O Máscara escrita por MileFer


Capítulo 9
Livre


Notas iniciais do capítulo

Olá ♥

Imagino que já saibam que demorei (ah,sério?) rsrs e por isso peço desculpas!
Mas, do fundo do meu coração, espero que esse capítulo compense.


Uma boa opção para quem gosta de ler ouvindo musica:
Sia - My Love
(Tem a opção instrumental também, que é um show e muito emocionante), mas isso fica a critério de vocês!

Enfim, boa leitura!



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Rafael passara a noite acordado; tão inerte nos próprios pensamentos que se esquecera de pregar os olhos. Parecia que, quanto mais pensava, mais sua cabeça doía, e com essa dor vinha toda uma bagagem a qual encurvava suas costas outrora fortes e firmes.

Passara a noite sentado em uma poltrona que tornara-se desconfortável com o passar das horas, encarando o tempo mudar vagarosamente diante de si. Ele mal se lembrava da última vez em que havia passado a noite em claro – exceto, talvez, há dois anos atrás.  O que havia mudado, desta vez, era que ele não estava desmoronando – nem por dentro, nem por fora. Estava simplesmente... Impassível. Sentia-se tão...

Era difícil dizer; ele sentia um frio incomum passeando por sua pele asquerosa, ao mesmo tempo em que sentia-se firme o suficiente para não fechar o enorme par de janelas em sua frente. Mas a brisa gelada era algo minimamente preocupante para ele.

Rafael analisou pela milionésima vez a foto que estava enlaçava por entre seus dedos. Ele lembrava-se bem do que sentira quando a viu – realmente a viu – pela primeira vez. Era um tolo; agora sabia disso. Mas o sentimento... Havia sido único e real. E, por mais que soubesse que não o merecesse, ele não conseguia se desfazer desse tipo de coisa.

Ele deslizou a ponta dos dedos pela fotografia, desenhando o contorno dos seus cabelos cumpridos e negros como a morte. Depois de tanto tempo, de tanta coisa... O nariz arrebitado, a forma como sua pele lhe lembrava a mais luxuosa porcelana, e seus pequenos e tristes olhos azuis: ainda lhe impressionava e o arrebatava. Uma dor profunda cortou seu peito, fazendo-o arfar.

Aqueles olhos, sempre tristes, sempre avermelhados, como se tivesse chorado durante uma eternidade, ainda o perseguia em seus mais profundos pesadelos. A simples presença dela, mesmo que por debaixo de suas pálpebras fechadas, o fazia vacilar feito um covarde.

Ele engoliu em seco, quando a imagem de seus olhos arregalados e fixos encarando-o o cercou.

Celine...

Tudo o que Rafael conseguia se lembrar era de seu olhar horrorizado e curioso ao encará-lo. Apesar de sempre demonstrar seu desprezo por ele, Rafael não pudera evitar se apaixonar pela primeira garota de sua vida. A primeira a pagar o preço por sua maldição.

Não que ela fizesse questão de dizer em palavras o quanto o odiava; era muito pior. Ela sofria calada, sempre chorando, sempre infeliz ao lado dele. Mesmo quando se mostrava ser uma pessoa agradável, como Fordy lhe ensinara, Rafael jamais conseguira conquistar nada menos do que um olhar disfarçadamente desdenhoso da moça.

Mesmo depois de tanto tempo... Seu fantasma ainda o perseguia tão próximo, tão perto, que Rafael sentia que poderia tocá-lo.

Rafael deixou que uma brisa forte soprasse a fotografia outrora entre seus dedos para longe de si.

E trouxesse outra para ele.

Um tanto desconsertado, ele segurou o mais delicadamente possível a fotografia entre seus dedos ásperos e grosseiros. Era Adélia. Com uma olhadela rápida, Rafael pensara que ela brilhava; mas, ao olhar atentamente, ele percebera que seu perfil estava apenas iluminado pela luz alaranjada do Sol.

