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Capítulo 26
Luto




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Gélido, Evans tremia com olhos arregalados e mãos cravadas tão profundamente em sua coberta como garras. Não conseguia decidir o que era mais assustador, a ideia de que ele estava destinado a morrer logo ou a sua expressão. Suspirei, não havia nada a ser feito se não confortá-lo.

Minha mente continuava repetindo o quanto aquilo não era verdade, não passava de um sonho ruim e logo se acabaria.

Levantei de minha cama, soltei os tubos da minha máquina de respirar e segui para a sua cama, a passos da minha. Sentei-me em um canto e coloquei a mão em seu ombro.

O loiro se virou para mim, pálido. Suas mãos seguraram as minhas e, sem jeito, me escalaram em um abraço estranho. Em pouco tempo ele estava em meu colo e eu o segurava firmemente, acariciando seus cabelos.

Um choro fino, quase secreto, começou a escorrer de seus olhos castanhos. Ele soluçava, fungava, gemia aos poucos, mas não desistia.

Nunca imaginei que Evans ficaria tão desesperado com a notícia de sua morte, ou que eu ficaria tão calma.

Em algum momento, seu choro se cessou. O loiro se encolheu em um canto da cama e eu me deitei atrás dele, o abraçando. Ele suspirou, beijou minha mão próxima a seu rosto, sussurrei que o amava e o sono levou a sua dor embora.

Mas não a minha.

Enquanto seu pulmão perfeito puxava todo o ar, eu ouvia o “tec” estrondoso da minha máquina, meu peito se esguia junto ao dele, então, a máquina sugava todo o ar novamente e ele gentilmente expirava. Quatro movimentos, dois graciosos e dois mecânicos, mas sempre em sincronia.

Nós estávamos em sincronia.

Toda essa bagunça era a nossa música punk perfeita, no qual ele sabia o Do Re Mi Fa e eu sabia a letra dolorosa. Estávamos juntos nessa. Era pra sempre.

Seus dedos fizeram movimentos de sono descontrolados e eu lembrava de tudo.

A primeira vez que ele sorriu para mim com seus dentes tortos. Como sempre ouvíamos música juntos, nem que fosse para falar mal da Taylor Swift. Como batíamos cabeças ao som de qualquer banda boa, pulando na cama de meias e arriscando as nossas vidas com o ventilador de teto.

Todas as risadas, de piadas, de nervoso, de vergonha, de cócegas, de qualquer coisa, já que sempre que estava a seu lado havia risadas.

Todas as noites que passamos deitados juntos, seja acordados falando de todas as coisas ou de nenhuma coisa, assistindo filmes, comendo, seja dormindo, em posições estranhas de casais que nem ao menos eramos.

Bebendo e assistindo o pôr do sol.

O cheiro de sua nuca se impregnou em mim. Ninhamos o mesmo shampoo, lavanda, mas nele era diferente. Era ele.

Evans.

O loiro.

Meu melhor amigo.

Era realmente a hora de ele ir?

Nós tínhamos acabados de voltar a estar juntos!

Deus, me dê mais algumas semanas, algumas horas, alguns segundos….

Antes de sua perna mexer e me fazer notar que estava prestes a derramar um rio de lágrimas, passei por todos os estados de luto, sem nem ao menos me recordar quais são eles.

Evans era a minha válvula de escape, a minha saída para qualquer dor física ou emocional. Era ele quem me arrancava um sorriso, mesmo que eu tivesse que fazer outra punção pulmonar. Era ele quem me dava carinhos, mesmo que eu fosse podre por dentro. Ele era um conforto. Ele é a minha casa. Isso de morte, não está certo.

Queria, ao mínimo, ter feito tudo isso por ele.

Meus olhos se encheram de lágrimas e sem conseguir segurar, soltei um oco gemido puxando o ar. O apertei, em meu abraço.

Seu corpo se virou vagarosamente até o meu lado. Suas unhas roídas rasparam em minhas bochechas enquanto ele limpava minhas lágrimas.

Beijei suas bochechas, sua testa, seu nariz. Respirei fundo seu perfume de seu pescoço. Ele sorriu.

–Eu te amo…. – suspirei.

–Você é capaz de sentir, afinal de contas. – ele colocou a sua testa contra a minha.

Meu estômago se apertou, remexendo, como se algo tentasse loucamente sair dali, pular para fora, rasgando a minha barriga.

–O que eu vou fazer sem você?

–Violet, eu sei exatamente o que eu vou fazer sem você. – seus olhos acharam os meus – Eu vou ser o ser mais infeliz que já caminhou sobre essa Terra. – ele deu uma pausa, puxou ar para dentro de seus pulmões, olhou para o teto e gritou – Ouviu isso Deus?! Não existe paraíso! O meu paraíso é aqui, com a melhor pessoa do mundo, para onde você for me levar vai ser o inferno. E eu não devia estar lá, sabia? Eu sou uma pessoa muito boa…. – seus olhos se encheram de lágrimas – Eu fiz tudo direito…. Tudo direitinho…. Porque eu?

A sua voz foi diminuindo de intensidade, até que ele se agarrou em meu peito novamente. O segurei com força.

–Não chore, ok? Isso não vai adiantar de nada. Não existe um Deus, Evans, e se existe Ele não está nos ouvindo agora. Você foi perfeito, a melhor pessoa que já existiu. Não é justo, nada disso é justo.

O loiro limpou suas lágrimas, suspirou e se sentou na cama. Puxou a sua coberta e ficou algum tempo olhando para a parede.

–Uma semana. A Aparição disse sete dias como aquela garota do chamado.

–É muito mais tempo do que a maioria de nós ganha. – continue deitada, agarrada as cobertas.

–Você diz “nós” como se não tivesse sobrevivido muito tempo. Você não vai morrer, e, o mais incrível, é que você é a única de nós que quer morrer. – seus olhos pararam em mim.

–Talvez, essa seja a minha punição.

–A garota com o corpo de modelo, linda, preferida do papai, nasceu tão defeituosa quanto a sua própria alma…. E eu nunca nem ao menos fui a porcaria de uma praia.

Aquelas palavras não me feriram, era a verdade. Assim que eu fui quebrada e amarguei, meus pulmões pararam de funcionar. Evans estava certo, todo esse tempo.

Minha mente foi direto em: “preferida do papai”, tanto para ser a sua favorita que tive de ser usada….

Havia uma saída.

–Sete dias? – me sentei.

–A merda de sete dias. – ele bufou.

–A merda com a Aparição, eu vou fazer esses seus sete dias contarem como uma vida inteira.


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