Twilight - a Magia do Amor escrita por Sol Swan Cullen


Capítulo 10
9º Capítulo - Pesadelo




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(Bella POV)

 

- Pai! Tio Angel! Cheguei! – Exclamei assim que entrei em casa.

Não consegui contar antes de três segundos até sentir um par de braços frios e fortes me elevarem do chão. Abracei o dono dos braços e beijei-lhe a face gelada e macia.

- Bella! – Disse o meu tio, Angel, com a sua voz suave.

- Tio Angel! Que saudades! – Cumprimentei-o, abraçando-o com um pouco de mais força. Não que ele fosse reparar nisso mas tanto faz.

Ele poisou-me no chão e afagou-me os cabelos para depois comparar a minha altura com a sua. Depois disso, gargalhou fazendo os vidros da casa tremerem.

- Estás mais alta, querida! Isso é bom! – Disse ainda a rir-se.

- Obrigada! – Agradeci ficando corada. – O que te traz a Forks?

- Vim visitar-vos! E… vim trazer as novidades de Salem! – Começou Angel olhando para Charlie em seguida. – As coisas por lá estão óptimas, no entanto, seria bastante agradável ter-vos lá na Páscoa!

Vi Charlie revirar os olhos pelas palavras do meu tio e seguimos os três para a sala de estar.

- Bella, acho melhor ires jantar. Escusas de fazer comer para mim, querida. Hoje já estou suficientemente alimentado. – Disse-me Charlie sorrindo.

Fiz como ele me disse, mas quando acabei de comer e me juntei a eles na sala, o meu pai relembrou-me da minha tarde em La Push.

- Pai, sabias que os Quileutes têm um grande conhecimento a respeito de outras criaturas? – Perguntei inocentemente.

Ambos os homens que se encontravam comigo na sala paralisaram e eu fiquei a olhar para ambos esperando uma resposta que não me foi dada. Esperei e nada me responderam outra vez, revirei os olhos e endireitei-me na cadeira.

- Oh! Vá lá! Parem com isso! Tio, tu não és uma estátua! Pai, responde-me! Eu tenho idade suficiente para saber.

Eles trocaram olhares e então foi Charlie que me respondeu.

- O que é que ouviste em La Push?

Mordi o lábio, nervosa. Eu sabia que o que iria dizer a seguir iria fazer-me admitir aquilo que em parte eu não queria de modo algum acreditar, não que eu não soubesse que Edward era diferente, mas um vampiro?

- Contaram-me que os Cullen estão proibidos de entrar na reserva e…

- Bella, o que quer que seja que tenhas ouvido mais, tenho que te dizer que o Carlisle e a sua família são pessoas impecáveis! Ajudaram-nos inúmeras vezes. – Interrompeu-me Angel olhando-me seriamente.

- Então, tu conhece-los, Tio? E tu também, pai?

- Há já muitos anos que tenho o prazer de conhecer o Carlisle! E acredita, Bella, eu vejo-o como um irmão tal como vejo o Angel. – Afirmou o meu pai. – Mas o que é que te contaram sobre os Cullen?

Respirei fundo, isto que tinha acabado de ouvir mudava tudo!

- Contaram-me que eles eram… que eles eram vampiros!

A reacção de Angel foi a que eu menos esperava.

- Malditos lobos! Aqueles desgraçados têm uma boa memória!

- Angel… - Disse Charlie em tom de aviso.

Esperei que eles dissessem mais qualquer coisa, que me desmentissem, mas nenhum deles o fez o que me deixou totalmente chocada.

- Então… Então é verdade? Eles são mesmo vampiros? Como tu, Tio Angel? – Eu não conseguia acreditar nem nas minhas próprias palavras.

- Sim. São vampiros como eu, Bellsy! Mas calma! Não te precipites para as conclusões. – Disse-me ele. Ele conhecia-me muito bem e sabia que eu iria logo saltar para conclusões precipitadas. – Quem é que te contou?

- Bella, não nos mintas. Não vale a pena. Sabes perfeitamente que não vamos fazer nada, até porque o Angel nem sequer pode entrar na reserva e eu não vou fazer nada. – Declarou o meu pai vendo-me morder o lábio. – Qual dos miúdos foi?

- O Jacob Black. – Murmurei num tom baixo, sabendo que eles me ouviriam, olhando para as minhas mãos.

Fez-se silêncio na sala, durante o qual eu levantei a cabeça para olhar para ambos. Eles trocavam um olhar sério, se não fosse por saber que nem o Tio Angel nem o pai tinham o poder da comunicação psíquica, eu diria que eles estavam a ter uma daquelas conversas mesmo muito sérias.

Ficámos durante bastante tempo assim em silêncio, a olhar uns para os outros. Os meus olhos começaram a ficar pesados com o sono e a minha cabeça começava a girar mais depressa com todos os pensamentos que me percorriam a mente, era muita coisa para ficar a saber num só dia. Não consegui evitar um bocejo que chamou à atenção dos dois homens na minha frente.

- Bella, é melhor ires-te deitar. Estás cansada e pôr hoje já recebeste demasiada informação… - Começou o meu pai.

- Mas, pai… - Interrompi-o, implorando que me deixasse ficar, eu precisava de respostas.

- Mas nada, Bella. O teu pai tem razão. Tu precisas de descansar. Afinal de contas ainda és demasiado humana para conseguires ficar uma noite inteira sem dormir. – Disse Angel, ficando de pé em menos de dois segundos e pondo-se ao meu lado em menos de um. – Vai dormir, pequena. Amanhã vamos ensinar-te tudo o que podermos.

Angel beijou-me a testa e depois foi o meu pai. Senti-me como se fosse uma criança, visto que esse era o modo como eles me estavam a tratar, mas, de facto, o Tio Angel tinha razão, eu ainda não era capaz de passar uma noite completa sem dormir, ainda não.

Subi as escadas lentamente, dirigi-me ao meu quarto para pegar nas minhas coisas e fui à casa de banho arranjar-me, quando voltei ao quarto sentia a minha cabeça latejar com os pensamentos e com as dúvidas, não sabia como poderia vir a encarar Edward sem lhe contar que eu sabia o que ele era e sem lhe contar o que eu era. Este era o grande problema de se guardar grandes segredos! Bem, sempre tinha a hipótese de ser directa ao assunto.

Olá, Edward! Olha, descobri que és um vampiro, mas sabes que mais? Eu não tenho medo de estar ao pé de ti porque eu sou uma bruxa. Ah e não só! O meu padrinho é um vampiro que em tempos era muito mau e bebia sangue humano e que depois mudou porque conheceu a minha madrinha que por acaso também é minha tia, irmã do meu pai e é tipo… meia-vampira! Pensei numa possível maneira de lhe dizer. De facto, se eu lhe dissesse isto, acho que ele se iria passar! Sim… Mas seria divertido ver a sua cara. Muito divertido.

