Hunter - A caçada começou escrita por Julia Prado


Capítulo 3
O passado é referência para o futuro


Notas iniciais do capítulo

Nos falamos lá embaixo! Divirtam-se
;*



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E é claro que eu tinha que ficar doente. Não seria uma estadia perfeita se eu não ficasse. Minha garganta estava em chamas e meu corpo dolorido como se um trator tivesse passado por cima de mim. Achei que as coisas não poderiam ficar piores. Uma semana com uma gripe forte não foram o suficiente. Meu pai ainda quis que eu fosse para a escola. Só na quinta-feira, quando percebeu que eu mal conseguia levantar da cama e que as chuvas recentes e o tempo gelado não estavam me fazendo bem (é claro que a Jane também foi uma forte influenciadora da situação, sempre defendendo os pobres e oprimidos, eca) que eu finalmente pude passar... Um dia em casa.

Não foi ruim, no entanto. Nesse um dia eu preferia mil vezes a escola do que aquela casa gelada e resmungona. Pelo menos na escola Colin e Brady me faziam rir. Aqui a única coisa que aguento é meu pai indo e vindo do trabalho, com seu humor sempre lá em cima.

Descobri, ao longo desse tempo vivendo na mesma casa de meu pai, que ele tinha mais facetas do que eu poderia imaginar – ou aguentar. Acho que é nisso no que somos tão iguais, por que eu também tenho. A única diferença é que eu procuro sempre descontar em alguém – seja da família ou não -, já meu pai tem o bom senso e a péssima ideia de tentar descontar em cima da família. Ele sempre acorda com o mesmo mau humor, toma seu café da manhã com animação, se irrita com quem não está tão animado quanto ele e resmunga quando está na hora de trabalhar. Depois volta ainda mais estressado, senta com Jane na sala e divaga sobre a irresponsabilidade dos jovens de hoje, fica de bom humor depois que come e volta a resmungar quando não quero deixar a televisão sob seu comando, depois explodi por que ainda não fiz o meu dever de casa e sai batendo os pés quando começamos a brigar. Volta mais tranquilo, pede desculpas e depois se irrita comigo novamente.

Eu poderia até reclamar. Mas não é isso o que eu faço ou penso. As nossas desavenças e altos e baixos parecem mais normais do que abraços e beijos. Acho que o relacionamento de pai e filha varia muito de acordo com a família. Mas às vezes isso pode ser muito cansativo. Todo final de dia estamos tão cansados de brigar um com o outro que acabamos nos evitando o máximo possível. Não que isso seja muito eficaz, a casa é um ovo então o máximo que conseguimos fazer é virar a cara um para o outro enquanto passamos no mesmo corredor apertado. Acho que não somos os únicos a nos cansar. Jane e Austin sempre ficam mais cansadas e cabisbaixas depois de cada briga, como se isso as afetasse também.

Eu procuro não me importar, para ser bem sincera. A briga é entre nós dois, elas não tem nada no que se meter.

Dirijo com as mãos um pouco tensas para a escola. É sexta-feira, o que deveria ser muito legal para todos, mas para mim é só mais um dia como qualquer outro, e amanhã será outro dia no qual passarei ele todinho na minha cama, em uma conferência com a minha melhor amiga e suas ideias mais absurdas quando se trata de sexo (ela colocou na cabeça que precisa passar logo pela experiência dolorosa da primeira vez para poder curtir a vida depois disso). Eu estou tentando dissuadir Naomi dessa ideia, mas não há muito o que eu possa fazer e, para ser bem sincera, eu não acho que ela esteja errada. Nunca coloquei como prioridade na minha vida a perda da virgindade como algo teatral e extremamente romântico. Sendo bem sincera novamente, acredito que as pessoas enfeitam demais um ato. Todos aqueles sonhos de flores na cama, luz de vela e música ambiente.

Mas estou divagando – como sempre faço.

