Kilian escrita por Dessa_Soliman


Capítulo 14
Kilian e Ras'Shire




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Era difícil sair daquele pequeno cômodo. Tinha permissão de ir fazer suas necessidades, mas nada além disso. Raras vezes, Ras’Shire o levava para dar uma volta rápida, ao entardecer, um horário em que poucas pessoas eram vistas. Seu ferimento melhorava constantemente e em um ritmo rápido, e ele imaginou que suas células estavam se recuperando da toxina.

Ele nunca perguntou a Ras’Shire sobre seu equipamento.

Gostava da companhia daquele que se denominava um filho da floresta. No geral, Ras’Shire o ensinava sobre sua cultura, hábitos, a floresta e os animais, mostrando que sabia muito sobre a cultura terráquea. O que aumentava ainda mais a curiosidade de Kilian sobre o tal explorador que o outro conhecera.

Um dia, em especial, Ras’Shire o levou para conhecer um Warferin. Kilian travou ao chegar perto do animal, sentindo aquele temor de qualquer ser vivo daquele mundo. Mas o outro lhe acalmou, com um sorriso, mostrando que o animal era manso.

Uma espécie de cavalo gigante. Era adequando para aquela espécie. Seu pelo cinzento lembrava-lhe também um pouco do verde musgo, o pescoço alongado e a cabeça mais comprida que a de um cavalo normal, com dentes mais afiados e olhos alongados. As orelhas eram simples orifícios na cabeça e não possuía rabo.

No geral, era encantador.

Naquela noite, Ras’Shire lhe levou para fora da aldeia, para o topo de uma colina, onde uma única árvore crescia, brilhante, de folhas prateadas, com pequenas bolinhas flutuantes com um brilho próprio azul.

— Essa é a árvore de vida. — Ras’Shire tocou em seu tronco com reverência, antes de uma luzinha pousar em sua pele, fazendo-o sorrir. — E estes são os espíritos que retornam para ela assim que voltam a sua forma original. — Kilian podia ver que eram muitos. Espalhados, mas sempre próximos a árvore, impedindo que a escuridão recaísse completamente pelo local.

Para além, Kilian podia ver que o planeta tinha mais de um satélite natural, conhecido em seu planeta como lua, brilhando três no local, duas quase em paralelo e uma distante, menos brilhante, mas ainda perceptível. Também sentia o vento mais forte, e os barulhos da floresta à noite. Agora, com companhia, não os temia. Via o vale profundo e, do outro lado, reconheceu a montanha em que sua nave estava.

— Pousamos lá. — Ele apontou, inconscientemente curvando-se para a frente, como se pudesse alcançá-la. Notou, não pela primeira vez, que tinha saudades dos companheiros. De todos.

— Sim. — O silêncio fez-se presente quando Ras’Shire parou ao seu lado, os braços cruzados. As mãos longas demais, mas não desproporcionais a ele, pareciam dar a volta em seu braço.

— Como eles estão? — Tinha certeza que o outro tinha essa informação. Seu braço bom segurou o galho da árvore prateada, logo acima da cabeça, grosso o suficiente para manter seu peso, enquanto se curvava para a frente e ficava sobre o abismo, encarando-o com uma melancolia que não sabia existir em si. O toque com a árvore formigava sua mão, e o frio pela falta de roupa parecia quase inexistente.

— Preocupados. — Ele voltou seu olhar para Ras’Shire, e reparou que era analisado. Principalmente sua mão em toque com a árvore. — Ela lhe aceita. — Ele não soube do que o outro estava falando, mas pelo olhar fixado do outro entendeu. A árvore o aceitava. Era essa a sensação quente e confortável, o toque formigado. — Ela não o nega. — Retórico. Os olhos de Ras’Shire se focaram nos seus, e Kilian não viu que as pequenas luzes se aproximavam de ambos, algumas pousando sobre sua pele.

E também não viu quando perdeu o equilíbrio e só não foi de encontro ao abismo pelos braços de Ras’Shire ao seu redor.

— Obrigado. — Ele se afastou do abismo assim que seu corpo foi liberado. Conseguiu notar, na semiescuridão, que as raízes da árvore eram longas e distorcidas para fora da terra daquela queda, e que alguém em bom estado talvez ainda se salvasse.

Ele ainda não estava cem por cento curado.

­— Não é primeira vez que vejo isso, mas pensei que não iria acontecer novamente. — Ras’Shire parecia... perdido. Kilian tentou pensar em algo para dizer, mas sua voz parecia presa na garganta. — Ele tinha razão. — A voz era quase silenciada pelo vento e a curiosidade de Kilian beirou a insanidade.

— Quem era ele? Quero dizer, o explorador? — Kilian esperou a resposta. Ras’Shire estava de costas para si, contemplando mais uma vez a visão das matas abaixo. Conseguiu ouvir o Warferin soltar um ruído, e ao olhar reparou que ele tentava morder algumas das luzes que o irritavam.

