Metamorfose escrita por Mia Elle


Capítulo 8
Puzzle


Notas iniciais do capítulo

“Oh brother I can't believe it's true
I'm so scared about the future
And I wanna talk to you
Oh I wanna talk to you”
# Talk - Coldplay



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O carro prateado deixou o estacionamento escolar e rapidamente desapareceu na esquina, deixando um Gerard paralisado em meio aos vários alunos que entravam nos carros e um Quinn começando a ter certeza que havia algo ali que ele não sabia o que era.

- Gerard? – o loiro chamou, preocupado – Gerard?

O moreno não respondeu, apenas começou a andar em direção a seu carro, involuntariamente tateando os bolsos em busca de um cigarro para ver se conseguia se acalmar. Assim que deu a primeira tragada, conseguiu pensar claramente.

Ele estava se sentindo assim por que, afinal? Não parecia ser a mesma raiva que tomava conta dele quando Frank fazia exibições da aberração que era em frente a todos, mas ele não conseguia achar outra explicação para a raiva que sentia. E era raiva, não havia duvidas. Seu coração batia rápido, sua face estava avermelhada e ele tinha vontade de quebrar qualquer coisa.

Chegando ao carro, bateu a porta com força e apagou o cigarro, jogando a chepa no cinzeiro do mesmo. Deu a partida, tentando pensar em outra coisa, mas falhando miseravelmente ao fazê-lo.

Quem afinal era aquele garoto que deixava Frank tão radiante? Por que ele foi buscar o pequeno no colégio? Para onde iriam? Ele tinha vontade de vasculhar a cidade toda atrás de Frank, mas não entendia o porquê dessa vontade. Ele simplesmente não conseguia encontrar um motivo para estar daquela maneira pelo menino.

Isso parecia... Argh, ele não queria pensar no que aquilo parecia, por que simplesmente não podia ser, e não era!

Estacionou o carro na sua vaga na garagem e respirou fundo antes de jogar a mochila nas costas e descer. Subiu as escadas que levavam à ampla cozinha, onde encontrou Mikey descabelado comendo cereais.

- Não acredito que acordou agora – o irmão não respondeu, apenas deu outra colherada no cereal – a mamãe sabe que não foi à aula?

- É claro que não – Mikey respondeu após engolir o cereal, ainda sem olhar para o irmão – por que está nervoso?

- Não estou nervoso – Gerard respondeu, como se fosse óbvio, mas sem realmente esconder o nervosismo em sua voz, e pegando uma caixa de suco na geladeira.

- É aquele garoto, não é? – Gerard quase derrubou o copo ao ouvir isso, e não respondeu – é sim – agora era uma afirmativa.

Gerard chegava a ter medo do irmão de vez em quando. Ele parecia saber tudo sobre todos, mesmo sem nunca se relacionar com ninguém. Ele podia ler as pessoas sem nem sequer olhar para elas, e às vezes Gerard achava que Mikey o conhecia melhor do que ele mesmo (se conhecia). Mesmo assim, não demonstrou o nervosismo em ações, encheu o copo de suco e tomou um gole antes de dizer:

- Que garoto Mikey? Do que está falando? – deu a volta no balcão, aproximando-se da mesa em que o irmão sentava.

- Iero, aquele que te processou e que esteve aqui mês passado. Ele gosta de você, sabe? – Gerard pousou o copo sobre a mesa e sentou-se defronte ao irmão, que ergueu a cabeça, encontrando os olhos verdes do mais velho. Gerard arregalou-os momentaneamente antes de sorrir displicentemente e responder:

- Frank gosta de mim.

- Há um tempo, desde que ele vinha aqui toda semana. Acho que foi por sua causa que ele se tornou gay – pegou a tigela de cereal e virou-a contra o rosto, fazendo um barulho nojento ao beber o leite que ocupava o fundo da mesma.

- Não diga bobagens, Michael – Gerard disse categoricamente, tomando um gole do seu suco, mas não conseguindo evitar pensar no que Mikey acabara de dizer – Frank tem um namorado agora – afirmou, mesmo para tentar convencer a si mesmo de que era uma bobagem.

- Oh, mas isso explica o seu ciúme – Mikey disse, como se entendesse tudo com clareza agora, e Gerard não duvidava que entendesse – você também gosta dele – concluiu, desenterrando o rosto da tigela e levantando da mesa para ir lavá-la na pia.

- Eu não gosto de Frank! – Gerard explodiu, quase derrubando o copo novamente – Eu não sou gay!

Mikey riu.

- Você olha para ele do mesmo modo como ele te olhava naquela época. Aliás, olha ainda. E não vai demorar muito – sorriu doce – me dê esse copo que eu já lavo ele.

