Senhor dos Dragões escrita por Monique Góes


Capítulo 5
Capítulo 4 - Rito de Ascensão


Notas iniciais do capítulo

Ceerto, esse é um dos meus capítulos preferidos! Espero que gostem!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/642743/chapter/5

Capítulo 4 – Rito de Ascensão

Klodike não disse nada. Estava surpreso, mas não assustado. Não conseguiu demonstrar qualquer reação, apenas encarou o Dragonês, que o fitou de volta com olhos amendoados de um estranho tom de creme. Como qualquer outro Dragonês, seus olhos eram olhos de dragão. Sobre sua cabeça estava aquela coroa disposta sobre a estátua, cobrindo-a como um capacete. Ela se afilava na altura dos olhos, terminando quase em um V na altura da ponte do nariz em presas negras. Na realidade, todo o adorno era negro, as escamas que o formavam, os espinhos que despontavam-se para fora. Era sem dúvidas, uma coroa imponente para o Dragão que comandava à tudo.

– Então... Finalmente outro Dragão surge. – Shirong disse. Sua voz era grave e suave. Algo que certamente passava um tom de liderança. – Depois de tanto tempo. Qual seria seu nome, rapaz?

– Klodike. – respondeu. – E você é Shirong, o último Dragão Negro.

– Não. Eu não mais sou o último. – respondeu. – Você veio aqui, mesmo sem exatamente saber o propósito. Porém, para tudo se há um motivo. Por isso, nos siga.

O imenso dragão girou, e adentrou a névoa. Desiderius o seguiu antes que sua sombra desaparecesse, alcançando-o rapidamente. Ele voava numa velocidade moderada, considerando-se seu tamanho, e seguiram praticamente lado a lado naquele mar cinzento, silenciosos.

O cinza começou a se esvair, e quando percebeu, Nidhi abriu-se a sua frente. Uma Nidhi viva, repleta de sons como jamais vira. Quando sobrevoaram a cidade, um furor encheu o ar. Gritos, comemorações, cantos e vivas entoavam por toda a cidade, pegando a Klodike de surpresa.

Foram até o palácio, rodeando-o até um pátio que nunca havia percebido antes. O dragão de Shirong pousou com um raspar de escamas, Desiderius foi silencioso. Música começou a soar alegremente, e o gorducho que Klodike vira morto na sala do trono apareceu correndo com uma expressão afobada, sua careca brilhando de suor, porém Shirong apenas ergueu a mão, dispensando-o. Ele parou, unindo as mãos nervosamente e curvou-se rapidamente antes de ir embora em sua corrida afobada.

Queria perguntar o que era aquilo, o que era aquela vida na cidade que acostumara-se ver morta. Queria perguntar o que fazia ali, vendo os mortos erguidos, vivos. Porém, sentia como se ainda não fosse o momento para vocalizar suas dúvidas. Observou silenciosamente o lugar, e então seguiu o Dragão quando este subiu uma escadaria.

Quando entraram, percebeu que havia uma antessala no salão do trono, disposta com móveis caros, liteiras e tapetes ricamente bordados, tecidos pendendo-se pelas telas que a isolavam da entrada. E ali, haviam cinco pessoas. Cinco dragoneses, três homens e duas mulheres.

Nesse momento, Klodike pensou que via coisas, mas reconheceu dois deles. Ou pelo menos, eram dois homens, um praticamente idêntico à Rarac, e o outro era praticamente idêntico à Arenai.

– Sente-se. – não fora bem uma ordem, mas teve o efeito de uma. Hesitantemente, foi até o círculo formado por eles, sentando-se ali, e Shirong fechou o espaço vazio. Questionou-se quantas vezes seria deixado sem fala por sua vida, porém, ao invés de se remoer quanto a isso, observou os outros quatro dragoneses.

O Dragonês idêntico era à Rarac em suas feições e cor de pele. Porém, seus cabelos eram cor de fogo, os olhos típicos de dragão eram brancos, e usava uma couraça de couro semelhante à que Phaeron usava. Com a exceção de que usava calças por baixo.

Já o idêntico à Arenai trazia maiores diferenças. Sua pele era mais escura, os cabelos eram azuis escuros e muito mais compridos dos que do comandante do Esben, chegando-lhes à cintura, presos à um rabo de cavalo. Apesar de só ter visto Arenai usando sua armadura e roupas que o confundissem com um mero viajante, teve de admitir que a túnica negra que o Dragonês usava era algo que com certeza o imaginaria vestindo. Seus olhos, entretanto, eram da mesma cor que os do Talbordai, com a exceção de serem olhos de dragão.