E, olhando mais atentamente, ele percebera o quanto seus olhos eram claros, as curvas estreitas de seus cabelos longos, o modo como sua boca se curvava para cima, ao analisar as flores que carregava... Rafael desejou que ela estivesse olhando para a câmera no momento da foto, ao sentir uma curiosidade estranha de descobrir se seus olhos eram verdes ou castanho-esverdeados.

Ela era bonita. E o estava distraindo.

—Bom dia – Fordy entoou, em algum lugar atrás de Rafael, de um jeito que o fez franzir as sobrancelhas. – Está um lindo dia, não acha?

O velho caminhou a passos apressados até a janela e a fechou, deixando apenas as cortinas enormes e escuras abertas. Rafael estremeceu, sentindo pela primeira vez durante horas um frio arrebatador.

—Trouxe seu café – Fordy anunciou, colocando uma bandeja na mesinha à sua frente. -Imagino que tenha tido uma ótima noite de sono, senhor.

Rafael suspirou, sentindo os primeiros traços de cansaço abatê-lo ainda mais.

—Estou exausto, Fordy.

Psicologicamente, fisicamente… Não podia estar pior. Não sentia-se apenas triste; era algo maior.

—É de se esperar para alguém que passou a noite em claro, não acha? - Fordy rebateu, parando o que estava fazendo para encará-lo. - Diga-me, garoto, o que o deixou em claro esta noite?

Como se não fosse óbvio.

Rafael lançou outro olhar para a foto que tinha nas mãos. Ele levantou-se, ignorando o desconforto que sentira por ter passado horas sentado.

—Ela é tão bonita como a foto mostra? - Perguntou, para ninguém em particular.

—Ah, meu caro, você não imagina o quanto - Fordy entoou, mostrando mais satisfação do que Rafael ao ouvir aquilo. - Mas quem sou eu para falar uma coisa dessas. Deveria vê-la. Iria ficar encantado…

—Ótimo - Rafael o interrompera, soando mais grosseiro do que pretendia. Mas Fordy não parecia se abalar com seu tom de voz cortante, pois continuava a encará-lo com um sorriso discretamente cínico no rosto. - Que bom que goste dela. Quando irá começa a planejar sua partida?

—Partida? - O velho ficou sério repentinamente. – Como pode querer mandá-la embora sem conhecê-la?

Rafael o encarou, com a testa franzida.

—Mas é exatamente por isso que a estou mandando embora… - Murmurou, apenas para Fordy, como se apenas ele pudesse ouvir e mais ninguém.

Fordy soltou um suspiro cansado e caminhou pelo cômodo, remexendo as mãos enrugadas.

—O que pensa que está fazendo, Rafael? - Disse, sentando-se no braço da poltrona outrora ocupada por Rafael.

Ele estava tão sério e tão de repente que Rafael engoliu em seco.

Ele sabia o que vinha a seguir.

—O que acha que estou fazendo, Fordy? - Rebateu; sentia-se menos cansado agora, como se tivesse despertado de um cochilo profundo. Estava pronto para discutir.

—Eu acho, - o velho disse, pronunciando cada palavra o mais cuidadosamente que podia - que está desperdiçando uma chance única de provar do que é feito um amor.

Rafael ficou calado por longos segundos. Aquela ideia o pegara em cheio; mas à medida que ia processando-a, mais irritado estava ficando.

—Eu já provei do amor antes. - Ele sentiu seu peito doer, cortando-lhe a respiração. - E não é nada agradável. Não é tão… melodioso como você diz. Para ninguém. - Rafael respirou fundo, antes de continuar: - E não quero mais isso.

—Está certo em não querer machucar-se. Mas, garoto, eu tenho um conselho para você…

—Chega de conselhos, Fordy. Não preciso deles agora…

—Escute-me, Rafael. - Fordy o interrompera, tão voraz que levantou-se de seu lugar para ser ouvido, quer Rafael quisesse ou não. - O amor não é sinônimo de coisas ruins. Não é algo ruim. - Rafael o encarou, sentindo sua irritação aumentar. Quem era Fordy para classificar os seus sentimentos? Ele não tinha o direito… Mas, ainda assim, Rafael o escutara atentamente. - Você sabe o que é amar, Rafael? O que é realmente amar? E ser amado?