— Dilian. — Apesar de desconfiar, Kilian não sabia se acreditava realmente na hipótese. Agora, com ela jogada em sua cara, não soube exatamente que reação deveria ter.

E mais uma vez Dilian estava a sua frente.

As incertezas sobre ele mesmo fez com que a adrenalina em seu sangue fosse transformada em energia e ele sentiu seu Condutor de Pulso Elétrico vibrar. Aquela sensação característica que quase perdera nos últimos dias, ao tentar fazer aquele processo.

A energia era estável e ele acalmou-se em reconhecê-la, não permitindo que ela explodisse em um local como aquele, tão sagrado.

As folhas prateadas caiam sobre si e ele levantou a mão para tocá-la, encarando a árvore com uma curiosidade intensa. Talvez devesse voltar. A situação o assustava mais do que deveria. Ele finalmente estava de cara com alguém que conhecia Dilian, mas ao contrário do que esperava, não estava bem com isso, empolgado ou desejoso de saber mais sobre os acontecimentos.

Ele tinha medo.

Sentimento esse acompanho por um ciúmes que lhe passara despercebido até então, porque até então não existia motivos dele aflorar.

E não reparou que estava puxando folhas para fora de seus devidos galhos, até outra mão o parar. Ele sentiu-se impotente perto daquele tamanho. Seu medo devia estar na cara, devido a encolhida de ombros que dera.

A mão de Ras’Shire era quente contra a sua, um calor agradável que fazia seu estomago dar pulos.

— Não desconte suas frustrações na árvore da vida. — Sua voz não era dura, mas ainda assim era uma reprimenda. Encolheu-se mais, não sabendo direito o que deveria fazer.

— Desculpe. — E um cara de quase trinta anos agia como uma criança. Anos planejando fazer justiça, e agora nada. Quando finalmente criou coragem de encarar Ras’Shire, assim que ele se afastara minimamente, sua própria coragem retornou. — O que aconteceu com Dilian?

Ele precisava saber, afinal de contas. Pela memória de Dilian, por seus pais... por uma honra na Tropa de Exploração que ele nem sabia haver até aquele momento.

Ele precisava saber.

— Não é hora de conversarmos. — Simplesmente saiu caminhando em direção ao Warferin e Kilian ficou para trás, abismado. Não muito tempo. Em poucos segundos, diversos filhos da floresta invadiram o local e ele notou como Ras’Shire petrificou no local, simplesmente atordoado.

As palavras trocadas não foram entendidas por si.

Logo estava sendo arrastado para longe de Ras’Shire, que discutia fervorosamente com outro cara, parecido consigo, até sentir uma dor em sua coluna que o fez berrar. A energia acumulada em seu corpo explodiu, e ele sentiu a pele queimar e a dor aumentar drasticamente.

Eles danificaram seu Condutor de Pulso Elétrico sem terem conhecimento disso, e Kilian nunca imaginou que tal coisa fosse possível.

De joelhos, sentiu picos de dor, juntamente com breves explosões de sua energia restante, e daquela que era formada através de toda a agitação de seus nervos. Chorava, porque a dor era a pior imaginável. Todos seu corpo se curvava e ele mordia os lábios para não gritar.

Mas alguém aguentara a dor de ter sua energia queimando ao seu redor, e tocava-o levantando-o.

— Vou levá-lo de volta. — Kilian ouvia, mas não conseguia falar. Os olhos semiabertos já não absorviam as imagens ao seu redor e ele via tudo embasado, embaralhado e distorcido.

Verdes intensos brilhavam em sua pupila antes dele desmaiar com a dor que sentia.

...

— Como é possível? Seu Condutor de Pulso Elétrico é intransponível. — Emir estava chocado. Não, aquilo não podia ter acontecido. Ele lera os relatos. Kilian virou-se para ele, os lábios franzidos.

— Era o que eu pensava também. O metal dos filhos da floresta são mais duros que qualquer coisa encontrada na Terra, assim como mais afiados e firmes. Eles me cutucaram com a lança, somente isso, mas a pressão foi exatamente no centro do meu equipamento e rachou o Sistema Central. — Kilian virou-se, erguendo a própria camiseta, mostrando o pequeno furo que estava no centro do aparelho. Uma pequena cicatriz do que realmente acontecera. Reparando bem, o Condutor de Pulso Elétrico de Kilian era realmente único. Era como uma proteção a coluna, toda em metal para fora da pele, tendo entre as homeopatas o formato de um casulo, mais alongado. — Ras’Shire me levou de volta a nave, onde Jora conseguiu consertá-lo, brevemente. E então, só então, eu passei pelo tribunal dos filhos da floresta.

Emir não entendeu nada da última parte, mas ainda estava com a cabeça girando do útlimo fato e decidiu ficar quieto.


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