Hunter - A caçada começou escrita por Julia Prado


Capítulo 15
A caçada começa


Notas iniciais do capítulo

Vamos para a treta!!!



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O passeio não durou muito. Brady teve que voltar correndo para contar a Jacob a revelação sobre outro lobo rondando La Push. Tive que voltar sozinha para casa e passar o resto da tarde remoendo toda a conversa, tentando fazer com que entrasse em minha mente. Não era tão difícil assim, uma vez que eu já tinha visto com meus próprios olhos. As informações, no entanto, só iam aumentando o meu medo de onde eu me encontrava.

Como isso era humanamente possível? Será, então, que existia tudo o que os contos de terror diziam? Bruxas, magia, minotouros... Todas essas coisas existiam? E se existiam, quem as criou? Será que tinha sido o mesmo Deus que criou os homens?

Isso era tão irreal.

Então havia meu pai. John com sua caixinha de surpresas. Quando, nessa vida, que eu iria dizer que John era da tribo? Eu não me lembrava dele morando na reserva, lembro de nossas viagens para lá, mas nada além disso: visitas. No entanto, isso era a menos chocante das revelações, na verdade parecia fazer o maior sentindo do mundo. John realmente passava tempo demais nos assuntos dos quileutes para ser um simples cidadão de La Push.

Deitei na cama e fiquei olhando para o teto enquanto o pânico não vinha. Eu realmente esperava que essas informações nao alimentassem meus medos. Era pedir muito uma noite bem dormida?

Na verdade, era sim.

Assim que todos se prepararam para dormir, assim que deitei na cama e fechei os olhos, minha mente disparou para as últimas informações. Elas alimentaram meu desespero, alimentaram meu medo do que estava correndo por aí. E isso se devia ao fato de que ninguém, até agora, sabia que aquela coisa estava correndo por lá. Jacob não tinha controle dela, porque nem sabia da existencia disso. Então como eu poderia dormir tranquila?

Fiz meu caminho habitual para o banheiro do andar debaixo. Assim como todas as outras vezes, fechei e tranquei a porta, encostei no canto e deixei que o pânico viesse. Mas ele não estava em sua força total.

Havia algo de diferente nesse pânico que veio. Havia um medo diferente. Eu estava com medo por Jacob. Onde ele estaria agora? O que ele estaria fazendo? Será que ele estaria caçando o outro monstro? Será que ele seria a próxima pasta parda debaixo da cama de John?

Meu corpo estremecia com esse pensamento. Era um pânico muito doloroso. Minha mente viajava para as diversas mortes de Jacob enquanto eu era assolada por uma onda onde choro. Eu estava em pânico por ele. Gostaria de ligar e confirmar se ele estava bem.

Não podia fazer isso. Havia algo quebrado dentro de mim em relação à Jacob. Além da mentira, havia algo a mais. Algo que eu já sentia muito antes de descobrir sobre os lobos.

Eu estava com medo do que sentia por ele. Mas mais do que isso – não inteiramente desconectado -, eu tinha medo do quanto ele poderia me machucar emocionalmente.

Jacob era uma das únicas pessoas que me tiravam do eixo. Ele era o único pelo qual eu já senti algo tão poderoso. Ele me tinha em suas mãos, isso era tão claro para mim agora! E estar nas mãos de outra pessoa, como eu estava nas dele, me assustava. O que ele faria quando descobrisse esse poder por mim? Eu já tinha visto tantas pessoas sofrerem por causa disso.

Era um sentimento que eu não conseguia classificar agora, acho que não era amor. Talvez ainda não, mas estava caminhando para ir além disso. E, mesmo assim, eu sabia que Jacob estava mais avançando em relação a mim. Eu tinha visto em seus olhos naquele dia em sua casa.

Então como ele poderia me machucar se sentia aquilo por mim?

Eu era tão medrosa quando se tratava de relacionamentos que nem conseguia confiar em Jacob. Havia uma certeza muito forte de seu sentimento e mesmo assim eu dava para trás. Por que eu fazia essas coisas?

Mas era quem eu era. Eu não confiava com facilidade. Eu nunca havia me entregado para alguém, então como poderia me entregar para ele? Como se fazia isso? Havia um manual?

Eu ficaria grata se houvesse.

Dessa vez o pânico passou bem mais rápido do que eu imaginara. Eu estava saindo do banheiro e indo para o meu quarto. Antes de me deitar na cama, abri as janelas para deixar o vento gelado varrer para longe minhas lágrimas, não querendo acordar Austin com a luz do banheiro.

Fiquei olhando para a árvore que crescia na lateral da minha janela. Olhei para além dela, o Quilayte River seguia seu rumo calmo de sempre. O barulho de água batendo suavemente em rochas me fez sorrir pela primeira vez em uma semana. O céu estava quase sem nuvens, o que era algo raro, a lua iluminava todo o meu quintal.

Além do rio havia uma floresta isolada, quase uma ilha. As copas de suas árvores balançando fortes. A neve caia com força nessa noite, já se pregando no chão. Não deu para ficar com a janela muito tempo aberta. Antes de fechar, no entanto, um movimento atraiu minha atenção para a orla da floresta do outro lado do rio.

Apertei os olhos, para depois os arregalar.

Por um breve momento achei que fosse o monstro marrom esverdeado da floresta. Por um breve momento eu quase gritei e me afastei da janela.

Mas nao era ele.

Era outro lobo. E havia tanto horror e temor nele quanto o outro, mas havia algo de diferente nesse. Estava escuro demais para que eu conseguisse vê-lo com perfeição, mas ele saiu mais da orla, sua cabeça estava virada para o outro lado do rio, o nariz em pé como quem fareja. Ele saiu mais um pouco e o luar o tomou.

Seu tom parecia ser marrom escuro, ele parecia ser tão grande quanto o outro que vi. No entanto, havia algo nele que não me deixava tão apavorada. Ele não parecia tão animalesco, nem tão cruel. O que me assustava era o fato de saber que aquele era um ser mítico.

O grande lobo virou sua cabeça para mim. E ele cravou seus olhos nos meus.

Meu coração estava acelerado, assim como minha respiração. Pensei em Jacob. Não entendi o motivo, talvez a forma como os olhos cravavam nos meus. Na forma como ele me encarava.

