracei-a por trás. Ela se afastou.

— Você não está entendendo! Ele disse que a assessora de Sakura o demitiu. Ele sempre fazia a segurança dos shows dela em Tokyo. Mas agora...

Argh. Eu não tinha paciência para esses dramas.

Agarrei Temari, beijando-a.

Preferia ir para cama com ela do ter que aturar essas reclamações. Ela havia feito o que eu pedi porque quis. Que arcasse com as consequências sem fazer drama.

Temari se afastou.

— Eu não estou legal com isso, sabe? — Falou, passando as mãos nos cabelos.

— Seu pai é um ótimo segurança. Logo arruma outro emprego. — Merda! Eu não tinha mesmo paciência pra isso.

— Eu sei. Mas não é bem isso que está me incomodando.

Arqueei as sobrancelhas. — Então o que é?

— Ela é diferente, Sasuke. — Temari afirmou. — Sakura é diferente do que eu achava. Tem algo sobre ela... Misterioso... Mas ao mesmo tempo ela é tão gente boa! E surpreendentemente humilde. Meu pai já fez a segurança de shows de vários artistas. E todos que eu cumprimentava me davam as costas. Ela foi a única que conversou comigo e me tratou bem. De igual para igual.

Bufei.

Sakura era uma garota mimada e arrogante. Mas ela tratava bem os fãs para manter as aparências. Por isso eu sabia que a aproximação de Temari seria bem sucedida. Porque Sakura adorava pagar de boa moça para os fãs.

— É isso que ela faz, Temari. Trata bem os fãs para mantê-los ao seu lado, mesmo com todos esses escândalos. — Falei.

— Você não entende. Tem diferença entre fingimento e verdade. E Sakura é de verdade.

Perdi toda a paciência que eu já não tinha. — Olha... Se você veio aqui para choramingar pode dar meia volta. Eu te prometi uma transa, não pagar de psicólogo.

— Você é um grosso, Uchiha! — Temari me empurrou, saindo do meu apartamento.

Ótimo! Eu realmente não estava com humor para comê-la.

*

*

— Conseguiu descobrir alguma coisa? — Perguntei a Shikamaru.

— Sim. Eu hackeei o sistema do governo e descobri que Haruno Sakura não nasceu em Tokyo como todo mundo pensa.

Interessei-me. — E onde ela nasceu?

— Konoha.

— Konoha? — Repeti. — Nunca ouvi falar.

— É uma cidade muito pequena de apenas 2324 habitantes que fica bem no litoral, banhada pelo Oceano Pacífico. É bem afastada e desconhecida. — Shikamaru explicou.

— Estranho. Eu já vi entrevistas com ela dizendo que nasceu em Tokyo. Na página dela da Wikipédia também diz, claramente, que ela nasceu aqui. — Comentei.

— Isso não é nem de longe o mais estranho, cara. Eu descobri algo grande.

Meus olhos brilharam. — Fala logo!

— Sei não, cara. — Shikamaru hesitou. — Eu invadi o sistema do governo... Esse assunto da Sakura é muito confidencial, pode dar problema.

— Eu assumo toda a responsabilidade. Ninguém nunca vai saber que você tem dedo nisso. Você tem a minha palavra. — Falei, sério.

— Eu nego absolutamente tudo, se a minha participação nisso vazar. Se você afundar, afunda sozinho.

— Está bem. Agora fala logo o que você descobriu! — Falei impaciente.

— É um mistério. Você vai ter que se virar sozinho de agora em diante para descobrir o resto. Essa história ficou muito sombria para mim. — Shikamaru continuou a enrolar.

— Cara, se você não falar agora... — Falei, quase explodindo de curiosidade.

Shikamaru puxou uma pasta amarela, entregando-me. — Aí está tudo o que eu descobri.

Eram umas dez páginas.

— Em resumo o que diz aqui? — Estava impaciente demais. Precisava saber logo.
— Poucas, porém valiosas informações. — Shikamaru afirmou. — Os pais de Sakura não são ricos empresários que moram na Europa, como ela afirma. Eles estão mortos. Morreram quando ela tinha dez anos.

Arregalei os olhos em choque. — Como? Como eles morreram? — Perguntei alarmado. Meu Deus! Eu tinha em minhas mãos a maior bomba da década.

— Não especifica. Tentei buscar a informação, mas ela estava em um outro nível dos arquivos. Um nível mais protegido, mais difícil de hackear. Eu poderia ter tentado invadir, mas corria o risco de deixar rastros e ser pego. Já foi muito difícil hackear apenas essa pequena parte do sistema do governo.

— Isso, não importa. — Continuei impaciente. — O que mais diz aqui?

— Bom... Diz que Sakura ficou três meses no orfanato de Konoha. Até que fugiu. Não há registros dela por dois anos. Era dada como desaparecida. Até que a encontraram. Mas ela não voltou para o orfanato. Aí consta que ela passou três anos em um centro de reabilitação para menores delinquentes. Assim que saiu, foi transferida de volta ao orfanato, mas não passou nem um mês lá. Logo foi adotada por Hatake Kakashi, o atual empresário dela, quando tinha quinze anos. Só então ela veio para Tokyo. A partir daí, a gente já sabe. Ela estreou no cenário musical com dezesseis anos.

Eu não podia acreditar. As coisas só pioravam! Haruno Sakura era uma criminosa!

— O que ela fez para ir para o centro de delinquentes? — Perguntei.

— Não diz nada sobre isso, aí. — Afirmou, frustrando-me. Shikamaru suspirou. — Isso não pode vazar assim. Para escrever uma boa matéria sobre essa história da Sakura, você teria que ter provas. As provas estão aqui, só que se você as mostrar, a polícia saberá que o banco de dados do governo foi invadido e o fodido será você. E eu. Essa merda não pode vazar de jeito nenhum.

— Essa merda vai vazar. — Afirmei. — Mas não assim. Quando eu publicar essa matéria, será com a história completa. Sem nenhuma lacuna em branco. Eu sempre quis ser um repórter investigativo, mas sabia que teria que aturar escrever sobre celebridades para chegar lá. Mas isso... Isso é um prato cheio. Eu nunca imaginei que Haruno Sakura, a mais famosa de todos os famosos, daria-me o meu primeiro trabalho investigativo.

— Você deu sorte. Investigação e celebridade. Juntou o que você quer fazer com o que você precisa fazer. — Shikamaru sorriu. — Mas qual é o seu plano?

— Vou apostar todas as minhas fichas nessa matéria. — Falei decidido. — Vou sair da J-World Magazine e usar todas as minhas economias para ir a Konoha. Você disse que a cidade é pequena. Não deve ser difícil arranjar as informações, falando com as pessoas certas. Depois, eu escrevo a matéria e poderei até escolher onde trabalhar. Com esse material em mãos, meu passe está garantido.

— Quando você chegar no topo, não esquece de mim, ok? — Shikamaru disse.

— Você é meu parceiro. Vai comigo para o topo.

Nada era de graça, eu sabia. Uma hora teria que pagar Shikamaru.

— Você sabe o que vai acontecer quando a matéria sair na mídia, não sabe? — Perguntou-me.

— Claro! A minha carreira vai deslanchar antes mesmo de eu me formar na faculdade. — Sorri.

— Não me refiro a você, cara. Refiro-me a Sakura. Você sabe o que vai acontecer com ela certo?

— Sim. Eu sei. — Olhei-o, sério. — Eu vou destruí-la.

*

*

Konoha era ainda menor do que eu imaginava.

Eu já estava aqui há uma semana, mas ainda não havia descoberto absolutamente nada sobre Sakura.

Era como se todo mundo nessa cidade tivesse tido seu silêncio comprado.

Talvez tivessem mesmo. Sakura era podre de rica.

O fato, é que toda vez que eu perguntava se alguém a conhecia, a resposta era a mesma: "Quem não a conhece? Ela é a garota mais famosa da Ásia." Era o que eles diziam.

E quando eu perguntava se a conheciam pessoalmente, a resposta novamente era igual. "Não. Como poderia?" Eles respondiam.

Aquilo já estava me deixando frustrado.

Eu precisava de provas de quem Haruno Sakura realmente era, sem que isso me prejudicasse.

Já havia pensado em invadir o centro de menores delinquentes e o orfanato, em busca de arquivos que respondessem as minhas perguntas. O problema é que mesmo obtendo respostas, eu voltaria para a estaca zero, sem poder revelar nada, caso contrário seria acusado de invasão de propriedades e divulgação de documentos confidenciais.

Não.