Rafael desviou o olhar para o céu matutino que se abria do lado de fora de sua janela, desejando que Fordy parasse com aquilo, para que ele não se sentisse mais tentando a ouvi-lo.

—O que aconteceu a Celine… Não foi obra do amor.

—O que aconteceu a Celine, foi culpa minha. - Confessou, esperando ver uma expressão de choque no rosto de Fordy. Mas tudo o que ele fez foi soltar um suspiro cansado.

Fordy, claro, já conhecia aquela história. Não era novidade nenhuma que Rafael se culpasse por tudo de ruim que ali acontecia - aquela ideia de que o próprio era meramente um demônio fora plantada por seu pai.

Fordy estava exausto de tentar apagar aquela ideia - tanto dele mesmo, como de Rafael. Nem se dava ao trabalho de tentar com Adam.

A princípio, quando o conhecera - quando Rafael não passava de um bebê - Fordy acreditara que ele fosse uma espécie de mutante. Tudo o que sentiu pelo pobrezinho fora pena – isto é, claro, antes de sentir medo. Desde o inicio, Fordy cuidara de Rafael. Fora ele que o ensinara a ler e quem tentava explicar - sem humilhá-lo, sem palavras horríveis - o motivo pelo qual seu pai, Adam, parecia desprezá-lo.  Fora ele quem ensinara a Rafael a ser forte.

Mas algo havia mudado no jovem. Não era mais o Rafael que Fordy educara; e sim o Rafael que Adam mudara. Depois do que acontecera há dois anos antes, Rafael mudara bruscamente.

Ao encará-lo agora, Fordy quase podia ver o buraco negro que havia em seu peito.

—Você a amava? - Fordy teve toda a atenção do garoto naquele momento. Rafael o encarou, um tanto chocado com a pergunta.

Mas não respondera. Ele não sabia como.

Fordy encaminhou-se até ele, parando tão próximo a Rafael que, por um momento, o mesmo pensou que o velho iria abraçá-lo.

—Você tomou sua decisão, garoto – Fordy tocou seu ombro, apertando-o de leve. Queria dizer muitas coisas para Rafael; queria lhe contar histórias, queria lhe contar seus segredos... Mas não podia. Ele então se afastou, caminhando em direção à porta.

—Fordy? – Rafael o observou parar no meio de seu caminho, e o encarar com uma expressão serena no olhar. – Qual é o seu conselho?

Ele não tinha tanta certeza se desejava mesmo saber. Como Fordy mesmo dissera, Rafael já havia tomado sua decisão, e não pretendia mudá-la. Mas ainda assim...

—Você está evitando tomar uma decisão difícil  por medo. – Fordy disse, cruzando os braços e mantendo-se o máximo que podia firme. – Eu não o estou julgando por isso. Mas você já considerou a ideia de... Ser menos covarde?

  

Adélia caminhava apressadamente pelo corredor escuro, abraçando a si mesma para proteger-se do estranho frio que sentia na espinha toda vez em que seu coração afligia-se ao olhar para trás. Ela deu-se conta de que, estranhamente, estava ansiosa, nervosa e com calor. Suas mãos suavam e seus cabelos pareciam atrapalhar-lhe a visão toda vez em que ela olhava para trás. 

Naquela tarde, quando estava tentando bordar uma figura que sua mãe a ensinara há certo tempo, ela fora surpreendida quando Jeniffer entrou em seu quarto portando uma caixa marrom muito suspeita, seguido de um cartão cor-de-rosa e uma rosa muito vermelha e cheirosa.

Adélia,

Espero encontrá-la hoje para um jantar.

A princípio, o bilhete não lhe chamara muita atenção. Ela estava mais interessada na rosa, que era tão bela, tão cheia e tão viva que, dentre os três dias que já haviam se passado desde sua chegada, fora o único ponto de cor que ela vira dentro desta pequena eternidade. Aquela flor aumentou instantaneamente sua vontade de ir ao jardim, mas preferiu não comentar com Jeniffer.