Seria possível ser Jacob?

– Jacob? – sussurrei, testando as palavras. Talvez, se ditas em voz alta, elas fizessem mais sentindo.

As orelhas do grande lobo se voltaram para mim, e parecia que ele tinha me ouvido. Parecia que eu tinha ganhado sua atenção.

Engoli em seco, acordando de meu torpor. Não era possível que eu estava me acostumando com aquilo! Fechei a cara para o lobo (fosse quem fosse) e fechei minha janela, para depois fechar as cortinas.

Deitei na cama e fiquei encarando o teto, tentando acalmar a respiração e os batimentos cardíacos para tentar dormir.

Minha mente, no entanto, não parou de funcionar. O pensamento me fez sorriso um pouco, tímida no início e maior depois. Podia haver muito perigo envolvendo aquele grande lobo, o medo parecia ser seu principal poder. Eu sentia muito medo. Todavia, não podia negar, nunca, a beleza daquele animal. Não havia a mesma beleza no marrom-esverdeado. Mas nesse marrom havia. A forma majestosa como estava do outro lado, a força poderosa e forte como pisava e se mexia.

Então sim, sim eu estava me acostumando, aos poucos, com a ideia de lobos correndo para proteger os indefesos.

* * *

Pela primeira vez em muitas noites eu acordei sem estremecer de medo pelos pesadelos. Foi uma noite razoavelmente bem dormida. Espreguicei os meus músculos, fazendo com que eles estalassem. Ao olhar ao redor, notei que Austin já tinha acordado. Eu sentia o cheiro do café-da-manhã que raras vezes tomava em família.

Estava na hora de mudar isso.

Levantei e fui ao banheiro lavar o rosto e escovar os dentes. Prendi meu cabelo indomável com uma maria-chiquinha e desci para comer com eles.

Foi uma surpresa para todos me ver levantada a essa hora e tão disposta. Porém, uma noite bem dormida mudava uma pessoa. Realmente tentei não me irritar com os olhares arregalados. Vamos lá, pessoal! Seguindo em frente!

– Bom dia – falei.

– Bom dia – todos responderam juntos.

– Que bom que acordou cedo – John sorriu para mim. Às vezes meu pai conseguia ser bem legal. Só às vezes.

– Dormi bem essa noite. – funguei e me servi de café. – Na verdade, pai, queria saber se você precisa de ajuda no serviço hoje. Não quero ficar em casa sem fazer nada.

John ergueu suas sobrancelhas para mim e depois estreitou seus olhos, desconfiando da minha pró-atividade tão escancarada e abrupta. Eu não podia culpá-lo, mas ficar em casa estava fora de cogitação. Eu já tinha mofado por duas semanas aqui, não ia continuar assim.

– O que aconteceu com você? – Austin perguntou estreitando os olhos também.

Rolei os meus e abri um sorriso.

– Só estou seguindo em frente. – falei para ela. Austin abaixou seus olhos para sua comida. – Você deveria tentar também. Não é uma desonra continuar a seguir com sua vida.

– Não sou tão fria quanto você. – replicou.

A mesa caiu em um silêncio tenso enquanto todos absorvíamos as palavras de Austin. E isso me irritou. Eu estava aconselhando ela, porra! Ela que se danasse, então.

– Não, você não é. E é isso o que te mantém chorando toda maldita hora do seu dia. – falei entre dentes. – É isso o que te paralisa todos os dias. Então me desculpe por não querer ficar remoendo um sentimento que me faz mal, como você faz. Até Lali já está seguindo em frente, Austin! Me poupe dos seus dramas.

– Hei! Já chega! – Jane disse para mim.

– Não me olhe assim! – apontei o dedo para ela. – Sua filha começou e eu não aceito a desculpa de que “ela está emotiva demais” nessas semanas. Você a criou para ser gentil e sensível, Jane. Minha mãe me criou para viver nesse mundo a fora, entao se não concorda é só sair da mesa.

O rosto de Jane ficou vermelho de raiva, poucas vezes a vi tão nervosa assim.

– Você está na minha casa.

– Estou na casa do meu pai, caso não tenha notado. – falei inclinando meu corpo para frente. – E ambas sabemos que eu tenho mais direitos em La Push do que você.

Um novo silêncio caiu sobre a mesa. Meu pai tinha sua boca aberta, mal acreditando que as duas mulheres mais pacíficas de sua casa estavam comprando briga com a mais estressada.

O meu maior problema era que eu simplesmente não conseguia levar desaforo para casa, em qualquer situação, eu estando errada ou certa.

– Do que você está falando? – Austin perguntou.

Eu ainda encarava Jane.

– Estou falando que Jane só sabe do que sabe por ser casada com meu pai. Eu não preciso passar por esse filtro Jane, então não tente me fazer sentir indesejada onde eu sei que minha presença é mais importante do que a sua.

– Hmm... De novo! Do que é que você está falando? – Austin repetiu.

– Não é nada. – John disse quebrando o assunto com sua voz de trovão. Eu e Jane ainda nos encarávamos. Ela estava prestes a falar alguma coisa, mas fechou a boca como a boa garota que é. – Acho que será bom você passar um tempo comigo no serviço, Gaele.

Ele só estava tentando aplacar as coisas, eu sabia disso, mas de certa forma me feriu. Eu não era o problema aqui! Austin com todo o seu drama que era, só por que ela chorava por Collin todas as noites e todos os dias significava que eu tinha que chorar também? E, ah, e ninguém poderia nunca apontar o dedo na cara de Austin, por que ela era tão boazinha!

Fechei a cara para John e larguei meu café-da-manhã na metade. Eu realmente não ia ficar na mesma mesa que eles. Bando de idiotas. Honestamente! Desde quando eu tinha me tornado a vilã da história e Austin a donzela em perigo? O que é que tinha de errado em lidar com a dor de forma diferente?

É que ninguém sabe que você vai chorar no banheiro todas as noites, sua boba.

Balancei a cabeça. Eu escutei a cadeira ruidosa onde meu pai estava sendo arrastada, escutei seus passos vindo atrás de mim. No entanto, isso não me fez parar. Continuei a subir as escadas como se nada tivesse acontecido. Indo em direção ao meu quarto.

– Gaele, espere. – John disse com sua voz de trovão.