Eu precisava de testemunhas.

Fotos de Sakura no orfanato e no centro de reabilitação.

Isso sim faria a minha matéria ser um sucesso. E dessa vez, eu não podia inventar nada. Teria que ser absolutamente tudo verdadeiro.

Mas havia uma coisa que me fazia duvidar que Sakura tinha comprado o silêncio de Konoha: o fato de todos aqui serem pobres.

De verdade. Não havia ninguém que fosse considerado rico.

Havia o prefeito... Alguns médicos... Mas no máximo eles faziam parte da classe média. Ninguém nessa cidade possuía carros ou casas de luxo.

O que não tirava a beleza do lugar.

Konoha era uma cidade litorânea com o Oceano Pacífico de paisagem.

Tudo era simples, porém arrumado e bonito.

No entanto, havia uma parte da cidade que não compartilhava da beleza de Konoha, apesar de ser parte dela.

E era para lá que eu estava indo, no momento.

O lugar ficava na periferia da cidade e era cheio de mendigos e drogados.

Não era nada, nada bonito.

Mas apenas naquela manhã havia me ocorrido que Sakura poderia ter vivido lá. Era surreal imaginar a grande estrela do Japão em um local como aquele, mas era uma possibilidade. Nos documentos que Shikamaru me entregou, dizia que a Haruno tinha fugido do orfanato e desaparecido por dois anos. Era difícil imaginar alguém conseguir sumir em uma cidade tão pequena quanto aquela, então, eu havia assumido que ela estava escondida na casa de alguém.

Mas talvez eu tivesse errado.

Talvez ela tivesse seguido o óbvio e ido para o lugar que todas as crianças fugidas do orfanato iam: para as ruas.

Como ninguém a encontrara se ela estava nas ruas de uma cidade tão minúscula? Não sei. Não tenho a resposta. Mas a verdade é que eu não tinha a resposta de nada. Ainda.

Eu havia ido à periferia disfarçado de mendigo. Seria mais fácil de me enturmar.

E havia conseguido. Tinha passado o dia inteiro nesse lugar, vivendo como um mendigo e conversando com mendigos.

Desde nove da manhã.

Cheguei dizendo que vim andando de Suna, a cidade mais próxima de Konoha, até aqui, fugindo de traficantes. Ninguém desconfiou. Já estava de noite quando eu finalmente resolvi tocar no assunto "Sakura" com Kenshin, um homem de vinte e poucos anos, com quem passei o dia conversando e embebedando. Talvez, com ele bêbado, eu conseguisse arrancar alguma coisa.

— Em Suna eu ouvi dizer que aquela cantora bonita que está sempre na mídia era daqui de Konoha. — Joguei a isca.

— Ah, sim. A Haruno. — Kenshin falou e eu quase engasguei de surpresa. Ele a conhecia? Pessoalmente? Kenshin sorriu, grogue. — Ela cresceu.

— Você a conheceu? — Falei, tentando controlar minha respiração.

— Claro. Aquela puta matou o meu pai. — Disse, bebendo mais da garrafa de cachaça.

Eu engasguei.

O quê?

Haruno Sakura era uma assassina?

Agradeci aos céus o gravador estar ligado.

— Quem era o seu pai? O que ela fez? — Perguntei, tentando manter o tom de voz calmo. Céus! Eu havia mesmo falado com a pessoa certa.

— Meu pai se chamava Danzou. Ele era o líder do lixão. — Contou, com o olhar perdido. — Eu nunca vou esquecer da madrugada em que Sakura apareceu aqui. Na verdade, ninguém a conhecia por Sakura. Todo mundo na cidade a chamava de Ossinho, porque ela era tão desnutrida que a gente podia ver todos os ossos dela. As maçãs de seu rosto eram tão, tão fundas. Tinha os dentes bem tortinhos também. Ela mudou muito. Passou de garota mais feia de Konoha para a mais bonita da Ásia. Ninguém aqui a reconhece como Haruno Sakura. Todos acham que a Ossinho foi adotada por um casal americano. Pelo menos foi isso que a galera do orfanato falou. Eles são todos comprados pelo cara que adotou a Sakura. Não sabiam o nome verdadeiro dela. Mas eu sempre soube. Eu sempre a conheci melhor do que ninguém. E se tem algo nela que não mudou, foram os olhos. Eu nunca vou esquecer aqueles olhos. — Kenshin relatou.

Eu sentia meu corpo inteiro vibrar. Haruno Sakura estava tão acabada.

— Você disse que nunca esqueceria da madrugada em que a Sakura chegou aqui. Por quê?

— Perguntei.

— Ah! Aquela noite... — Por um momento Kenshin ficou pensativo e eu tive que tentar me acalmar e esperar que ele mesmo resolvesse falar. Eu não podia pressionar. Não podia colocar tudo a perder agora que estava tão perto. — Naquela noite ela chegou aqui toda machucada e assustada, mas não chorava. Não. Ela sempre foi uma garota durona. Ela tinha dez anos. Eu tinha catorze. Eu acordei com os passos dela. Vi quando a Ossinho se encolheu em um canto, perto dos outros mendigos. — Kenshin parou de falar por bastante tempo.

Estava achando que ele não iria mais contar. Resolvi falar. — E o que aconteceu?

Kenshin por mais algum tempo não disse nada. Eu estava impaciente, mas tentava não deixar transparecer.

Finalmente, ele voltou ao relato. — Sabe, eu sempre vivi na rua, estava acostumado a ver mendigos de todos os tipos. Mas ela era de longe a pessoa mais miserável que eu havia visto. Tão, tão magra e assustada. E machucada. Tinha o corpo cheio de hematomas. Eu fiquei com tanta pena dela que peguei meu colchão de papelão, meu cobertor e fui até ela. A Ossinho teve medo de mim, mas eu fiquei do lado dela o tempo inteiro, até que ela não aguentou o frio e aceitou meu cobertor. Eu não queria a assustar, por isso sentei afastado dela e do meu colchão de papelão. Mas a Ossinho não me deixou passar frio. Logo, ela me chamou para deitar ao seu lado. Foi a primeira vez que ela confiou em mim, e naquela noite, eu prometi que nunca quebraria a sua confiança. — Kenshin tomou um longo gole de cachaça. Percebi que seus olhos estavam marejados.

— Eu só não sabia que era ela quem quebraria a minha.

— Matando o seu pai?

— Sim. — Kenshin respondeu. — Por dois anos nós estivemos juntos. Como eu disse, meu pai era o líder do lixão de Konoha. A maioria de nós, mendigos, catava lixo pra mandar para a reciclagem e ganhar algum dinheiro com isso. Eu e Sakura éramos uma dupla. Fosse catando o lixo ou fosse apenas sobrevivendo nas ruas. Viver à margem da sociedade não é fácil. Você sabe disso, também é mendigo. Mas desde o momento que Sakura entrou em minha vida as coisas pareciam fazer sentido. Eu cuidava dela, ela cuidava de mim. Éramos inseparáveis. Dividíamos tudo. A comida, a água, o cobertor... Nós não tínhamos quase nada, mas tudo que tínhamos compartilhávamos.

Quando Kenshin fez mais uma de suas pausas, eu agradeci mentalmente.

Minha cabeça estava girando.

Haruno Sakura havia sido uma moradora de rua.

Haruno Sakura havia sido uma catadora de lixo.

Eu não podia acreditar.

Eu sempre achei que minha vida tivesse sido difícil, mas isso...

Não.

Sem piedade, Sasuke.

Ela é uma assassina.

Por ser menor de idade deve ter pego a pena de três anos no centro para menores delinquentes. Havia pagado por seu crime.

Ela ficaria bem.

A mídia iria cair em cima dela e sua carreira estaria definitivamente acabada.

Mas ela já havia pago sua dívida com a lei. Não teria problemas com a justiça. Só com a opinião pública.

Ela ficaria bem.

Sakura tinha muito dinheiro. Nunca lhe faltaria nada pelo resto da vida. E ela nem precisava trabalhar para isso.

Sim.

Ela ficaria bem.

A Haruno havia tirado a vida de uma pessoa. Não merecia ser idolatrada pela Nação. Eu apenas faria um favor à sociedade ao mostrar a verdade.

E eu teria uma carreira garantida. Seria rico.

E Sakura...

Sakura ficaria bem.

