Eram 18 horas, o sol já estava se pondo quando eu avistei uma menina sentada em um dos bancos da pequena praça, ela estava olhando as crianças correndo uma atrás da outra e gargalhando alto.

Sem duvida ela era uma menina que chamava atenção, ainda mais com um cão enorme ao seu lado, com os dedos finos e pálidos passava entre os pelos da cabeça do cão.

Fui até ela, sem saber o porquê e soltei um gemido.

─Oi ─ falei tão baixo, que quase não se dava para ouvir minha voz.

─Tem alguém aqui? ─ ela perguntou virando a cabeça dos dois lados, o cachorro que até então estava deitado, levantou e latiu em minha direção.

─Eu, eu estou aqui, me chamo Téo ─ apresentei- me timidamente.

─Prazer Téo, eu sou Lia e esse é Kevin ─ ela disse batendo fraco na cabeça do cão que voltou a deitar.

─Lia, posso lhe fazer uma pergunta?

─Claro ─ a menina sorriu.

─Porque está de óculos sabendo que o sol já se pôs?─ eu disse tentado puxar um papo, porém falhei horrorosamente.

─Eu não sei o sol já se pôs ou não, sou cega ─ ela retirou os óculos escuro e revelando o par de olhos azuis quase brancos.

─Des- Desculpe, eu não fazia ideia─ gaguejei, que vergonha Téo você é um idiota!

─Tudo bem─ um sorriso fraco surgiu nos lábios de Lia─ Já nasci assim, não faz muita diferença... E você? ─ perguntou depois de um tempo.

─ O que tem eu?

─Já nasceu paralitico?

─Como você sabe se não pode ver?

─Sou cega e não surda, ouvi quando você se aproximou─ seu tom de voz saiu meio irônico.

─Ah bom, já nasci assim. E você como seus pais descobriram? ─ me aproximei dela e o Kevin me encarou mostrando os dentes.

─No começo eles pensaram que meu olho era dessa cor, iludidos, até que  o medico e disse que eu era cega, com isso eles surtaram e ficavam em cima de mim, e isso até hoje, quando aprendi a andar eles já compraram Kevin e até então ele é meu melhor amigo. E como seus pais descobriram?

─Normal, sabe eu cresci e não firmava meus pés no chão minhas pernas eram mais molhes do que o normal, eles também ficavam em cima de mim, mas com o tempo pararam, logo depois que minha irmã nasceu.

─Bom eu tenho que ir já teve ser tarde─ ela se levantou e o cão fez o mesmo.

─Até─ falei e ela sorriu.

─Vamos Kevin.

Observei-a indo e depois olhei as estrelas e a lua cheia surgindo.

"Como teve ser não enxergar?" perguntei para mim mesmo quando voltava para casa.

No dia seguinte voltei para o parque, mas não a encontrei e repeti esse ato dia após dia, até que em um desses dias eu a encontrei, no mesmo banco e na mesma posição.

─Olá Lia ─ falei sorridente

─Téo? Olá, tudo bem?

─Está sim, bom o que você acha de levarmos o Kevin até um Pet Shop? ─ perguntei e o cão me encarou.

─Como vou andar sem o Kevin? Ele é minha visão ─ ela perguntou rindo da ideia.

─Eu vou ser sua visão e você vai ser os meus pés.

Convenci-a depois de um tempo, eu particularmente acho que o Kevin não gostou muito da ideia.

Ela segurava na cadeira de rodas como se fosse um apoio e me empurrava na direção que eu falava, as pessoas nos olhavam estranho quando nós passávamos.

─Já imaginou como é o pôr do sol? ─ perguntei ─Mais quatro passos.

─Não, nunca vi o sol ou as cores é impossível imaginar, o meu mundo é tudo de uma cor só.

─Um dia você vai ver, eu prometo!

─Vamos voltar.

Quando voltamos e ela pegou Kevin e foi se embora. Conversamos até que os dias se passaram e nós nos encontrarmos novamente pessoalmente.

Chamei-a para fazer alguns exames para ver se conseguimos algum doador de córnea para ver se vai dar certo já que normalmente o transplante é para alguém que perdeu a visão e não para quem já nasceu sem ela, porém os médicos falaram que a chance é de 99% de dar errado, mas confio nesse 1%.

Quando os resultados ficaram prontos eu me ofereci para ser o doador, o medico disse que era ariscado para mim e se desse errado os dois poríamos morrer, mas o fato é que não pode largar as armas sem lutar. E eu sentia que devia fazer isso.

Alguns dias se passaram e lá estava eu deitado em uma maca tentando memorizar cada detalhe, meus pais tentaram fazer eu mudar de ideia, mas já era maior de idade e poderia assumir meus erros.

─Está pronto?─ o medico perguntou sorrindo eu afirmei com a cabeça e engoli seco.

Ele aplicou algo em mim que só sei que não vi mais nada, tudo ficou escuro.

Pov. Autora.

Após o transplante, que por final deu certo, o 1% era maior do que o 99%, os médicos não sabiam explicar o que havia acabado de acontecer.

Lia foi abrindo os olhos calmamente, ela conseguia ver pela primeira vez, a menina colocou a mão nos olhos para testificar se que era verdade e depois caminhou ate o espelho, havia um par de olhos castanhos em seu rosto. Ela sorriu para ela mesma, assim que conseguiu alta, saiu correndo atrás de Téo para contar que além de ter conseguido um doador, o transplante havia dado certo.

Dias e dias se passaram e o menino nunca aparecia, até que em um dia qualquer uma carta chega para ela.

Estou caindo em um abismo,

Estou erguendo a bandeira branca,

Estou largando minhas armas,

Estou dando a ré para vida.

Não consigo acompanhar os movimentos,

Não consigo mais ficar de pé,

Não consigo mais olhar,

Não posso mais chorar.

Eu estou enjoado,

Eu estou passando mal,

Eu estou lhe pedindo:

Para mundo!

Para mundo,

Para tudo,

Eu quero,

Eu preciso descer.

Querida Lia se essa carta chegou até você e porque eu já não estou mais nesse mundo, eu pedi para minha irmã mandar para o correio se eu não voltasse para casa.

Veja só você esta com um lindo par de olhos, eu confesso que eu acho que ficam bem melhores em você do que em mim. Agora você pode ver o pôr do sol. Aproveite. Siga em frente não importa o que aconteça, eu estarei do seu lado em todos os minutos de sua vida.

Eu tentei-te dizer varias vezes, mas quando te olhava perdia a coragem, e percebi que eu não preciso dizer “Eu te amo”, pois “Eu te amo” são apenas palavras que qualquer um pode falar, porém nem todos conseguem sentir o seu significado, eu realmente acredito que eu senti isso e tenho certeza que você também vai sentir.

Não chore, apenas sorria, o mundo é um lugar maravilhoso assim como você.

Sempre sonhei

Com um inverno quente

Sempre imaginei

O que esta acontecendo com a gente?

Fecho meus olhos

E penso em ti

Em teu sorriso

Um anjo feito para mim.

Se tivesse mais um minuto

Já seria muito

Para te ver,

Para te amar,

Para sonhar.

Meu anjo doce

Você me encantou

Me levou o mais fundo do oceano

E me abandonou.

Sempre sonhei

Sempre imaginei

O meu anjo branco

Me abandonou.