Hoje o Sol nasceu mais cedo, carente de um olhar humano. A melodia do mulá descia a rua, chamando os religiosos, como se Deus estivesse cantando para seus filhos. O ar pressionado e quente, banhava o rosto como um sopro de hálito caloroso. Cores corriam pelas calçadas, algumas com barbas compridas outras com burcas atentas. Era manhã, e as colinas resplandeciam douradas e solitárias no horizonte do Afeganistão.

Eu caminhava, buscando a alma que perdi naquele caminho poeirento. Procurando o brilho que deixei escapar dos olhos, e a frase que esqueci de pronunciar. Aquela minha terra, coberta por areia, abençoada pelo Sagrado, já havia me engolido sem que eu desse permissão. Perdi o que era meu, e não sei onde encontrar...sequer um inicio de onde procurar. Deve estar soterrado, em um desses cantos de Herat. Se os camelos não beberam, então a ventania levou.

Olho para baixo, por medo ou costume. As jóias que carrego nos pulsos, a maquiagem que enfeita minha tez...tudo vai cobrindo-se com o lamento da perda. Afinal, se eu caminho com os fiéis, onde está minha fé? Eu a perdi na ladeira, deve ter rolado e caído nas águas. Terei eu que afogar-me no rio para salvar minha esperança?

O céu corrói os olhos com seu brilho lúdico, e eu prossigo a procurar. Deus continua a me chamar, mas não tenho coragem de entrar em seu templo tendo perdido a religiosidade. O instinto manda-me parar, olhar para cima. Lá estão elas: as colunas de Herat. As cores que flutuam na bandeira do Afeganistão são o vislumbre de uma saída.

Fico ali, em torpor de altivez...

Eu, as colunas de Herat e minha fé, outra vez...