— Até que teve uma noite... — Kenshin recomeçou a falar — Teve uma noite em que o meu pai disse que o chefe da polícia havia chamado Sakura para uma conversa e que eles deveriam esperar no lixão. Então eu voltei para cá e esperei. O chefe sempre soube que a Ossinho estava com a gente. Mas ela era uma de nós, e a polícia respeitava o meu pai ao ponto de fingirem que não haviam encontrado a garota fugitiva, apenas porque ele pediu. — Kenshin continuou a beber. — A Ossinho e meu pai estavam demorando a voltar. Eu estava preocupado. Com medo de que o chefe de polícia tivesse a levado embora. Eles demoraram tanto que eu desisti de esperar e fui até o lixão. E quando eu cheguei lá, meu mundo caiu.

As lágrimas escorriam livres pelo rosto de Kenshin. — O que você viu quando chegou lá? — Perguntei.

— A Ossinho estava enfiando uma garrafa quebrada no peito do meu pai.

Prendi a respiração. — O que você fez?

— Primeiro eu fiquei estático. Parecia que estava desligado do mundo. Depois veio a raiva. A Ossinho estava assustada, mas eu apenas a empurrei para longe e tentei o meu melhor para estancar a ferida de meu pai. Eu gritava perguntando o porquê de ela ter feito aquilo. Mas ela não respondia, só chorava. Ela quase nunca chorava, mas daquela vez eu podia até mesmo a ouvir soluçar. Carreguei meu pai até o hospital, mas ele não resistiu e morreu no meio do caminho. Quando eu cheguei lá, ainda me agarrando à esperança de que talvez os médicos o trouxessem de volta, eles me disseram que Sakura havia acertado seu coração.

— Por que ela fez algo assim? — Perguntei.

— Eu fiz a mesma pergunta pra ela. Muitas vezes. A Ossinho não respondia de primeiro. Mas logo afirmou que era porque o meu pai queria a entregar de volta ao orfanato. — Kenshin jogou a garrafa de bebida para longe, quando ela ficou vazia. — Eu a ataquei. Dei-lhe uma surra que sei que ela nunca vai esquecer. E nem eu. Porque cada tapa que eu lhe dava doía dez vezes mais em mim. Eu a amava além de qualquer medida. Considerava-a minha irmã. Minha razão de viver. Meu mundo. — O garoto falou, chorando. — Ela não fez nem ao menos um ruído enquanto eu lhe batia. Só derramava lágrimas. Quando eu parei, o chefe de polícia a levou embora. Nunca mais a vi. Pessoalmente, digo.

Fiquei em silêncio tentando absorver tudo. Sakura havia matado uma pessoa apenas para não ter que voltar ao orfanato? Que tipo de monstro ela era?

— Essa garota vai ter o que merece, cara. — Tentei consolar Kenshin.

— Não, não vai. Sakura vai ter uma vida maravilhosa, cercada de fama e luxo. — Falou com deboche. — Depois de todos esses anos, eu acho que posso entender por que meu pai queria a entregar para o orfanato. Ele só queria que ela tivesse uma chance na vida. De estudo. De ser adotada por uma boa família. Meu pai era uma boa pessoa. A melhor. Era o meu herói. E Sakura sabia disso. Nunca a perdoarei por ter tirado ele de mim. E por, consequentemente, ter saído da minha vida. — Foi então que Kenshin puxou uma foto de seu bolso. — Essa foto foi tirada por um fotógrafo, amigo do chefe de polícia. Ele adorava tirar fotos do lixão. Então, no seu aniversário de onze anos, Sakura pediu para o fotógrafo uma foto minha e dela de presente. — Suspirou. — Olha. Essa era a Ossinho.

E entregou-me a foto.

Eu não podia acreditar na sorte que estava tendo.

Apenas com muito esforço reconheci a garota desnutrida e mal cuidada da foto como sendo Sakura.

Nossa! Ela era outra pessoa.

A Haruno estava em um lixão, ao lado de um Kenshin mais jovem.

Eu tinha que roubar essa foto para mim.

E roubei.

Esperei Kenshin dormir e parti da periferia, levando comigo a foto que seria a cereja do bolo. Quer dizer, da matéria.

Era o fim de Haruno Sakura.

*

*

Havia levado dois dias para escrever a matéria que mudaria a minha vida. E a de Sakura.

Finalmente estava de volta a Tokyo e podia dar continuidade aos meus planos. Eu seria um grande jornalista.

O Tokyo Journal havia sido a minha escolha. Eles eram a maior rede de revista e jornal (de papel e de televisão) do Japão. Consegui assinar um contrato em que eles se comprometiam em me contratar assim que terminasse a faculdade. Enquanto isso, faria estágio lá.

Estava ansioso, porque a história de Sakura seria publicada na revista que iria hoje para as bancas.

Minha matéria.

Matéria de capa.

E todas as reportagens relacionadas ao caso seriam feitas por mim. Ontem eu havia gravado pela primeira vez para o jornal de notícias. Gravação que sairia no jornal de hoje, à noite. Seria minha primeira vez na televisão.

Eu estava ansioso.

Eram quase seis da manhã. Logo, logo, as bancas abririam.

Eu mal podia me conter.

Em menos de meia hora, a bomba iria explodir.

*

*

POV: Haruno Sakura

— Tsunade, seja lá o que estiver escrito nessa revista, você vai ter que me deixar ver, uma hora ou outra. — Falei irritada.

Mas Tsunade apenas chorou, abraçando-me.

— Eu sinto muito, muito, muito! — Ela disse, agarrando-se a mim. — Está tudo acabado, Sakura. Eu sinto muito.

Quando eu já estava quase tendo um ataque de nervos, Tsunade me soltou e puxou a revista da bolsa, entregando-me.

OH. MEU. DEUS!

NÃO!

"O passado de Haruno Sakura: Catadora de lixo e assassina."

A manchete vinha acompanhada da montagem de uma foto minha atual, com uma do passado. De quando eu era Ossinho.

NÃO!

Senti o ar ser roubado de mim.

Como?

Como isso era possível?

Como haviam descoberto?

Mei! Havia sido Mei!

Aquela desgraçada! Trouxe-a de Konoha para depois ela me apunhalar pelas costas se unindo a Uchiha Sasuke.

Não!

Mei não tinha acesso àquela foto.

Ela havia sido seduzida por Uchiha Sasuke e se apaixonado por ele. Mas ela não revelaria meu segredo. Eu sei que não. Eu a conheço.

Mas, então... Como?

Como?

MEU DEUS! O que estava acontecendo?

Senti meu olhos arderem.

O chão parecia ter sumido de meus pés.

Meus joelhos perderam a força e eu caí.

Estava completamente perdida!

*

*

Os repórteres cercavam minha propriedade.

Câmeras por todo o lado.

Haviam pessoas que jogavam ovos em minha casa.

Meus seguranças não eram o suficiente para conter àquela multidão, então foi necessário chamar a polícia.

Já havia anoitecido e eu estava confinada em minha própria casa.

O jornal de notícias tinha acabado de terminar e eu ainda encarava a televisão, incrédula.

Uchiha Sasuke.

Maldito filho da puta.

Ele era o responsável pelo inferno em que minha vida havia se transformado.

E agora estava lá, pagando de repórter em canal aberto, detonando minha vida.

A carreira dele estava feita. Com a destruição da minha.

Filho da puta.

Na matéria da revista, havia menções a tudo que Kenshin tinha falado. Mas eu não conseguia acreditar, até agora, que era realmente ele.

Não até ouvir a gravação da conversa dele e de Sasuke, apresentadas no jornal televisivo.

Era a voz dele. Mais madura e um pouco diferente. Mas ainda era o mesmo tom que eu sempre reconheceria. Não importava quantos anos se passassem.

Kenshin. Meu irmão.

Oh! Como eu sentia sua falta!

— Eu mandei prepararem o seu jato particular. Coloque poucas coisas em sua mala. Nós temos que te tirar daqui. — Tsunade falou.

Em situações de emergência, meu jatinho pousava no terraço de minha casa. O que seria ótimo, porque eu não teria que enfrentar a mídia que me cercava.

— Eu irei para Konoha. — Falei, decidida.

— Você perdeu a cabeça de vez? Sempre me disse que nunca voltaria para lá.

— Sim, Tsunade! — Alterei-me. — Eu perdi a cabeça. Na real, eu perdi tudo. A única coisa verdadeira que ainda tinha, era a minha música, e eu perdi isso! Eu quero voltar para Konoha e terminar as coisas!

— Que coisas, Sakura? — Tsunade perguntou.

— Apenas coisas. — Respondi. — Já tomei minha decisão.

Sim. Já havia tomado a decisão.

Havia pensado naquilo a tarde inteira.

Minha vida estava acabada de qualquer maneira.