Uma das mulheres era bela e aparentemente alta, seus cabelos ruivos desciam como uma cortina sedosa por suas costas, espalhando-se como um rio calmo pelo chão. Sua pele era clara e seus olhos eram verdes, e usava um corpete sobre um vestido ricamente bordado, delicadas ombreiras e manoplas, além de um diadema na testa. Via o dragão verde água subindo, marcado em seu braço.

A outra tinha cabelos curtos e negros, os cachos bagunçados dando-lhe uma forma sensualmente desgrenhada. Ela era pequena, porém mesmo sentada suas curvas acentuadas eram visíveis devido suas vestes feitas por tecidos diáfanos semitransparentes. Virou-se para o rapaz e o encarou intensamente com olhos amarelados, quase como asa pétalas de um girassol. O dragão prateado descia-lhe pela perna esquerda, terminando no pé pequeno e descalço.

O último homem era esguio e magro, com feições petulantes. Seu cabelo era liso e escorrido, de um roxo morto, que era preso na altura de sua cintura. Possuía um olhar afiado nos olhos cinzentos, e fumava narguilé, enquanto trajava uma roupa semelhante à um kimono branco. Por algum motivo, Klodike não se sentiu muito confortável com ele.

– Finalmente, depois de tanto tempo, um dragão aparece. – Justamente o que Klodike não havia gostado falou. Sua voz tinha um tom antipático, porém era baixa e calma. Quase sentiu suas orelhas se movendo afim de escutá-lo melhor. – Não sei se o tempo em que estamos aqui retirou o pouco de otimismo que eu possuía, mas você me parece patético.

– Muito obrigado. Ouvi muito isso dos dragões neste ano que passei com eles.

Ele deu um sorrisinho que indicava que ele mais havia apreciado a resposta do que se ofendido.

– Pois bem, Klodike. – Shirong começou. – Certamente tem suas perguntas. Sei que percebeu que estamos em Nidhi, mas estamos vivos. Ou melhor dizendo, aparentamos estar vivos.

– Estão realmente mortos.

– Sim, assim como estivemos ontem e em todos esses dias nestes trinta mil anos desde nossas mortes. Por algum motivo, ao invés de irmos para os campos de punição dos Sthanom, ou para os prados Asmait, viemos parar aqui. Não sei exatamente lhe explicar o que é este lugar, porém nós, nosso povo, nada jamais descansa aqui.

– Vivemos uma não-vida, por assim dizer. – O Dragonês semelhante à Arenai continuou. Até sua voz era idêntica. – Os que estão aqui, com você, nós cinco somos os Dragões que restaram.

–... Dragões? Saadi me disse que eram quinze em sua época... – O Dragonês assumiu uma expressão surpresa. – O que houve?

– Saadi está viva? Mesmo depois de todos estes milênios?

– Sim. Embora quando mandou-me vir aqui, disse acreditar que sua morte estava próxima... – Só então pareceu que a ficha lhe caíra. Saadi lhe dissera que parecia com seu Dragão, que suas feições eram semelhantes. Klodike parecia com Rhelt, que se parecia com Arenai. -... Você é Nadezdha, não é?

– Aquela dragoa sempre foi resistente, mas nunca pensei que fosse tanto. – ele suspirou, cruzando os braços. – Sim, sou Nadezdha, sou ou fui, como preferir, o Dragão Mago de Nidhi. Também algo como conselheiro e um segundo no comando.

– Algo me diz que ele ouviu falar muito de você. – O idêntico à Rarac continuou. – Enfim, estamos numa situação complicada. Se quisermos ter o mínimo de acalento para sair daqui, temos de desistir de nós mesmos: Nossa essência, nossa identidade, nossas vidas. Muitos não aguentaram os anos que vieram, e assim deram sinais de sua desistência. Não somente entre os cidadãos dragoneses, mas entre os próprios Dragões. Assim, só restou a nós. Dos quinze originais, apenas seis.

–... Como assim? Se vocês desaparecem...

– Não desaparecemos. Pelo menos, o que quer que forme a alma não desaparece. Mas deixamos de ser dragoneses, e seguimos o ciclo da fênix, como qualquer ser vivo além dos deuses. Nascemos, envelhecemos e morremos, para então renascermos como um ser novo. Porém ao invés de continuarmos nos números de nosso povo, se quisermos descanso, seguir nosso ciclo, temos de desistir de nossa própria essência de dragoneses, e nos tornar algo completamente novo.