O motivo do meu nervosismo é que Austin está retorcendo as mãos no colo desde que entramos no carro. O pouco tempo que tenho passado aqui já deu para perceber muitas coisas sobre ela – Austin é, definitivamente, o tipo de adolescente “livro-aberto”. Uma dessas coisas é que Austin pensa dez mil vezes antes de dizer o que está pensando, e isso sempre acarreta nela contorcer as mãos quando acredita que chegou a hora de falar, mas sabe que a minha reação não vai ser boa. Não posso ser considerada uma menina de muito tato com as pessoas, então entendo a reação dela e isso reflete na minha tensão. Nunca quero machucar os sentimentos de Austin, mas vira e meche eu sei que o faço.

– Vamos lá, Austin, fala de uma vez. – soltei meio entre os dentes, não aguentando mais aquela energia dentro do carro.

Ela ficou um momento em silêncio. Eu a via pelo canto de meus olhos mordendo a parte interna da bochecha.

– Mamãe e eu achamos que você e John tem brigado demais, que isso não é saudável para a relação de vocês dois. Sabe... Eu brigava muito com o meu pai também, até que chegou um ponto que ele não queria mais me receber na casa dele – ela disse tudo isso em um sussurro. – Agora as coisas estão melhores, mas não queremos que isso aconteça com você e com o John.

Bufei e rolei os olhos.

– Não vamos nos afastar por causa disso. – tentei tranquilizá-la da melhor forma que conseguia. – É assim que nossa relação é. Brigamos, fazemos as pazes e depois voltamos a brigar. Somos... eternos. – testei a palavra. – Não vamos nos afastar.

– Mas e se...

– ‘E se’ não é um argumento é uma previsão. – a cortei o mais gentil possível. – Muitas coisas podem acontecer e não significa que temos que parar de agir de certo modo para evitar esses acontecimentos.

Austin ficou um minuto quieta, mas suspeitei que ela não tinha desistido, que só tinha se calado por que chegamos na escola. Estávamos um pouco atrasada – e eu total reconheço a culpa, mas eu tinha um bom argumento: não estava encontrando meu celular – e por isso o estacionamento já estava lotado. Deixei Austin na porta da escola enquanto dirigia pelo estacionamento em busca de uma vaga.

Eu ia fazer uma reclamação para a diretoria, não era possível que não tinha uma vaga sequer nessa escola! Encontrei uma muito longe, bem próxima a beirada da descida que dava para a praia. No momento em que desliguei o carro uma chuva começou a cair, como se tivesse calculado o momento exato para me irritar e transformar essa sexta-feira normal em uma sexta-feira horrível. Puxei o meu capuz para cima, já que Austin tinha levado o nosso guarda-chuva. Passei a bolsa no ombro e abri a porta.

Eu tinha um certo problema com a porta do motorista, ela sempre emperrava um pouco quando eu tentava abrir de dentro. Mas ela deslizou com uma facilidade nada comum. Eu tomei um susto tão grande quando ele apareceu que nem consegui soltar um grito. Mas acho que estava claramente estampado que eu tinha me surpreendido.

E estava claro que ele estava se divertindo com isso.

Eu não achei nada engraçado, nada legal. Meu coração estava disparado de tanto medo e ansiedade. Olhei de relance para a entrada da escola, onde eu ainda via o guarda-chuva roxo berrante de Austin me esperando. Imaginei se eu gritasse bem alto talvez ela conseguiria me ouvir, mas o som da chuva provavelmente iria abafar isso e eu não sabia o quão maluco ele poderia ser para tentar me fazer calar a boca.

Não podia ser uma coincidência.

Travei meu maxilar quando voltei a encará-lo e reprimi todo o medo que meu corpo liberava. Respirei fundo uma única vez bem discretamente, aprisionando o medo e ansiedade. Meu coração ainda batia muito forte, mas eu não podia controlar isso. Uma pequena descarga de adrenalina fez com que eu movesse meus pés para fora do carro. Não que tivesse feito muita diferença, ele era muito mais alto do que eu. Talvez fosse do mesmo tamanho de Colin ou Jacob. E, ao mesmo tempo, ele não parecia fazer parte da comunidade, por mais que suas características revelassem o contrário.

– Olá – ele disse sorrindo, mostrando uma fileira de dentes brancos e perfeitos. Isso deveria ser menos assustador, esse sorriso tão simpático e calmo. Mas eu não me senti assim. Geralmente quando as pessoas vinham de mansinho era por que elas iam fazer alguma coisa.