Eu estava cansada de apenas sobreviver.

Foi assim desde que meus pais foram mortos, vítimas de balas perdidas, em meio a um tiroteio de gangues. Eles não tinham culpa de nada. Apenas estavam no lugar errado, na hora errada.

Desde então, eu apenas sobrevivia.

Tive que fugir do inferno que era o orfanato. Das crianças maiores que viviam me batendo. Escolhi as ruas.

E sobrevivi.

Fosse na rua ou no tapete vermelho.

Sobrevivi.

Você sai das ruas, mas as ruas nunca saem de você.

Eu sabia disso.

Mas eu precisava de algo que me mantivesse em movimento. Que fosse meu combustível.

Nas ruas, era Kenshin.

No tapete vermelho, era a minha música.

Quando eu estava no palco era o único momento em que eu conseguia ter algo que se aproximasse de felicidade. O único.

E agora, isso havia sido roubado de mim.

Eu tinha dinheiro.

Muito.

Mas isso não me completava.

Todo o dinheiro que tinha apenas fazia eu me sentir mais vazia. Mais superficial.

Eu estava cansada.

Cansada de viver. Quer dizer... De sobreviver.

Qual o sentido da vida? Qual o sentido de continuar aqui?

Talvez tivesse algo de bom esperando por mim do outro lado.

Talvez pudesse encontrar com meus pais.

Eu só queria paz.

Fugir do tormento que era minha vida.

Eu queria partir.

Mas eu queria partir em casa. Em Konoha.

*

*

Eu mal pude acreditar quando aterrissei em Konoha.

Já fazia quatro anos. Desde que Kakashi-san me adotou, quando eu tinha quinze anos.

Realmente pensei que nunca voltaria.

Mas o mundo dá voltas.

Ha! Engraçado.

Tudo estava tão igual. Absolutamente como eu me lembrava.

O ar era puro. Diferente do ar de Tokyo. Eu podia ouvir o barulho do oceano, sentir seu cheiro.
Isso me acalmou.

— Mei também está em Konoha. — Tsunade falou. — Recentemente ela comprou uma casa aqui. Fique com ela. Está na hora de vocês resolverem as diferenças.

Apenas assenti.

Sim. Eu precisava encontrar Mei.

Esclarecer algumas coisas.

*

*

— Eu não sei nem como começar a me desculpar com você. — Mei falou, assim que cheguei em sua casa. Apenas a encarei. — Eu me apaixonei por aquele desgraçado e fiz tudo que ele me pediu. Estou tão arrependida!

—Você tem alguma coisa haver com a revelação do meu segredo? — Perguntei, fria.

— Não! — Mei pareceu pensar por um segundo. — Quer dizer...

Arqueei a sobrancelha. — O que você fez?

— Nada! — Falou rápido. — Quer dizer... Teve uma vez que eu disse a ele que você não iria me processar por que eu sabia de um segredo seu. Mas foi só isso que eu disse.

E a partir daí, aquele puto começou a investigar a minha vida. Como ele havia descoberto que eu era de Konoha? Não fazia a mínima ideia. Era para ser uma informação muito confidencial. Kakashi-san havia pago muita grana, para muitas pessoas, para ser.

— Você me perdoa? — Mei perguntou, com lágrimas nos olhos.

Eu havia feito tanto por ela.

Considerava-a a minha única amiga do orfanato.

Quando alcancei minha fama, fiz Tsunade adotá-la.

Mei tinha apenas 16 anos na época. Hoje, está com 19, mais não parecia ter amadurecido em nada.

Continuava a agir inconsequentemente.

Lembro-me bem de como ela ficou surpresa ao me ver. Ela não imaginava que a Ossinho havia virado Haruno Sakura.

Mei era como uma criança de doze anos em corpo de 19. Eu sabia disso. Sempre soube.

Havia ficado muito chateada quando ela me difamou na mídia.

Mas sabia que a culpa não era dela.

Era daquele imbecil.

Eu não conhecia Uchiha Sasuke pessoalmente.

Depois da primeira matéria que ele publicou sobre mim, fiz Tsunade pesquisar sobre a vida dele.

Sua mãe havia morrido no parto, e seu pai morreu três anos depois, por overdose. Desde então, foi criado por seu tio, Madara.

A primeira surpresa veio quando descobri que Sasuke nem formado era, ainda. A segunda, quando vi fotos dele.

Sasuke era absurdamente lindo.

Mei, que sempre foi boba e se apaixonava fácil não tinha nenhuma chance de resistir a ele.

Ela não sabia diferenciar a beleza exterior da interior.

Eu sim.

Eu sabia que a beleza exterior do Uchiha era proporcional a sua feiúra interior.

Então, simplesmente abracei Mei, aceitando suas desculpas. Eu não estava tão chateada com ela.

Só havia uma pessoa (viva) a quem meu coração odiava.

E essa pessoa era Uchiha Sasuke.

*

*

Havia uma grande parte em mim que queria reencontrar Kenshin.

Eu partiria em breve, e ver seu rosto mais uma vez era como um "último desejo" secreto.

Mas eu sabia que não era certo.

Ele me odiava.

E eu só o machucaria mais se fosse ao seu encontro.

Então, eu só podia esperar que Kakashi e Tsunade estendessem a mão para ele quando eu já não estivesse aqui.

Doía-me saber que Kenshin ainda estava nas ruas.

Mas ele nunca aceitara a ajuda de ninguém, quanto mais a minha.

Suspirei, admirando o céu estrelado de Konoha. Essa seria, provavelmente, a minha última noite. E era tão linda. Talvez existisse mesmo um Criador por trás da criação.

— Deus. — Chamei, baixinho. — Eu nunca soube rezar. Mas se o Senhor existe, por favor cuide de Kenshin. Dê-lhe uma casa. Comida. Família. E que, por favor, ele não me odeie tanto. Amém.

*

*

POV: Uchiha Sasuke

As coisas estavam melhores do que a encomenda.

A minha matéria tinha saído a apenas um dia e eu já podia sentir o reconhecimento no meio jornalístico.

Eu iria ser grande.

Famoso.

Nunca mais passaria fome.

Nunca mais teria que aturar meu tio Madara.

Eu seria livre.

Desde que eu tinha três anos, quando meu pai morreu, meu tio me criava.

Nós não tínhamos quase nada. Fazíamos dinheiro vendendo bombons nas ruas. Comecei a trabalhar quando tinha cinco anos. Meu tio dizia que as pessoas tinham mais pena de crianças e que assim comprariam mais.

Ele sempre me batia. E odiava-me. Culpava-me pela morte de mamãe e papai. Dizia que eu havia matado minha mãe no parto e que isso causou, também, a morte de meu pai. Já que desde aí, ele começou a se drogar. Drogou-se tanto que morreu de overdose.

Havia essa grande parte de mim, que concordava com meu tio. Eu, mesmo que indiretamente, era culpado.

Então, desde cedo, entendi que a única chance de sair daquela vida era através do estudo.

Por isso, por mais difícil que fosse eu sempre estudava muito.

Conseguir entrar em uma faculdade pública havia sido uma conquista. E eu já estava quase me formando.

Mal podia acreditar que minha carreira já estava feita. A partir de agora eu seria um grande jornalista.

E Sakura... Bem... Sakura, eventualmente, ficaria bem.

Ela também não passaria fome nunca mais. Tinha muito dinheiro.

Sim. Ela ficaria bem.

Mas por agora, eu precisava aproveitar a chance que tinha em minhas mãos.

Por isso estava de volta a Konoha. Dessa vez, em nome da Tokyo Journal, como repórter.

Sakura havia fugido de jatinho na noite passada. Alguma fonte da J-World Magazine disse-lhes que ela havia fugido para Konoha e logo a notícia se espalhou.

O resultado era a imprensa em peso, lotando a minúscula cidade.

Eu e minha equipe de filmagem estávamos com problemas para conseguir um lugar para nos hospedarmos. Estava tudo lotado.

— Ei, cara. — Naruto, o repórter cinematográfico que estava me acompanhando, chamou. — O dono da pousada disse que deixa a gente ficar na recepção. Tem uma galera lá, mas é melhor que nada.

Suspirei. — Alguma coisa sobre Sakura?

— Dizem que aquela dançarina que falou mal da Haruno na imprensa, comprou uma casa aqui. Aparentemente, as duas fizeram as pazes e Sakura foi se hospedar lá. — Naruto contou.

Arqueei as sobrancelhas. — E onde fica essa casa?

— Isso ainda não foi descoberto.