Não! Bella! Não! Não posso contar ao Edward deste modo! O mais certo seria ele mandar-me directa para o manicómio… e isso é totalmente desnecessário! Sim, eu já me considerava maluca o suficiente sem ter Edward a pensar o mesmo de mim. Não sei porquê mas o pensamento de que Edward poderia pensar coisas negativas de mim fez com que o meu peito se apertasse. Isto estava a sair do controlo.

Numa tentativa de retirar estes pensamentos da cabeça, levantei-me da cama e dirigi-me ao meu monte de CDs e escolhi um CD que Phil me tinha dado pelo Natal – tratava-se de uma das suas bandas preferidas, mas abusava um pouco do baixo e produzia um som demasiado estridente para o meu gosto -, coloquei-o no portátil e fiquei a ouvir as músicas, que não eram algo que fosse incluído no meu gosto musical mas que deveriam sortir o efeito desejado. Meti os auscultadores nos ouvidos, tendo o cuidado de elevar o som do computador para que não conseguisse ouvir o que Charlie e Angel diziam no andar de baixo, e ouvi a música.

Concentrei-me com muito cuidado na música, tentando compreender a letra, destrinçar os complicados padrões da bateria. A ouvir o CD pela terceira vez, já sabia, pelo menos, toda a letra dos refrões. Fiquei admirada por descobrir que, afinal, gostava realmente daquela banda, assim passei à frente do ruído retumbante. Teria de voltar a agradecer a Phil.

Resultou. As batidas estrondosas impossibilitaram-me de pensar – o que constituía o objectivo do exercício. Ouvi o CD uma e outra vez, até conseguir cantar todas as músicas, antes de, por fim, adormecer.

Abri os olhos num local conhecido. Ciente, em algum recanto da minha consciência, de que estava a sonhar, reconheci a claridade verde da floresta. Conseguia ouvir as ondas a rebentarem contra as rochas algures por perto e sabia que, se encontrasse o mar, seria capaz de ver o Sol. Estava a tentar seguir o som do mar, mas, de repente, apareceu Jacob Black, puxando-me pela mão, querendo conduzir-me novamente na direcção da parte mais sombria da floresta.

- Jacob? O que se passa? – Perguntei.

O seu rosto expressava pavor enquanto ele se debatia com todas as suas forças contra a minha resistência; eu não queria embrenhar-me na escuridão.

- Foge, Bella, tens de fugir! – Sussurrou ele, aterrorizado.

- Por aqui, Bella! – Reconheci a voz de Mike a bradar do âmago soturno das árvores, mas não conseguia vê-lo.

- Porquê? – Interroguei, resistindo ainda à força de pulso de Jacob, procurando agora o Sol de forma desesperada.

Jacob, contudo, largou a minha mão e regougou, estando, de repente, a tremer, caindo no indistinto chão da floresta. Contorceu-se no solo enquanto eu o observava, horrorizada. Não conseguia pensar em feitiço algum que o pudesse ajudar.

- Jacob! – Gritei. – Ana! Emily! Ajudem-me!

No entanto, ele desaparecera. No seu lugar, encontrava-se um grande lobo castanho-avermelhado de olhos negros. O lobo virou-se numa direcção oposta àquela em que eu me encontrava, apontando para a praia, com o pêlo na parte de cima dos seus quartos dianteiros a eriçar-se, com graves rosnadelas provenientes dentre as suas presas expostas.

- Bella, foge! – Clamou Mike novamente de trás de mim, mas eu não me virei. Estava a observar uma luz que vinha na minha direcção, a partir da praia.

Então, Edward irrompeu dentre as árvores, com a pele a emitir um brilho ténue, como o brilho que a minha pele emitia em contacto com a luz, e com os olhos negros e perigosos. Ergueu uma mão e acenou-me para que fosse até junto dele. O lobo rosnava aos meus pés.

Avancei um passo, na direcção de Edward. Então, ele sorriu e os seus dentes eram bem aguçados.

- Confia em mim. – Ronronou.

Dei outro passo. Desejosa de poder estar junto dele e ao mesmo tempo, temerosa.

O lobo lançou-se pelo espaço que me separava do vampiro, com as suas presas a apontarem para a jugular deste último.

- Não! – Gritei, levantando-me violentamente da cama.

Estava ofegante e o meu coração batia pesadamente no meu peito, tinha a testa transpirada e sentia-me mais cansada do que se tivesse corrido numa maratona.

A luz do meu quarto estava apagada e reparei na ausência dos fones nos meus ouvidos, eu estava sentada na cama, com a camisola do pijama a colar-se às minhas costas por causa do suor. Olhei de relance, desorientada, para o relógio que se encontrava sobre a minha cómoda. Eram cinco e meia da madrugada.

Gemi, deixei-me cair de costas e virei-me, pousando a cara na almofada. No entanto, estava demasiado desconfortável para conseguir dormir. Dei outra volta na cama, procurando uma posição mais agradável para voltar a adormecer, mas não conseguia encontrar a posição exacta. Coloquei a almofada sobre os meus olhos para que conseguisse adormecer.

Como é evidente, nada disso adiantou. O meu subconsciente dragara exactamente as imagens que eu tentava tão desesperadamente evitar. Agora, teria de enfrentá-las.

Sentei-me, e a minha cabeça girou por um instante, enquanto o sangue fluía no sentido descendente. Em primeiro lugar, o mais importante, pensei comigo mesma, disposta a adiar ao máximo o assunto. Peguei na bolsa que continha os meus produtos de higiene pessoal.

O duche, porém, não durou de modo algum o tempo que eu esperava que durasse. Mesmo levando algum tempo a secar o cabelo, depressa esgotei as tarefas a realizar no quarto de banho. Embrulhada numa toalha, voltei para o meu quarto. Não sabia se Charlie ainda estava a dormir ou se já se levantara para os exercícios da manhã com o Tio Angel. Fui espreitar à janela para o jardim das traseiras e não vi nenhum dos dois lá. Ainda estava a tempo de me juntar a eles.

Vesti o meu fato de treino mais confortável e, em seguida, fiz a cama – algo que eu nunca fazia. Não podia adiar mais aquele assunto. Inspirei fundo e dirigi-me ao andar de baixo.

- Bom dia, princesa! – Disse Angel, assustando-me quando eu ainda ia a entrar na cozinha. Ele riu-se ao ver-me levar a mão ao peito.

- Tio! Nunca mais faças isso! – Ralhei-lhe.

- Desculpa, querida! Não resisti, sabes que é difícil conseguirmos assustar alguém quando na nossa casa só costumam habitar pessoas com uma super audição. Mas, por falar nisso, tu também tens uma audição muito boa. Logo, estavas distraída. O que é que se passa? – Perguntou ele, seguindo uma linha de raciocínio perfeita enquanto lia o jornal.

- Um pesadelo. – Murmurei, dirigindo-me à cesta da fruta para me alimentar.

- Queres falar sobre isso? – Perguntou o meu pai entrando na cozinha. – Pode ser que um de nós te consiga ajudar a decifrar o sonho.