Mas, ao reler o bilhete que equilibrava entre os dedos, seu coração se apertou de aflição. Estranhamente, aquela rosa não parecia mais tão encantadora quando o coração de Adélia se apertou e murchou.

—Eu não quero ir – murmurou para Jeniffer, que parecia muito ocupada organizando uma fileira de frascos de perfumes.

A falta do nome do autor do bilhete a intrigava. Por um momento, ela conseguiu imaginar o velho que a pegara do flagra escrevendo-o para ela. Mas Adélia não conseguia processar a ideia de que poderia ser ele convidando-a a para jantar. Aquilo lhe soou... Estranho demais.

—Eu não quero ir – ela repetiu, desta vez mais alto. – Não mesmo.

— Por que não? – Jeniffer tentava prestar atenção nela enquanto puxava uma série de escovas, objetos que pareciam ser maquiagem e acessórios brilhantes.

Não era óbvio?

Aquele era um lugar estranho demais para ela; as únicas pessoas que já havia conhecido eram Jeniffer e o homem que a abordara destruindo uma peça de sabe-se lá quem. E, depois de dias de silêncio, tédio, medo e pesadelos, Adélia era simplesmente convidada para um jantar?

Só podia ser uma piada!

—Bem... – ela jogou-se na cama, ao lado da caixa grande e embrulhadamente suspeita, segurando o bilhete acima de seu rosto. – Estou com medo. Quero dizer, quem poderia me convidar para um jantar? Então isso significa que existem mais pessoas morando aqui? – Ela calou-se, sentindo um frio na espinha, seguido pelo umedecer das palmas de suas mãos. – Não é o Adam, certo?

—Adélia, eu sinceramente... – Jeniffer hesitou, o que fez Adélia levantar-se da cama para encará-la. – Por que não abre? – Disse, apontando para a caixa.

Adélia a encarou firmemente, pensando se seria adequando pressioná-la a contar ou não. Talvez ela realmente não pudesse, e Adélia precisava de uma amiga enquanto estivesse ali dentro. Pressioná-la não era uma ideia muito boa.

Ao invés disso, ela debruçou-se sobre o embrulho e, ansiosamente, desfez o laço que enfeitava a enorme caixa marrom.

Havia uma caixa menor e quadrada dentro, a qual Adélia pegou com dedos já trêmulos. O conteúdo quase a fez engasgar com a respiração; era um colar prateado, detalhado em formado de pequenas folhas abertas e com pedras menores dentro. Era simples, discreto e parecia ser o tipo de coisa que seus pais jamais poderiam pagar – depois de suas vidas se transformarem. Com um nó na garganta, ela fechou a caixa preta e, tensa, desembrulhou o papel fino e roxo que cobria o que lhe parecia ser... Um vestido. Ela o retirou da caixa, permitindo-se encantar-se com o tecido leve e o busto luxuosamente bordado com renda e mais algumas pedras delicadas. Era claro, quase bege, longo e simples.

Ela fechou os olhos e depois os abriu de novo, encarando mais uma vez seu prato cheio e intacto, sentindo seu estômago embrulhar-se, apesar de que a comida lhe parecia ser muito boa. Ela mal se lembrava de sentir fome desde que despertara naquele lugar insano e sombrio. E estar sentada sozinha ali, naquele imenso salão, a fazia sentir-se ainda menor e indefesa. 

Sentia-se uma tola. Fora convidada para jantar e agora estava sozinha.

Parte dela deveria estar aliviada por isso; mas a outra... Adélia lembrou-se de como Jeniffer caprichara em sua aparência. No momento em que se olhou no espelho, sentiu-se realmente muito bonita. Mas agora tudo aquilo lhe parecia um exagero. Ela tocou o colar em seu pescoço, deixando que seus dedos viajassem pelos ricos detalhes e entalhes da peça. Ainda pensava na rosa que deixara sobre seu travesseiro, sem o mínimo cuidado de colocá-la em um copo d’água. No momento, ela pensou que descartar algo tão lindo como aquela rosa fosse aliviar sua aflição, mas agora sentia-se arrependida.