Assenti.

— Vai indo pra pousada. Eu vou depois. — Disse a Naruto. Ele apenas deu meia volta e me deixou sozinho.

Procurei o número de Mei nos meus contatos e rapidamente liguei para ela.

— O que você quer? — Mei falou, ríspida, assim que atendeu.

— Estou em Konoha. E soube que você também. Diga-me onde é a sua casa, para eu lhe ver. — Falei com o tom de voz sedutor. — Estou com saudades.

Mei gargalhou. — Eu já deixei de ser otária, Uchiha! Sei muito bem porque quer saber onde moro. — Suspirei. Isso ia ser mais chato do que eu imaginava. — Mas... Tem algo que eu quero falar com você. Encontre-me na praça Verde. — Desligou, sem esperar eu responder.

Ótimo.

Era bom o assunto ser Haruno Sakura, por que eu não teria paciência para as reclamações de Mei sobre com eu era, em suas palavras, um "imbecil sem coração". Tudo porque ela não conseguia aceitar que o nosso caso estava acabado.

Hn.

Mulheres.

*

*

A praça Verde ficava no centro de Konoha. Perguntava-me se a casa de Mei ficava por aqui perto.

Não demorou muito e a avistei.

Talvez ela morasse mesmo por perto.

— Mei. — Cumprimentei-lhe com um aceno.

— Uchiha. — Falou fria.

Sentamos em um banco, lado-a-lado.

— O que você que falar comigo? — Perguntei-lhe.

Mei estava séria. Nunca havia a visto daquele jeito.

— Pegue sua câmera. Darei-lhe uma entrevista. — Falou, surpreendendo-me. — Uma entrevista verdadeira.

Interessado no rumo que as coisas estavam tomando, puxei meu celular do bolso e comecei a filmá-la.

— Sobre o que vamos falar? — Perguntei-lhe.
Mei suspirou. Em seguida, olhou decidida para a câmera. — Meu nome é Senju Mei, eu tenho 19 anos e fui dançarina de Haruno Sakura. A história que eu vou contar agora é algo que Sakura nunca revelaria. Fazendo isso, eu sei que ela nunca mais falará comigo. Perdão, Sakura. Mesmo sabendo que perderei você para sempre, isso é a única coisa que eu posso fazer. Por você. Para o seu bem.

— Mei, o que você está fazendo? — Perguntei. Iria ela destruir ainda mais Haruno Sakura?

— Contando a verdade. O mundo precisa saber a verdade. — Afirmou. — Toda essa história apresentada na mídia sobre o passado de Sakura é verdade. Tudo. O orfanato, as ruas, o lixão, o assassinato, a reabilitação para menores. Tudo isso é verdade. Só há uma mentira no meio do que foi publicado. Uma mentira que Sakura nunca revelaria.

— E o que é? — Perguntei interessado. Eu havia feito o possível para colocar apenas verdades na matéria. O que era falso?

— O motivo. — Mei respondeu. — O motivo que levou Sakura a matar Danzou.

Arregalei os olhos. Ok. Mei tinha a minha atenção. — Continue. — Pedi.

— Naquela noite, Danzou disse a Sakura que o chefe de polícia queria conversar com ela. Com isso, mandou Kenshin, o filho dele, embora e ficou sozinho com Sakura no lixão. Mas ele mentiu. O chefe de polícia nunca quis conversar com Sakura.

Meu coração começou a palpitar assim que eu percebi o rumo que a história estava tomando. — O que aconteceu? — Perguntei, aflito.

— Sakura tinha doze anos. Estava entrando na puberdade. E Danzou começou a olhá-la com outros olhos. — Prendi a respiração. Meu Deus! — Como você já deve estar imaginando, ele tentou estuprá-la.

Olhei para Mei assustado. A minha mão que segurava a câmera, perdeu a força.

Mei levantou minha mão, posicionando-a, novamente, em frente a ela. — Eu ainda não terminei. — Falou-me.

Engoli o nó em minha garganta e me recompus. — Continue. — Disse-lhe.

Mei assentiu, soltando minha mão.

— Sakura gritou. Implorou para que ele não fizesse nada com ela. Mesmo assim, Danzou continuava a tocá-la inapropriadamente. — Engoli em seco. — Quando Danzou tentou colocar a mão dentro da calça de Sakura, ela o mordeu no braço. Então, ele ficou irado e a agrediu. Depois tentou arrancar a roupa dela. Sakura estava desesperada. Ele era forte e estava vencendo. Foi quando ela encontrou uma garrafa quebrada no meio do lixo. Não pensou, apenas enfiou o vidro cortante no peito de Danzou. Por defesa. Por instinto de sobrevivência. E então, Kenshin chegou. A partir daí você sabe o que aconteceu.

Não!

Não podia ser verdade!

Havia muitas coisas que não se encaixavam.

— Se isso é verdade... — Comecei. — Por que Sakura nunca falou nada? Ela disse que Danzou queria mandá-la de volta ao orfanato. Por isso o atacou. A própria Haruno disse isso para o juiz. Por que ela mentiria para se auto prejudicar?

— Por Kenshin. — Mei disse, simplesmente. — Porque ela o amava. Ele era filho de Danzou e considerava o pai seu herói. Essa é a razão pela qual Sakura nunca revelaria nada. Porque ela não queria que Kenshin soubesse que seu pai era um estuprador.

Senti um peso absurdo em minha cabeça.

Não!

Eu não podia aceitar essa versão da história.

— E o chefe de polícia? Ele nunca percebeu que havia alguma coisa errada na história? Já que ele nunca chamou Sakura para conversar... — Interroguei.

— É claro que desconfiou. Mas ele era amigo de Danzou e queria que Sakura pagasse por sua morte. Aliás... Sakura nunca falou ao juiz que Danzou mentiu dizendo que o chefe de de polícia queria encontrá-la. Porque isso significaria que o chefe sabia que Sakura estava com Danzou e o fato era segredo. O chefe tinha a obrigação de levar Sakura de volta ao orfanato, mas não o fez, por pedido de Danzou. Ele mentiu para seus superiores dizendo que Sakura estava desaparecida.

— Então o que Sakura disse ao juiz?

— Apenas que Danzou a entregaria na polícia.

Tentei me concentrar. Mas estava difícil até mesmo respirar. — Onde está o chefe de polícia?

— Aposentado. E provavelmente furioso por essa história do passado vir à tona. — Respondeu-me. — É tudo que tenho a dizer. Parabéns! Você tem mais um furo de reportagem em suas mãos. — Falou, com deboche.

Mei levantou-se e me deu as costas, sem ao menos se despedir.

Salvei o vídeo no meu celular.

Por um tempo, fiquei apenas sentado, pensando no que faria de agora em diante.

Quando eu publiquei a matéria, achei estar fazendo um bem, já que Sakura era uma assassina e não merecia a adoração da Nação. Achei que todos tinham que saber quem ela realmente era. E que de quebra eu lucraria muito com isso.

Mas agora...

Merda!

De onde havia vindo esse peso todo que eu estava sentindo?

Sakura era uma guerreira.

Uma sobrevivente.

Mais que isso... Eu estava enganado sobre ela. Sakura era uma pessoa realmente boa.

Só que não havia como voltar atrás.

Mesmo com a publicação do depoimento de Mei, seria muito difícil para a Haruno limpar sua imagem.

O Japão era muito conservador

E mesmo que em legítima defesa... Sakura havia matado uma pessoa.

Quer dizer... Pessoa não. Um monstro. Sakura havia matado um monstro.

O depoimento de Mei não era suficiente.

Dividiria opiniões. Mas ainda teriam muitas pessoas que achariam que ela estava mentindo. Mei havia falado mal de Sakura. Que moral ela tinha?

Talvez se eu conseguisse o depoimento do chefe de polícia...

Droga!

Mesmo assim... Sua imagem estaria manchada para sempre. Provavelmente nunca se levantaria. Não depois de um escândalo como esse.

O que eu poderia fazer?

Era ao menos certo publicar o depoimento de Mei?

Isso era algo que Sakura escondeu por tantos anos...

Ela havia sido presa e mesmo assim se manteve calada.

Claramente, a Haruno não queria que essa história viesse à tona.

Esse sim era o segredo que ela mais protegia.

Seria certo publicar?

Claro... Seria mais um furo de reportagem. Mas, pela primeira vez, não era em mim que eu estava pensando.

Era nela.

Eu havia destruído a carreira de uma pessoa que viveu o inferno para alcançar a posição que alcançou.

E eu havia destruído isso em apenas um dia.

