45% escrita por SobPoesia


Capítulo 20
Extremos




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Nunca havia me sentado ao sofá vermelho ao lado de alguém, nem ao menos de Ernie. Mas Abby precisava de mim agora.

Poucas garotas entraram na sala e alguns homens. Ela não tinha feitos muitos amigos naquele tempo que esteve ali, sua arte era irritar garotas e não trazê-las para perto.

Então, algo estranho aconteceu, algo incrível. Evans e 45% entraram na sala e se sentaram ao canto esquerdo da mesma.

–Vamos começar? – ela suspirou.

Todas as garotas genéricas foram a frente e falaram, com palavras diferentes, a mesma coisa. Que Abby era uma vadia, boa de cama, mas no final, tinha um bom coração. Todos os garotos genéricos diziam o quanto ela era uma boa amiga, uma vadia e que tinha um bom coração. Aquele teatro ensaiado e repetitivo já estava me dando nos nervos, mesmo que isso fosse ajudar o meu longo e chato discurso, eu queria que todos eles explodissem.

Evans, então, cessou o discurso genérico, quando se levantou com um pedaço de papel na mão, e suspirou.

–Não tenho várias coisas boas para falar sobre você, porque não te conheço muito bem, mas sei disso: você apareceu e tomou conta da única coisa que amei em toda a minha vida, você faz a Violet sorrir, mesmo nesse momento horrível da vida dela, não sei se é o seu sarcasmo parecido ou as brincadeiras compatíveis, mas não deveria ir se faz tão bem a ela, porque você é especial. – seus olhos pararam nos olhos dela.

Foi um momento realmente lindo de se ver, Abby abaixou a cabeça e sorriu, então olhou para ele novamente e disse: “obrigada”, como se fosse a primeira vez que qualquer palavra dita naquele dia a tocasse.

45%, então, se levantou, ajeitou seu vestido cheio. Evans passou por ela e se sentou, ela chegou a frente e foi quando eu finalmente notei.

Seu olho acinzentado estava quase branco. Bruni estava pior, muito pior. Um frio subiu minha espinha, me fazendo arrepiar.

–A primeira vez que tive a oportunidade de conversar sozinha com Violet depois que ela te conheceu, a perguntei se podíamos confiar em você. Ela respondeu que pessoas a beira da morte tendem a ser honestas. Violet tem razão na maioria das coisas, mas nessa, ela não podia estar mais errada. Todos nós vivemos aqui e sabemos que um hospital terminal é a nossa versão radical de um ensino médio qualquer. Nós mentimos, traímos, fugimos, transamos, festejamos como fazíamos lá fora, como se não houvesse amanhã, porque, no nosso caso, realmente não há. Mas não você. Abby, você nunca precisou ser honesta com os outros, porque é honesta consigo mesma, até as suas mentiras carregam verdade. E eu acho que foi isso que ela viu em você, tirando o obvio fato de que de algum jeito distorcido, vocês são parecidas. Eu nunca gostei de você, mas admiro a sua espontaneidade e como realmente se importa, além de que, eu descobri, que todos nós devíamos confiar em você.

Abby não piscou, ficou com os olhos colados ao dela, então ao final disse obrigada e sussurrou ao meu ouvido que sabia porque eu a amava.

Bruni se sentou, era a minha vez.

Não tive momento algum para absorver tudo aquilo que tinha sido dito, não só sobre ela, mas sobre mim, também. Mas fui.

Minhas mãos tremeram e eu me levantei.

–O melhor para o final? – ela sorriu.

–Não tenha tantas esperanças. – parei na frente de todos.

–Então termine logo com isso, estou entediada. – a sua cara de deboche fazia aquela frase horrível se tornar uma piada.