Ela lançou um olhar para o vaso de porcelana no centro da mesa, repleto com mais rosas cheias e vermelhas. Mas aquelas só deixavam Adélia com mais vontade de segurar a sua rosa.

Adélia já não sabia quanto tempo havia se passado desde que chegara ali, mas já estava ficando cansada. Cansada e com fome. Por um momento, ela considerou a ideia de levar seu jantar para seu quarto e comer lá; pelo menos o espaço era menor e ela poderia ligar as luzes. O salão era praticamente escuro; havia muitas velas acima da cabeça de Adélia, na mesa e pelos cantos. Era tão assustador quanto macabro, mas as flores deixavam o ambiente menos pesado e seco. Pelo menos ainda podia contar com as janelas que, mesmo fechadas, davam vista à lua que iluminava boa parte do ambiente.

Adélia soltou um suspiro alto, que ressoou por todo o salão. O silêncio era tão absoluto que ela até se incomodou com o barulho do próprio suspiro.

—Que bobagem – sussurrara. Era uma completa bobagem ser convidada para um jantar e acabar sozinha... Mas por que estava decepcionada? Não era o que queria?

Adélia se sentia tão boba e tão irritada que levantou-se de sua cadeira, pronta para voltar para o seu quarto e contar para Jeniffer como fora engraçado e divertido ficar sentada em uma mesa enorme, em um salão enorme e tão bem vestida para acabar a noite sozinha e sentindo-se mais idiota do que nunca. Junto com o nervoso, vários outros sentimentos a invadiram na hora. Tudo o que ela mais precisava agora era de um pouco de ar fresco.

Mas, ao chegar perto da enorme janela, Adélia já esperava que estivesse trancada. Claro que estaria. Ela era, oficialmente, uma prisioneira.

Tristemente, Adélia encostou-se na janela, sentindo um leve arrepio atravessar sua pele quando encostou a testa no vidro gelado. Ela espalmou sua mão no vidro, desejando poder estar do lado de fora – e não naquele belo jardim – mas além dele. Ela desejou estar com seus pais; desejou estar vagando pelas ruas do Brooklyn ou até mesmo no Instituto Florence. Desejou estar em qualquer lugar, menos ali.  Sozinha, triste, com frio... Adélia observou a nuvem se formar no vidro quando suspirou, distraidamente.

Estava tão distraída observando uma nuvem passar pela lua que mal notara o barulho abafado que seguia atrás dela. Era alto e claro: passos.

Imediatamente, seu coração disparou. Ela olhou inutilmente para trás, tentando enxergar alguma coisa, mas nada parecia estar em seu campo de visão. Depois de um momento de silêncio, ela decidira que a melhor coisa que poderia fazer era voltar imediatamente para o seu quarto.

Estava tão esbaforida que chegara a tropeçar na bainha do vestido, com os sapatos de salto médio que Jeniffer insistira para que ela usasse.

Adélia se estatelara no chão, tão violentamente que ela ouviu o barulho de tecido rasgando. Certamente, ela acabara de estragar a peça de roupa mais linda que já tivera na vida. Automaticamente, suas bochechas arderam de vergonha, enquanto que uma vontade insana de se esconder a invadiu. Mas ela estava sozinha, não era? Ainda assim, Adélia estava morta de vergonha por ser tão desastrada e tosca.

Vagarosamente, ela levantou-se e sentou-se no chão, observando pequenos pontos brilhantes no chão.

Ah, não...

O busto de seu vestido estava rasgado onde uma fita delicada se rompera, graças ao puxão que seu pé deu na bainha do vestido, rompendo a costura e fazendo com que algumas pedras caíssem. Adélia sentiu vontade de chorar; mas mal se dera conta de que lágrimas quentes escorriam por seu rosto. Ela segurou o pedaço fino do vestido que estava pendurado ao lado da cintura e gemeu. Talvez Jeniffer ainda pudesse salvá-lo...