Havia esse nó na minha garganta... Esse peso na consciência e no meu coração.

A que ponto eu havia chegado?

Sakura não merecia aquilo.

Eu estava me sentindo um lixo.

Mas não tinha como voltar atrás.

Publicar a história que Mei contou, não parecia o certo.

Primeiro, porque não iria fazer Sakura se reerguer. E segundo, porque a própria Haruno não queria.

Ela não queria.

Porra!

Eu estava perdido!

O que eu faço?

Porra!

O que eu faço?

Não podia voltar atrás. Não tinha como.

O jeito era seguir em frente. A merda já estava feita.

Sakura não era a celebridade mimada e que sempre teve tudo que eu pensei ser. Estava longe de ser.

Eu só esperava, com todo o meu coração, que ela pudesse ficar bem.

Senti meu celular vibrar.

Era uma mensagem de Naruto.

"Encontramos Sakura! Vá para a Pedra do Oceano. Estamos todos a caminho de lá, também."

Suspirei.

Tinha trabalho a fazer.

Eu era o repórter e Sakura, a celebridade.

Não podia perder tudo que conquistei apenas por estar com peso na consciência.

Precisava seguir em frente.

Sakura também seguiria.

Ela ficaria bem.

Ela tinha que ficar bem.

*

*

POV: Haruno Sakura

A Pedra do Oceano era um dos lugares mais bonitos de Konoha.

A pedra, era na verdade, um barranco. Enorme. Tinha uns vinte metros de altura. Da ponta dele, podia-se ver o oceano com suas águas revoltas.

Era uma queda mortal.

Eu lembro de vir até aqui nos dias mais difíceis que enfrentei enquanto morava na rua.

Quantas vezes eu não havia pensado em pular?

Tantas... Tantas...

Mas algo sempre me impedia.

O medo.

Nesse instante, no entanto, não havia medo.

Eu estava em paz.

Talvez porque, finalmente, fosse a minha hora.

Afastei-me da ponta do barranco, ficando distante.

Eles estavam vindo.

Daria-lhes o meu último show.

Não precisei esperar muito, no entanto, eles logo se amontoaram em minha frente.

Fotógrafos, câmeras, cinegrafistas, repórteres e microfones. Todos em minha frente.

— Sakura! O que você tem a declarar sobre o assassinato de Danzou? — Um dos repórteres perguntou.

— Sakura, como se sente agora que sua carreira está acabada? — Outro jornalista questionou.

Perguntas.

Perguntas e mais perguntas.

Eu só as ouvia, calada.

Ele não estava ali.

Onde estava?

Onde está você, Uchiha Sasuke?

Estava começando a achar que ele não viria.

Mas ele não me decepcionou.

Logo pude avistá-lo, abrindo caminho entre a multidão de pessoas da imprensa.

Então, finalmente, ficamos cara-a-cara.

Olho no olho. Pela primeira vez.

Ele era alto. Mais alto do que eu imaginava.

E ainda mais bonito pessoalmente.

A respiração dele estava alterada.

E seus olhos negros... Nossa! Eram tão profundos.

Esperei receber um olhar de deboche. Ou de vitória. Mas não.

Seus olhos me diziam coisas que não conseguia compreender.

Tão... Tão profundos.

Pensei que talvez, em outra vida, eu pudesse ser perdidamente apaixonada por ele.

Por causa dessa ligação forte e inexplicável que eu senti no minuto em que nossos olhos se cruzaram.

Mas, Deus! Eu o odiava.

Era esse o responsável pela destruição da minha carreira... E da minha vida.

Meus olhos se encheram de lágrimas. Lágrimas de raiva.

Eu odiava Uchiha Sasuke.

— Sakura! Você está chorando? Por quê? Arrepende-se do que fez? — Ouvi um réporter perguntar apontando o microfone para mim.

Ignorei-lhe.

Apenas Sasuke tinha minha atenção.

Ele havia conseguido. Finalmente havia conseguido me destruir.

Eu estava acabada.

Olhei-o com mágoa, enquanto tentava sufocar as lágrimas.

E no meio a tantas emoções que seus olhos me mostravam e eu não compreendia, consegui captar uma.

Tristeza.

Ele estava triste.

Por quê?

Já não havia conseguido o que queria?

De repente, ele deu um passo em minha direção.

Eu dei um para trás.

Chegou a hora.

— Ponha isso na capa. — Falei para Sasuke.

Então eu corri. Corri até ficar na beira do barranco.

Observei as águas furiosas que me aguardavam.

Não pensei duas vezes.

Pulei.

E enquanto eu caía ao encontro das águas revoltas, eu não sentia medo. Por incrível que pareça, eu me senti livre. Ou eu morreria com o impacto, ou afogada. Mas eu estava livre. Não importava a dor. Eu estava caindo em direção a uma nova vida.

O impacto roubou meu ar, mas não minha consciência.

Engoli muita água.

Fria. Estava tão fria!

Por instinto tentei subir à superfície, mas o oceano estava muito revolto. As ondas chocavam-se comigo e me arrastavam.

Deixei-me levar.

Não importava a dor.

Eu estava livre.

[E os braços do oceano estão me carregando

E toda esta devoção estava saindo de mim

E os choques são o paraíso, para uma pecadora como eu

Os braços do oceano me libertam]

Quando a falta de ar fez meus pulmões gritarem, comecei a me debater. Por instinto. Meu corpo, então, roubou o controle de minha mente e lutou contra as águas, por mais que tudo que eu quisesse era me deixar levar.

Eventualmente, eu cansei.

Uma espécie de dormência se instalou em mim.

Eu me sentia afundar.

[Oh, deslizando para o fundo

Oh, tão frio, mas tão doce]

Até que descansei o meu corpo no fundo.

Não conseguia me mexer, mas a consciência não havia me abandonado.

O fundo do oceano era bem diferente da superfície.

Não era revolto.

Era calmo.

Pacífico. Como o seu nome.

Agora sim era o Oceano Pacífico.

Estranho... Havia uma pressão em meus pulmões que os fazia arder. Mas eu não estava realmente perturbada.

Havia chegado minha hora.

Já havia feito minha escolha e não podia voltar atrás.

O oceano era o meu lugar.

[Embora a pressão seja difícil de aguentar

É o único jeito que eu consigo escapar

Parece uma escolha dificil de se fazer

Mas agora estou embaixo

E é pacífico aqui no fundo

Uma catedral onde não se pode respirar

Não é preciso rezar, não é preciso falar

Agora que estou no fundo

Achei um lugar para descansar minha cabeça]

Finalmente, senti a consciência me abandonar, aos poucos.

O meu último pensamento, foi que Deus, talvez, ao menos uma vez, resolvesse ter piedade de mim e me concedesse um lugar no Paraíso.

Um lugar onde eu fosse livre.

[Mas não estou desistindo

Estou apenas me entregando]

*

*

POV: Uchiha Sasuke

Ela havia pulado.

Haruno Sakura se jogou no oceano.

Ao meu redor eu podia sentir o caos.

Todas aquelas pessoas corriam para a borda da pedra tirando fotos e gritando.

Eu fiquei parado.

Perdido.

Era como se eu não estivesse no meu corpo.

Mas por que ninguém estava fazendo nada para ajudá-la?

Fotos.

Eles só tiravam fotos.

Algo em mim despertou.

Não!

Ela não pode fazer isso comigo!

Corri para as escadas de pedra que levavam até o oceano.

Eu precisava encontrá-la.

O oceano estava revolto. As ondas batiam nas pedras com força.

Mas eu não tive medo.

O único medo que eu tinha era de que Haruno Sakura morresse.

Quando eu estava pronto pra pular na água e procurá-la, senti um aperto em meu braço.

— Ficou maluco, cara? — Naruto gritou. — Procurar por ela é suicídio! Já era! Ela já era!

Todas aquelas pessoas da mídia haviam descido, seguindo-me pelas escadas de pedra.

Eles pareciam animados.
Seria a notícia do ano. Era tudo com que eles se importavam.

Naquele momento, eu senti nojo.

Nojo deles. De quem eles eram. De quem eu era.

Puxei meu braço com força.

Tirei meu celular do bolso e joguei-o para Naruto.

— Tem um vídeo valioso aí. — Falei, simplesmente. — A senha é meu aniversário de trás para frente.

E então eu me joguei na água.

Tão... Tão fria.

Não importava.

Só o que me importava era encontrar Sakura.

Nunca fui um homem de fé. Mas se existe algum Deus, por favor que Ele me ajude a encontrá-la.

