45% escrita por SobPoesia


Capítulo 45
45




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Não poderia contar tudo a respeito da última semana de 45%, nem ao menos se quisesse. E, acreditem, eu realmente não quero.

Bruni passou todo o final de semana que se seguiu dentro da ala cirúrgica. Fiquei ao seu lado, todos os dias. Na segunda-feira, ela seguiu para o quarto, já com a resposta de que não passaria daquela semana. Alguma coisa a respeito de metástase cerebral.

Nem isso parecia ter a abalado, ela estava sorridente.

Nada abalaria seu sorriso.

Passou dois dias de cama, dizia que não sentia suas pernas e que a sua cabeça doía, foram dois dias se perdendo em suas próprias memórias. Estava confusa, ia e voltava, mas não assustada. Estava pacifica com tudo o que sentia e tudo que estava acontecendo.

Já na quarta-feira, saiu da cama a noite. Subimos ao telhado e dançamos juntas uma música que só tocava em nossas cabeças, a sincronia era horrível, mas ela se apoiou em mim e eu, nela. Suas pernas falharam, então descemos.

Notei que havia tempo que não sabia quão mal ela estava. Lembrei-me de seus pequenos tropeços e reclamações constantes de dores de cabeça.

Não houve despedida.

Ela não sonhou com a aparição, e se sonhou, graças aos deuses não me contou.

Dormimos juntas na quinta-feira e ela me pediu um longo beijo. Não queria fazê-lo, em respeito a Diana, mas o seu ar de despedida era tão presente que achei que ela não iria se importar. Ela não se importou, mas 45% sorriu tão abertamente que sabia que havia se importado.

Acordei ao lado do seu corpo morto e não, não é uma cena que eu vá descrever.

A tarde, ganhei todos os seus óculos escuros.

Não houve enterro, ela só se foi, da mesma forma que chegou. Seus pais estavam na paz com isso, eu estava na paz com isso e em algum lugar do universo cósmico e religioso, ela estava em paz com isso.

A verdade é que quando comecei a escrever isso, queria apenas passar o pouco tempo que ainda tinha antes de ir embora. Mas, acredito que relembrar tudo em detalhes criou uma nostalgia tanto quanto dolorosa, uma que me impediu de escrever com clareza este final.

Naquela sexta-feira, meu coração quebrado e pisoteado, triturou todos os seus pedacinhos. Mas havia uma luz. Passar a tarde deitada ao colo de Diana o reconstruiu, pecinha por pecinha.

Na segunda-feira busquei meus papéis de liberação e liguei para a mãe de Ernie, a minha nova mãe.

Na quarta-feira, Diana foi para a sua casa, na mesma cidade na qual ambas moraríamos, na mesma cidade pré-praia.

Na sexta-feira, hoje, é meu aniversario. 15 de Setembro. Virgem.

Há tantas coisas que eu queria fazer e dizer antes de ir embora, antes de partir desse mundo, antes de estar sem energia ou de meus pulmões falharem pela última vez. Mas, no final das contas, não há ninguém aqui. Minha família já não é a minha família e Vivi não se importava mais. Amanhã encontrarei a minha casa de verdade, com a minha família de verdade, que de pouco a pouco me aceita, que me ama, incondicionalmente.

Isso significa que vou deixar vocês também. E, para vocês, creio que não há mais nada a se dizer.

Já este caderno, este livro, esta história, deve continuar aqui, neste quarto, no qual passei seis anos. Essa é a história da Violet que vivia em sua morte, que viveu aqui, neste mesmo cemitério de adolescentes fortes e gladiadores. Já não sou mais essa Violet. Esse fantasma ainda viverá aqui, por um bom tempo.

Enfim, eu nunca fui realmente muito boa com despedidas.


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