Minha garganta parecia fechada e travada, eu não conseguiria falar nem se tentasse. A última coisa que eu gostaria era de bancar a idiota, por isso só assenti, reconhecendo o cumprimento dele.

Assim, tão de perto, ele parecia ser muito mais alto e muito mais forte do que o último encontro na floresta. Isso tinha se passado quase uma semana do aniversário de Billy e eu tentei com todas as minhas forças reprimir aquele dia para o mais longe de mim. Até mesmo os momentos em que Jacob estava nele... Não que ele fosse especial demais para que eu o incluísse nisso... Quero dizer, eu nem sei por que falei isso! Jacob Black não era nada demais e ele não merecia uma frase especial...

Parei de divagar.

Mas ao mesmo tempo pensava onde Jacob Black poderia estar. Foi com ele que encontrei logo depois da floresta. Ainda sinto como se fosse agora a proteção que me envolveu. Tentei guardar esse sentimento enquanto encarava o estranho na minha frente, que agora se ocupou em fechar a porta do meu carro. Quanta gentileza. Quase rolei os olhos com isso.

– Você não parece tão curiosa como semana passada. – ele disse semicerrando os olhos de leve, novamente tive a sensação de que ele não falava com muita frequência. – Cadê aquele monte de perguntas?

Dei de ombros, finalmente encontrando alguma reação. Minha garganta estava seca, mas forcei a voz a sair.

– Você não respondeu nenhuma delas. – minha voz saiu um pouco mais firme do que eu esperava.

O homem sorriu, mas dessa vez não mostrou os dentes. Eu recuei um pouco, me aproximando um pouco mais da frente do carro, que estava apontada para a entrada da escola. Segurei a alça da mochila com mais firmeza, tentando localizar toda a minha tensão naquela região e liberar o resto do corpo. Enquanto isso eu olhava desconfiada para ele. Procurando o motivo de ele estar ali, justamente ali. O perigo ainda estava visível em cada poro e cada musculo de seu corpo, até na posição “relaxada” que ele mantinha. Os olhos cor de mel eram calculistas.

A chuva continuava a cair forte em mim, minhas calças estavam começando a ensopar.

– Eu tenho aula. – falei passando por ele.

– Imaginei que tivesse. – ele disse cruzando os braços. Parecia não se incomodar nem um pouco com a chuva que o molhava. Pela primeira vez larguei meus olhos dos seus e prestei atenção no que ele estava vestindo, que não era muita coisa. Uma camiseta bege, calças com caimento perfeito e botas.

Estranhei isso. Estava muito frio e a chuva não ajudava em nada. Eu não dava nem cinco minutos para começar a tremer de frio. E eu não queria passar o dia inteiro molhada.

– Qual o seu nome? – perguntei novamente, dessa vez mais mandando do que pedindo.

Ele abriu um sorriso, mas eu não consegui interpretar ele. Não parecia ser malicioso. E não parecia ser bom também. Senti minha espinha estremecer de medo e meu coração dobrou os batimentos. O modo como seus cabelos molhados caiam ao redor de seu rosto parecia tornar ele ainda mais sombrio. Definitivamente não era um bom sorriso.

– Farad. – ele respondeu depois de um tempo no qual achei que ele não ia falar.

Isso me pegou um pouco de surpresa. Ele estava tão misterioso e contido na floresta, não parecia nem querer que eu descobrisse que o tinha visto ali, mas, por algum motivo desconhecido para mim, ele tinha me liberado. Com o risco de eu contar para alguém, mas eu não era idiota a esse ponto: quem é que acreditaria em mim? Fora que meu pai provavelmente me proibiria a vida inteira de entrar na floresta novamente.

Estreitei meus olhos.

– Prazer. – falei mais por educação do que qualquer outra coisa.

Ele pareceu se divertir com isso mais do que quando me assustou ao abrir a porta do meu carro. Ele estava se divertindo a minhas custas e tomar conhecimento disso foi o suficiente para que eu ficasse brava. O suficiente para decidir dar as costas a ele e caminhar até a entrada da escola. Comecei a andar, mas ele agiu rápido demais e se postou na minha frente.

