Amor à venda. escrita por Nina Olli


Capítulo 47
Capítulo 40


Notas iniciais do capítulo

Olá, leitores! Espero que estejam bem e aproveitando essa semana que passou voando. Aqui na minha cidade está chovendo e fazendo muito frio. E por aí?

Escrevi ouvindo o álbum Living Room Songs do Ólafur Arnalds, vou deixar o link aqui mas tem no spotify também. Escutem, pois vai traduzir exatamente os sentimentos que eu tive ao escrever. Boa leitura!!!

link: https://www.youtube.com/watch?v=T4JyEGF5j5k



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“Quando se realiza o viver, pergunta-se: mas era só isto? - Não é só isto, é exatamente isto". (Clarice Lispector)

Como se tivesse sido absorvida, Gil não conseguia se desprender de Vincent. Parecia desfragmentada enquanto o beijava. 

Porque sempre precisava ser assim? 

O seu corpo não era compatível com o que Gil sentia em seu coração. Porque se fosse, as suas mãos saberiam que não deveriam tocá-lo como faziam, apertando as costas dele, cravando as unhas como se com isso pudesse fundi-los. E a sua boca saberia que não deveria facilitar, sentido o gosto dele preencher tudo dentro dela. E a sua pele não estaria febril e doente, precisando tanto de mais. 

Porque sempre precisava de mais?

Um alvoroço de vozes ao fundo a fizeram se conectar com o seu coração, que foi lembrado o quanto ainda estava ferido e consciente de que precisava se afastar de Vincent. E assim o fez.

— Se afaste dela, seu lunático! — Kerya gritou, se aproximando do cunhado e sendo impedida pelas mãos de Oliver.

— Isso é entre eles, deixe que se resolvam. — o chefe de pesquisas a repreendeu.

— Você não sabe o que está acontecendo! — Kerya encarou Oliver com fúria. — Chegou agora e quer sentar na janela.

— O que eu sei é que além de irritante você é intrometida. — ele retrucou.

— Eu estou cuidando da minha irmã, seu idiota. E me solte antes que eu te dê um soco. — Kerya o ameaçou, e parecia muito disposta em cometer uma agressão.

— Além de tudo é violenta. — Oliver riu com deboche. — Gil, como alguém tão doce feito você pode ser irmã dessa desequilibrada?

— Você não disse isso! — Kerya fez força para se soltar das mãos de Oliver, inútilmente. — Eu realmente quero te agredir.

— Tenham calma, pessoal. — Matt falou, a sua voz suave tentando apaziguar o caos. — Vamos esperar no jardim, eles precisam conversar… Sozinhos.

— Eu não vou a lugar nenhum sem a minha irmã. — Kerya reclamou e Oliver revirou os olhos, mas Gil não deixou de notar que ele ainda segurava a mais velha.

Voltou a sua atenção para Vincent, que permanecia calado, mas a respiração dele ecoava tão alta e quente que Gil teve dúvidas se os seus corpos realmente haviam se afastado. 

Ela o sentia em toda a parte.

— Está tudo bem, Kery. — Gil finalmente falou. —  Eu preciso resolver as coisas.

— Isso é uma péssima ideia, Gil. — Kerya murmurou.

— Por favor. — ela insistiu com a irmã, e não escapou o suspiro de alívio de Vincent ao fundo. E aquilo a irritou.

Não estava ali para dificultar nada, mas também não era o momento que escolheria para falar com o chefe. Precisava ver Elaine, e o seu coração já se sentia consumido demais pela gravidade daquele encontro. Não queria adicionar nenhum sentimento a mais. 

Só queria abraçar a amiga que havia se tornado a sua família.

Encarando os seus pés, Gil mais escutou do que viu o cômodo ficar vazio, restando apenas ela e o seu marido. O seu falso marido, que agora a olhava fixamente enquanto dava um passo em sua direção. Gil recuou. E ele deu outro passo. E Gil recuou mais uma vez.

— Eu não te quero perto de mim. —  ela o advertiu.

— Isso é mentira. — ele ousou se aproximar ainda mais.

— Quero ver Elaine. — ela exigiu, tentando recuar novamente, estava quase encostando na parede da cozinha. — Preciso vê-la.

— Minha mãe também precisa te ver. — ele se aproximou um pouco mais, fazendo com que Gil ficasse cercada. — Mas antes nós iremos conversar.