Eu preciso de um milagre.

Por alguns segundos as águas me venceram. Eu estava quase me afogando com a fúria das ondas. Sendo arrastado.

Até que consegui me segurar em uma pedra.

Tomei um longo fôlego e mergulhei.

Com meus olhos abertos procurei por Sakura.

Não me importava nem mesmo o ar agora.

Precisava encontrá-la.

Deixei o oceano me arrastar. Ele me levaria até Sakura.

Subi um até a superfície quando não suportei mais a falta de ar.

Mais um longo fôlego.

Eu não desistiria.

"Deus! Por favor! Por favor! Por favor leve-me até Sakura. Eu que nunca Lhe pedi nada, faço meu primeiro pedido. Leve-me até Sakura!"

Eu não desistiria.

Não desistiria.

Deixei-me afundar. Esperava que a correnteza me levasse ao mesmo lugar que Sakura.

Eu estava indo tão, tão, fundo.

Foi quando eu vi um vulto.

Será?

Mesmo que meu corpo gritasse por ar, não voltei à superfície.

Forcei-me contra as águas nadando até o vulto.

Meus olhos ardiam demais, no entanto, não ousei fechá-los.

Então, sua figura ficou mais clara.

Era ela! Era Sakura. Deitada no fundo do oceano.

O milagre que eu pedi se tornou real.

Eu a encontrei.

Puxei-lhe em meus braços e tomei impulso para a superfície.

Droga! Eu estava realmente longe.

Cheguei a pensar que não conseguiria subir. Que desmaiaria antes.

Mas, com esforço, consegui.

Alívio!

Meus pulmões aliviaram-se com a corrente de ar.

E então, as ondas arrastavam Sakura e eu mais e mais.

Eu não podia nadar com ela em meus braços.

Mas precisava ser rápido! Eu não sabia se ela estava respirando.

Provavelmente não. Provavelmente tinha engolido água demais.

Lutei com minhas pernas para me manter na superfície e não afundar, novamente.

Até que avistei um amontoado de pedras que, juntas, formavam uma superfície que precisava ser o suficiente para nos salvar.

Com todo o esforço que pude fazer, agarrei-me em uma das pedras com um braço, segurando Sakura fortemente, com o outro.

Com dificuldades, consegui subir, trazendo-a comigo.

Olhei ao redor. Estávamos longe.

O oceano havia nos carregado para longe de onde estavam os outros. Mas ainda assim, conseguia vê-los. Pequenos, por causa da distância, mas conseguia.

Concentre-se, Sasuke! Cada segundo é precioso para salvar a vida de Sakura.

Nossa! Ela estava quase azul. E seus lábios estavam roxos.

Eu estava muito frio, por causa da temperatura do oceano, mas, de alguma forma, ela conseguia estar mais fria ainda.

Chequei sua respiração.

Nada.

Coloquei minha mão em seu peito, procurando por batimentos.

Nada.

Merda!

Não!

Ele não pode ir embora!

Afrouxei sua roupa, desabotoando sua calça.

Eu já havia feito primeiros socorros nos bonecos das aulas especiais que deram quando eu estava no ensino médio.

Agora era pra valer.

E eu não podia errar.

Coloquei minhas mãos sobrepostas no esterno de Sakura e comecei a massagem cardíaca.

"Trinta compressões com força. O esterno deve abaixar uns cinco centímetros." Lembrava-me das palavras do instrutor.

Espera! Era trinta ou era quinze?

Por via das dúvidas faria trinta.

Quando terminei, tapei o nariz de Sakura e puxei bastante o ar, soltando-o em sua boca. Fria.

Estava tão fria.

Meu coração se apertou de medo.

Foco, Sasuke!

São duas respirações para trinta massagens. Isso era um ciclo.

Depois de 5 ciclos, deveria checar seus sinais vitais.

Respiração. Massagem.

Massagem. Respiração.

Ela não deveria cuspir a água ou algo assim?

Vamos lá, Sakura!

Respiração. Massagem.

Massagem. Respiração.

Cinco ciclos depois chequei sua respiração e batimentos.

Nada.

Merda!

Não!

— Droga, Sakura! — Gritei, enquanto voltava às massagens. — Volte! Vamos!

Voltei a soprar o ar em sua boca.

Cadê a água que ela deveria cuspir?

Droga! Droga!

O desespero estava tomando conta de mim!

Massagem.

— Porra, Sakura! Você vai mesmo foder a minha vida desse jeito? — Mesmo sem querer, comecei a chorar. Eu estava desesperado! — Volta! Você não pode ir embora! Não pode!

Respiração.

Massagem.

Respiração.

Massagem.

Porra! Ela estava morta! Porra!

Não!

Porra!

E com minha boca apenas a milímetros de distância da dela, sussurrei, desesperado. — Por favor! Por favor, volte!

Minhas lágrimas pingaram em seus olhos e eu voltei a juntar nossos lábios.

Foi quando senti algo mudar.

Ela se mexeu.

Afastei-me bem quando ela começou a vomitar toda a água.

Água. Ela pôs para fora tanta água.

Meu coração se aqueceu.

Ela não havia aberto os olhos, mas seu peito voltou a subir e descer.

Chequei seus batimentos.

Eram fracos, mas estavam lá! Estavam lá!

E ela, também, respirava!

Sorri, explodindo de felicidade!

Sakura estava de volta!

Envolvi-a em meus braços, apertando-a contra mim.

Ri.

Sakura estava de volta!

— Uchiha! — Ouvi a voz de Naruto. Haviam dois botes se aproximando. Ele estava em um deles.

— Você é maluco, cara!

— Ela está viva, Naruto! — Falei, feliz. — Viva!
— Nós temos que levá-la ao hospital.

Concordei. Ela ainda não estava acordada. Precisava de atendimento médico.

— Claro! — Disse ajudando um homem desconhecido a colocar Sakura em um dos botes. — Vamos para o hospital.

*

*

Eu já estava esperando por informações de Sakura há mais de três horas, e nada. Ainda não sabia de nada.

— A mídia toda está lá fora. — Naruto avisou, sentando-se ao meu lado.

— Onde você estava? — Perguntei-lhe.

— Enviando o vídeo de Mei para a nossa produção em Tokyo. — Falou, como se não fosse nada.

— O quê? — Alterei-me. — Você fez o quê?

— Qual é cara? Foi você que me entregou o celular e falou do arquivo. — Defendeu-se.

— Sim, mas... Era só no caso de eu não voltar!

— Você por acaso pretendia não voltar?

— Você entendeu, Naruto. Apenas no caso, eu disse. Eu não tinha certeza do que fazer com o vídeo.

— Você tem problemas, cara. — Naruto balançou a cabeça. — Essa é a chance de Sakura se levantar.

— Apenas o depoimento da Mei não vai resolver! — Falei, nervoso.

— Verdade. Mas agora há algo mais poderoso. O depoimento é só a cereja do bolo.

— E o que seria essa coisa poderosa?

— A tentativa de suicídio da Sakura, claro. — Falou, como se fosse o óbvio. — Juntando isso com o depoimento de Mei, Sakura vai conseguir de volta todo o apoio público.

— Não vejo assim. Você sabe como os japoneses julgam. A imagem da Sakura está manchada. — Opinei.

— Você está errado. — Naruto afirmou. — História difícil, superação, injustiças e a tentativa de suicídio. Isso sem falar no talento gigantesco que ela possui. Ela é a nova "coitadinha" da Ásia. O povo adora isso.

— Sakura não é uma coitada. — Falei. E não era mesmo. Sakura era uma guerreira.

— As pessoas terem pena dela é o único jeito de fazê-la reconstruir a carreira. A tentativa de suicídio já começou a fazer a opinião pública ficar a favor de Sakura. O depoimento de Mei ajeitará as coisas de vez.

— Mas não é isso que Sakura quer. Ela passou a vida escondendo esse segredo. — Afirmei.

— Nem sempre o que queremos é o mesmo que precisamos. Você deveria saber disso. Sakura queria se matar, mas você sabia que não era isso que ela precisava. Por isso arriscou sua vida para salvá-la. — Fiquei em silêncio. Naruto riu. — As imagens estão em todo canto. Você está sendo considerado um herói, Sasuke. As lentes da câmera filmaram tudo. Parece coisa de cinema!

— Nós estávamos longe.

— Você não acreditaria no alcance que as lentes dessas câmeras profissionais possuem. — Ele sorriu. — Acredite... Está tudo claro e filmado. A notícia já está se espalhando não só na Ásia, como no mundo inteiro. Você é um herói!