Abriu a boca, porém não conseguiu pensar em nada coerente. Estava com os mortos, aquilo era óbvio. Entrara em contato com eles devido àquele portal naquela sala. Mas agora... O que queriam com ele?

– A questão é.... Algo impediu o renascimento dos Dragoneses durante todos estes anos. – Shirong retomou a fala. – Talbordais e Bergais são criações nossas, foram criados à partir de nossas características. Assim, se dois se unissem, naturalmente, um Dragonês nasceria. Porém, isso não ocorreu. Durante trinta mil anos, a união entre as raças resultou em esterilidade.

–... Até dezenove anos atrás.

– Se esta for a idade do primeiro que nasceu, sim.

– Primeiros. Eu e meus irmãos.

– Oh, será muita ironia se forem quadrigêmeos. – o fumante disse num tom que fez Klodike soltar um suspiro cansado.

– Sim, somos quadrigêmeos. – respondeu. – Sou o segundo. Agora não sei dizer quais os fatores que fizeram com que meus pais nos concebessem, porém nascemos. Chamam-nos de Galrdai lá...

– Mas vocês não são Galrdai. – Shirong começou, mas foi interrompido justamente pelo Dragão de cabelos roxos.

– Galrdai, minha nossa. Não havia denominação melh...

– Naoaki. – Shirong chamou-o num tom sério, fazendo-o se calar. – Ótimo. Vocês não são esta raça denominada Galrdai. Vocês são dragoneses. Não nascidos entre dois nossa raça, mas ainda assim são.

– Mas... A minha aparência. Digamos, eu não pareço um Dragonês.

– Não mesmo. – concordou. – Outro fato estranho levando-se em conta a união que o formou. Mas isso é algo que pode ser resolvido, porém não é devido sua aparência que está aqui.

– Já imaginava.

– Urhi descobriu, - indicou o Dragonês de cabelos curtos - há cem anos, uma maneira de retomar o ciclo como um novo ser, embora ainda tenha se mantido atrelado à nossa raça presa aqui. Assim, ele, Prasanna e Nadezdha decidiram retornar afim de pelo menos tentarem encontrar algo. Uma maneira de nossa raça renascer, uma pista quanto ao que nos levou à extinção. Qualquer coisa.

– Então... Por isso que consigo reconhece-los. – indicou Nadezdha e Urhi.

– Você também deveria me reconhecer, já que eu e Nadezdha acabamos nos tornando seus avós em nossa nova vida. – Prasanna, a mulher ruiva, comentou e o homem de cabelos azuis só começou a se virar para ela com os olhos revirados. – Mas você não me conhece ainda, então trate logo de fazer meu esforço valer a pena.

–... Certo.

– Não sei como eles puderam manter suas aparências, mas sim, é por isso. Entretanto, não é algo que nos dispomos à revelar para os cidadãos que restam. Há algo que nos observa, e sabemos que se ele descobrir sobre o que fazemos, poderá acarretar sérios problemas a nós. E sei que é algo que sinceramente estamos tentando evitar descobrir. – Shirong retomou a fala. – Ônix, por favor.

A mulher de cabelos negros – que ainda encarava Klodike – pareceu emergir de um banho de água fria, levantando-se. Saiu rapidamente do recinto, e o Dragão negro continuou.

– Há algumas coisas que você precisa saber, principalmente para conseguir o controle dos dragões. – Klodike abriu a boca, mas ele continuou. – Você a essa altura deve ter o respeito dos dragões de Amardad, da cordilheira. Isto é ótimo, mas não o suficiente. Todos os dragões eram nossos companheiros: Os pequenos de Agnata, os sem asas de Sharqar, os reis do fogo de Talbor e os dragões serpentes de Berga. Todos. Porém estes anos todos os deixaram desesperançados e fechados para o resto do mundo.

– Mas... Como assim o controle?

– Nunca estranhou, Klodike, do fato dos dragões sempre falarem a mesma língua que você fala?

– Sim, logo no começo... Eles parecem ter certo desprezo por “duas pernas”, mas acabam falando a mesma língua. Porém foi-me útil para que me comunicasse com eles.

– Pois bem. Os dragões tinham sua própria língua. Tinham. – Shirong levantou. – Uma língua extremamente poderosa, a qual, mesmo entre os dragoneses, apenas poucos seriam capazes de pronunciá-la sem serem destruídos. A questão é, quando nossa raça morreu, o preço para os dragões não se esquecerem de nós foi justamente esse: Sua linguagem.

