45% escrita por SobPoesia


Capítulo 15
As pessoas não valem seus últimos suspiros




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Até que pudéssemos sair, ficamos sentados naquela saleta. Eventualmente, os enfermeiros foram embora, ouvimos seus passos indo em direção a saída do prédio, então arriscamos sair. Evans foi o primeiro a abrir um pequeno pedaço da porta e olhar o corredor, seguido por mim, Hazel e Bruni. Corremos em direção ao labirinto de ambulâncias, mas não éramos todos que queríamos um tempo para pensar, 45% correu para ao seu quarto.

Andei com Evans até o muro do estacionamento, escondidos atrás de uma ambulância, sentamos no chão e acendi um cigarro.

–O que está acontecendo com você? – ele segurou minha mão.

–Nada, mamãe. – sorri.

–Violet, não vamos brincar.

–Estou a beira de um surto mental. – traguei.

–Se você ficar louca, eu fico louco. Você é a minha base, Violet, meu porto seguro.

–Então vamos ser loucos juntos. – virei meu rosto para vê-lo e olhei fundo em seus castanhos olhos, ele também era meu porto seguro.

–Podemos surtar juntos? – ele abriu um sorriso triste, mas lindo.

–Quem mais vai te segurar quando você cair? – apertei a sua mão, queria abraçá-lo.

–Você tem a 45%. – ele suspirou.

–Não mais. – coloquei a cabeça em seu ombro.

–Machuca, não é? Perder alguém que você ama...

–Queria não ter sentimentos como você diz que não tenho. É como se eu não pudesse respirar.

–Violet, você já não respira. – ele brincou e nós rimos – Você tem sentimentos, só processa as coisas de forma diferente do resto das pessoas, não tem nada de errado com isso, só te faz parecer uma vadia sem coração. – a sua frase me arrancou um sorriso sincero.

–Achei que fosse perder você, loiro. – me acomodei em seu abraço.

–Você não vai me perder até que nós dois estejamos prontos para que eu vá. – Evans passou o braço ao meu redor.

Parecia então que Deus havia decidido que eu estava pronta para perdê-lo.

A nossa amizade sempre fora assim, cheia de carícias.

Assim que ele chegou, tinha me odiado, algo sobre as minhas piadas sarcásticas e a falta de decoração no quarto fez com que ele perdesse a cabeça. Então, fui tomar banho e liguei minha banda preferida em alto som. O loiro se apaixonou pelo gosto musical e por mim, tão profundamente quanto podia.

Começamos algo incrível aquele dia, uma relação cheia de carinhos, de dormir juntos, de filmes de terror e conversar sobre quão assustador é morrer e como deve ser muito mais assustador não morrer. Não tinha isso com mais ninguém, esse tipo de proximidade. Tanto não tinha com mais ninguém que havia perdido a garota que amo, havia perdido 45%.

Subimos para o quarto, nada havia mudado. Meu surto mental não havia feito com que o cômodo se alterasse, alguém estivesse nos esperando com antidepressivos ou o mundo notasse a diferença. Nós tínhamos mudado, o resto não.

Deitei-me exausta, aquele dia podia acabar logo.

Evans mandou um e-mail para nossos colegas oferecendo gabaritos, então trocamos de roupa e fomos dormir juntos. A sua dialise estava desligada e a minha máquina de dormir também.

Seu abraço, durante a noite inteira, acalmou meu coração, mas isso iria mudar tão rapidamente e drasticamente quanto as coisas poderiam mudar.

Saber que o loiro ia morrer em menos de um mês era mais um problema para a minha interminável lista que parecia dominar toda a minha mente. Não havia colos, carícias ou abraços que fariam isso acabar.

E a nossa rotina desviou todos esses pensamentos destrutivos para longe, tal como deveria. Vender gabaritos era um mercado de risco, alta procura e custo. No dia seguinte já havia uma discreta fila a nossa porta, com suas ofertas e suas contas secretas de e-mail para as entregas.

Passamos quase três dias negociando e distribuindo respostas, para só depois dividirmos os lucros.

Todo o trabalho acabou na sexta-feira. Dia de ver a minha irmã e ganhar os meus tão queridos cigarros. Evans resolveu ficar fora do quarto, juntamente com 45%. Nada de errado, não é? Qualquer um, agora, sabia dos meus problemas familiares e não queria entrar em fogo cruzado. Mas eu devia ter dito algo.