Mas como conseguira ser tão...

Um suspiro, alto e forte, a distraiu outra vez.

O lugar estava tão estranhamente escuro que tudo o que alcançava a vista de Adélia era somente o que a luz das velas poderia lhe proporcionar - que se resumia em quase nada. 

—Tem a-alguém aí? - Ela gritou, receosa da resposta. 

Adélia sentiu seu coração gelar de medo. 

Mais do que nunca, ela desejou estar trancada no seu quarto. Ela deu-se conta de que preferia mil vezes estar trancada lá, como uma covarde, do que sozinha naquele momento, à beira de um ataque de pânico. Um segundo mais tarde, ela deu-se conta do que aquilo significava. Ela corou, envergonhada consigo mesma por preferir se acovardar a ser forte. Não. Adélia não poderia ser covarde. E não seria.

—Quem está aí? - Ela gritou outra vez, desta vez um pouco mais segura. Corajosamente, ela ergueu mais ainda a voz. – Quem está aí?

Seu coração martelava em seu peito, e o som de sua própria respiração ruidosa lhe parecia alto demais. 

Ela prendeu a respiração, mordendo os lábios com tanta força que sentiu o gosto de sangue na ponta da língua. Mas quando o barulho de passos ecoou de novo pelo salão, Adélia engasgou-se com a respiração tentava ao máximo soltar aos pouquinhos. 

Se sua audição não lhe enganava, ela poderia jurar que aqueles passos estavam se afastando. Estavam mais abafados, porém lentos.

Aquilo fez o coração de Adélia murchar de alguma forma. Mas ela não sabia se era de alívio ou de decepção. 

De qualquer forma, agora ela sentia-se muito irritada com quem quer que fosse que estivera ali, vigiando-a no escuro como se ela fosse uma presa. Fazendo-a sentir-se uma idiota. Provavelmente deveria estar segurando a risada; quem quer que fosse, assistira toda aquela cena e agora tinha um motivo para chamá-la de boba quando fosse embora.

Adélia olhou mais uma vez para o ambiente ao seu redor, desconfiada. Então levantou-se do chão, dando-se conta do quanto suas pernas estavam bambas. Ela já não sabia se os barulhos que ouvia eram produzidos por ela ou se ainda não estava sozinha. Adélia parou, no meio do caminho até a escada, e voltou-se para os corredores estranhos. 

—Você ainda está aqui, não é? - Ela murmurou, enquanto procurava, em vão, no escuro que a cercava. 

Seu coração se apertou mais em seu peito. 

Havia possibilidades enormes de Adélia estar falando sozinha. Mas um instinto estranho lhe dizia o contrario.

—Por que você está se escondendo de mim? - Ela perguntou alto e claramente, para o vazio que a cercava. Sentindo-se um tanto indignada, ela continuou: - Eu sei que ainda está aí. Está aqui agora. Mas por que está se escondendo de mim

O silêncio parecia pior dessa vez. Provavelmente estava enganada; provavelmente quem quer que fosse já estivesse ido embora e deixado-a falando sozinha. 

Adélia suspirou, completamente irritada consigo mesma. 

Mas toda a sua irritação fora substituída por espanto quando Adélia ouviu um suspiro melancólico. Aquela surpresa veio acompanha por um frio na barriga e um bolo em sua garganta. 

Ela olhou ao seu redor, pela milionésima vez, mas não encontrou nada. Adélia nunca desejara tanto estar em ambiente completamente iluminado.

—Por que você não aparece? - Embora sua voz tenha saído mais alta e mais embargada do que Adélia esperava, ela pronunciara todas as palavras com cuidado. Talvez não tivesse certeza do que queria; poderia se arrepender. Mas... – Está com medo?

A princípio, aquilo lhe pareceu estúpido, principalmente quando um barulho abafado, como alguém engasgando e tentando disfarçar, soou. Aquilo era... uma risada? Estava rindo dela?