– Está me dizendo que vai me ensinar esta linguagem? – indagou enquanto levantava-se também. Shirong saiu da sala, e os outros Dragões fizeram o mesmo. Assim, o seguiu. Foram para a sala do trono, onde haviam várias pessoas que curvaram-se respeitosamente quando entraram.

– Não irei ensiná-lo. – respondeu. – Porque você já a sabe.

Pendeu ligeiramente a cabeça para o lado, olhando para Shirong com um olhar questionador. Como assim já a sabia, se tecnicamente era uma língua esquecida? Ônix retornou com oito mulheres, todas vestidas como ela, porém seus rostos estavam cobertos por diversas camadas de véus. Cada uma trazia algo semelhante à um cálice de ouro tampado em mãos, completamente ornamentado com rubis e esmeraldas. Sobre cada tampa, havia a cabeça de um dragão de cada cor.

– Como já sei?

– Para chegar até aqui, precisa ser capaz de ler a escritura sob a estátua de Iutho, o primeiro Dragão Branco. A qual está justamente na língua dos dragões. Porém, para entende-la, é necessária não a capacidade de lê-la, mas sim de compreendê-la com seu próprio ser. O fato de estar aqui já demonstra que tens a capacidade de compreensão. As palavras falam por si mesmas, o poder que flui delas é magia pura. – Shirong suspirou. – Deveria haver toda uma preparação, todo um treinamento para que pudesse chegar até aqui, porém você não dispõe de seres vivos para isso, e nós mortos não dispomos da liberdade. Sua presença aqui ainda não foi notada, assim está pacificamente neste plano... Por enquanto.

– E o que devo fazer, então?

– Ônix irá conduzi-lo. – foi a resposta.

Voltou-se para a mulher pequena, que fechou os olhos, emitindo um longo suspiro para se concentrar. Ela começou a falar num tom gutural e melodioso, numa língua e forte e rosnada que fez com que Klodike sentisse como se seus próprios ossos estivessem tremendo, vibrando com descargas elétricas que sentia ao escutar aquilo. Não precisou que ninguém lhe dissesse que aquela era justamente a língua dos dragões. Sentia que era óbvio.

As pessoas ali dispostas curvaram-se no chão, quase como os egípcios faziam diante seu faraó. A voz de Ônix aumentava, e parecia que a cada sílaba pronunciada, um trovão se fazia soar. Sentia com seu ser que ela o apresentava como o novo Dragão Negro, como o primeiro depois da grande extinção. Ela virou-se para a primeira mulher, destampando o primeiro cálice. Via nele um líquido escuro e amarronzado, de aparência densa. Ela tomou o cálice com ambas as mãos e virou-se para Klodike, que o pegou. Viu nos olhos dela a ordem de beber tudo.

Tentou se manter neutro ao perceber que aquele líquido era sangue. Ele era morno, e era mais denso do que sangue normal. Não trazia exatamente o gosto férreo característico do sangue, mas sim algo que o lembrava da terra. Algo que o lembrava dos prados, das árvores, flores e frutos, do cheiro de grama molhada, dos locais onde os povos se fixavam. Bebeu com um pouco de dificuldade, era como se tentasse beber lama, o líquido grudando-se em seus dentes. Aquele era o sangue do dragão da terra. Quando o devolveu, a mulher pegou-o, curvando-se ligeiramente e se afastando.

Falando sobre o que sentiu ser as características da terra, sobre como ela abrigava a todos, ela abriu o segundo cálice, que não estava preenchido com líquido, mas sim havia algo que pensou ser um pedaço de terra. Ela estendeu o objeto e Klodike o pegou, pondo-o na boca. Era carne – crua – mas era dura como uma pedra. Com algum esforço a mordeu, fazendo-a emitir estalos audíveis. Quase sentiu as lágrimas vindo aos seus olhos quando jurou sentir pedaços de seus caninos se quebrando, porém não sabia dizer se era realmente aquilo ou apenas sensação. A carne trazia gosto forte, como se fosse uma erva marcante, embora não conseguisse determinar exatamente o que era.

Com algum esforço, conseguiu engoli-la. Ônix começou a entoar um cântico que falava sobre as chuvas e o ar, como ele era essencial e agradável, como os pássaros voavam por ele enquanto migravam para áreas onde a vida floresceria. O terceiro cálice foi aberto, e viu um líquido esbranquiçado, quase transparente, que de certa forma o recordava das nuvens. Bebeu do cálice, e o líquido lhe pareceu vento em sua boca, descendo facilmente por sua garganta, parecendo refrescar até mesmo a ponta de seus dedos como uma brisa. Assim que sorveu todo o sangue do dragão de vento, a terceira mulher curvou-se como as outras duas e saiu.