Gerard bufou, entregando o copo a Mikey, que atravessou a cozinha espaçosa em direção a pia.

- Não vai demorar muito o que?

- Para você descobrir que é – Mikey não olhou para Gerard novamente, visto que estava totalmente concentrado na louça que lavava. O mais velho abriu a boca para responder, mas sabia que não adiantava contestar o irmão, que sempre achava estar certo. Mas a porcaria é que ele sempre estava certo mesmo, o que deu muito que Gerard pensar no resto do dia.

Frank começara a gostar dele, por isso se assumira Gay. Ele estava gostando de Frank, por isso estava com ciúme. Era completamente absurdo e ao mesmo tempo fazia todo o sentido do mundo.

Gerard estava com medo e confuso novamente. Parecia que Frank não conseguia fazer mais nada com ele, a não ser deixá-lo confuso.

 

-

 

O sábado chegou mais quente e ensolarado do que o esperado para aquela época do ano, e Gerard ainda estava confuso quando adentrou a St. Martin. Sabia que precisava conversar com alguém, mas não sabia com quem.

Mikey era impossível, estava sempre jogando verdades desnecessárias na cara dos outros. Quinn não era exatamente o cara certo para se chegar e dizer: “E aí cara, estou achando que sou gay”. Frank estava de cu virado e com um namoradinho novo, e certamente riria da cara dele se ele confessasse que esta se sentindo atraído por um garoto. E quem mais restava? A Sra. Lee seria perfeita, se ela tivesse o mínimo de tempo disponível, mas ela estava sempre correndo para lá e para cá pela casa, não ouviria uma palavra do que o garoto dissesse.

Estava num beco sem saída e quase se convenceu que iria a um psicólogo, ou sei lá. Até que, logo depois de sair do escritório após assinar seu formulário, ele encontrou a pessoa certa.

Gerard não tinha certeza se tinha algo importante para fazer, mas até onde sabia, um dos seus trabalhos ali também era dar atenção aos pacientes, então não estaria fazendo nada de errado.

- Hm, bom dia Stefan – cumprimentou, estendendo a mão direita. O homem tirou os olhos da televisão e sorriu, retribuindo o cumprimento – eu queria... Conversar – Gerard admitiu.

- Diga garoto.

- Mas é que, hm... Não podemos, sei lá, subir? – apontou para o andar de cima, pensando no quarto de Olsdal.

Este assentiu, as sobrancelhas unidas, parecia preocupado. Subiram as escadas calmamente, indo direto ao quarto do homem. Gerard sentou-se aos pés da cama e Stefan encostou a cabeça na cabeceira da cama, e fez um sinal para que Gerard dissesse o que queria.

O menino não sabia como começar, nem se queria começar. Fechou os olhos e mordeu o lábio inferior, pensado. Resolveu, então, colocar tudo para fora.

- Meu irmão, Michael, está sempre certo. Em tudo. Isso não é brincadeira, ele deve ter algo diferente, mas não sei. Só sei que ele sempre consegue adivinhar tudo sobre todo mundo. Ele me disse que Frank gosta de mim. E me disse que eu gosto de Frank – Pausa – eu sei que pode parecer ridículo, mas eu não acreditaria nele se essas dúvidas já não estivessem em minha cabeça há algum tempo. Só que é absurdo. Eu não sou Gay.

O homem não respondeu, apenas ficou encarando Frank, com um brilho doce no olhar.

- Como foi que você descobriu que era Gay? – Gerard deixou escapar, sem nem pensar na pergunta. Stefan riu, e se ajeitou melhor na cama.

- Eu devia ter a sua idade, garoto. Não, eu era mais novo, tinha uns quinze anos, no máximo. Mas naquela época o mundo era muito mais preconceituoso, entenda. – fez uma pausa - Sabe, não é como Frank, que pôde dizer que era gay, e o máximo que ganhou foi algumas piadinhas de mal gosto suas – Gerard grunhiu, constrangido, mas Stefan ignorou - Naquela época existiam gangues que matavam quem se assumisse gay. Pra você ter uma idéia, antes de mil novecentos e setenta e três, o homossexualismo era considerado um distúrbio mental. Então para mim foi bem mais difícil que está sendo para você, por que eu sabia que se eu me assumisse, muitas portas iriam se fechar. Então eu neguei durante muito tempo.

Brian era meu vizinho. Nós brincávamos juntos desde crianças e estudávamos juntos, enfim, fazíamos tudo juntos. E bem, Molko sempre foi muito bonito, mas tinha uma beleza diferente. Uma beleza meio... feminina. Talvez seja por isso que eu tenha me sentido atraído por ele desde que comecei a me sentir atraído por outras pessoas. Eu não posso dizer quando começou.