E ela odiou o tom de autoridade que Vincent ainda supunha ter.

— Tudo está muito claro. — Gil ergueu o seu rosto próximo do dele. — Eu fui longe demais com esse contrato.

— Nós fomos. — ele retrucou imediatamente.

O peso do corpo de Vincent a prensou contra a parede, e não era só o toque dele que a deixava tão sedenta de ar. Ele vagava na mente dela, tirando a sua concentração, tirando até mesmo o seu foco em respirar. Nada mais parecia automático e Gil não se surpreenderia se perdesse a sua consciência. Há tempos não se sentia sã, de qualquer maneira.

— É impossível que você não perceba isso. — Vincent continuou. — Que eu também fui longe demais. — e o ar quente da boca dele a arrepiou, os seus rostos se aproximando. — É impossível que você não sinta o quanto eu preciso de você perto de mim, Gilan. 

— Eu não duvido do seu desejo. — ela tentou falar, não tinha certeza se havia sido ouvida. Sua voz travada na garganta, arranhando como um choro contido. — Mas… Você não pode me dar o que eu preciso.

— Tudo mudou, Gilan. — a boca dele encostou na sua, tão leve que a fez tremer de expectativa.  — Você realmente não consegue ver? — ele se afastou minimamente e segurou em seu rosto, forçando os seus olhos a se encontrarem. — Não consegue sentir? — e mordeu o seu lábio, a beijando em seguida. 

E ela quase suplicou para que o toque não fosse tão bom. Com Vincent, até um beijo era capaz de desorganizar tudo o que com tanto esforço Gil mantinha no lugar.

— Você é minha. — ele murmurou entre os lábios dela. — E eu me apaixonei por você. 

Gil arfou, se forçando para desgrudar a sua boca da de Vincent e o olhou fixamente. Estava delirando? Se sentia assim. Fora do seu equilíbrio racional. Não tinha sequer certeza se estava ouvindo bem.

— Eu te amo, Gil. — ele sorriu, e em seguida, gargalhou. Vincent parecia louco. — Deus, eu amo você.

Gil o encarou perplexa, ainda assimilando aquelas palavras. Ele a beijou novamente, com mais desespero do que antes, com todo o seu corpo friccionando no dela. Quente, sufocante. Tão sufocante que Gil não conseguia pensar. Queria tanto que fosse verdade. Que aquelas palavras fizessem sentido, mas não faziam. Nada naquela cena condizia com os acontecimentos recentes. Como ele poderia amá-la e magoá-la tanto? Como ele poderia amá-la e compartilhar as suas aflições com Amelia? Como Vincent poderia dar o tipo de amor que ela precisava quando o seu coração já estava tão preenchido por outra mulher?

— Não! — ela o afastou, com uma força que nem sabia que tinha. Física e mental. — Eu não consigo acreditar. — ele tentou se aproximar novamente, mas ela ergueu a sua mão num sinal claro de que não o queria perto.  — Você me decepcionou, Vincent.

— Eu sei. — ele admitiu. — Mas as coisas não aconteceram como você está imaginando.

— Eu não estou imaginando nada. — ela retrucou. — Mesmo me excedendo para juntar os cacos desse sentimento eu sempre entendi que você estava quebrado demais para amar.

— Eu amo você, Gil. — ele confessou mais uma vez. — Você sabe disso, você tem que saber.

Gil já havia refletido sobre o amor. Para ela, amar era como um círculo. Nunca podíamos identificar o início do fim. E isso a deixava apavorada. Era estagnante não confiar mais no seu julgamento. 

Sentia como se a sua identidade fosse perdida, não era mais quem um dia fora. Parecia o novo testamento de si mesma: antes do amor e depois do amor. E quando não correspondido, era mais injusto do que solitário. Por isso, queria acreditar em Vincent. 

Mas sentia medo. Medo da injustiça terrível de não ser inteiramente amada.

— Eu não consigo, Vincent. Eu não posso fazer isso agora.

— Me deixe explicar o que aconteceu, você precisa me ouvir-

— Eu preciso que você se afaste de mim. — ela o interrompeu, colocando finalmente uma distância real entre eles. — Mesmo que tudo isso seja verdade, não importa mais. Não importa o que você diga, eu nunca vou poder nos perdoar dessa mentira avassaladora que criamos. Isso é muito pesado. É como se tudo o que eu sinto por você tivesse o poder de me ferir. Porque por mais que a gente queira parece que estamos sempre perdendo alguma coisa pelo caminho. A gente mentiu demais, enganou muitas pessoas. E não existe felicidade em meio a tanto dano, Vincent. Simplesmente não podemos fazer dar certo.