– O que é, John?

Ele suspirou. Nossa, meu pai era péssimo para essas coisas.

– Não quero que entenda que estou aceitando seu pedido para ter você fora da casa. Só deixa as coisas esfriarem um pouco mais, está pegando muito pesado...

– Não, não estou pegando pesado. – o cortei – Vocês agem como se eu fosse o problema, só que eu não sou John. Todo mundo nessa casa é um problema, ninguém em específico. – e eu estava falando alto mesmo, para as duas ouvirem. – Jane é a pessoa mais retardada que eu já conheci nessa vida! Aquele tipo de pessoa que leva na cara, mas faz carinho de novo em quem lhe bateu. Austin está indo no mesmo caminho da mãe, o único problema dela é que ela acha que só por que ela está chorando horrores todo mundo tem que estar. Ela não entende que as pessoas sofrem à sua própria maneira. E voce! Você é todo explosivo comigo, todo cheio de dedos com o que eu falo e faço, mas nunca realmente toma meu partido, não é mesmo? Você prefere que eu passe o dia longe de casa para que as duas sensíveis ali possam se recuperar, mas e o que eu estou sentindo?!

A casa caiu em um silêncio tenso, parecia que minha voz ecoava pelo espaço. Eu não escutava nem a respiração de meu pai. Ele me encarava sério, intenso.

– Não tomo partido por você, por que você não precisa disso. É mais forte do que elas. – falou mais baixo.

– Não, eu não sou. E você não tem nem a sensibilidade de perceber isso. – abri um sorriso triste para ele. – Todo mundo precisa de amparo, John. Não estou falando de consolo, não estou falando de um ombro para chorar por que disso eu realmente não preciso. Estou falando de apoio. E você não é o meu.

Virei as costas para ele e voltei a subir as escadas. Nem parecia que eu tinha acordado em uma energia tão boa! Eu entendia que as emoções na casa estavam a flor da pele depois da morte de Collin. Não era hipócrita de dizer que eu também não sofria com isso, mas eu não ia ficar parada! Sinto muito, mas não ia!

Collin era meu melhor amigo também. Ele era importante para mim, então assim sendo eu deveria parar com a minha vida e chorar por ele todos os momentos? Eu já chorava todas as noites no banheiro, por que faria isso todas as horas?

Collin deveria estar em um lugar muito melhor do que eu meu – assim eu esperava. E, pelo amor de Deus, Collin sofria rindo! Por que eu deveria sofrer chorando?

Eu não era disso e mesmo assim sofri a semana inteira. Era tão errado querer fazer algo que me distraísse? Não era o mesmo que Austin fazia quando saia com Lali e Graham? Ela ia se distrair também, por que eu realmente duvidava que Lali faria parte de um “Clube do Choro”.

Tomei banho e fiquei de molho na água quente, sentindo ela desenrolar meus músculos tensos. Lavei meu cabelo com mais meticulosidade que nunca. Esfreguei minha pele diversas vezes. Quando senti que estava relaxada novamente e de cabeça fria, desliguei o chuveiro e saí.

Abri o armário e peguei minha calça de moletom skinny cinza escura, puxei uma blusa de manga curta listrada e bem soltinha. Calcei minhas meias quentes e fui pentear o cabelo. Eu não queria mais sair de casa, estava na vibe de ficar dormindo no quarto, mas não o fiz. Desci as escadas e fiquei na sala, assistindo qualquer coisa que o Netflix pudesse me prover.

John já tinha saído para trabalhar, Austin provavelmente tinha saído também. Eu escutava Jane na cozinha. Cobri metade do meu corpo com a manta, não querendo passar muito frio. Coloquei novamente na série Friends e me deixei levar, conseguindo rir de vez em quando.

Jane saiu da cozinha e sentou ao meu lado do sofá. Eu fiquei tensa de imediato, imaginando o que ela faria. Será que Jane falaria algo horrível agora que John e Austin não estavam? Eu sei lá, Austin era uma caixinha de surpresas, vai ver que isso é genético.

– Eu e sua mãe éramos melhores amigas. – ela disse depois de um tempo.

Isso me pegou de surpresa. Vahiné simplesmente odiava Jane, eu sabia o motivo em partes, mas não achava que o que minha mãe tinha dito era a história toda, nunca achei. Era difícil imaginar as duas juntas, rindo e compartilhando coisas, como melhores amigas faziam.

– Nós éramos inseparáveis. Ambas vinham de Forks, éramos vizinhas. – ela sorriu saudosa. – Tínhamos o mesmo sonho de lecionar na região, não acho que sua mãe um dia tenha realmente desejado sair daqui. Então ela conheceu seu pai, ele era da reserva nessa época ainda, como imagino que você já saiba.

– Conversei com Brady. – sussurrei.

Jane sorriu e assentiu.

– Imaginei que sim. Eu nunca conheci seu pai enquanto eles namoravam, Vahiné era liberada para ficar na reserva por ser namorada de John, eu não. Então nos conhecemos oficialmente no dia do casamento de seus pais. Fui a madrinha, como todo mundo já esperava que eu fosse. – ela suspirou. – Eu estava para me casar também, com o pai de Austin. Nada parecia que iria atrapalhar isso.

– Você ficou com meu pai quando ele ainda estava com a minha mãe. – falei. – Minha mãe me contou essa parte, mas achei que era só birra dela contra você.

– E é. – ela riu suavemente. – Eu nunca faria isso com Vahiné, mas me apaixonei por seu pai no dia do casamento dele. Eu nunca iria imaginar que ele também sentiu algo, Vahiné é linda. Quem iria escolher a mim quando tinha ela? Parecia surreal. Mas o casamento não deu certo. Eu só fui descobrir isso depois, quando Vahiné me ligou chorando. John não queria que vocês fossem embora, ele não queria ficar longe de você.

“O meu casamento já tinha acabado também – ela riu – acho que passei seis meses casada, chutando alto. Fui até La Push para dar auxílio para Vahiné, minha mãe cedeu a casa dela em Forks para que pudéssemos nos mudar para lá com você e Austin. Porém, quando fui até La Push... As coisas mudaram. Seu pai havia mudado muito, eu também. Foi impossível nos separar. Os quileutes tem um nome para isso...”.