- Agradeço imenso a vossa boa vontade, mas não obrigada. – Respondi mordendo uma maçã vermelha. – Ficarei mais aliviada quando conseguir resolver esta situação sobre os Cullen.

O meu pai suspirou enquanto Angel pareceu se mostrar satisfeito.

- Bem, então, vamos começar bem o dia, sim? – Perguntou Angel sorrindo com os dentes todos. – O Sol ainda não nasceu, logo, podemos estar no jardim, descansados.

Dirigimo-nos os três ao jardim de trás da casa e começámos a fazer os exercícios de meditação que Angel praticava há inúmeros anos. Era uma maneira de alinharmos o corpo com a alma. De facto, era uma prática antiga praticada nos países orientais. O exercício implicava que nada ocupasse a minha mente, logo, isto ajudou-me imenso a afastar a quantidade de perguntas que eu queria lançar a Angel e Charlie.

Ficámos os três as fazer o exercício até os primeiros raios de Sol nos tocarem na pele.

- Talvez queiras ir tomar um novo banho para limpares o suor antes de começarmos a nossa conversa. – Sugeriu Angel sentando-se no sofá com a sua pele totalmente enxuta enquanto algumas gotas de transpiração me começavam a molhar a testa novamente.

Isto era uma característica vampírica que eu invejava totalmente: a incapacidade de transpirar. Ella, a filha de Angel e da minha madrinha, Isabel, herdara a incapacidade de libertar suor do meu padrinho; de certo modo, invejava as minhas primas, Ella e Emily, por isso.

Acabei por concordar com o meu tio e voltei a dirigir-me à casa de banho pela segunda vez desde que acordara. Desta vez o meu banho foi muito mais rápido do que o anterior, eu estava ansiosa por ter esta conversa com os dois homens que me esperavam no andar de baixo.

Quando voltei à sala de estar, deparei-me com Angel e Charlie num novo vestuário, ambos impecáveis e sentados, cada um, na sua cadeira.

- Pronta? – Perguntou Charlie ao que eu lhe respondi com um acenar de cabeça. – Óptimo. Então, é melhor sentares-te.

Fiz como ele me disse e sentei-me no sofá, quando já eu estava sentada, Angel atirou-me uma pasta cheia de papéis e fez-me sinal para que a lê-se. Abri a pasta e comecei a ler as folhas rapidamente, que continham o mais variado tipo de informações e lendas sobre vampiros.

Lancei um olhar a Angel que abriu um sorriso obviamente divertido. Quando acabei de ler, poisei a pasta sobre a mesa de café e olhei do meu padrinho para o meu pai, este último não tinha um ar muito satisfeito.

- O que achaste? – Perguntou Angel olhando-me ansioso, quase parecia uma criança na manhã de Natal com o seu brinquedo novo. – Inovador ou totalmente aborrecido?

- Angel, por favor, controla-te! – Pediu Charlie balançando a cabeça em reprovação.

- Eu… Eu não sei o que achar. – Disse-lhes um pouco aturdida.

Angel e Charlie sorriram os dois, por momentos, poderia ter jurado que eram irmãos de tão parecidos que ficaram com aquele sorriso idêntico no rosto. O meu pai fez a pasta levitar e então deixou-a cair sobre a secretária onde costumava deixar os seus papéis.

- Vá lá, Bellsy! O que é que conseguiste tirar dali que fizesse uma pequenina ligação aos Cullen? – Insistiu Angel com entusiasmo. – Nenhuma característica vampírica que te fizesse lembrar de algum deles?

- Hum… Havia muito poucas descrições de vampiros que correspondessem ao que eles são. – Acabei por dizer. – Nenhuma das características que eles têm se enquadrava nessas descrições de uma só vez.

- Diz o que procuravas. – Acabou por dizer Charlie.

- Super velocidade e força, uma beleza inumana, olhos que mudam de cor, pele fria e bebedores de sangue. – Disse as características que me lembrava de observar em Edward.

- Impressionante. Não achas, Angel? – Perguntou o meu pai com um tom irónico patente na voz. – Ela acabou de te descrever!

- Engraçadinho… - Murmurou Angel olhando para o meu pai soturnamente. – Bem, Bella. Não esperavas encontrar uma documentação tão perfeita como um exemplar vivo, ou devo dizer morto, na tua frente, pois não?

Ri-me e então Charlie continuou.

- Tens razão acerca dessas características. De facto, são as que pertencem a um verdadeiro vampiro e nesse caso tens aqui o Angelus como prova disso. É complicado existir informação verdadeira sobre eles, querida.

- Sim. Como sabes, Bells, nós temos que nos proteger. Caso contrário, o mundo como o conhecemos não existiria. – Explicou-me Angel desta vez com um ar sério.

- Mas… tu não és mau, Tio. E vocês disseram que os Cullen também não eram maus! Como é que eu posso distinguir um vampiro bom de um mau?

- Não, Bella. Nós não te dissemos que eles não eram maus! Nós dissemos-te que eles são nossos amigos, isso não quer dizer que não sejam maus. – Corrigiu-me Charlie, muito sério. – Não deves baixar a guarda, Bella. As aparências enganam! E tu sabes.

- Tal como eu, Bella, embora seja teu tio e todos confiem em mim, isso não quer dizer que eu não seja mau. Não deves ser condescendente em relação aos perigos que se apresentam sobre a forma de amigos. Percebes?

Absorvi as palavras de Angel e Charlie, ambos estavam certos, mas nenhum me tinha respondido à minha pergunta.

- Sim. Mas nenhum de vocês respondeu à minha pergunta. Como é que eu distingo um vampiro mais perigoso de um como os Cullen? – Voltei a perguntar.

- Pelos olhos. – Respondeu Angel rapidamente. – Quando os seus olhos são dourados, não representam um perigo muito imediato. Nesse caso, são como nós lhes costumamos chamar, vegetarianos. Não bebem sangue humano, mas isso não quer dizer que não o desejem.

- Mas quando os seus olhos são vermelhos, não deves hesitar ao usar os teus poderes directamente neles! – Ordenou-me Charlie, o tom decisivo na sua voz dizia-me que os vampiros de olhos vermelhos eram totalmente o oposto dos vampiros de olhos dourados. – Agora, Bella, ficaste a saber tudo o que não devias. Ou melhor, devias, mas não antes de teres completado os teus dezoito.

- Porquê, pai?

- Porque foi assim estipulado pela tua avó. Aquelas que não crescessem dentro dos terrenos de Salem não deveriam saber sobre a existência de vampiros, lobisomens ou outras criaturas antes que estivessem totalmente desenvolvidas como bruxas! – Respondeu Angel levantando-se.

Charlie seguiu-lhe o exemplo e antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, o mesmo sorriso predador apareceu no rosto dos dois, fazendo outra vez com que a parecença entre ambos aumentasse. Nunca vira o meu pai com o brilho que estava agora nos seus olhos, mas devia admitir que ele não parecia ser o homem de 41 anos que era chefe da esquadra da polícia, parecia ser muito mais novo.