— Nós podemos. Eu sei que podemos. — ele retrucou. — Você não confia em mim?

Gil ficou alguns segundos em silêncio, ouvindo a respiração de ambos ecoar pelo cômodo e encarando a ansiedade estampada no olhar de Vincent.

— Não mais. — ela respondeu finalmente e o olhar dele a atingiu, opaco e escurecido, como se tivesse afundado de repente.

Mas Gil não era capaz de dizer o contrário. Poderia aceitar que Vincent tivesse se apegado nela, havia sido uma convivência fora de todas expectativas, afinal. Tinham quebrado muitas regras e ela seria uma tola se acreditasse que isso não teria nenhum impacto. 

Mas sentia que o chefe apenas queria acelerar o processo de se apaixonar por alguém, porque de alguma forma ainda sofria por Amelia. Gil podia enxergar a angústia dele de uma maneira quase palpável. Mas desejo não era amor. E querer se curar também não era amor. Pessoas feridas ferem pessoas. Era involuntário que Vincent fizesse isso, e Gil não tinha mais forças para lidar com alguém tão machucado. Ela mesma se sentia assim e precisava se priorizar. Precisava cuidar de si. Da Gilan do antigo testamento.

— Eu quero o divórcio, Vincent. — disse com uma honestidade dolorida. Não era o que Gil intimamente queria, mas eram as palavras que deveriam ser ditas.

O chefe apenas assentiu, sem retrucar nada, sem nenhum movimento do seu corpo ou da sua expressão. Uma resignação que doeu nela. Mas antes que pudesse reagir, escutou um barulho e viu a figura da Sra. Hernandez entrar na cozinha.

— Está na hora. — a enfermeira disse sem cerimônia. — É melhor subirem, Elaine precisa de vocês.

xXx

Gil ajeitou o travesseiro de Elaine enquanto Vincent regulava o aquecedor do quarto. A noite estava fria, mas a temperatura cálida mantinha o cômodo confortável. Estava sentada ao lado da cama em que Elaine descansava e observou o chefe se sentar na outra ponta.

Ambos permaneciam em silêncio, e isso fez com que Gil se concentrasse apenas nas aparelhagens que apitavam os sinais vitais da sogra. Se aproximou um pouco mais da cama e segurou em uma das mãos de Elaine. Estava quente e macia, e mesmo sem os esmaltes que a sogra tanto adorava, era uma mão muito bonita.

Gil sorriu sem perceber.

— Ela é tão serena dormindo. — Vincent comentou. — Nem parece que é capaz de tagarelar até me deixar maluco.

— Mas admita que você tem gostado muito de ouvi-la.— Gil respondeu com bom-humor.

— Só quando ela não me tira do sério. — ele também sorriu.

— Eu ouvi isso. — Elaine abriu um dos olhos, os espiando. — E vamos combinar que qualquer coisa te tira do sério. — ela se ajeitou na cama, ficando sentada. — Você já nasceu irritado.

— Eu não acredito que a senhora acordou apenas para me criticar. — ele brincou, segurando a outra mão de Elaine. — Como está se sentindo?

— Um pouco cansada, por mais que eu durma… O corpo dói. — Elaine encarou Vincent e em seguida olhou para Gil. — Mas ainda estou melhor do que vocês dois, que olheiras terríveis, vocês sim precisam descansar.

— Tivemos dias intensos no trabalho. — ele desconversou.

— Vincent é o novo Diretor de vendas, Elaine. A transmissão foi um sucesso. — Gil sentiu que deveria compartilhar essa informação.

— Oh, meu querido, que notícia maravilhosa! — ela apertou as mãos do filho. — Estou tão orgulhosa de você. — e encarou Gil. — De vocês. Formam uma bela dupla e serão tão felizes… Tão felizes.

— Eu realmente não teria conseguido sem a Gil. — ele confessou, e os seus olhares se encontraram por poucos segundos, mas ambos desviaram, não foram capazes de sustentar. 