Após as aulas, segui para meu quarto, buscando vê-la e com os olhos em algum livro de ficção científica para que o tempo passasse. Esperei durante horas, quase no horário da janta Vivian chegou, arrumada, mas não muito feliz.

–Aparentemente, conhecer a minha irmã meio morta era demais para o meu novo cara. – ela entrou sem cerimonias, jogou sua bolsa em minha cama e se sentou nela, com uma face muito insatisfeita.

–É com esse tipo que você anda saindo com? – virei a minha cadeira para olhá-la – Você nunca teve um gosto muito bom, mas... Eu não tenho palavras.

–Do tipo que é bom na cama e fora dela é um babaca? Sim, esse é exatamente o meu tipo. – ela suspirou.

–E você acha que um necessariamente excluí o outro? O cara pode ser legal e fazer direito. – peguei Hazel e caminhei até a minha cama, sentando-me nela.

–Nenhum dos caras legais dos quais eu saí com faziam direito. Nenhum dos caras que faziam direito eram legais. É um histórico complicado. – nem ao menos seus olhos estavam muito felizes.

–Deveria continuar procurando... Você sempre teve grandes artifícios a seu favor. – apontei para seus seios – Vai achar alguém para te fazer completamente feliz.

–E você? Vai achar?

–Eu pretendo morrer antes. – juntei as sobrancelhas.

–Não, Violet! Não quero falar de mim. Como está o seu coração? – ela segurou minhas mãos.

–Bom... 45% terminou comigo no dia que descobri que mesmo bem, eu estou morrendo. Então ele está muito bem quebrado.

–O que você fez dessa vez? – sua voz tomou um tom irônico que eu simplesmente amava.

–Ela quer meu ombro para chorar...

–Ah! – ela me interrompeu – O discurso “você é fria” é mal de família. Mas homens são mais fáceis, quando eles falam de sentimento a resposta quase sempre é sexo. Já garotas... Porque você gosta disso mesmo? Sempre queremos algo a mais.

–Eu não. Eu quero ela, Vivian.

Houve uma pausa, não éramos boas com lidar com sentimentos.

–Não deveria estar chovendo em sua pequena horta, única lésbica do hospital?

–Não. Ganhei a concorrência de uma masculina. É difícil quando a Ruby Rose é tão linda... – brinquei, mesmo que essa fosse a realidade – As meninas sempre preferiam Evans, e agora, quando tem dúvida, vão atrás da garota que se parece com ele.

–Bom... – Vivian se levantou – não sofra por alguém, Violet, as pessoas não valem seus últimos suspiros. Já eu tenho muito tempo, porque meus pulmões funcionam e no momento eu quero voltar para o meu flat e gastar um pouco dele chorando por algum babaca.

Minha irmã se inclinou e me deu um beijo na bochecha, então colocou cinco maços de cigarro em minha cama e caminhou até a porta.

–Me ligue quando precisar de mais, mas, por favor, não ligue. – ela saiu.

E eu fiz uma escolha ruim.

Guardei meus cigarros e calcei meus tênis. Queria ir passar algum tempo com meus amigos ou falar com a Bruni, tudo o que tinha para dizer.

Faria qualquer coisa por ela e tinha me dado conta disso naquele momento, mas não sabia se estava pronta para colocar tudo isso para fora. Então precisava vê-la, nem que fosse rindo de uma piada sem graça que alguém havia contado e, se conseguisse, gritaria com toda a força e ar em meus pequenos pulmões que a amava.

Eu a amava, e isso é importante, não é? As pessoas precisam dizer essas coisas.

Segui para seu quarto. Antes do mesmo, havia uma curva para se fazer, contornar um quarto qualquer a esquerda. Estava com uma das mãos na parede, então virei ainda colada na mesma, o que me deu a chance de observar o caminho antes de entrar no mesmo e não havia como apagar o que eu vi.

45% estava em algum vestido rodado, na ponta de seus pés descalços e com os braços entrelaçados ao pescoço de... Que rufem tambores...

Evans, que estava com as mãos ao redor de sua cintura.

Tão juntos que se beijavam.

Lábios com lábios.

Podia ouvir o som do meu coração se quebrando e foi algo como aquele suspiro oco que eu normalmente dou antes de perder completamente o ar e a consciência.

Isso não era nada bom.


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