A sensação de afundar mais e mais é angustiante. A escuridão sufoca. É como cair em um poço profundo, onde a iluminação externa não pode alcançar. As paredes tornam o local estreito e desconfortável.

Esse sou eu, desde que eu me lembre. Desde que tiraram minha família e massacraram meu povo.

Ser o único sobrevivente joga sobre meus ombros o peso de toda a dor e toda a crueldade que eles sofreram. Joga sobre mim o questionamento de “por que eu sobrevivi?”.

Por que não meus pais? Ou talvez outra pessoa?

Por que eu ainda conseguia respirar enquanto pessoas melhores do que eu já não tinha mais esse direito?

Passei um bom tempo no setor correcional de No.6 e cada diz mais minha consciência se questionava, se punia.

Eu não vivia, eu sobrevivia. Sobrevivia ao frio, a fome, ao medo. A dor, aos maus tratos, a solidão.

O que me movia era a raiva, o desejo de vingança e o instinto de sobrevivência, que eu descobri que dificilmente nos abandona.

Quando fugi daquele lugar, planejava apenas sair da situação deplorável a qual era submetido. Sobreviver de maneira mais digna. E foi quando vislumbrei a luz por algumas horas, pela primeira vez em tanto tempo.

Era você, Shion. Inocente, solícito. De braços abertos para alguém como eu. Para um ninguém como eu.

Cuidou de mim, quando ninguém mais o faria.

Fugi novamente, envolto em escuridão. Sobrevivia à espera de uma brecha para me vingar por tudo que havia passado, pelo meu povo que perecera.

Mas ainda carregava na memória aquele traço de luz, mesmo anos depois. E foi quando salvei e cuidei de você, Shion, quando você não mais servia para No.6.

Você voltou para minha vida. Aquele raio de luz que eu nunca ousei esquecer.

Ainda inocente, ainda solícito.

Um sorriso bonito sempre emoldurando os lábios.

Aquele sorriso iluminava as coisas. Aquele sorriso mudava as coisas.

Eu não sei precisar quando você iluminou o que havia de mais escuro em mim, mas quando tocou meus lábios pela primeira vez, eu já estava perdido.

Ou melhor, havia sido encontrado.

Você me estendeu a mão, com um sorriso, e eu agarrei com força.

Não pretendo soltar, Shion.