Natasha escrita por Nikki Meyers


Capítulo 1
Excelsior




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Aquela manhã em especial deixou um pequeno gosto de ferrugem no ar. Para qualquer um dos observadores desatentos, ela seria apenas uma manhã como todas as outras, pelo menos até o momento em que as altas sirenes atrapalhariam a paz da pequena e pacata rua. A menina apenas havia colocado sua bolsa silenciosamente em seus ombros e rumado sem pressa alguma para a porta da frente de sua casa, em um passeio exatamente igual a todos os outros que já deu, a única coisa que o diferenciaria dos outros foi que nunca mais voltou daquele. Para quem quer que perguntasse ela sempre seria a menina da casa da esquina, com glitter em seus olhos e um sorriso mal-intencionado em sua boca, uma meia-arrastão e um garoto a admirá-la de longe.

Naquela mesma noite, muitos destes garotos havia sido vistos observando o pequeno par de policiais hispânicos chamados às pressas pelos pais da garota. Os vizinhos iriam sussurrar por dias seguidos sobre seu ominoso desaparecimento e celebrar pelas noites de sossego que se seguiriam a eles. Um garoto em especial esperaria em sua porta por noites em claro, algumas garrafas velhas de bebida roubadas de seus pais o cercariam em horas que pareceriam se estender para todo o sempre e, em uma escuridão sepulcral, lágrimas silenciosas desceriam por seu rosto. Dizem que ficou esperando sua namorada por mais de uma semana naquele mesmo lugar, porém Ana Paula não iria voltar, não mais. Nunca mais. Havia se cansado daquilo, de tudo aquilo.

Com um novo nome havia encontrado também novos horizontes. A menina sorriria para outro garoto em uma outra cama. Em poucas horas, estaria correndo pelas ruas de Brasília com um penteado esverdeado e saltos roubados de uma das lojas em que nunca poderia pensar em entrar em uma outra ocasião. Exibiria um de seus mais estonteantes sorrisos ao vendedor e sumiria antes mesmo do outro notar a falta do belo par de caros sapatos. Passaria seus dias fitando a fumaça de seus cigarros com seus olhos enferrujados em cima do capô de um Rolls Royce qualquer e sorriria minutos antes de borrar seu batom vermelho ao esfregar seus lábios em outros completamente rosados de sua companhia no dia em especial. Ela apenas beijaria quem quissesse e quando quisesse, raras pessoas mereciam sua atenção por mais de algumas horas. Você não poderia escolhê-la, porém, teria sorte se fosse escolhido por ela.

Ela se encontraria deitada dentre lençóis de seda sem uma única nota em seus bolsos, porém acordaria com a brilhante chave de um novo carro em suas mãos, juntamente com algumas centenas de notas retiradas da carteira de um desafortunado ser humano. Ela abandonaria apenas um outro garoto com algumas centenas de reais a menos em sua conta, ele não ligaria muito para aquilo quando acordasse, porém o mesmo não se podia ser dito ao observar o lugar vago da menina ao seu lado. Ele havia a tido, por apenas uma noite, mas havia. Esse era o tempo máximo que qualquer um deles já chegou a possui-la. Ela os esquecia em cada nova manhã, porém alguns deles nunca chegaram a esquecê-la de fato.

Em poucos meses ficara conhecida por toda a cidade, alguns a desejavam, outros apenas queriam ser como a garota das madeixas verdes. Contudo, ninguém nunca a conheceu de fato. Alguns diziam que viera do estrangeiro, já outros contavam que era apenas uma das alucinações de garotos ricos após algumas doses de bebida mal administradas. Talvez ela fosse apenas uma garota como todas as outras.

Ninguém nunca acreditou nisso.

Ela era procurada por muitos roubos, desde cosméticos em lojinhas escuras até carros recém saídos de concessionárias. Porém suas descrições nunca eram iguais às outras, algumas vezes era descrita como uma bela jovem com cabelos oleosos e lentes de contatos gelatinosas, em outras, era apenas uma mulher na casa dos trinta que possuía cabelos loiros e uma pele branca como alabastro. Sempre fora muito mais do que diziam. Uma criatura ainda não catalogada pelos seres viventes, nunca seria. Porém houve uma coisa em que todas as pessoas concordavam.

Seu nome era Natasha.

Ela estava em uma festa qualquer em um dia qualquer. A música estaria ligada em seu último volume e milhares de gritos seriam ouvidos enquanto as labaredas de fogo engoliam calmamente tudo ao seu redor. As pessoas estariam em um pânico desordenado e se aglomerariam perante a única saída da apertada casa. Porém a menina continuaria apenas no centro de todos, sempre correndo para o lado oposto ao que todos corriam. Ela estava apenas dançando. Apenas continuou ali enquanto o teto desabava e as sirenes puderam ser ouvidas adentrando a grande ruas.

Eles apenas encontrariam alguns corpos carbonizados e sobreviventes em estado de choque. Seu corpo apenas ficaria perdido dentre tantos outros. Todavia, era o único em que poderia ser observado o resquício de uma última gargalhada. Louca até seus últimos suspiros.


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