Kilian escrita por Dessa_Soliman


Capítulo 2
Dilian e Kilian


Notas iniciais do capítulo

Os personagens nos títulos são o foco do capítulo, sempre com a perspectiva de Kilian contando a sua história.
Boa leitura.



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A mãe sempre fora um exemplo para os irmãos. Dilian e Kilian passavam mais tempo entre equipamentos científicos que entre brinquedos. Aprendiam matemática antes mesmo de saber desenhar. Tinham uma paixão especial pela tecnologia que ia além da dependência que sua raça desenvolvera por ela.

Eles sabiam que era pelos questionamentos que sua mãe lançava todas as manhãs. Era uma tradição. Antes mesmo do: “— Bom dia, meus bebês”, a mãe lhes jogava três perguntas. E era bom eles estarem despertos o suficiente para poderem assimilá-las, porque ela não iria repeti-las. Kilian tinha que admitir que Dilian salvara sua pele quase sempre, porque ele não era bom na memória auditiva.

E existia uma regra. Eles não podiam se utilizar da boa dependência tecnológica.

Uma e outra a mãe lhes lançava perguntas repetidas, mas que sempre lhes fazia pensar: Qual nosso propósito no mundo? O que somos dentro da infinita galáxia? Qual o limite da inteligência de um ser pensante? O que somos? O que queremos? Por que vivemos?...

Kilian não era tão bom quanto Dilian nas respostas. Tinha maior dificuldade em desenvolver as palavras sem antes pensar nelas calmamente, escrevê-las e relê-las. No início, pensara que era por ser o irmão mais novo, até descobrir que ele tinha dificuldade em organizar seus pensamentos pelo simples fato de sua memória não ser auditiva. Ela era visual. Quando descobriu isso, passou a se utilizar muito mais de anotações e leituras que o irmão.

Ele não era menos inteligente que o irmão por ser mais novo. E nem mais lento. Tinham apenas inteligências diferentes.

As perguntas tinham de serem respondidas na hora do jantar. Era o trato secreto. De manhã eles recebiam as questões e tinham o dia inteiro para pensar nelas. No jantar, elas eram respondidas. E depois eles tinham um tempo livre para o descanso mental.

Uma vez a mãe lhes perguntara novamente qual era o limite da inteligência. Não havia limite. Kilian e Dilian chegaram a essa conclusão ainda cedo, mas a resposta sempre parecia incompleta para a mãe, que tornava a perguntar a mesma questão de tempos em tempo.

Foi quando Kilian descobriu a resposta. Ou o que ele esperava ser a resposta. O limite da mente do ser pensante era o próprio ser.

A resposta claramente não estava completa, mas agradou mais que as últimas que ambos deram. A mãe tinha um jeito peculiar de demonstrar que as respostas a agradavam. Primeiro ela juntava as sobrancelhas, então sorria com escárnio. Um sorriso petulante que sempre estressava Kilian, porque ela estava claramente desafiando a resposta que a agradava.

Mas eles aprenderam a reconhecer o sinal e não mais a se intimidarem por ele.

Dilian era um garoto sete anos mais velho que Kilian. Puxara muito a mãe, diferente do filho mais novo. Alto, com cabelos lisos e de um vermelho que deveria ser tintura, mas que não era. Os olhos eram castanhos, com um tom esverdeado e dourado. Uma mistura genética do pai e da mãe. A pele era escura como a da mãe, em um tom amarelo queimado, os lábios finos e um nariz que era mistura dos dois pais.

E Kilian tinha tanta inveja disso.

A mãe era de um planeta longínquo, foragida de uma guerra que praticamente destruíra o planeta natal de Kara, o nome que a “alienígena” adotara no planeta Terra. Era alta, de quase um e noventa, com corpo musculoso e com curvas. A pele era daquele tom escuro queimado, entre o amarelo e o marrom, enquanto os olhos eram do mais puro dourado. Olhos grandes, que sempre pareciam estar arregalados, e puxados na lateral. O nariz era largo no rosto redondo de maçãs proeminentes. E os lábios eram grossos. Os cabelos eram de um vermelho puro que só poderia ser imitado em um terráqueo através de tintura.

Existia uma regra tabu entre os povos da galáxia, não somente da Terra. O casamento entre raças era quase proibido, apesar de não existir uma lei para isso, pelo menos na maioria dos planetas. Isso se devia ao medo das inviabilidades genéticas, assim como a extinção de raças. Kara pisara em todo esse preconceito ao conquistar Orlando Luren, um cientista simplório que sempre fora um pequeno gênio na sua área.

Orlando era um humano comum. Os olhos castanhos eram mais claros que os cabelos negros, que eram sempre um emaranhado de cachos desajeitados. O tamanho padrão de quase um e oitenta, a pele branca doentia pela falta de sol, um nariz grande e lábios finos. Magro, tímido e com um humor sarcástico natural de sua personalidade.