Lembro-me que no jardim de Brian tinha uma casa na árvore e um balanço, era onde nós brincávamos quando crianças. Depois que crescemos um pouco, nós íamos lá para conversar, ler revistas, enfim... ficar juntos. Eu me lembro de passar horas lá com ele, e de sentir falta quando não estávamos juntos.

Eu me repreendia, me enganava, dizia a mim mesmo que ele era apenas meu amigo. Que qualquer coisa a mais do que isso era pecado. Então vinha mais uma das nossas noites frias na casa da árvore, e eu estava olhando para ele de uma forma cada vez mais diferente.

Às vezes seus olhos azuis me flagravam o encarando, ele ria de mim e perguntava:

- Você está apaixonado, Olsdal?

Eu balançava a cabeça.

- Não seja ridículo, Molko.

E então nós riamos disso. E voltávamos a nos enganar, conversando sobre qualquer outra coisa. Mais tarde, Brian me confessou que ele queria que eu respondesse que sim, que eu estava apaixonado. Mas eu jamais faria isso, eu estava ali me enganando, mesmo que eu soubesse da verdade.

Mesmo que quando ele me tocasse eu sentisse meu coração disparar. Mesmo que eu adorasse quando fazia muito frio naquela casinha de madeira mal feita, e nós desobedecêssemos nossas mães, insistindo em dormirmos lá. E então precisaríamos ficar muito próximos.

Mesmo que eu conhecesse todas as caras que ele fazia, e apenas pelo seu tom de voz eu já soubesse que algo estava errado – ou certo – eu nunca admitiria para mim mesmo que isso não fazia parte de uma amizade.

Mas um dia, eu não consegui mais me enganar. Eu estava em casa, sozinho, assistindo a televisão. Lembro-me de rir alto com o programa humorístico que passava, e então a campainha tocou. Eu xinguei mentalmente quem quer que fosse, e fui em direção a porta, ainda sem tirar os olhos da tevê.

Era Brian. E uma garota. Ele estava arrumado demais para ser Brian, e ela era bonita demais para andar com Brian sem ser perigoso para mim. Eu franzi o cenho para a cena, me perguntando quem era a menina loira. Meus olhos desceram até as mãos atadas dos dois e então Brian disse:

- Essa é Mary. Mary, este é Stefan – eu estendi a mão para apertar a da garota, sem tirar os olhos de Brian – ela é da igreja – ele esclareceu – estamos namorando.

Foi como se algo caísse na minha cabeça. Eu queria voar no pescoço da menina e enfiar a força na cabeça dela que Brian era meu. E quando eu pensei nisso, foi que eu percebi que eu estava com ciúmes. Muito ciúme.

Eu dei uma desculpa qualquer e fechei a porta para os dois, subindo diretamente para o meu quarto e esquecendo a televisão ligada. Eu estava com ciúmes de Molko e eu achava que ele era meu. E isso só podia significar uma única coisa, mesmo que eu desejasse que não fosse verdade.

Bem, eu permaneci em confusão por algum tempo, eu confesso. Eu já tinha admitido para mim mesmo, mas não sabia como falar isso para Brian. Mas depois, tudo deu certo.

Gerard bebia cada palavra que o outro dizia, ficando mais preocupado a cada segundo. Era a mesma coisa que estava acontecendo com ele. O mesmo ciúme. Mas não podia ser a mesma coisa, não era. Ele estava certo de que não era gay. Já havia se convencido disso, afinal ele sentia atração por garotas e, desde que toda essa dúvida começara, ele tratara de verificar se continuava sentindo. E continuava.  

Alguém bateu na porta e Stefan disse que podia entrar. A porta abriu lentamente, e a Sra. Lee entrou.

- Ah Gerard, está aí! Está pensando que isso é uma brincadeira? Temos muito trabalho – ela apontou para fora do quarto, severa.

- Eu pedi que me fizesse companhia, Beatrice, não o culpe – Stefan pediu e a mulher assentiu.

Gerard passou por ela, a cabeça baixa, imerso em seus pensamentos. Ela saiu do quarto atrás dele, tagarelando sobre as coisas que precisavam ser feitas, e que ele deveria estar fazendo. Mas Gerard não estava ouvindo.

Ele estava imerso em seus pensamentos, perguntando-se se realmente uma coisa anulava a outra. Perguntando-se se ele gostava mesmo de Frank. Perguntando-se por que tudo tinha de ser tão confuso. Perguntando-se por que havia tantas coisas para ele se perguntar.


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