– Imprinting – falei sussurrando. Então rolei os olhos. – Imprinting não existe, Jane. Li as lendas sobre os quileutes, eu tenho pesquisado. Não é possível uma forma diferente de amor existir. Não me entenda mal, mas talvez foi a explicação que você encontrou para agir da forma que agiu. – dei de ombros. – É compreensível, as pessoas buscam por desculpas quando sentem que sua ação não foi respeitável.

Jane sorriu tranquila para mim.

– Depois de tudo o que você descobriu, realmente duvida que algo exista nesse mundo? – perguntou.

A pergunta entrou na minha mente e tomou conta do meu corpo. Eu ainda batalhava para continuar cética, para manter o mínimo de normalidade em minha vida. Se eu começasse a duvidar de tudo, a acreditar em tudo o que me diziam, então eu estaria perdida.

– O imprinting é mais forte para os lobos. – ela disse suavemente. – É mais clara e óbvia para eles, mas todo morador quileute tem uma parcela de magia em seu sangue. Se não fosse assim, como seus filhos poderiam se transformar? Como o legado continuaria? Sem magia, não é possível.

– Então... Você está querendo me dizer que... Bom, que meu pai teve um imprinting por você? – franzi o cenho, isso parecia ainda mais maluco sendo dito em voz alta.

– Sim, de uma maneira mais fraca e menos óbvia, mas sim. – ela sorriu, seus olhos pareciam brilhar. – Vahiné sabia de algumas lendas quileutes, todo mundo julgou que por seu pai ter casado com ela, ela seria a escolhida. Ela sabia da lenda do imprinting. Ficou revoltada quando descobriu sobre nós.

“Sua mãe não ia sair da cidade, mas ela não viu uma forma de viver na Península enquanto eu e seu pai ficávamos juntos. Entendo como deve ter sido difícil para ela. Sua mãe sempre amou seu pai. Ela levou você junto, e isso quase matou John de tristeza. Mas então ela cedeu as visitas, embora ela mesma não viesse.

E você estava tão diferente de quando tinha partido! Estava mais séria, mais madura em uma idade que não deveria ser assim. Seu pai brigou muito com a sua mãe ao notar isso, ele achava que ela estava fazendo sua cabeça contra nós. Eu sei que Vahiné nunca faria isso propositalmente, sei que ela estava machucada e você acabava vendo essa ferida dela e tomava partido. Ela é sua mãe, a final de contas.

Você é igualzinha a sua mãe, Gaele. Sua mãe saiu daqui com uma mão na frente e outra atrás, com uma filha pequena para sustentar e conseguiu o que tem hoje na vida. Ela sempre foi batalhadora e sempre foi muito forte.

Seu pai não toma partido por você, por que sente essa presença de Vahiné. Ele sabe do que você é capaz. Você tem razão, eu criei Austin de uma forma diferente da qual sua mãe a criou. Vahiné lhe criou para não depender de ninguém, assim como ela não dependeu. Isso não faz de Austin mais fraca, só diferente. E também não faz de você a pessoa mais forte desse mundo, só mais resistente”.

Eu trinquei meus dentes, não querendo chorar. Jane tocou no ponto que eu sempre evitava tocar: a forma como minha mãe me criou. Por mais amorosa e presente que Vahiné seja, ela sempre foi muito dura, sempre muito tenaz. E, no entanto, ela nunca duvidou da minha capacidade para conseguir as coisas. John também não.

Mas eu não me sentia muito ligada a minha família, e isso era difícil para mim. Ter essa noção explícita por Jane não me fazia melhor, só fazia com que a ferida voltasse mais uma vez. Eu gostaria de ser mais próxima do meu pai e da minha mãe, mas fui criada para ser independente e estava ok com isso, era mais fácil ser assim, mas não mais satisfatório. Aqui, em La Push, eu estava confrontando um futuro que talvez teria sido o meu.

Eu teria sido a Austin da vez. Teria sido criada com todo o amor e cuidados no qual ela foi, seria sensível e gentil.

Não me entendam mal, não estou criticando o modo como minha mãe me criou. Fico feliz por ela ter me criado assim, pois foi por causa dela que sou quem sou hoje. É por causa de Vahiné que suportei todos os acontecimentos desses meses, por ter me mantido firme e não enlouquecido.

Só estou cogitando um futuro que teria sido meu.

– Seu pai ama você. – Jane disse tocando minhas mãos. – E eu amo você também, como minha filha. Mas você é mais forte do que a maioria das pessoas, Gaele, e isso não significa que o resto do mundo deva ser também. Você critica Austin por ela achar que todos devem chorar como ela, mas faz o mesmo também. Não é errado seguir em frente, concordo com você, mas cada um tem o seu tempo.

Eu assenti, sem saber o que dizer. Quem diria, não é mesmo? Jane Evans estava me deixando sem palavras. Isso era algo inusitado.

– John ficou feliz que você queria ir trabalhar com ele hoje. Pediu para que você se trocasse e levasse minha caminhonete até lá, ele vai precisar dela hoje. Graças a Deus está com muito trabalho. – ela sorriu e se levantou, indo para a cozinha novamente.

Sequei as poucas lágrimas que ousaram cair e desliguei a televisão. Depois dessa conversa, eu realmente não queria ficar mais em casa. Subi para o meu quarto e coloquei minha jaqueta de moletom cinza escura, joguei a jaqueta de couro preta por cima e calcei meus Vans cinza. Enrolei no pescoço o lenço rosa salmão estampado. Era o único lenço que eu tinha, pois os outros estavam lavando.

Desci as escadas e Jane me entregou a chave de seu carro.

– Obrigada – falei, esperando que ela soubesse que não estava agradecendo apenas pelo carro, mas pela conversa. Ela sorriu para mim.

Sai de casa sem ter realmente algo na cabeça. A conversa foi boa, de um lado, mas eu não sabia como deveria me sentir após ela. Feliz? Aliviada? Nenhum desses sentimentos estava presente. Talvez eu ainda estivesse lidando com o fato de o imprinting existir e de que meu pai nunca amou realmente a minha mãe. Era difícil pensar nisso.