- Hum… Sentes este odor delicioso, Charles? – Perguntou Angel olhando para o meu pai com o mesmo brilho nos olhos.

- Um veado. – Murmurou Charlie inspirando profundamente. – A… cem metros daqui se não estou em erro e dirige-se para norte! – Continuou para depois sorrir abertamente para a sua capacidade para localizar o animal. – Mais uma caçada?

Vi Angel sorrir ainda mais cheio de vontade de caçar, revirei os olhos perante aquilo, pareciam crianças ansiosas por poderem aproveitar mais um dia no jardim. Charlie e Angel beijaram-me a testa antes de se dirigirem à porta, mas antes de pôr ambos os pés na rua, Angel parou e olhou-me com um novo ar sério.

- Ah! E, Bella? – Virei-me para o encarar. – No livro de feitiços novo que te trouxe está um feitiço, que queremos que uses a partir de agora junto dos Cullen.

- Eu não vou lançar nenhum feitiço aos Cullen! – Apressei-me a dizer.

Ambos riram-se e Charlie intrometeu-se. – Não é para lançares nos Cullen, querida! É para lançares em ti! É um feitiço que fará com que o teu cheiro desapareça ao nariz deles, assim ficarás protegida e facilitarás a vida do… como é que ele se chama, Angel? O mais novo!

- Jasper! – Concluiu Angel tirando algo do bolso. – Toma, Bells. Se te apetecer sair, podes levar o meu carro!

Apanhei as chaves do magnífico carro do meu tio em pleno ar e fiquei a olhar para elas, não conseguia pensar num outro carro que eu admirasse tanto como o carro do meu tio, de facto, aquele era o carro que eu mais gostava em toda a história automóvel da minha família. Atirei as chaves ao ar para depois apanhá-las, deixando que o som de metal a tilintar enchesse a casa silenciosa.

Um passeio não iria fazer mal, pensei olhando pela janela da sala para o carro de Angel que se encontrava atrás do carro de patrulha do meu pai. A pintura negra do carro brilhava com os raios de Sol que nela incidiam, quase me fazia lembrar a pele do seu dono quando o Sol lhe tocava, uma memória antiga da minha “velha” infância.

Acabei por me decidir em dar uma rápida volta pela cidade no carro do meu tio, não me demorei em lugar nenhum, estava apenas de passagem. Tinha-me arranjado para aquilo, vestindo um casaco de cabedal que me fora oferecido por Ana e colocando uns óculos de sol para apreciar a viagem. Retirara a capota do carro e saíra a acelerar, sentindo o vento remexer-me os cabelos, transmitindo-me a sensação limitada de liberdade.

A viagem não durou muito tempo, embora soubesse que Charlie não estaria em casa antes do anoitecer nem viria almoçar e que Angel não comia, dirigi-me a casa muito antes do meio dia. Recolhi os livros de feitiços e estudei alguns feitiços, na sala.

Sentada na sala, parecia tudo tão irreal, mas a pasta que Angel me mostrara naquela manhã parecia tornar a irrealidade desta situação toda numa estranha verdade, não conseguia evitar lançar olhares ao local onde Charlie tinha colocado a pasta.

Vampiros… Pensei lançando um novo olhar à pasta. O Edward era um vampiro…

Eu sabia que fazia sentido, mas porque é que parecia que eu não conseguia aceitar essa ideia? Porque é que parecia tão mais difícil de aceitar essa realidade?

Poisei o livro de feitiços com muita força sobre a mesa de café no centro da sala e dirigi-me para a porta que dava ao jardim nas traseiras. Eu tinha que sair de casa, mas não havia nenhum sítio aonde desejasse ir que não implicasse pelo menos de dois a três dias de automóvel. De qualquer modo, dirigi-me para o jardim já com a minha gabardina vestida.

O céu estava carregado de nuvens, mas ainda não chovia, uma diferença do bom tempo que tinha estado de manhã para agora. Caminhei até ao interior da floresta. Não demorou muito tempo até que eu estivesse suficientemente embrenhada nela, a ponto de a casa e a estrada se tornarem invisíveis, e de o único som ser o ruído da terra húmida sob os meus pés e os súbitos gorjeios dos gaios.

Havia ali uma ténue faixa de um trilho que conduzia através da floresta. O trilho adentrava-se cada vez mais profundamente na floresta, avançando sobretudo, tanto quanto eu percebia, em direcção a Leste. Serpenteava em torno de epiceas-de-sitka e dos abetos-do-canadá, dos teixos e dos bordos. Sabia apenas vagamente os nomes das árvores que me rodeavam e tudo o que sabia devia-se ao facto de Charlie mas indicar a partir do vidro do carro de rádio-patrulha quando eu era mais pequena. Havia muitas que eu não conhecia e outras que não conseguia identificar ao certo por estarem de tal modo cobertas de parasitas verdes.

Segui pelo trilho enquanto a raiva que tinha sentido em relação a mim mesma me impeliu a avançar. Ao começar a ficar mais calma, abrandei a marcha. Algumas gotas de humidade pingavam da abóbada acima de mim, mas não conseguia determinar se estava a começar a chover ou se se tratava simplesmente de charcos formados no dia anterior, sustentados bem lá no alto pelas folhas acima de mim, gotejando lentamente para regressarem à terra. Uma árvore recentemente derrubada – sabia que era algo recente, pois a árvore não estava completamente atapetada de musgo – repousava, encostando-se ao tronco de uma das suas irmãs, formando um banquinho abrigado a apenas alguns seguros centímetros do trilho. Passei por cima dos fetos e sentei-me cuidadosamente, certificando-me de que o meu casaco se interpunha entre o húmido assento e as minhas roupas onde quer que estivessem em mútuo contacto e encostei a minha cabeças, coberta pelo capuz, à árvore viva.

Não devia ter ido para aquele lugar. Devia ter calculado, mas que outro sítio havia para onde ir? A floresta caracterizava-se por um verde-carregado e assemelhava-se demasiadamente ao cenário presente no sonho que tivera na noite anterior para me proporcionar paz de espírito. Agora que já não se ouvia o som dos meus passos na terra ensopada, o silêncio era cortante. Também os pássaros estavam sossegados e as gotas começavam a cair com maior frequência, pelo que devia estar a chover. Agora que eu estava sentada, os fetos erguiam-se acima da minha cabeça e sabia que alguém podia passar pelo caminho e não me ver.

Ali, no meio das árvores, era muito mais fácil acreditar e aceitar todas realidades sobre os Cullen. Nada se alterara naquela floresta desde há milhares de anos e todos os mitos e lendas de uma centena de terras diferentes pareciam muito mais prováveis naquela bruma verde do que na nitidez da sala de estar.

Obriguei-me a concentrar-me nas duas perguntas fundamentais que exigiam resposta, mas fi-lo com relutância.

Se, de facto, os Cullen eram vampiros, como poderia eu estar tão próxima deles e eles dos humanos?