Uh, perto demais.

Dei um passo para trás, nem um pouco interessada em ficar tão perto assim.

– Preciso que dê um recado para Jacob Black. – ele disse irritado.

Mas não era só isso. Sua voz trazia algo muito mais profundo do que irritação. Quase como um ressentimento. Estreitei meus olhos e esperei, nem negando nem confirmando. Minha curiosidade provavelmente não me deixaria ir embora sem ouvir o recado, mas eu não conseguia encontrar o que eu tinha a ver com aquilo.

– Por que não dá você mesmo? – perguntei com um tom de petulância na voz.

Por mais que ele estivesse sorrindo no momento, isso parecia muito mais uma ameaça do que simpatia. Ele cruzou os braços na frente do corpo, disposto a não me deixar passar. Bati um pouco o pé impaciente, mas assenti com a cabeça, para que ele prosseguisse com o recado.

– Diga a ele que me encontrou. – cuspiu novamente. – E que lhe darei um prazo de um mês. Diga também para que seus amigos do Alasca se retirem.

Ele estava falando inglês, eu tinha certeza disso, mas não conseguia entender uma palavra sequer. A frase não fazia sentindo para mim. Fechei os olhos com força para reprimir a irritação. Eu ia dizer para ele ir se ferrar; ia dizer para parar de encher o meu saco; ia falar para dar o recado ele mesmo, por que eu não trabalhava no correio; ia gritar sobre como ele deveria lidar com os próprios problemas e me deixar em paz; ia falar algum bordão adequado para o momento; ia ser irônica; eu ia... Fica quieta e engoli minhas reclamações. Ao abrir os olhos ele já tinha ido embora.

Olhei ao redor, procurando qualquer sombra, qualquer pedaço de pano que indicasse o caminho no qual ele tinha ido. Mas não havia nada. Era como se ele nem tivesse estado ali.

Percebi que estava me encharcando ainda mais ao ficar parada naquela chuva, então caminhei com passos duros para até a entrada da escola. Onde Austin ainda me esperava, fielmente. Mas com os lábios tão pressionados pela aflição de chegar atrasada que eles ficaram brancos. Corremos pelos corredores, meu corpo doendo a cada pisada que eu dava. Se antes eu estava me incomodando com a gripe, agora eu ia morrer dela.

As primeiras aulas passaram como um borrão, eu mal prestava atenção no que o professor dizia. Geralmente eu tomava notas, mais para ter o que fazer do que por necessidade mesmo. Eu já tinha tido tudo aquilo, por isso não consegui me sentir culpada por não prestar atenção na aula. Eu estava ficando paranoica, mas a todo o momento olhava pela janela, como se esperasse ver o estranho parado no estacionamento, com seus olhos em mim e na expectativa que eu cumprisse com um trato que nem tinha feito.

Estava tudo muito implícito. Ele tinha me encontrado na escola e queria que eu, justamente eu, desse um recado para Jacob Black. Mas o que é que eu tinha a ver com aquilo? Se Jacob tinha suas encrencas com outras pessoas, ele que não arrastasse isso para mim. Estava implícito de que não era um pedido amigável; implícito de que ele saberia se eu desse ou não o recado; implícito que ele detestava Jacob Black.

Fiquei pensando no que poderia dar a entender que meu contato com Jacob fosse algo grande o suficiente para começar a passar recados. Eu não encontrei nenhum. Nos vimos poucas vezes e das vezes que nos vimos eu não fui nem um pouco gentil, e ele também não. Embora eu tenha que admitir que fui muito mais rude do que ele. E mesmo assim minha mente continuou a trabalhar durante os corredores, pensando na frase que não me fazia sentido algum, pensando no motivo para o estranho achar que eu passaria qualquer recado.

Mas então me lembrei.

Eu tinha trombado com Jacob depois da floresta. Não tinha sido nada demais, para falar a verdade. Ele só evitou que eu caísse... Mas se alguém visse de fora – se esse alguém fosse bem tapado – poderia achar que eu e Jacob tínhamos alguma coisa. Eu me lembro bem do modo como seus braços simplesmente passaram ao meu redor, sem nenhum esforço e sem nenhuma permissão. Se esse estranho tivesse visto de fora e estivesse procurando por qualquer motivo contra Jacob, então aquela seria a situação perfeita.