Eu costumava achar que meus pais se separaram por que minha mãe não queria mais ficar presa em La Push. Pensei que o espirito livre dela – que era também o meu – ficou sufocado demais aqui. Mas não foi isso. Minha mãe sofreu a pior das desilusões amorosas que alguém pode ter: ser trocada por sua melhor amiga.

Por mais nítido que tenha sido essa troca, essa dor da minha mãe, nao fiquei com raiva de John e nem de Jane. Já havia acontecido, minha mãe estava bem e feliz agora com o inútil do Jack. Meu pai estava feliz também. Essa briga era, e sempre foi, deles. O que meu peito se apertava era ao tentar imaginar como teria sido para Vahiné toda essa situação no passado.

Extremamente doloroso.

Cheguei no serviço do meu pai e estacionei a picape na entrada. Não havia movimento ainda dentro da carpintaria. A caminhonete do meu pai estava já cheia de entregas. Sai do carro e entrei na loja. Eu tinha estado poucas vezes aqui, e nada tinha mudado muito. Havia novas peças de carpintaria, o balcão tinha sido trocado também para um mais novo com a madeira bem polida.

– Gaele! – Yamka me cumprimentou. Ela era da reserva e trabalha com meu pai na confecção das peças, assim como outras ajudas. Era uma mulher em sua meia idade, baixinha e robusta, cabelos longos até sua cintura, castanhos claros. Os olhos eram de um castanho escuro quente.

– Olá, Yamka – falei sorrindo. – Vim ajudar hoje.

– Ah, isso é ótimo! Vou chamar seu pai, fique à vontade. – ela disse atrás do balcão, então subiu as escadas que davam para o escritório do meu pai.

Passei os dedos por uma cadeira de balanço bem polida e bonita, lustrosa e com cheiro de novo. Eu gostava desse cheiro de madeira, era bom, me lembrava das raras vezes em que meu pai me ensinou a mexer com a madeira. Ele parou logo depois de eu cortar meus dedos com a lâmina.

Ri quando me lembrei da bronca dramática e exagerada que Vahiné deu nele.

– Ah, que bom que já chegou. – John disse descendo as escadas.

– O que tem pra mim hoje? – perguntei.

Tinha uma luz diferente em meu pai após a conversa com Jane. Acho que era a amor discreto dele por mim. Um amor que eu sempre soube que estava lá, mas parecia mais escancarado com sua alegria ao me ver na loja.

– Yamka vai fazer umas entregas. Por que não me ajuda a montar uma cadeira? Recebi o pedido ontem e preciso de ajuda.

– Claro – falei acompanhando ele até os fundos.

Ali foi um lugar que não mudou em nada. Havia as ferramentas nas paredes, as madeiras colocadas organizadas em cima de um balcão, algumas entregas já montadas, mas não polidas ainda. O cheiro de madeira era mais forte agora, assim como o pó que tinha no lugar por causa dos cortes.

Ficamos um bom tempo ali, minha mente gostando desse novo foco. Eu gostava da forma como meu pai explicava onde ia cada peça, era a única coisa que ele conseguia explicar sem se estressar quando eu não entendia. A carpintaria era o único assunto que meu pai tratava com calma. Provavelmente sendo uma das únicas coisas que acalmava ele.

Terminamos a cadeira cheia de detalhes, meu pai entalhava enfeites quileutes para o pessoal da reserva, eu não sabia o que eles significavam, mas eram muito bonitos. Conversamos bem pouco – eu não esperava nada diferente disso.

O telefone tocou e meu pai foi atender, enquanto eu analisava o meu trabalho de carpintaria após muitos anos sem nem tocar em uma madeira polida. A cadeira tinha ficado muito bonita, simples, mas muito bonita.

– Gaele, tenho que ir na reserva, você se importa de ficar no balcão por um tempo? – ele perguntou. – Anote tudo o que te pedirem e depois eu vejo com essas pessoas.

– Claro, sem problemas pai. – falei ainda olhando para a cadeira. A cola deixa ainda estava secando, por isso não ousei movê-la para um local mais afastado da entrada.

Saí dos fundos e voltei para a loja, sentando no banquinho de madeira. O computador estava desligado e era uma peça muito... Antiquada. Parecia que fazia tempo que Yamka e meu pai não o usavam. Totalmente ao contrário do livro de anotações deles, estava tão usado que as páginas se dobravam.

Fiquei um bom tempo sem fazer nada, puxei meu celular e comecei a jogar Candy Crush, parando de vez em quando para atender o telefone e anotar pedidos ou telefones que buscavam informações. Eu passava valores – que estavam nos livros de preços -, até conversava um pouco sobre a vida das pessoas (uma mulher resolveu chorar suas pitangas sobre o marido que não conseguia concertar as prateleiras da cozinha).

A campainha da porta soou. Suspirei um pouco, eu quase tinha conseguido descer as frutinhas! Droga. Levantei meu olhar, pronta para colocar a melhor expressão de vendedora na minha cara.

A vendedora ficaria para a próxima.

– O que você está fazendo aqui? – perguntei brava. O nosso último encontro não tinha sido o melhor. Eu ainda sentia raiva do tapa.

– Eu diria o mesmo. – Farad disse passando suas mãos pela cadeira de balanço de forma lenta. – É uma bela peça.

Eu estava com tanta raiva de ver a cara de pau dele novamente que nem tinha espaço para sentir o medo que sempre sentia. Talvez por que nosso encontro não estava sendo em um local tão isolado como a floresta. Abaixo da bancada tinha um taco de beisebol que eu sabia que meu pai e Yamka guardavam para casos de possíveis assaltos.

Sem tentar me mexer muito eu tateei abaixo de mim, tentando sentir o taco. Quando senti seu cabo, fechei minhas mãos nele. Mantive meu rosto com a mesma raiva de antes, assim ele não notaria nada de errado.

– Não está a venda. – falei secamente.

– Nossa. Você costumava ser mais educada. – Farad disse caminhando até mim, havia o mesmo brilho doentio e cruel em seus olhos.

No entanto, eu sentia que já tinha visto uma versão pior dele.

– Você... Estava na floresta. – falei com um sobressalto.

– Ah... – ele fingiu pensar, olhando para o teto. – Ops, acho que você descobriu meu segredinho. Imagino que já tenha conversado com Jacob sobre mim.