Isto era um novo puzzle… e para ambas minha irritação e satisfação, todas as peças se encaixavam perfeitamente. Os aspectos que eu observara enumeravam-se na minha cabeça rapidamente: a força e velocidade incríveis, a cor dos olhos a mudar de negro para dourado e vice-versa, a beleza desumana, a pele clara e álgida e ainda mais – pequenas coisas que começaram lentamente a ter sentido -, como o facto de parecer que eles nunca comiam, a perturbadora graciosidade dos seus movimentos e a forma como Edward, por vezes, falava, com estranhas cadências e expressões que mais se adequavam ao estilo de um romance da viragem do século do que ao de uma sala de aula do século XXI. Ele faltara a uma aula no dia em que havíamos procedido à tipificação sanguínea. Só recusara o convite para a viagem à praia depois de saber aonde íamos. Parecia adivinhar os pensamentos de todos os que o rodeavam… excepto eu. Dissera-me que era o vilão, que era perigoso…

Ele dera-me todas as pistas, todos os sinais para que eu chegasse à conclusão de que ele era muito mais que humano, tentara fazer-me ver que ele era perigoso… o tempo todo. Mas eu não queria acreditar pois também eu era perigosa e agora que sabia o que ele era, éramos ambos uma potencial presa um para o outro.

E ainda havia outra coisa, a palavra de Charlie e Angel. Eu sabia que o Tio Angel já tinha muitos anos de existência e ele conhecia a família Cullen, ele sabia o nome de todos, logo, eu não tinha como não acreditar no meu tio.

Os Cullen eram vampiros. Ponto final. Esta era a resposta definitiva à primeira pergunta.

Colocava-se, então, a questão mais importante de todas: o que iria eu fazer?

Edward era um vampiro – mal conseguia sequer pronunciar mentalmente as palavras -, o que deveria eu fazer? Implicar outra pessoa estava definitivamente fora de questão. Eu própria tinha uma certa dificuldade em aceitar este facto; qualquer que fosse a pessoa a quem eu contasse, mandaria internar-me.

Apenas duas opções pareciam viáveis. A primeira consistia em seguir o conselho dele: ser esperta, evitá-lo o mais possível; cancelar os nossos planos, voltar a ignorá-lo tanto quanto conseguisse; fingir que existia um muro de vidro impenetravelmente entre nós na única aula em que éramos obrigados a ficar juntos; dizer-lhe para me deixar em paz – e, desta vez, fazê-lo com intenção.

Fui tomada por um súbito paroxismo de desespero ao encarar essa alternativa. Não conseguia sequer pensar num dia que fosse sem poder comunicar com Edward, mesmo que isso fosse a opção correcta para a segurança de ambos, mas eu era demasiado egoísta ao ponto de sobrepor os meus desejos e interesses à segurança de Edward ou até mesmo à minha. O meu espírito rejeitou o sofrimento, passou rapidamente para a opção seguinte.

Não podia fazer nada de diferente. Afinal, embora ele fosse algo… sinistro, ainda não fizera nada para me magoar até ao momento. Na verdade, eu seria uma mossa no pára-choques de Tyler se ele não tivesse agido com tanta prontidão. Com tanta prontidão, arguia comigo mesma, que podia ter-se tratado de meros reflexos. No entanto, retorqui, se salvar vidas era um reflexo, até que ponto é que ele poderia ser mau? A minha cabeça girava em círculos desprovidos de respostas. Até porque para além destas perguntas em torno dele, erguiam-se perguntas em torno de mim mesma, conseguiria eu, mesmo estando perto dele, protegê-lo de mim? Conseguiria, pelo menos, ser forte o suficiente para controlar os meus poderes e poder protegê-lo a ele e à sua família de perigos como eu?

De uma coisa eu tinha a certeza, se é que estava certa de algo. O Edward tenebroso que aparecera no meu sonho na noite anterior era apenas o reflexo do meu medo em relação à palavra que Jacob proferira e não do próprio Edward. Mesmo assim, quando eu gritara de pavor aquando da investida do lobisomem, não fora o receio do lobo que levava os meus lábios a exclamarem “não”. Era receio de que ele pudesse ser ferido; mesmo quando ele me chamava com presas afiadas, eu temia por ele.

Soube, então, que ali residia a minha resposta. Não sabia se chegara sequer a haver uma alternativa. Eu já estava demasiado envolvida. Agora que sabia, nada podia fazer quanto ao meu novo segredo assustador, pois, quando pensava nele, na sua voz, nos seus olhos hipnóticos, na força magnética da sua personalidade, nada mais desejava senão estar com ele naquele preciso momento. Mesmo que… mas não conseguia conceber tal coisa. Não ali, sozinha na floresta sobre a qual começava a abater-se a escuridão. Não enquanto a chuva tornasse o ambiente esbatido como o crepúsculo sob a abóbada florestal e tamborilasse como passos no piso de terra atapetado. Eu arrepiei-me e levantei-me rapidamente do meu esconderijo, preocupada com o facto de o caminho poder, de algum modo, ter desaparecido com a chuva.

No entanto, ali estava, nítido e a salvo, serpenteando em direcção à saída do gotejante dédalo verde. Segui-o apressadamente, com o capuz bem chegado ao rosto, ficando surpreendida, enquanto passava praticamente a correr pelas árvores, com a tamanha distância que eu percorrera. Comecei a perguntar-me se me encaminhava, de facto, para a saída ou se seguia pelo caminho para me embrenhar ainda mais nos confins da floresta. Contudo, antes de ter ficado demasiado tomada pelo pânico, comecei a vislumbrar alguns espaços abertos através dos ramos repletos de teias de aranha. Do meu lado direito ouvi um riso e, mais à frente, consegui ouvir um carro passar na rua e eu estava livre, com o relvado de Charlie a estender-se diante de mim, a casa a acenar-me, prometendo aconchego e meias secas. Ouvi novamente um riso quando dei um suspiro aliviado, sabia a quem pertencia e por isso revirei os olhos, teria que falar com Angel mais tarde.

Era apenas meio-dia quando voltei a entrar em casa. Dirigi-me ao andar superior e vesti a roupa do dia, calças de ganga e uma camisola de mangas curtas, visto que ia ficar em casa. Não foi necessário muito esforço para me concentrar na tarefa do dia: um trabalho sobre Macbeth cujo prazo de entrega era até quarta-feira. Resolvi, de bom grado, esboçar um rascunho aproximado, estando mais serena do que me sentira desde… bem, desde a tarde de quinta-feira, para ser sincera.

Todavia, essa fora sempre a minha maneira de proceder. Tomar decisões era, para mim, a parte dolorosa, a parte que me afligia, mas, assim que a decisão estava tomada, eu simplesmente a levava até ao fim – normalmente, sentindo alívio pelo facto de a escolha ter sido feita. Por vezes, o alívio era viciado pelo desespero, como foi o caso da minha decisão no sentido de ir para Forks, mas tal continuava a ser preferível à luta com as alternativas.

Era ridiculamente fácil viver com esta decisão. Perigosamente fácil.