–Bom... – suspirei – Eu tinha uma ideia de que todos falariam sobre como você é uma vadia, boa de cama e com um coração bom. Agradeço a todos por fazerem meu discurso ter algum nexo. Infelizmente, não concordo com nenhuma dessas três afirmações. – Abby fingiu espanto cobrindo sua boca aberta em “o” com a mão e eu ri, mas logo continuei – Você não é uma vadia, porque nunca traiu ninguém, e eu, honestamente, não acho que tenha absolutamente nada de errado com querer dormir com todo mundo. Você não pode ser boa de cama, porque eu não tenho como te comparar com nada, já que eu era virgem. E você não tem um bom coração, porque você, Abby, é uma pessoa horrível, assim como eu. – seu sorriso se abriu e eu sabia que estava caminhando no lugar certo – Você me disse que vamos para o inferno por todas as piadas de humor negro, mas eu também não concordo. Inferno é isso que vivemos, não poder respirar, nos perder nos tubos de nossos cilindros, perder o ar a todo o momento e estar presa nas próprias incapacidades dos nossos corpos. E, mesmo assim, você fez disso o paraíso, desde segurar as minhas mãos mal oxigenadas, prender seus tubos nos meus ou transformar a perda de ar em prazer. E eu não tenho a menor ideia de como fez isso. Não tenho ideia de como você pegou a minha dor e fez dela essa experiência incrível que foi me apaixonar por você.

Seus olhos se encheram de água, mas não sabia se era por minha causa. Então parei. Ela sorriu e eu sabia que podia terminar.

–O que eu quero dizer é que eu não quero que morra, porque gosto de você, porque preciso de você, mas a vida, ou morte, não é assim. Eu não posso escolher. As pessoas vão e as pessoas incríveis vão primeiro. E se for para te perder, quero que saiba que se for para o inferno, vai o transformar em céu, como fez comigo, mas se for para o céu... Vai fazer de lá um inferno. Porque você foi feita de extremos para chegar a linha do meio. – suspirei e então disse com uma voz fina e irritante – Além de que, as suas três melhores características são seus olhos sinceros, sua voz e o jeito como acha que sabe mais do que eu.

Parei e sorri. Olhei todo mundo a minha volta, boquiabertos, encarando Abby. Com um enorme sorriso no rosto e algumas lágrimas em suas bochechas, ela se levantou e me abraçou forte, deitando a sua cabeça em meu ombro. Podia a ouvir chorar, baixo, me apertando com mais e mais força.

Rapidamente, todos saíram da saleta, algumas, encostando em seu braço ou suas costas, avisando que iam embora. Em pouco tempo, estávamos sozinhas. Ela se sentou ao chão, me puxou e eu me sentei a sua frente.

Segurei suas mãos e as beijei, então sequei seu rosto.

–Estou com medo. – ela suspirou – Acho que a minha ficha acabou de cair.

–Quer dormir comigo?

–Sim. – ela assentiu.

–Vá colocar seu pijama, eu vou fumar e te busco.

–O Evans não vai se importar?

–Não ligo se ele se importar ou não. – me levantei.

Abby se segurou em minha mão e se levantou, então me beijou e foi para o que acredito ser seu quarto. Andei até o telhado, puxando Hazel, que fazia um barulho medonho com suas rodinhas.

Sentei-me ao parapeito e peguei meu cigarro escondido em Hazel, O acendi com meu isqueiro de bolso. Traguei profundamente, esperando ficar tonta.

–Você não mudaria nem se o mundo caísse em seus ombros, não é? – uma afinada voz estava atrás de mim e eu a reconheci imediatamente.

–Ele já caiu, Bruni, continuo a mesma. – continuei concentrada em meu cigarro.

–Ainda dá atenção para todos, menos para mim. – ela se sentou ao meu lado.

–Às vezes, eu escolho não acreditar que você diz as coisas que diz. – traguei.

–E não é a verdade? Você cuidou de Evans, agora de Abby, mas ainda não cuidou de mim. – ela olhou para o horizonte.

–Eles precisam de mim. – a observei.

–Eu preciso de você.

–Você transou com meu melhor amigo. – esbravejei.

–Nós tínhamos terminado!

–E isso te deu o direito?

–Sim, Violet! Você diz que me ama, mas não estava aqui para mim quando precisei, se distanciou de mim quando namorávamos, você foi horrível comigo e me fez ir embora. Agora me culpa porque eu estou tentando sobreviver sem você? Sim, eu transei com Evans, mas deveria ter sido você a minha primeira. Eu te amo tanto... Mas sentir não é o suficiente, porque mesmo que você me corresponda, não vai saber lidar com um relacionamento sério. De que vale amar se você não sabe o que fazer com esse sentimento? – seus olhos me fuzilaram, olhando fundo nos meus.

–Porque está me dizendo tudo isso? – suspirei, então traguei novamente.

–Porque a minha hora está chegando e eu não posso ir sem tirar tudo isso do meu peito.


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