Permaneci muda. Eu não tinha falado mais de Farad para Jacob, eu nem poderia imaginar que Farad era um lobo e que era ele na floresta. O pior de tudo era que eu já sabia disso muito antes. Eu o tinha visto em meu sonho. Como eu poderia ter sonhado com algo que era real, mas que eu nunca tinha visto antes?

– Não conversou? – ele parecia levemente chocado. – Oh, não me diga que perdi alguma coisa!

Endureci meu olhar. Se ele não sabia que eu e Jacob havíamos brigado, então significava que ele não estava por aqui fazia um tempo. E onde é que ele estava? Estreitei meu olhar para Farad, pouco convencida de sua tentativa de o-que-está-acontecendo-com-o-mundo.

– O que você quer, Farad? – perguntei, minha mão mais firme no taco.

Eu já estava imaginando acertar sua cabeça com uma tacada só, o som que isso iria produzir. Depois eu iria correr para a saída, em direção a algum lugar mais movimentado onde ele não poderia fazer nada comigo. Estava óbvio que Farad não queria ser visto, ele não queria que as pessoas descobrissem que estava passando um tempo de qualidade em La Push.

– Vim atrás de seu pai. – ele disse e a forma como disse me fez estremecer. – Estava pensando em fazer uma visita... Mas foi uma surpresa encontrar você aqui. Espero que não tenha ficado muito magoada com nosso encontro passado.

– Claro que não. – falei sem emoção na voz, buscando alternativas para sair daqui e chamar por Jacob, ou qualquer um que estivesse por perto. – Bom, ele não está. Pode ir embora agora.

– Ah... Bom, ah, veja você. Eu vim atrás de seu pai, achando que ele poderia me ajudar com algumas coisas, mas... Bom, a filha também me é útil. – ele sorriu.

Eu não sei o que me alertou que ele iria me atacar. Não sei se foi o sorriso, ou a forma como seu corpo se posicionou após terminar de falar. Farad era um homem que mostrava poucos sinais antes de fazer alguma coisa, eu tinha aprendido isso depois do tapa que ele me dera na floresta. Mas aquela experiência pareceu ser a suficiente.

Ele pulou na minha direção, atravessando por cima o balcão. Minha mão estava firme no bastão de beisebol, assim que ele parou na minha frente eu o acertei com toda a força de meu corpo. No entanto, recuei logo em seguida quando a madeira do bastão quebrou em seu rosto, mas não pareceu provocar nenhum ferimento.

Eu estava recuando e não dei tempo para ele notar o que eu tinha feito. Sai correndo em direção a porta. A mão de Farad agarrou meu ombro e me jogou para o lado. Eu sentia o ar passando por meu corpo, a gravidade fazendo o seu serviço. Bati minhas costas na parede com uma dor lacerante no ombro direito. Eu escutei as milhares de peças se quebrando quando meu corpo caiu no chão e eu em cima delas.

Agora eram as minhas costelas que doíam, por terem batido nas peças de madeira. Eu estava sem foco, minha respiração curta por causa das dores. Vi os pés de Farad de aproximando de mim, parando na minha frente. Tentei chutá-lo para longe, mas não causei nenhum efeito. Então tentei ir para outro lado, para algum lugar seguro.

Não deu muito certo, eu consegui me arrastar um pouco, mas não foi o suficiente.

A mão de Farad se fechou em meus cabelos e eu gritei de dor, ele me puxou para cima. Coloquei minhas mãos na sua, tentando arranhar a sua pele, mas não estava adiantando tampouco. Em um movimento rápido Farad tinha meu pescoço em suas mãos, ele me jogou novamente.

Sentir o ar passando pelo meu corpo não era legal, não era nada legal. Eu sabia o fim doloroso que aquilo ia dar ao bater em outra parede. Arfei quando meu corpo atingiu a parede e depois desceu até o chão. As dores agora nublavam minha visão, minha respiração era inteira feita de dor. Tentei recuar mais uma vez, mas Farad estava apenas começando – eu sentia isso. Ele estava só se aquecendo.

Novamente ele me tinha em suas mãos, a mão quente e forte pressionando minha traqueia, bloqueando a passagem de ar. Fui encostada na parede novamente com força, minha cabeça batendo em algo duro. Eu poderia gritar se tivesse força, mas não tinha. Meu ar estava faltando, meus pés não tocavam o chão. Eu não sabia o que fazer.

– Você acha essa situação meramente semelhante? – ele perguntou tombando a cabeça de lado enquanto me olhava. Seus cabelos estavam maiores desde a última vez que o vi. Batiam em seu ombro. – Ah, eu espero que sim. Bom, foi com muito sacrifício que consegui fazer com que aqueles caras fossem atrás de você.

Um flash passou pelos meus olhos, os homens me segurando nessa mesma posição no beco em Port. Angels. Eu tinha os olhos cheios de lágrimas, tentava me debater para sair de suas mãos fortes, mas não estava adiantando.

– Não me entenda mal, por favor. Eu gosto de você, não é nada pessoal. – ele sorria enquanto dizia. Com a mão livre ele tirou um punhal prata cheio de detalhes encrustados no cabo. Ele ia me matar.

Eu cai uma terceira vez no chão. Escutei barulho de algo se quebrando. Apoiei-me nos joelhos para tentar recuperar o ar, minha garganta doendo, meus pulmões gritando. Ergui a cabeça e vi a bancada de meu pai destruída. Farad estava caído, mas já estava se levantando.

– Venha – Jacob disse puxando-me para seus braços, no entanto, antes que eu desse o passo para fora dali, Farad levou Jacob ao chão.

Eu queria gritar para que parassem com isso. Queria fazer alguma coisa, mas meus músculos estavam doendo demais, minhas pernas fracas me levaram ao chão novamente. Eu só conseguia assistir.

Jacob rolou para cima de Farad, o punho que lhe acertou fez um barulho desconfortável de osso quebrando. Farad chutou Jacob para trás, fazendo com que ele se distanciasse bons metros, mas Jacob parecia ter uma habilidade extraordinária na luta. Ele não caiu, na verdade investiu. Pegou a cadeira de balanço que eu tinha me interessado e a jogou contra Farad para distraí-lo. Quando o mesmo balançou as mãos com a cadeira para fora de sua visão, Jacob lhe socou novamente no estômago.