Assim, o dia foi calmo, produtivo – terminei o trabalho antes das oito horas da noite. Charlie e Angel regressaram a casa, ambos com os olhos mais claros do que quando haviam partido. Pelos vistos, o dia não fora produtivo apenas para mim. Olhando para Angel, os meus pensamentos dirigiram-se para Edward e a viagem que tencionava fazer com ele no próximo sábado. Os arrepios que me percorriam a coluna vertebral, sempre que pensava nessa viagem, não eram em nada diferentes daqueles que sentira antes de fazer a caminhada com Jacob Black. Deviam ser diferentes, pensei. Eu devia ter medo – sabia que devia ter, mas não conseguia sentir o género acertado de temor.

Nessa noite dormi sem sonhar, extenuada por ter começado o dia tão cedo e ter dormido tão mal na noite anterior. Acordei pela segunda vez, desde que chegara a Forks, para deparar com a intensa claridade amarela de um dia soalheiro. Dei um salto até à janela, espantada por verificar que havia poucas nuvens no céu e as que havia eram apenas pequenos pompons brancos com aspecto de algodão que não podiam, de modo nenhum, trazer chuva. Abri a janela – ficando surpreendida quando esta se abriu sem fazer ruído, sem ficar presa, depois de não ter sido aberta durante sabe Deus quantos anos – e aspirei o ar relativamente seco. O tempo estava quase quente e o vento quase não soprava. O meu sangue fervia-me nas veias com satisfação.

Charlie acabava de tomar o pequeno-almoço – para meu espanto, sabia que não era sua norma alimentar-se de comida humana depois de um dia de caça - quando eu desci e apercebeu-se logo da minha disposição.

- Está um belo dia lá fora. – Comentou. Parecendo levemente aborrecido por isso.

- Pois está. – Concordei com um sorriso rasgado.

Ele retribuiu o sorriso, com os seus olhos castanhos a enrugarem-se nos cantos. Quando Charlie sorria, era mais fácil perceber por que motivo a minha mãe se lançara demasiado precipitadamente num casamento precoce. Grande parte do jovem romântico que ele fora naqueles tempos desvanecera-se antes de eu o conhecer, à medida que o cabelo castanho encaracolado – da mesma cor, se não mesmo com uma textura idêntica à do meu – fora enfraquecendo, revelando cada vez mais a pele reluzente da sua testa. No entanto, quando ele sorria, eu conseguia ver um pouco do homem que fugira com Renée quando ela era apenas dois anos mais velha do que eu sou agora.

Tomei o pequeno-almoço alegremente, observando os fossos de poeira a agitarem-se sob a luz do Sol que invadia a janela das traseiras. Quando acabei de comer, despedi-me de Charlie que ficaria em casa (outra vez) devido ao Sol. Hesitei ao sair pela porta, com a mão na gabardina. Seria estar a tentar a sorte se a deixasse em casa. Com um suspiro, dobrei-a por cima do braço e saí para deparar com a claridade mais luminosa que vira desde há vários meses.

À custa de muito esforço, consegui abrir os dois vidros da pick-up quase completamente. Fui uma das primeiras pessoas a chegar à escola; não olhara sequer para o relógio na minha pressa de ir para a rua. Estacionei e dirigi-me para os raramente usados bancos de piquenique no lado Sul da cantina. Os bancos ainda estavam um pouco húmidos e, por conseguinte, sentei-me em cima da gabardina, contente por lhe dar uma utilidade. Os meus trabalhos de casa estavam feitos – o resultado de uma vida social pouco intensa -, mas havia alguns problemas de Trigonometria cuja resolução se apresentava complicada. Peguei no livro aplicadamente, mas, antes de acabar de conferir o primeiro problema, já estava a sonhar acordada, observando a incidência da luz do Sol sobre as árvores de casca vermelha. Fazia esboços nas margens dos meus trabalhos de casa. Alguns minutos depois, apercebi-me subitamente de que desenhara cinco pares de olhos negros que me olhavam fixamente a partir da página. Apaguei-os com a borracha.

- Bella! – Ouvi alguém chamar, parecendo a voz de Mike.

Olhei em volta e verifiquei que a escola ficara povoada enquanto eu permanecia ali sentada, com o espírito ausente. Todos envergavam camisolas de mangas curtas e alguns até tinham calções vestidos, ainda que a temperatura não ultrapassasse seguramente os quinze graus. Mike caminhava na minha direcção com uns calções de caqui e uma camisola de râguebi às riscas.

- Viva, Mike! – Exclamei, retribuindo-lhe o aceno, incapaz de conter o entusiasmo numa manhã como aquela.

Foi sentar-se ao meu lado, com o seu cabelo espetado a reflectir tons dourados à luz do sol e o seu sorriso a rasgar-se-lhe no rosto. Estava tão encantado por me ver que tinha de sentir-me satisfeita. Mesmo não sendo humana, era bom sentir-me admirada pelos homens.

- Nunca tinha reparado antes, mas o teu cabelo tem reflexos ruivos. – Comentou ele, pegando com os dedos num fio que esvoaçava sob o efeito da leve brisa.

- Só ao Sol.

Fiquei um pouco constrangida quando ele me colocou o anel de cabelo atrás da orelha.

- Está um dia fantástico, não está?

- Um dia como eu gosto. – Concordei.

- O que fizeste ontem?

O seu tom de voz era um pouco possessivo de mais.

- Trabalhei sobretudo na minha dissertação. – Não acrescentei que a terminara, não havia necessidade de parecer presumida.

Bateu na testa com a base da mão.

- Ah, pois – o prazo de entrega é até quinta-feira, certo?

- Hum, até quarta-feira, creio eu.

- Quarta-feira? – Franziu o sobrolho. – Isso não é nada bom… Qual é o tema da tua?

- O facto de o tratamento que Shakespeare dá às personagens femininas ser ou não misógino.

Ele olhou-me como se tivesse acabado de falar em linguagem criptofónica.

- Suponho que terei de trabalhar nisso esta noite. – Disse ele, abatido. – Ia perguntar-te se querias sair.

- Ah! – Fui apanhada desprevenida. Porque é que eu já não conseguia ter uma conversa agradável com Mike sem ficar constrangida?

- Bem, podíamos ir jantar ou algo do género… e eu podia trabalhar na dissertação mais tarde. – Sorriu-me esperançosamente.

- Mike… Acho que não seria a melhor das ideias.

Eu detestava que me colocassem em situações desagradáveis.

O seu rosto reflectiu desânimo.

- Porquê? – Perguntou, com um olhar cauteloso.

Edward surgiu no meu pensamento e perguntei-me se o mesmo acontecera a Mike.

- Julgo… e se alguma vez repetires o que eu estou a dizer neste preciso momento, eu terei todo o prazer em espancar-te até à morte – Ameacei, sentindo, de facto, uma pequena vontade em cumprir a minha ameaça -, mas acho que isso feriria os sentimentos da Jessica.

Ele ficou confuso, sendo óbvio que os seus pensamentos não iam, de todo, nesse sentido.

- Da Jessica?