A garota nova, que está nos braços do nativo.

Minha mente se projetou para fora da minha memória. Como uma observadora. Eu me via no meio da chuva, quase caindo com a trombada, via Jacob me segurando por reflexo, seu corpo muito mais alto do que o meu. Via com clareza a demora que ele teve para me soltar, até que finalmente eu tomei a atitude e me soltei. Observei por mais um tempo, enquanto me desvencilhava dele e entrava na varanda de sua casa, no modo como ele se aproximou e eu recuei. Como o corpo dele se curvou um pouco para frente, como se estivesse interessado em qualquer coisa que eu estivesse falando. E ele estava, Jacob curvou o corpo no momento que comentei sobre sua moto.

Mas até então era só isso.

Não havia nada de concreto. Não havia um flerte escancarado. Nem havia um flerte! Bom... eu acho que não, pelo menos não da minha parte. Jacob parecia ser o tipo de cara que flertava automaticamente com todo mundo, como se a conversa fosse uma eterna piada.

Trombei em algumas pessoas enquanto andava para o refeitório. Eu tinha um zunido estranho em meus ouvidos, escutava muito parcialmente o que Austin dizia enquanto estávamos na fila. Ou enquanto andávamos até nossa mesa de costume, próxima a janela. Sentei-me como um robô na cadeira e fiquei remexendo em minha comida. Minha mente estava longe, muito longe.

Eu agora debatia se dava ou não o recado.

Tentei listas os prós e os contras, mas parei assim que comecei. Não havia prós. Eu estaria cedendo a uma coisa ridícula de um cara que eu nem conhecia. Um cara maluco que achou que eu poderia passar algum recado idiota para Jacob Black. Eu nem lembrava direito do recado!

Aprumei melhor meus ombros assim que tomei a minha decisão.

Eu não dar recado coisa alguma. Eu ia ficar na minha, na encolha, e deixar que os adultos se resolvessem. Não havia nada que esse tal de Farad pudesse fazer comigo... Tudo bem que ele tinha uma aparência meio maníaca e problemática, mas fora isso ele não podia fazer mais nada comigo, não é mesmo? Fora que não tinha como ele saber se eu tinha dado ou não o recado... A não ser que ele estivesse me observando...

Tudo bem! Vamos parar por aí. A paranoia já está evoluindo demais.

O cara não está me observando e me perseguindo. Isso seria ridículo demais.

Por precaução eu olhei por cima do meu ombro, para a janela mais próxima que dava para o estacionamento. A chuva tinha abrandado, mas continuava ali. E não havia ninguém no estacionamento. Estava absolutamente vazio. Chegava até a ser uma visão bem triste. Aquela cor cinzenta, a chuva, os carros velhos.

– Hei! Mundo para Gaele! – Colin estalou seus dedos na minha frente.

Voltei para a realidade com um pouco de choque. O barulho alto da cafeteria invadiu meus ouvidos, assim como o cheiro de madeira molhada, pão e sal. Tudo aqui em La Push cheirava a madeira e sal. Era um cheiro que eu já tinha me acostumado e já tinha associado ao lugar. Olhei para Colin um pouco constrangida pelo total desligamento.

– Onde é que você estava? – Graham perguntou.

Acho que ele já tinha decidido parar de dar em cima de mim, mas eu não tinha muita certeza. Vez ou outra ele ainda tentava alguma aproximação, acho que só para ver se teria alguma chance. O que seria zero. Graham não fazia o meu tipo. O meu tipo era um cara bacana de L.A. apenas.

– Pensando no dever que o professor passou. – menti.

Austin ia abrir a boca para desmentir quando lhe chutei por debaixo da mesa. Ela se calou imediatamente, mas me olhou com as sobrancelhas franzidas. Eu não precisava de muito para saber o que se passava na cabeça de Austin. Ela era extremamente fácil de ler e acho que sabia disso, pois nunca a vi tentar esconder nada.