A luta era, de certa forma, igual. Farad parecia ter experiência em luta. Os socos e chutes foram sendo trocados enquanto destruiam o negócio de meu pai. Aos poucos eu fui acordando de meu torpor. Olhei em volta e vi o punhal de Farad no chão. Consegui me rastejar até lá e o peguei nas mãos. Era pesado e maciço, eu não entendia seus entalhes, mas me lembrava levemente dos símbolos quileutes.

– Jacob! – gritei. Jacob olhou e eu lhe joguei o punhal.

Jacob pegou o punhal no ar e o cravou no coração de Farad. O ar escapou de meus lábios quando o grito de Farad ecoou por todo o recinto. Jacob o jogou pelo ar e Farad bateu suas costas na parede, fazendo uma grande fissura ali. No entanto, antes que Jacob conseguisse investir novamente, Farad se levantou, quebrou a janela do meu pai e escapou.

Eu senti minha consciência se esvaindo aos poucos, mas me recusei a desmaiar. Eu precisava saber se Jacob estava bem, precisava saber se meu pai estava bem. Precisava de alguma garantia que Farad nunca mais voltaria, que ele teria ido embora para sempre. No total, eu precisava de uma certeza se ele estava ou não morto.

Jacob caminhou até mim lentamente, como se não quisesse me assustar com movimentos bruscos, mas eu só queria seus braços ao meu redor. Eu só queria me sentir segura com ele. Jacob me tomou em seus braços, lentamente me levantando. Eu devo ter reclamado de dor, pois ele passou o braço em minhas pernas e me pegou em seu colo.

A porta da carpintaria se abriu e Seth e Leah entraram, eles pareciam chocados demais, olhavam ao redor e pareciam buscar ainda por Farad.

– Preciso de Emily. – Jacob disse, não era um pedido, era um comando.

– Eu a levo, Jake. – Seth disse vindo na minha direção, seu rosto juvenil obscurecido pela seriedade do que tinha acabado de acontecer.

– Não – eu pedi fraca, queria ver se Jacob estava bem, ver se ele não estava ferido. Deveria estar, Farad o acertou também, Farad o jogou para longe.

– Eu encontro com você depois – ele disse em meu ouvido. Mas eu precisava mais do que isso, afinal de contas, Jacob era um ser mítico. – Prometo.

Ele sempre parecia saber do que eu precisava sem eu nem falar nada. Jacob cumpria suas promessas, ele voltou para a antiga namorada para cumprir uma promessa a ela, mesmo que isso o tenha machucado. Então ele voltaria para mim também.

Seth me pegou com o mesmo cuidado que Jacob, não parecendo se importar com o meu peso. Eu estava na beirada, estava quase lá. Seth começou a andar para fora da loja e o vento gelado e cheio de flocos de neve nos alcançou. As pessoas começavam a se juntar na frente da calçada para ver o que estava acontecendo.

Encolhi-me mais próxima de Seth, por mais que seu calor fosse reconfortante, eu tremia de medo. Não consegui resistir mais, minha cabeça tombou para trás enquanto a escuridão me tomava.

* * *

Havia barulhos no fundo de minha mente que começavam bem devagar. Eu via uma chama também, que piscava na escuridão conforme se aproximava de mim. Era tudo muito devagar, como se minha mente estivesse tentando estabelecer uma conexão com os sons e a chama.

Aos poucos ela foi se aproximando, parecia que me libertava da escuridão confortável na qual eu me encontrava. Senti meu corpo aquecendo também, passei a ter noção maior dos meus músculos.

No entanto, os sons vieram primeiro.

– Ela vai ficar bem, Jake. Só dê um tempo a ela. – ouvi uma voz suave e calorosa.

– Está dormindo há muito tempo. – a voz grave de Jacob fez com que a chama em minha mente brilhasse mais forte. Eu só precisava me agarrar a ela e então poderia encontrar com ele.

– Ela passou por muita coisa hoje. – a mulher dizia. – Teve uma séria torção no ombro e um corte fundo na cabeça. Sua mente precisa de tempo para se recuperar também.

O silêncio voltou, mas agora eu sabia que eu sabia que estava despertando, ficou mais fácil ter noção de algumas coisas. Como o local confortável que eu me encontrava, provavelmente uma cama, ou como meu ombro parecia imobilizado.

Comecei a sentir outras coisas, coisas que eu preferia não estar sentindo. Uma dor enorme na cabeça e no ombro. O lado direito de meu corpo também doía. Minha mente trabalhou para se lembrar o motivo de tantas dores. Farad. Carpintaria. Jacob. Punhal.

Tremi os olhos até conseguir abrí-los. A parede era de madeira escura e bem limpa. A luz da luminária era suave e não machucava meus olhos. Um movimento ao meu lado atraiu minha atenção. Era a perna de Jacob. Ele estava deitado ao meu lado na cama, se corpo servindo de apoio para mim. Senti o cheiro familiar dele. Terra, floresta e madeira.

– Até que enfim. – ele disse suavemente, sua voz rouca aquecendo meu corpo de outros modos.

Levei a mão para seu rosto, meus olhos procuravam por machucados, por ferimentos graves, por ossos quebrados. E, no entanto, Jacob estava perfeito. Se nenhuma marca em seu rosto. Seu corpo parecia bom também, desci meus olhos, observando as mãos sem machucados, a roupa intacta.

Jacob parecia muito bem.

– Acabou a análise? – perguntou com um tom de malícia na voz.

Toquei minha testa, que doía. Ela estava enfaixada. Apertei os olhos com a pontada que minha cabeça deu. A mão grande e suave de Jacob pegou a minha e a afastou dali, mantendo-a em seu peito, aquecendo ela.

– Não se mexa muito. Você se machucou bastante. – ele disse, havia uma fúria mal controlada em sua voz que me fez encolher.

– O que aconteceu? – perguntei, mas minha voz falhou pela falta de uso. – Quero dizer, com Farad. Você o pegou?

O silêncio de Jacob respondeu minha questão. Eu estremeci novamente. Minha garganta ficou seca e eu tentei engolir, mas desceu doendo. Um flash veio a minha mente, Farad me segurando pelo pescoço.