- Sinceramente, Mike, tu és cego?

- Ah! – Suspirou, claramente aturdido.

Aproveitei esse facto para me escapar.

- Está na hora da aula e não posso voltar a atrasar-me.

Recolhi os meus livros e meti-os na pasta. Caminhámos em silêncio até ao edifício três e a expressão estampada no seu rosto era a de alguém que tinha o espírito perturbado. Eu esperava que, quaisquer que fossem os pensamentos em que ele estava imerso, o conduzissem na direcção certa.

Quando vi Jessica na aula de Trigonometria, ela não cabia em si de tanto entusiasmo. Ela, Angela e Lauren iam a Port Angeles naquela noite para comprarem os vestidos para o baile e ela queria que eu também fosse, ainda que não precisasse de vestido nenhum. Fiquei indecisa. Seria agradável sair da cidade com algumas amigas, mas Lauren também iria. E quem sabia o que eu faria naquela noite? No entanto, não era decididamente por este caminho que devia permitir que o meu espírito devaneasse. É claro que eu estava contente com a luz do Sol, mas esse aspecto nem por sombras era inteiramente responsável pelo estado de euforia que me encontrava.

Assim, dei-lhe como resposta um talvez, dizendo-lhe que, primeiro, teria de conversar com Charlie.

Ela não falou de mais nada além do baile ao longo do trajecto para a aula de Espanhol, continuando como se nenhuma interrupção se tivesse verificado quando a aula finalmente terminou, cinco minutos depois da hora, e fomos almoçar. Estava demasiado absorta no meu próprio frenesim de expectativa para prestar atenção a grande parte daquilo que ela dizia. Estava dolorosamente ansiosa por ver, não só a ele, mas a todos os Cullen – para me certificar da verdade que ficara a saber ontem. Ao passar a soleira da porta da cantina, senti o primeiro autêntico formigueiro de temor descer-me pela coluna e assentar no estômago. Seriam eles capazes de adivinhar os meus pensamentos? Então, uma sensação diferente perpassou-me – estaria Edward à espera para se sentar novamente comigo à mesa?

Como era meu procedimento habitual, relanceei o olhar, em primeiro lugar, na direcção da mesa dos Cullen. Um estremecimento de pânico fez-se sentir no meu estômago ao aperceber-me de que estava vazia. Com uma esperança cada vez menor, os meus olhos fizeram o reconhecimento do resto da cantina, esperando encontrá-lo sozinho, à minha espera. O espaço estava praticamente todo ocupado – a aula de Espanhol fizera com que nos atrasássemos -, mas não havia quaisquer vestígios de Edward nem de nenhum membro da sua família. A desolação apossou-se de mim com uma força avassaladora. Mas estava a ser parva em ficar triste, eles não podiam sair ao Sol, isso iria chamar à atenção das pessoas…

Caminhava tropegamente atrás de Jessica, já não me dando ao trabalho de fingir estar a escutá-la.

Chegámos tão tarde que já todos se encontravam sentados à nossa mesa. Evitei a cadeira vazia ao lado de Mike em favor de uma junto de Angela. Notei vagamente que Mike afastou com delicadeza a cadeira para que Jessica se sentasse e que, em resposta, o semblante dela se iluminou.

Angela fez algumas perguntas discretas a respeito do trabalho sobre Macbeth, às quais respondi da maneira mais natural possível enquanto o meu estado de espírito se afundava cada vez mais com tanta infelicidade. Também ela me convidou para acompanhá-las naquela noite e, desta vez, aceitei, agarrando-me a qualquer coisa que me proporcionasse distracção.

Apercebi-me de que conservava uma réstia de esperança quando entrei na sala de Biologia, vi o lugar dele vazio e senti uma nova onda de decepção.

O resto do dia passou lento e triste. Na aula de Educação Física, o professor procedeu a uma explanação acerca das regras de badmington, suplício que me tinham reservado, mas, pelo menos, pude sentar-me e escutar em vez de andar aos tropeções no campo. O melhor disto foi que o treinador não terminou a exposição e, portanto, o dia seguinte seria novamente de descanso. Não importava que, dois dias depois, me munissem de uma raqueta antes de me deixarem à mercê do resto da turma.

Fiquei contente por deixar o recinto da escola, ficando, portanto, livre para amuar e ficar com a neura antes de ir sair, nessa noite, com Jessica e companhia limitada. No entanto, assim que cheguei à porta da casa de Charlie, Jessica telefonou para cancelar os nossos planos. Tentei parecer satisfeita com o facto de Mike a ter convidado para jantar – estava mesmo aliviada por ele finalmente parecer ter percebido -, mas o meu entusiasmo soou a falso aos meus ouvidos. Adiou, para a noite do dia seguinte, a nossa viagem para ir às compras.

Este adiamento não me deixou muito com que me distrair. Colocara peixe a marinar para o jantar, com uma salada e pão que sobrara da noite anterior, não havendo, portanto, nada a fazer neste âmbito. Dediquei meia hora de concentração aos trabalhos de casa, que terminei de seguida. Consultei o meu correio electrónico, lendo as mensagens em atraso que haviam sido remetidas pela minha mãe, as quais se tornavam cada vez mais amargas à medida que avançavam no tempo. Suspirei e digitei uma resposta rápida.

 

“Mãe,

Desculpa. Tenho estado fora. Fui à praia com alguns amigos e, além disso, tive de redigir um trabalho.”

 

As minhas desculpas eram relativamente dignas de dó, tendo eu, portanto, desistindo de as apresentar.

 

“Hoje, está sol lá fora – eu sei, também estou admirada -, logo, vou para a rua absorver o máximo de vitamina D possível.

Gosto muito de ti,

Bella.”

 

Decidi empregar uma hora em leituras que não estivessem relacionadas com a escola. Possuía uma pequena colecção de livros que trouxera para Forks, sendo o volume mais gasto uma compilação das obras de Jane Austen. Escolhi esse e dirigi-me para o jardim das traseiras, retirando, ao descer, uma velha e esfarrapada colcha do armário da roupa que se encontrava no cimo das escadas.