– Ah, pare com isso! – Brady disse cruzando os braços na nuca. Seus músculos ficaram em evidência ao fazer isso. Foi quando notei que ele usava uma camiseta de mangas curtas. – É sexta-feira, não vamos precisar nos incomodar com as lições até domingo.

Franzi o cenho. Colin também não usava nada muito grosso. Na verdade, ele estava de shorts. Imagino que seja aquela fase que todos os meninos passam, no qual impressionar as garotas com seus músculos seja parte do pacote da puberdade. Ainda era estranho. Eles nem pareciam sentir frio. Já Graham estava enrolado em um casaco xadrez que era muito quente, mas muito feio também.

– E o que vamos fazer no final de semana? – Lali perguntou com um sorriso para Graham. Ela estava posicionada de uma forma a me ignorar. Com metade do corpo de costas para mim. Procurei não rolar com olhos com isso. Eu não entendia qual era o problema dela comigo, mas não me importava o suficiente para ir pesquisar.

Eu já sabia a resposta de Graham. Seria a mesma de todos daqui.

– Vamos para a praia! – ele disse animado. – Eu vi no noticiário que esse final de semana vai ser melhor, temos 70% de chances do sol aparecer. E a mínima vai ser de 15°, então vai ser um bom dia.

Dessa vez não consegui segurar e rolei os olhos com isso.

Brady me acotovelou nas costelas. Eu franzi o cenho com a pontada de dor, mas abri um sorriso para ele. Na verdade, Colin, Brady e Austin eram os únicos que conseguiam atravessar minha névoa de depressão e reclamação. Eu nunca admitiria isso em voz alta, mas eles estavam conseguindo subir no nível de colegas para amigos.

– Não seja tão chata. – ele disse só para mim. – Vá para a praia também, é sempre divertido ver Graham tentar surfar nos dias de sol. Ele cai engraçado.

Eu ri.

– Por que vocês nunca vão? – perguntei. Só fui à praia com Colin e Brady uma única vez, também foi a minha última.

– Temos alguns assuntos na reserva. – ele disse de forma evasiva, com um sorriso brincalhão. – Sabe como é, muitas gatinhas para namorar.

Bufei com aquilo. Brady riu, mas eu notei que ele tinha desviado do assunto. Esse era o problema da Reserva Quileute. Eles eram muito fechados em sua própria cultura, nunca abriam as portas para qualquer pessoa de fora, até mesmos os moradores de La Push. Eu não sabia o que rolava lá dentro, se a comunidade se ajudava, trabalhavam em conjunto, viviam em uma casa só, fosse o que fosse, Brady e Colin nunca falavam muito sobre a reserva.

Todos de La Push já pareciam acostumados com isso. Tanto é que Graham e Lali só reclamavam por reclamar quando os meninos não iam à praia. Austin já nem perguntava mais o motivo. Então acho que por ser nova, aquilo para mim ainda era estranho.

– Vocês trabalham por lá? – perguntei.

– Quase isso. – Brady puxou minha bandeja intocada para ele. – Vai comer isso?

– Não, pode comer. – murmurei. Eu observava Brady atacando meu sanduiche e Colin olhando para uma garota do outro lado do refeitório.

Eles pareciam bem a vontades em La Push, mas estava na cara que não pertenciam ao lugar. Como se fossem deslocados e ao mesmo tempo populares. Todo mundo aqui se conhecia e todo mundo conversava, principalmente o sexo feminino com Brady e Colin. Mas eles não pareciam dar tanta importância assim, pelo menos não a importância que Graham dava. Ele parecia se derreter para todas as meninas que sentavam ao seu lado.

Enquanto Lali fuzilava cada uma delas. Ela não era exatamente popular.

O sinal tocou e o arrastas das cadeiras foi conjunto e alto. Ecoando pelo espaço pequeno. Brady passou os braços nos meus ombros enquanto caminhava, ainda com o pedaço de sanduiche na outra mão. Eu tentei roubar de volta, mas ele foi mais rápido, afastando a mão. Colin, no entanto, não perdeu a oportunidade. Em menos de um segundo o último pedaço já estava todo na sua boca.