Já compreendendo algumas palavras do ritual entoado pela Dragonesa, percebeu-a exaltando o modo de como as nuvens flutuavam ao céu, e como os Aréis haviam conseguido construir sua civilização sobre elas utilizando-se do poder do vento. Dentro do quarto cálice, uma carne também branca e translúcida, que não sabia se era impressão sua ou se ela realmente flutuava. Quando a pôs na boca, ela simplesmente pareceu evaporar, assim apenas engoliu o que quer que permanecera ali. A carne não possuía gosto.

O sangue do quinto cálice era dourado e aparentava ser ferro derretido, além de emitir fumaça. Soube que era sangue de dragão do fogo, mas Ônix continuou, entoando sobre o calor e como as chamas eram belas, capazes de aquecer uma alma. Quando bebeu, tinha um gosto férreo porém ligeiramente adocicado, além de literalmente parecer aquecer sua alma, descendo como lava por sua garganta.

Comeu da carne vermelha como sangue – embora não sangrenta - enquanto ela entoava como o fogo poderia ao mesmo tempo acabar com uma vida e salvá-la. Que as chamas eram combustível de sentimentos e emoções tão antagônicos quanto o amor e o ódio. A carne literalmente pareceu incendiar em seus lábios, sentindo-a bruxulear contra o céu de sua boca com um sabor quente e indistinguível.

Por fim, o sexto cálice. O sangue emitia um vapor gelado, e era azulado, além se sua superfície se encontrar congelada por uma fina camada de gelo. Bebeu-o bloqueando a careta ao sentir seus dentes doerem. Ônix falava das graças que surgiam com a água, tão essencial quanto tudo mais. Parecia que bebia gelo com um quê de ferro, mas desceu literalmente como água, novamente esfriando seu corpo após o sangue quente do dragão do fogo.

A carne também era azulada e parecia uma pedra de gelo. Aliás, foi essa a sensação quando a mascou, sentindo como se seus ouvidos movessem, aguçados, enquanto escutava como a vida surgia graças a água, tão dúbia quanto o fogo, podendo matar ou salvar. Respirou fundo quando terminou, sentindo o vapor gelado querendo escapar-lhe dos lábios. Ônix virou-se para os presentes num giro perfeito, estendendo os braços para cima como se fosse uma ginasta que acabara de realizar sua acrobacia. Entretanto, não mudou de língua.

– Diante vocês, aquele que provou de todas as raças e passou incólume. Aquele que há de levar a língua dos dragões de volta. Aquele que mesmo depois de a esperança de nossa raça haver desaparecido, irá retomá-la no mundo dos vivos. Aquele que irá ascender como o Dragão Negro de Nidhi, sucessor de Shirong!

Sentiu-se um tanto constrangido com o modo que ela falara, quase num tom apaixonado, porém Shirong, que encontrava-se sentado no trono, levantou-se, indo lentamente na direção de Klodike. Começou a falar na mesma língua que Ônix.

– Quando retornar, o seu dever será com a guerra que assola Aurtrai, entre os seres de fogo e os seres de água. Sua origem é não natural e objetiva apenas à destruição mútua. Porém – ele ergueu as mãos, e algo começou a se formar entre elas. – maior ainda, seu dever será com aqueles como você, que perdem suas vidas neste conflito que visa mais a destruição deles do que das criações. Deverá reuni-los na segurança das montanhas, como há muito já era feito. Deverá encontrar e reunir também os Dragões dispersos e ainda adormecidos?

– E como farei isso, se como já disse, somos poucos e dispersos?

– O sangue chama. – respondeu. – E mesmo assim, levará anos para que os encontrem. Podem estar hoje com vocês, ou amanhã, em meio aos seus filhos e netos. Entretanto – ele parou bem à frente de Klodike. Tinham quase a mesma altura. – não poderá fazer isto nu de conhecimento. Assim, esse é nosso presente para você.

Ele curvou-se para a frente, e por um momento pareceu à Klodike que ele iria beijá-lo. Mas não foi o que aconteceu. Na realidade, nunca soube o que aconteceu. Quando percebeu, já estava nas costas de Desiderius, descendo a encosta de Amardad. Havia algo em seus suas mãos, uma pedra do tamanho de seu antebraço, dourada. Mas não era uma pedra. Era um ovo de dragão.

As informações estavam à li, à distância de um pensamento. Todo o conhecimento de toda uma raça. Assim, Klodike levou os dedos até as têmporas, sem perceber as garras negras que se despontavam.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Senhor dos Dragões" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.