Dames D escrita por Atenas


Capítulo 1
A chegada




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Quando desci do trem, eram duas da manhã. Apesar de o meu susto inicial de uma locomotiva passar tão cedo numa cidade tão pequena, peguei o primeiro expresso até Dames D., fiz as malas e apanhei meu maço de cigarros. Não havia nada mais pra mim de onde vim, e ninguém precisava saber disso. Quando desci do trem, o motorista da locomotiva me olhou como um policial numa cena criminosa, eu era o ladrão que veio destruir a cidade:

– O senhor veio por qual motivo?

Eu o olhei de forma serena, tirando um cigarro do bolso visto que depois de três horas viajando sem a nicotina já começava a sentir-me tonto:

– Lazer. Descansar da cidade grande.

– E veio de onde? - perguntou, torcendo a boca para o meu cigarro recém acesso e anotando os dados das bagagens numa prancheta velha.

– Ah, isso eu não posso dizer. Mas creio que não seja um dado fundamental...

O homem ergueu as sobrancelhas e, a contra gosto, assentiu.

– Ótimo, dispensado. O guichê informativo da cidade está fechado, terá de encontrar um lugar pra ficar por conta própria.

Traguei mais uma vez pegando as malas e saindo do caminho do velho.

– Agradeço, boa noite.

Era como uma pequena vila com oito ruas principais, eram longas com o chão de pedra, as paredes com cores em tons escuros. As vitrines das lojas eram congeladas no tempo, havia uma máquina de datilografia em duas das vitrines como artigo de luxo. Dames D. era uma fenda no tempo, um lugarejo com mata fechada nas extremidades, casas enormes que deviam ser tombadas, praças como atração principal, e alguns poucos carros.

Decidi ficar num banco da praça.

A cidade era abafada com pessoas ainda mais calorosas, sorriam de orelha a orelha onde quer que fossem. O padeiro, pela manhã, me disse aonde ficar, ofereceu-me a própria casa - que neguei por educação, - e desenhou-me um mapa da cidade em um de seus papéis de pão. Depois de comprar uma torta grande, grato pelo favor, saí em busca de uma pousada.

A primeira que encontrei era de uma senhora de idade, que era curvada e bordava um desenho de estampa de sofá numa roupa enorme.

– Bom dia, senhora. Tem vagas na sua pensão?

– Quem pergunta?

Pousei as malas no chão, entrando na casa de cor vinho escuro, descascada na maioria da construção.

– Meu nome é Heitor Pierri.

Ela levantou os olhos do bordado e me vislumbrou, os olhos pequenos frisados pra mim.

– E você é estrangeiro?

Assenti com um sorriso cansado.

– Tem uma vaga, mas o quarto é velho, não vai estar do agrado de um homem chique como o senhor.

Eu ri baixo, havia algo no sotaque dos conterrâneos dalí que parecia cantado na sílaba tônica errada.

– Não sou rico, senhora.

– Antônia.

– Não sou rico, dona Antônia. Qualquer cama me serve.

Ela levantou os olhos pro meu bolso, projetando o queixo:

– O senhor fuma. - não foi uma pergunta.

– Não o faria nos aposentos da pousada.

– Vocês estrangeiros falam de um jeito engraçado. Aparecem umas duas vezes por ano por aqui, uns são bandidos, outros são ricos que vêm "dirrubar" nossas casas pra construir suas casas maiores. Essas que tem uma por cima da outra.

– Eu só vim descansar um pouco, Antônia.

Ela voltou os olhos pro bordado:

– Sei... Tá bom, fique com o quarto. Mas fique avisado: tem um bosque por de trás da casa, vez por outra aparece uns bichos aí e ninguém vai tirar por você. E não fume nos quartos nem nos corredores, mulher em quarto de homem só parente e de dia!

– Obrigado, dona Antônia.

– Rum...

Eu ri um pouco, peguei as malas e subi conforme a instrução da senhora de cabelos brancos. Pela casa, havia dois andares de quartos com paredes de pedra e chão de taco, na sala, havia uma lareira, ventiladores e um telefone de disco. Sem televisão, nem ao menos computadores.

Coloquei as malas sob a cama puída com um cobertor desse de recorte de cores diferentes, uma mesa de madeira, duas cadeiras, um armário, estantes e um banheiro de paredes de ladrilhos azuis.

Tranquei o quarto e desci pela escadaria de madeira que rangia. Saí pelas portas dos fundos até o bosque. As árvores tinha copas altas, folhas muito verdes, o ar ali era puro e fresco, alguns bancos de troncos de árvores estavam espalhadas por entre a relva. Ao longe, pude ouvir o som das águas dos rios.

Caminhei pisando nas folhas quebradiças, tocando nos troncos e sentindo o áspero dos toques.

– Muito bem Heitor... - disse em voz alta - aqui está você. Está na hora de virar a página. Caminhei por metros até a mata ficar tão fechada que eu já não podia ver a árvore seguinte.

Silêncio.

Os pássaros cantavam, sentei-me em um tronco respirando o oxigênio que eu jamais teria respirado na cidade grande. E por força do hábito, saquei um cigarro.

– Não é permitido fumar na floresta.

Era uma garota de olhos verdes e roupas de caça. Não era uma cidade tão antiga a ponto de caçar alces... Era?

– Me perdoe, disse sem acendê-lo e o devolvendo ao bolso, e a senhorita quem é..?

Ela gargalhou:

– Senhorita? De onde veio? Londres antiga?

Eu sorri pra moça e me desculpei:

– Bom, eu não sei como agir por aqui. E qual seria o seu nome?

Ela colocou a arma no bolso de trás das calças reforçadas e sorriu revirou os olhos como uma menininha.

– Qual seria... Não seria nada. O meu nome é Dainna, sou órfã e moro do outro lado do rio.

– Há outra cidade por aqui?

– Não é uma cidade, é só uma fazenda. E qual o seu nome, estrangeiro?

– Pierri, Heitor Pierri.

A garota sentou-se num tronco e pousou a bolsa, que carregava, no chão. Inspirou o ar como se fosse o melhor cheiro do universo, sorria como uma criança presentada.

– Veio por causa do ar?

– Por causa da paz.

Por fim, ela me examinou, não como um selvagem faria, mas sim, com interesse.

– Não é proibido fumar, estrangeiro. Fique à vontade. Mas se veio por causa da paz, precisa lembrar que ela começa com o respeito ao seu templo.

E se levantou, saiu com a bolsa pendurada no ombro por entre as árvores. Como uma brisa, o silêncio de seus passos era audível.


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