Brady me soltou para socar o ombro de Colin, e então começaram uma breve luta enquanto andavam. As pessoas no corredor se afastavam para não se machucarem, enquanto riam. Eu também ria um pouco. Brady era mais forte, mas Colin era mais esguio e ágil. Um pouco desengonçado, tenho que admitir, mas era engraçado o modo como se movia. Eles pararam quando entramos no ginásio, para a aula de educação física. Era a única que eu tinha com eles.

O que não era muito legal. Brady e Colin eram os melhores da turma em qualquer esporte que o treinador passava. Muito diferente de mim. Eu não era péssima, mas também não era um exemplo a ser seguido.

Recebi algumas boladas de vôlei na cabeça enquanto jogávamos. Assim que fui deixada em paz, consegui voltar para o drama do dia: o estranho no estacionamento.

Eu tinha certeza que ele não saberia se eu fosse ou não conversar com Jacob Black. E era algo que eu não ia fazer. Qual seria o objetivo de tudo isso? O que Jacob iria falar? Ou fazer? Não, eu não ia pagar mico à toa. Farad que resolvesse suas intrigas, tinha mais trezentos e poucos habitantes para ele cobrar favores.

Ele que se resolvesse. Eu não ia abrir a boca.

* * *

Eu dirigia tensa pela Ocean Drive. Austin tinha aberto o vidro, aproveitando que a chuva parou, e colocou parte da mão para fora, aproveitando o vento úmido. Eu mordi o lábio. Minha mente tinha se virado para um lado um tanto perigoso, que eu não queria revelar. Mas acreditava que Austin era discreta o bastante para não me fazer perguntas sobre isso.

– Austin? Você conhece bem Jacob Black? – perguntei um pouco receosa.

Austin não respondeu de imediato. Eu sabia que ela estava tentando entender o motivo da minha pergunta. Eu a via por soslaio, seus olhos estavam fixados em mim, com um leve franzido. Então olhou para frente.

– Não muito. O pessoal da reserva não é muito aberto, sabe. – ela disse tentando deixar a voz o mais simples possível. – Mas como John tem muitos amigos da reserva, então a gente acaba sabendo algumas coisas. Sei que Jacob já brigou com um pessoal de Forks. Ele era bem brigão quando mais novo, lembro de John conversando com Billy. Acho que era por causa de uma garota. Depois ele fugiu de casa e ficou um bom tempo longe.

– Fugiu de casa? – perguntei. Jacob realmente era flor que não se cheirasse, mas nunca o imaginei fora daqui. Era como se Colin, Brady, Jacob, Billy e todo esse pessoal não combinasse com mais nenhum local a não ser esse.

– Sim. Ele teve um período meio turbulento, mas só sei disso por que John conversava com mamãe. Depois que ele voltou, tudo ficou um pouco tenso ainda. Eu o via pela reserva e por La Push, com um grupo de homens... Eles são meio que uma gangue, eu acho. – ela franziu o cenho. – Já vi Colin e Brady com eles. Seth também, mas Seth já concluiu os estudos. Eu não sei se eles fazem algum mal, mas todo mundo de La Push meio que obedece a eles.

Lembrei da menina do restaurante, quando mandei Jacob voltar para a fila. Isso era estranho. Uma gangue em La Push... Isso é sério?

– Depois de um tempo eu soube que Jacob abandonou esse grupo. Ficou um tempo fora também, mas ele já era mais velho. Eu não sei o motivo e onde ele ficou, mas não voltava muito para La Push. – ela deu de ombros. – Até que ele ficou de vez e construiu seu negócio aqui. Ele trabalha com John na carpintaria e tem uma oficina com Quil Ateara.

– Isso parece... Bem problemático. – tentei soar o mais desinteressada possível. Estávamos chegando em casa já.

– Acho que sim. Mas acho que todo mundo passa por isso né? – ela deu de ombros novamente. – As únicas notícias que Jacob Black rendeu para a conservadora La Push foram suas conquistas amorosas. – e riu com isso. Eu ri também. Era típico de cidade pequena, todo mundo perdoar a fuga de casa, a entrada em uma gangue, mas os relacionamentos amorosos eram um pecado.