Hunf. Ridículo. Eu havia causado a tentativa de suicídio da Sakura. Como que podia ser o herói? Tudo que estava fazendo, era para tentar reparar os danos. Se Sakura morresse, eu nunca me perdoaria. Levaria essa culpa comigo para sempre.

O doutor que estava atendendo Sakura entrou na sala de espera.

Tsunade, a assessora de imprensa de Sakura, que estava há um bom tempo chorando, em uma cadeira afastada, pulou, quase atropelando o doutor.

— Como está a Sakura? — Ela perguntou.

Eu e Naruto nos levantamos.

— As notícias não são nada boas. — Falou com pesar. Meu coração voltou a se apertar. — Sakura passou muito tempo sem respirar. A falta de ar causou uma falta de oxigenação no cérebro. Ela está em coma.

Não!

— Mas ela vai acordar, certo? — Perguntei-lhe.

— É um coma profundo. Estado vegetativo. Há apenas 15% de chances de sobrevivência. Mas poderia ser pior. A água estava fria, o que causou nela uma hipotermia leve. Quando o corpo está hipotérmico, as necessidades de oxigênio no cérebro são diminuídas, consequentemente, diminuindo os danos, lesões e chances de morte cerebral. Quanto mais fria for a água, melhor. Há casos de pessoas que passaram mais de trinta minutos em baixo d'água e conseguiram ser ressuscitadas.

— Doutor, eu não estou entendendo nada! O que o senhor quer dizer? Isso é uma boa notícia? — Naruto perguntou.

— Bom... — O médico começou. — O que eu quero dizer, é que a água estava fria ao ponto de ser possível ressuscitá-la mesmo depois de um longo tempo sem respirar, mas, infelizmente, não ao ponto de protegê-la do coma.

— ELA VAI ACORDAR, CERTO? — Tsunade repetiu minha pergunta, gritando com o médico.

— Há um estudo feito com pacientes que entraram em coma por asfixia. 79% não acordaram. 21% se recuperaram bem. — O médico explicou. — Pacientes em coma costumam ficar nesse estado de duas a quatro semanas. Depois desse período ou acordam ou o caso evolui para uma morte cerebral. Ela também pode passar mais tempo assim. Talvez possa nunca ter morte cerebral ou nunca acordar. Apenas permanecer assim. Mas é raro. Raríssimo. Só nos resta esperar.

Tsunade caiu no chão.

Eu continuei de pé, mas, naquele momento, senti meu mundo desabar.

*

*

Dois anos e quatro meses haviam passado desde que Sakura estava em coma.

Quer dizer... Os médicos diziam que não era coma.

Estado "semivegetativo", diziam.

Um estado minimamente consciente.

Depois de três meses em coma, Sakura abriu os olhos.

Mas era isso.

Só isso.

Às vezes, quando a visitava, ela estava com os olhos abertos.

Às vezes até mexia os dedos.

Mas nunca pareceu perceber o que acontecia à sua volta.

Meses passaram. Anos. E ela continuava do mesmo jeito.

Os médicos eram categóricos. Diziam que ela nunca iria melhorar.

Nunca.

Com o tempo, eu aceitei.

As coisas estavam diferentes de antes.

Depois da explosão que foi a tentativa de suicídio de Sakura, somada ao depoimento de Mei, o que Naruto previra aconteceu.

A opinião pública ficou a favor de Sakura. Todos torciam por sua recuperação e para que ela voltasse aos palcos.

Eventualmente, perceberam que ela não retornaria e seguiram suas vidas, idolatrando novos cantores.

E foi assim para todo mundo.

Todos seguiram suas vidas.

Mei estava indo muito bem. Acabara de entrar em turnê, como dançarina da banda coreana 2ne1. Ela parecia feliz e tinha encontrado o amor nos braços de um de seus colegas de trabalho, também dançarino.

Tsunade passou a assessorar a carreira de Kimmi, uma cantora muito talentosa, que encontrou enquanto via vídeos no Youtube. Havia boatos de que estaria saindo com Jiraya, o pai de Kimmi, mas ela negava veementemente. Tsunade ainda ia visitar Sakura de vez em quando.

Naruto continuava a trabalha para o Tokyo Journal e estava de casamento marcado com Hyuuga Hinata, prima do meu amigo Neji. Eu havia os apresentados. Naruto fazia questão que eu fosse seu padrinho.

Temari e eu nos tornamos amigos, no fim. Ela era uma garota muito legal. Shikamaru também achava. Ha! Mais um casal que eu fui responsável por juntar. Os dois eram como água e óleo, mesmo assim, adoravam-se.

Kakashi era o tutor de Sakura. Ele havia feito ela ser transferida para o maior hospital de Tokyo e trouxe os melhores neurologistas do mundo para vê-la. E mesmo que todos dissessem que ela nunca se recuperaria, ele não desistia. Eu costumava pensar que Kakashi havia adotado Sakura apenas porque descobriu seu talento e queria usá-la. Mas estava errado. Kakashi amava Sakura. E mesmo seguindo sua vida com sua esposa Shizune e seus filhos, Obito e Tobi, nunca havia desistido de Sakura.

E havia também Kenshin.

Após descobrir, pela mídia, a verdade sobre o assassinato de seu pai e a tentativa de suicídio de Sakura, Kenshin havia invadido o hospital de Konoha gritando por sua "irmã". Quando Sakura foi transferida para o hospital de Tokyo, Kakashi ofereceu um lar para Kenshin, ao seu lado. Sem pensar duas vezes, ele aceitou a ajuda. Tudo para poder seguir Sakura até a capital.

Agora, Kenshin era como um filho para Kakashi. Ele estava estudando, também. Nunca havia frequentado colégios, então, havia entrado em um programa para adultos sem escolaridade e estava se saindo bem. Kakashi dizia que ele era ótimo em matemática e que seria seu braço direito no setor de contabilidade da empresa de automóveis que havia criado recentemente.

E claro, Kenshin nunca saiu do lado de Sakura. Ele a visitava toda semana. Passava horas com ela.

E eu... Bem... Eu também segui minha vida.

Ano passado havia me formado em jornalismo, porém não trabalhava mais com isso.

Depois de resgatar Sakura, ganhei fama mundial, como um herói.

Aquilo me irritava.

Eu não merecia esse título.

Havia sido as minhas ações que causaram o atual estado de Sakura.

Então eu apenas me afastei. E assim como as pessoas perderam o interesse em Sakura, também perderam o interesse em mim.

Naquela época, havia recebido inúmeras propostas de trabalho, de grandes revistas e jornais, mas recusei todas.

Eu não queria trabalhar com aquilo nunca mais.

O jornalismo havia me tornado uma pessoa feia e desprezível. E eu teria que carregar o peso de minhas ações para o resto da vida.

Atualmente, trabalhava como recepcionista no hospital em que Sakura estava internada.

Visitava-a todos os dias, antes de ir para casa.

Algumas vezes, seu olhar se movia rapidamente para mim, mas os médicos diziam que era um reflexo involuntário, que não era consciente.

Mesmo assim eu gostava. Era como se eu pudesse estar mais perto dela.

Todos os dias, eu lhe pedia perdão.

Parte de mim acreditava que ela podia me ouvir.

Não havia um dia em minha vida que eu não desejasse que Sakura acordasse. Que acordasse de verdade.

Mas eu sabia que não aconteceria.

No final das contas, eu não havia a salvado.

No final das contas, ela nunca voltaria.

Mas eu estaria ao seu lado. Todos os dias.

Não deixaria que ela se tornasse apenas uma memória. Ela não merecia ser apenas uma memória.

Eu havia cometido erros, mas passaria o resto de minha vida tentando conseguir o perdão de Sakura.

Porque eu sabia que a encontraria na outra vida. Éramos ligados. Soube disso no segundo em que nossos olhos se cruzaram. Então, eu sabia que um dia a encontraria. E precisava que ela, enfim, perdoasse-me.

Por isso, não importava quanto tempo passasse, eu sempre estaria ao seu lado. E a manteria viva.

Dentro de mim, Sakura sempre estaria viva.

Mesmo que nunca acordasse do coma.

Mesmo que ela nunca ficasse bem.


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Notas finais do capítulo

IMPORTANTE: As frases entre colchetes não me pertencem. São da música Never Let Me Go da Florence + The Machine, que inspirou muito essa fic.

Espero que tenham gostado! Confiram também a minha outra fic, ainda em andamento!

https://fanfiction.com.br/historia/631907/As_mascaras_de_Sakura/