“Você encontra alguma semelhança? ”

– Mas ele morreu, certo? – perguntei um pouco mais desesperada agora. – Você... Você o acertou com um punhal. No coração.

– Sh, sh. – Jacob disse me abraçando quando as perguntas ficaram muito descontroladas. – Vamos encontrar ele, não se preocupe.

– Você precisa descansar agora, apenas. – Emily Young disse, sentando-se na beirada da cama com uma compressa de gelo nas mãos. – Para não ficar com marcas – ela disse e colocou a compressa em minha garganta.

Foi bom e ruim. Bom por que amenizou a dor, ruim por que era gelado.

– Você tem uma torção no ombro e um corte na parte detrás de sua cabeça. – ela disse com sua voz tão suave quanto a luz da luminária. – Está com alguns hematomas no lado direito do corpo também, nas costelas e no quadril. Fora isso está muito bem.

Jacob soltou um som irônico. Emily o olhou com repreensão nos olhos.

– Não me obrigue a tirar você deste quarto, Jake. – ela o ameaçou. – Agora se comporte.

Um pequeno sorriso se abriu em meus lábios. Jacob estava levando uma chamada de alguém? Isso parecia hilário.

– Que bom que te divirto. – Jacob sussurrou em meu ouvido.

– Vou deixar vocês sozinhos agora. Gaele, por favor, não se movimente demais. Seu corpo precisa de descanso. – Emily disse e então saiu do quarto.

Eu nem sabia onde estava, mas não queria sair de lá. No entanto, minha mente viajou para a loja do meu pai. Destruída. Todo o negócio dele tinha ido pelos ares. Como será que ele estava? Por que eu estava me sentindo tão culpada?

– Não se preocupe, vamos continuar a caçar Farad. – Jacob disse. – Ele deixou um rastro. Os outros estão seguindo agora.

Estremeci de medo. Farad parecia tão... Letal. Eu ia perguntar quem estava no rastro dele, mas não quis saber. Ia ser demais para a minha cabeça no momento.

– Meu pai? – perguntei.

– Está muito preocupado. – respondeu – Saiu não faz muito tempo, ele fez seguro na loja, então vai ser restituido. A história, por via das dúvidas, foi uma tentativa de roubo. Você ficou tão assustada depois da fuga do ladrão que desmaiou.

Suspirei. Acho que, a partir de agora, eu teria que aceitar com mais facilidade as mentiras que o povo de La Push era obrigado a ouvir. Mentiras que há pouco tempo eram ditas para mim também.

– E onde você entra na história?

– Salvei a donzela em perigo. – ele disse com um sorriso curto.

Franzi o cenho.

– Não parece muito a sua cara. – tentei brincar como ele, mas não saiu como planejei. Suspirei novamente. – Obrigada por hoje.

– Não precisa agradecer.

Eu forcei meus cotovelos na cama, tentando sentar. Por mais que meu ombro desse pontadas avisando que não estava bom ainda, eu não queria ficar por muito mais tempo parada. Tinha que ir com meu pai, tinha que saber que ele estava bem também. Que todos a quem eu amava estavam bem.

– Não precisa fazer nada agora. – Jacob disse, com essa incrível habilidade de saber o que eu penso. – É melhor se recuperar primeiro.

– Estou recuperada. – falei fazendo uma careta ao movimentar os ombros, mas buscando absorver a dor. – Já estou acordada, então estou bem.

Jacob permaneceu deitado, agora com ambas as mãos atrás da cabeça. Ele era a imagem do conforto. Abri um curto sorriso para ele, observando o quão confortável ele aparentava estar, mas eu via seus olhos. Ele estava furioso.

– Como me encontrou? – perguntei.

Foi o primeiro movimento que ele fez na noite para tentar esconder algo de mim. O modo como moveu seus pés, como se a mentira fosse desconfortável. Eu só aguardei para ver o que ele iria falar.

– Estava indo ver seu pai.

– Vai ter que fazer melhor que isso – rebati no mesmo segundo.

Jacob sorriu para mim, um sorriso satisfeito e malicioso.

– Você anda mais esperta, anjo. – falou grave.

Tentei reprimir o sorriso, ao mesmo tempo em que tentava reprimir o arrepio que desceu pela minha espinha ao ouvir o apelido. Minha garganta ficou seca, mas mantive minha expressão intensa. Eu queria saber.

– Tem certeza de que quer saber? – ele perguntou, seu rosto sério, a brincadeira sendo posta de lado.

Meu coração acelerou, eu temi a resposta que ele me daria, mas não era covarde e estava muito curiosa. Por isso e outros motivos, assenti para que ele prosseguisse.

– Senti que você estava em perigo. – ele disse.

Eu soltei uma risada abafada.

– Você sentiu que eu estava em perigo? – ergui as sobrancelhas para ele.

– É normal para nós sentirmos quando algo irá acontecer com nossos imprintings. – ele disse de supetão. – É como um sexto sentido. Conseguimos sentir a necessidade mais latente. A sua, no caso, era perigo. Eu sabia que você estava com seu pai por que mantenho um olho em você. – ele rolou os olhos. – Você é tão azarada, não tem como ser imprudente com sua segurança por um segundo.

Eu mal escutei o resto do que ele disse. De certa forma os comentários após foram registrados na minha mente, mas eu não os assimilei. Ele tinha dito...? Ah, pelo amor de Deus! Claro que não! Essa coisa de imprinting de novo? Isso não... Ah, isso não existia!


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Notas finais do capítulo

E aiii? O que acharam?
Farad está morto? Jacob vai conseguir encontrar ele? E o imprinting sendo escancarado, quem esperava por isso? Kkkkkk
Vamos lá entao, beijos mais do que especiais para: Amando (a Gaele daria uma super loba, né?); Filha do Dementador (seja mais do que bem-vinda, amore! Que bom que está gostando e espero continuar vê-la por aqui!!); Mrs. Salvatore (Você sacou rápido o Farad! Kkkkk); Terumy M W Lahote (obrigada sempre, amore, e o Seth seria minha segunda opção para imprinting, amo ele!) e Pink (seja mais do bem-vinda amore!! Não vá mal nas provas por culpa da fic, hein! Kkkkk, espero vê-la novamente por aqui).
É isso meu povo. Semana que vem tem mais!!!
Não surtem!

Beijooos!



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