Eu estacionei o carro na entrada de casa, dei algumas ombradas nas porta até que ela se abriu. Nós saímos e entramos. John e Jane não estavam ainda, por isso abandonamos nossas coisas na sala mesmo e fomos até a cozinha, começar a cozinhar o almoço.

Era algo que eu nunca tinha feito em Los Angeles, mas que aqui parecia ser muito natural até para mim. Eu gostava de cozinhar com Austin, ela era muito melhor do que eu e por vezes me deixava com as partes mais fáceis, o que eu não me importava nem um pouco. Nós começamos em silencio, enquanto eu absorvia a adolescência conturbada de Jacob Black.

Algo que não entrava na minha cabeça era a gangue.

– Ele geralmente não fala muito com o pessoal de La Push, sabe. – Austin disse de repente.

Franzi o cenho.

– O que quer dizer com isso?

Ela deu de ombros.

– Ele fica te olhando. – falou enquanto se ocupava de cortar a carne. – Ficou na festa do Billy. Quando você saiu ele foi logo atrás. Nunca o vi fazer isso com ninguém, a não ser com Lynn.

– Lynn?

– A filha de Embry. É a afilhada de Jacob. – ela abriu um sorriso. – Ela é uma gracinha. Jacob ajuda Embry a cuidar dela de vez em quando.

– O que aconteceu com a mãe?

– Foi embora. Abandonou os dois pouco antes de Lynn fazer um ano. Embry ficou bem arrasado, mas acho que eles já tinham problemas antes sabe, por que ele não se importou muito. – deu de ombros. – Ele sempre leva ela para a praia nos finais de semana. Acho que não há criança mais mimada na reserva do que ela.

Eu abri um sorriso inconsciente com isso. E esse era o bom de uma cidade pequena. Todo mundo sempre podia ajudar um pouco.

– Você também parece ficar bem nervosa do lado dele.

Deixei a faca cair dentro da pia. Tentei pegá-la do modo mais digno possível.

– Claro que não. – falei com o rosto vermelho. Austin ficou me olhando durante um bom tempo e eu tentei sustentar o olhar dela, mas depois de um tempo soltei o ar e baixei os olhos para a faca. – Ele é bem intimidador.

– Ele é perigoso. – Austin concordou com um aceno de cabeça.

Eu gostaria de dizer que não foi isso o que eu quis dizer, mas não era uma verdade por completo. Jacob Black era sim muito perigoso, qualquer um que olhasse para ele saberia disso. Voltei a cortar o alface. Concentrada no que estava fazendo.

– Mas ele também é muito bonito.

Eu ri com o comentário dela.

– O que você faria se fosse obrigada a procurar ele? – perguntei displicente.

Austin ficou um momento em silencio, buscando o sentindo da minha pergunta. Eu sabia que ela não iria encontrar nenhuma, então não falei mais nada. Austin por fim suspirou e voltou a cortar a carne.

– Eu o procuraria. Ele geralmente fica na oficina, fica dentro da reserva, perto da casa dele. – ela não estava me respondendo exatamente, só estava me dizendo onde o procurar e isso era muito legal da parte dela.

Austin não disse mais nada e eu também não. Não havia mais nada para dizer, eu não contaria sobre o estranho para ninguém e por enquanto não passaria o recado nem para Jacob Black. Eu ia evitar qualquer contato com ele. Eu sabia, desde que o vi no estacionamento, que Jacob era perigo. Austin acabou de me confirmar isso.

Não, eu precisava me manter afastada. Não precisava de um romance idiota e nem mesmo de uma distração. O ano ia passar mais rápido e eu estaria fora daqui. Simples assim.


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Notas finais do capítulo

Eaaae? O que acharam! Sophia e Amando, obrigadíssima pelos comentários! Adoro eles! O pessoal que está acompanhando ou até mesmo visualizando... Bora comentar também, eu não mordo não! Isso só incentiva os escritores!
Quem topa fazer um bolão sobre o Farad? Kkkk, comentem suas suposições sobre ele, adivinhações, previsões, teorias, conceitos! Vou adorar ler todos eles... Mas não vou confirmar nenhum! Kkkkk
Beijos gente! Até semana que vem
;*



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