E Kilian era o fracassado da família que puxara mais ao pai que a mãe. Ele tinha inveja do irmão mais velho, que tinha a beleza exótica do outro planeta. Tinha o tamanho do pai, um tom de pele misturado entre os dois, tanto que nem podia identificar, o cabelo misturara entre os cachos e o liso, mas de tom preto e os olhos castanhos. O nariz não era grande, mas largo no rosto fino, que puxara do pai, e o lábio superior era mais grosso que o inferior.

E não era só isso. Dilian tinha uma incrível facilidade em ganhar músculos. Kilian sofria horrores até mesmo para ter um peso extra.

E ambos tinham o mesmo sonho.

Nisso eles estavam empatados. Os irmãos desde crianças sabiam que iam ser Exploradores. Eles queriam levar a paz aos outros planetas, impedir que o que acontecera com a mãe acontecesse com outros seres. Ela sempre falava do planeta natal com saudades e remorso. Saudades de ter abandonado tudo. Remorso de não poder ter feito nada para impedir aquela guerra, que quase levara sua raça a extinção.

Por esse ideal eles se esforçavam, cada dia mais. Dilian estudava muito mais que Kilian, que fazia de tudo para melhorar suas aptidões físicas. Ele descobrira, com os anos, que tinha seu físico melhor que os humanos, mas inferior a raça da mãe. Isso o alegrara. Ele queria usar essa vantagem para ajudar os outros.

E seu irmão mais velho era sua maior inspiração. Ele fora considerado o Explorador mais novo e por mérito próprio. Apesar de se sentir sempre a sombra do irmão, era o primeiro a aplaudi-lo e apoiá-lo.

Até aquilo acontecer.

Dilian um dia simplesmente parara de dar notícias para a família, coisa que ele tentava fazer pelo menos uma vez por dia. Ele normalmente conseguia, quando não estava em alguma situação crítica, ou simplesmente longe de sinal. E Kilian estava simplesmente desconectado com o irmão. Isso nunca acontecera.

A notícia veio tarde. Juntamente com o corpo do irmão.

Kilian lembrava-se de simplesmente abraçar o irmão e chorar, chorar como nunca fizera na vida. Seus hormônios se desestabilizaram como nunca, de uma maneira que nem mesmo a puberdade fizera. Ele lembrava-se de tentarem tirá-lo, e então de um barulho e nenhuma tentativa de afastá-lo. Suas emoções se tornaram menos intensas e logo ele pudera ser afastado do irmão, simplesmente sem forças para lutar contra.

Ele soubera mais tarde que a energia sobrecarregada que seu sistema emocional criara simplesmente explodira em uma onda através do seu Condutor de Pulso Elétrico, afastando todos os que tentavam lhe puxar para longe do corpo de Dilian. Algo que poucos seres humanos tinham capacidade de fazer, e nenhum com aquela intensidade.

Não era algo que Kilian se orgulhava.

A família tinha segredos. O pai Orlando trabalhara a vida inteira nos Condutores de Pulsos Elétricos de seus filhos. A nanotecnologia que estava em seus corpos era inacessível a qualquer outro humano. Eles eram mais que os filhos dos dois maiores cientistas em nanotecnologia do tempo deles. Eles eram os únicos humanos com o sistema completamente inalterável exteriormente, com uma programação natural para protegê-los.

E nem mesmo isso salvou Dilian.

Pela proteção de ambos, ninguém, além deles mesmos, tinha permissão para acessar seus dados do SIAA. A família não permitira o governo de acessar as memórias de Dilian, por uma obviedade somente conhecida por eles. O Conselho da Base permitiu a decisão, por respeito ao luto de ambos.

A explicação que receberam dos colegas de Kilian era de que o Capitão morrera salvando a eles de “alienígenas selvagens”. A luta era algo impossível. Todos os momentos foram pintados de uma forma que Kilian sabia, aquilo era uma mentira.

Toda a morte do irmão fora forjada, e ele não tinha um motivo.

Isso o fez treinar cada vez mais, ao mesmo tempo em que tentava acessar o sistema digital do irmão. Seu SIAA era simplesmente inacessível, mas Kilian tinha certeza que Dilian tinha tudo explicado naquele equipamento.

Ele só tinha que conseguir invadir o sistema de proteção.

Algo que ele não conseguiu por anos, nem mesmo quando entrara para a tropa de Exploradores. Isso era a sombra do irmão trabalhando sobre ele novamente, porque ele nunca seria tão bom quanto o mais velho, aos olhos dos veteranos.

...

Os olhos de Kilian se voltaram para o senhor de idade ao seu lado, que se apresentara como Emir, fazendo uma pausa em suas próprias memórias.

— Consegue entender agora, Emir? Meu irmão morreu nas mãos daqueles que passara a considerar irmãos. Daqueles que deviam protegê-lo. Eu não estava mais nas tropas de Exploração para promover a paz. Eu entrei por um desejo louco de descobrir a verdade e vingar meu irmão. — Uma pausa. O ambiente tinha o desejo de lhes passar paz, mas aquela história deixava o homem tão nervoso que nada poderia acalmar-lhe. Ainda mais pela agressividade natural que o garoto passava, mesmo calmo como estava. — Eu queria justiça. Uma justiça vingativa.


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