Adélia sentiu seus olhos arderem outra vez, de pura vergonha. Além de a estar vigiando-a, estava rindo dela.

Adélia não podia se sentir tão pequena como naquele momento.

O que ela ainda estava fazendo ali, afinal? Fora convidada para jantar... E ser um espetáculo de comédia para sua platéia? Provavelmente, quem quer que fosse, já havia se divertido o bastante às custas dela.

Adélia enxugou uma lágrima fujona e caminhou em direção as escadas.

—Eu não tenho medo.

Adélia congelou.

Seu coração havia se acelerado tão de repente que ela se sentiu tonta.

 Iria desmaiar?

Muito provavelmente!

—S-se não tem medo... – Ela não sabia como conseguira pronunciar tais palavras, de tão atônita que estava. – Por que não aparece?

—Por que, se eu aparecer, - a voz respondeu abafada, sussurrada e misteriosa – quem terá medo será você.

Por algum motivo, Adélia assentiu. Certamente teria medo; já estava tremendo só de falar com ele – ou pelo menos ela achou que fosse ele.

—Diga-me, Bela, tens medo de monstros?  - Aquela pergunta fez Adélia soltar a respiração que mal notara estar prendendo, ruidosamente.

O que ele queria dizer com aquilo? Ele era um monstro?

­- Adélia – ela respondeu. – Me chamo Adélia.

—Então responda-me, Adélia, tens medo de monstros?

Adélia deu de ombros, sentindo um calafrio subir por sua espinha quando o nome Adam lhe veio à mente.

— Existem vários tipos de monstros, não é? – Ela começara, nervosa. – Há os que são monstros por serem maus, há os que existem apenas para nos assustar... – Ela estava mesmo falando aquilo?

­-E do qual você tem mais medo?

Adam. Era a sua resposta. Mas ela não saiu em forma de palavras.

Um longo minuto de silêncio inundou o salão, tempo suficiente para Adélia pôr seus pensamentos em ordem. Seu coração ainda batia forte, mas sua respiração já não estava tão pesada e incomoda, da mesma forma como suas mãos apenas suavam e não tremiam mais.

—Por que está me fazendo essas perguntas? – Ela quebrou o silêncio, olhando para cima na tentativa de captar alguma imagem.

—Preciso saber que tipo de monstro serei para você.

—Você está falando sério? – Ela sussurrou, um tanto surpresa com o comentário dele.

Monstro?

—Por que não aparece e... hum... descobrimos? – Era loucura; Adélia sabia. Mas era cética demais. E não conseguia levar a sério aquele tipo de coisa. Talvez, quem quer que fosse, estivesse brincando com ela.

Houve outro momento de silêncio durante os segundos que se passaram. Até que esse silêncio fora quebrado pelo som de passos.

Adélia respirou fundo, pronta para o golpe. Tudo o que ela conseguia ouvir eram os sons de passos e o som do badalar de um relógio ao longe, anunciando que era meia-noite.

No topo da escada, descia uma figura inteiramente vestida de negro. Adélia o observou atentamente; parecia ser um homem, pelo menos nisto ela estava certa. Mas, quando desviou seu olhar para seu rosto, sua boca foi se abrindo vagarosamente, ao passo que suas pernas a levaram para trás a passos curtos e cautelosos.

Não havia um rosto para se olhar ou reconhecer.

Tudo o que havia ali era uma máscara, que cobria todo o seu rosto e abafava a sua voz. Nem mesmo sua respiração era audível.

O homem parou na frente de Adélia, encarando-a fixamente. No escuro do ambiente, ela mal conseguia distinguir seus olhos.

Adélia estava tão chocada que cobrira a boca com as mãos. Nunca vira nada assim antes, e esperava nunca ver. Sequer imaginava! Por uma fração de tempo, Adélia ficou esperando que ele tirasse a máscara e se revelasse para ela; mas ele não fez nada. Apenas continuou ali, parado e frio, encarando-a fixamente, fazendo os nervos de Adélia entrar em colapso.


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