Era uma tarefa difícil demais ter que encará-lo, principalmente com Elaine ao lado. Depois de tantos enganos, de tantos equívocos que cometeram um com o outro, soava imoral que estivessem ali,  ainda mentindo para alguém que só oferecia o seu amor para eles. 

Elaine não merecia ser enganada assim até o fim. 

Mas seria muito pior se causassem mais sofrimento a ela. Então, tudo o que podiam fazer era aceitar a vergonha que os consumia e honrar o pacto de silêncio. 

— Vocês estão bem? — Elaine perguntou. — Parecem tão aéreos.

— Como poderíamos ficar melhores do que isso, mãe? — Vincent retrucou imediatamente, e Gil se sentiu aliviada. Não tinha certeza se seria capaz de responder alguma coisa. Tudo naquele momento parecia doer em demasiado.

— Não precisa ser assim, meu amor. — Elaine disse com uma voz tão tranquila quanto a sua expressão. — Estamos juntos. Nos despedindo. É um momento muito bonito.

— Não existe nada de bom em despedidas. Não assim. — e o ressentimento cobriu as palavras de Vincent. — Não vejo nada belo, só vejo injustiça. 

— Eu estou na minha casa, com as pessoas que eu amo. Numa cama quente e confortável. — Elaine acariciou com cuidado o rosto do filho. — O que tem de injusto nisso?

— Você ama viver, mãe. 

— Então deveria saber que eu vivi. E muito. — ela retrucou, e em seguida, suspirou profundamente. — Uma vez eu li que a morte não é nada. E que a vida significa tudo o que ela sempre significou. Parece tão bonito, não parece?

— É difícil acreditar em coisas que eu desconheço. — Vincent murmurou sem muita emoção.

— Fé não é crença. — Gil finalmente falou. Elaine e Vincent a encaram com atenção, a encorajando a continuar. — Eu não sei exatamente no que eu acredito, mas eu reconheci muitas coisas que fogem da minha razão. Então, acreditar não importa muito, mas viver o que se sente, sim. Eu experienciei o amor, mas sem ter a pessoa ao meu lado. Eu não conheci muito da minha mãe, mas eu sinto que o amor dela cresceu conforme eu cresci. Eu apenas conheci esse sentimento sem tê-la aqui. Mas eu sempre tive fé na sua presença, assim como eu tenho fé em um reencontro entre nós.

Elaine se inclinou na direção de Gil e a abraçou com o seu corpo magro e fraco, mas ainda muito quente.

— Eu nunca me esquecerei dessas palavras, Gilan. — sussurrou em seu ouvido. — Obrigada.

— E eu nunca me esquecerei de você, Elaine. — Gil sussurrou de volta.

Segundos depois, sentiu o corpo de Vincent se aproximar e as abraçar também. Seus braços grandes envolveram as duas sem dificuldade. Gil não pensou em nada e apenas se deixou chorar.

Não era tristeza, era saudade. Saudade de alguém que ainda estava ali, e logo não estaria mais.

— É uma pena que o mundo não saiba a falta imensa que você fará. — Vincent disse, e mesmo que Gil não fosse capaz de vê-lo, podia sentir que ele também chorava. 

— Mas vocês saberão. — a sogra os apertou com ainda mais força. — E essa será a maior prova de que a morte não existe. Eu amo vocês. E isso nunca se modificará, porque eu não preciso de um corpo para amar e ser amada. Eu não preciso de um corpo para ser lembrada.

Então, naquela noite, aproveitaram a companhia um do outro de todas as maneiras que puderam. Muitas histórias compartilhadas, muitas fotografias tiradas das caixas e alguns jogos de baralho que Vincent se recusava a perder. E em algum momento, Gil fechou os olhos, enquanto ouvia vozes e respirações ritmadas, e um bip insistente mas quase reconfortante. Até que não ouviu mais nada, dormindo como todos dormem, sem se lembrar do momento exato. 

E na manhã seguinte, Elaine partiu.


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Notas finais do capítulo

Esse capítulo foi iniciado em 2018, quando o meu pai faleceu e só consegui finalizar recentemente, quando decidi voltar a escrever. Foi difícil, pois sinto muita falta do meu pai e não sou uma pessoa que sabe lidar com o luto, acho que merecia mais, mas tentei o meu melhor, é um tema que estou aprendendo a falar aos poucos.

Até a próxima o/



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