No exterior, no pequeno pátio quadrado de Charlie, dobrei a colcha ao meio e estendi-a fora do alcance da sombra das árvores, sobre o denso relvado que estava sempre ligeiramente molhado, por mais que o Sol brilhasse. Deitei-me de bruços, cruzando os tornozelos no ar, folheando os diversos romances do livro, tentando decidir qual seria aquele que me ocuparia melhor o espírito. Os meus preferidos eram Orgulho e Preconceito e Sensibilidade e Bom Senso. Lera o primeiro há menos tempo e, por conseguinte, comecei por Sensibilidade e Bom Senso apenas para me lembrar, depois de ter começado a leitura de terceiro capítulo, de que o herói da história se chamava, por acaso, Edward. Irritada, optei por O Parque dos Mansfield, mas o herói desta composição literária chamava-se Edmund, o que era demasiado parecido. Será que não havia outros nomes disponíveis no final do século XVIII? Fechei o livro violentamente, com irritação, e deitei-me de costas. Arregacei as mangas o máximo possível, expondo a minha pele à luz e fazendo com que brilhasse levemente, e fechei os olhos. Não pensaria em nada além do calor na minha pele, pensei para comigo mesma com severidade. A aragem que corria era ainda leve, mas fazia com que anéis do meu cabelo esvoaçassem, em torno do meu rosto, o que provocava algumas cócegas. Levantei o cabelo, deixando que formasse um leque sobre a colcha, e concentrei-me novamente no calor que incidia nas minhas pestanas, na face, no nariz, nos lábios, nos antebraços, e no pescoço, deixando-me completamente ensopada, o que era visível através da minha camisa leve…

Só voltei a ter consciência com o som do carro de rádio-patrulha de Charlie a virar para a entrada ladrilhada. Sentei-me surpreendida, apercebendo-me de que a claridade desaparecera, por trás das árvores, e eu adormecera. Olhei em redor, desorientada, com súbita sensação de que não estava sozinha.

- Charlie? – Chamei, ao mesmo tempo que consegui ouvir a porta do seu carro bater em frente da casa.

Levantei-me de um salto, totalmente tensa, pegando na colcha, agora húmida, e no meu livro. Corri para dentro para pôr óleo a aquecer no fogão, apercebendo-me de que o jantar iria atrasar-se. Charlie estava a pendurar o coldre e a descalçar as botas quando eu entrei.

- Desculpa, pai, o jantar ainda não está pronto, adormeci lá fora. – Reprimi um bocejo.

- Não te preocupes com isso. – Afirmou ele, entrando na cozinha e beijando-me a testa. – De qualquer modo, queria ver qual era o resultado do jogo.

Vi televisão com Charlie após o jantar, para me entreter. Não estava a ser transmitido nenhum programa que eu quisesse ver, mas ele sabia que eu não gostava de basquetebol e, por isso, mudou de canal para uma disparatada série cómica com que nenhum de nós se divertia. Ele parecia, contudo, feliz por estarmos juntos e, apesar do meu desânimo, fazê-lo feliz proporcionava-me uma sensação agradável.

- Então, sempre saíste de casa hoje. – Comentei sorrindo.

Charlie acomodou-se no sofá e sorriu-me, pelos vistos, ele também não era apologista da ideia de ficar em casa fechado num dia de Sol.

- Teve que ser, para meu alívio! – Respondeu-me. – Chamaram-me à esquadra… Quando o telefone tocou, juro-te que me pareciam as trombetas dos anjos! Nunca fiquei tão contente por me chamarem da esquadra como hoje.

Devia ser difícil ser obrigado a ficarmos fechados para mantermos em segredo aquilo que éramos. E o meu pai era a prova viva.

- Pai – exclamei durante um anúncio publicitário -, a Jessica e a Angela vão ver vestidos para o baile amanhã à noite em Port Angeles e queriam que as ajudasse a escolher… Importas-te que vá com elas?

- A Jessica Stanley? – Perguntou ele, torcendo o nariz como se não lhe agradasse muito a ideia de eu andar com ela.

- E a Angela Weber. – Suspirei ao fornecer-lhe os pormenores. Este último nome pareceu desencadear nele uma nova satisfação.

- A Angela é uma boa moça… - Comentou. – Já a Jessica…

Olhei para ele com uma cara zangada, dando-lhe a entender que era minha amiga. Ele encolheu os ombros e voltou ao assunto.

- Mas tu não vais ao baile, pois não? – Perguntou, ligeiramente confuso.

- Não, pai, mas vou ajudá-las a procurar vestidos, tu sabes, fazer-lhes críticas construtivas.

Não teria de proceder a este tipo de explicações se estivesse a falar com uma mulher.

- Pronto, muito bem. – Condescendeu, parecendo perceber que estava fora do seu elemento no que se referia aos assuntos de raparigas. – Mas tens aulas no dia seguinte.

- Nós partimos logo após as aulas, de modo a podermos voltar cedo. Tu desenvencilhas-te com o jantar, certo?

- Bells, eu encarreguei-me da minha alimentação durante dezassete anos antes de aqui chegares. – Relembrou-me.

- Não sei como sobreviveste. – Murmurei por entre dentes – mas ele percebeu tudo o que eu disse e riu-se – e, em seguida, acrescentei de forma mais perceptível. – Deixarei algumas coisas no frigorífico para preparares sandes de carnes frias, está bem? Logo em cima.

Lançou-me um olhar divertido, mas tolerante.

- Estás cada vez mais parecida com a tua avó! E com a tua tia também… - Ele comentou, rindo-se enquanto eu saía da sala.

Na manhã seguinte, o Sol voltava a brilhar. Despertei com uma esperança renovada que tentei reprimir veemente. Vesti, para o tempo mais quente, uma blusa azul-escura com decote em V – algo que eu usara em pleno Inverno em Phoenix.

Planeara chagar à escola apenas em cima da hora da aula. Com um aperto no coração, andei às voltas em todo o parque de estacionamento à procura de um lugar, enquanto tentava encontrar o Volvo prateado que, manifestamente, não se encontrava ali. Estacionei na última fila e apressei-me para a aula de Inglês, chegando sem fôlego, mas mais calma, antes do toque final da campainha.

Ocorreu o mesmo que no dia anterior – simplesmente não conseguia evitar que pequenos rebentos de esperança florescessem no meu espírito apenas para serem dolorosamente esmagados – quando perscrutei o refeitório em vão e me sentei diante da minha bancada vazia na aula de Biologia.

O programa de Port Angeles estava novamente pronto a ser executado naquela noite e tornou-se ainda mais apelativo pelo facto de Lauren ter outras obrigações. Estava ansiosa por sair da cidade, de modo a poder parar de olhar por cima do ombro na esperança de o ver aparecer vindo do nada como sempre fazia. Jurei a mim própria que, naquela noite, estaria bem-disposta e não estragaria o divertimento de Angela e Jessica na caça ao vestido. Talvez também eu pudesse comprar algumas roupas. Recusava-me a pensar que iria sozinha às compras (não iria, de facto, sozinha) em Salem naquele fim-de-semana, já não estando interessada na combinação anterior. Ele não iria decerto cancelar a viagem sem, pelo menos, mo comunicar.

Depois das aulas, Jessica seguiu-me até casa no seu velho Mercury branco, de modo que eu pudesse ali deixar os meus livros e a pick-up. Escovei rapidamente os cabelos enquanto estava dentro de casa, sentindo um ligeiro rasgo de entusiasmo ao pensar em sair de Forks. Deixei um bilhete a Charlie em cima da mesa, explicando novamente onde podia encontrar o jantar, retirei o meu velho porta-moedas da pasta escolar e coloquei-o numa bolsa que raramente utilizava, saindo, depois, a correr para me juntar a Jessica. Em seguida, fomos a casa de Angela que estava à nossa espera. O meu entusiasmo aumentou exponencialmente quando, de facto, saímos dos limites da cidade.


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