Instinto Paterno escrita por Ethereal Serenade


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Zerando mais uma vez TLoU, e depois de passar pelo capítulo do inverno, a ideia para essa pequena oneshot surgiu. Quer dizer, desde o primeiro momento que joguei esse capítulo, sempre tive vontade de escrever alguma coisa que se situasse no intervalo entre inverno e primavera. Mas somente agora a ideia enfim ganhou forma. Espero que goste, tanto quanto eu gostei de ter escrito.Tenha uma ótima leitura! ^^



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Duas semanas decorreram desde que Joel e Ellie partiram do resort de Lakeside, no estado de Montana. O inverno seguia impiedoso, exigindo forças de ambos que eram rapidamente exauridas naquela longa jornada rumo ao estado de Utah. Com a escassez de comida e a pé, todo cuidado era pouco, ademais a possibilidade de encontrarem outro grupo de caçadores era seriamente considerada a medida que seguiam adiante. O risco de esbarrarem em outro bando de loucos canibais como os de Lakeside era algo que Joel temia, e o inquietava a cada dia que passava.

Mas o que realmente o preocupava era Ellie.

Desde que deixaram o resort, a garota adquirira um comportamento quieto, quase taciturno. Já não falava tanto quanto antes, e se o fazia, agora, era apenas quando Joel se manifestava. Ele sabia qual a razão para aquela repentina mudança de Ellie, todavia era impossível negar o quanto ele se preocupava. Por mais que não demonstrasse de maneira franca, pensar em como os acontecimentos de Lakeside a afetava o deixava apreensivo. A atitude retraída por parte dela deixava claro que aquilo a atormentava, porém não dava margens para maiores interpretações sobre como, ou como poder ajuda-la no que ela estava passando.

E Joel não fazia ideia de como falar sobre o que aconteceu abertamente.

Não depois do que disse quando estavam em Jackson City.

Havia muitas coisas das quais Joel se arrependia de ter feito, e as coisas que dissera a Ellie em Wyoming era uma das mais amargas. Ela não precisava ter ouvido aquelas coisas... ela não merecia ter escutado absolutamente nada daquilo. Porque era uma mentira. Uma descarada e cínica tentativa de negar a si mesmo o quanto se importava com aquela garota. De desmentir que iria sem pensar duas vezes além dos próprios limites para salvá-la, se fosse necessário. De repelir o fato de que, ao longo daquele tempo de convivência, apegara-se a ela de maneira quase incondicional.

Ela é só uma carga, Joel. Convenientemente, lembrou-se do que Tess lhe dissera em Boston. Sim, ela havia sido apenas uma carga a ser levada até os Vaga-lumes. Mas tinha sido antes, enquanto ainda estavam na zona de quarentena. Aquilo era um passado que aparentava estar muito mais distante do que realmente era.

O que Ellie era agora?

— Joel? — A voz de Ellie o tirou abruptamente de seus devaneios, fazendo-o piscar os olhos algumas vezes, visivelmente aturdido. Viu que a garota o encarava com as sobrancelhas levemente arqueadas, confusa por sua postura alheada.

Entre os dois, uma fogueira ardia calorosamente. Inclementes ventos invernais ainda castigavam no lado de fora, portanto passariam a noite ali, em uma pequena casa em Centerville, já no estado de Utah. Partiriam ao amanhecer, rumo a Salt Lake City, e, por conseguinte, para o hospital de Saint Mary.

— Me desculpe, eu só... estava com a cabeça em outro lugar. — Falou. — Disse alguma coisa?

— Eu disse que vou dormir. — Respondeu Ellie. De cenho levemente franzido, perguntou, segundos depois: — Você está bem?

— Sim, só estou um pouco cansado.

— É, eu também ‘tô’ cansada. — Disse-lhe, e considerando sua expressão extenuada – Ellie havia adquirido marcas escuras embaixo dos olhos; ligeiras, porém visíveis com precisa atenção, olheiras surgiram. Além de seu semblante que em momento ou outro, demonstrava um distanciamento que Joel conhecia bem, embora não deixasse de causar menos preocupação. –, não se tratava apenas do esgotamento físico.

— Nós partiremos antes do sol nascer? — Inquiriu Ellie.

— Um pouco depois disso. — Joel respondeu. — Nós estamos perto de Saint Mary. Descanse o quanto quiser.

Ellie o fitou por alguns instantes, com uma expressão indecifrável no rosto.

— Eles não vão ficar lá para sempre. — Afirmou, com veemência. — Não devemos perder tempo.

A força com a qual Ellie se expressou deixou Joel surpreso, o que o fez ficar por alguns segundos em silêncio, com o rosto evidenciado a ligeira surpresa com aquilo.

No fim das contas, o que a motivava eram os Vaga-lumes, independente do que acontecesse.

— Você precisa descansar. — Disse Joel, e acrescentou: — Passamos quase o inverno todo andando sem descansar até chegarmos aqui. Pelo menos desta vez durma direito.

— Joel — Tão logo que ele terminara com sua fala, a garota se pronunciou, com a voz mais elevada, e num tom levemente duro. — Isso pode ficar para depois.

Mais uma vez, a demonstração de determinação de Ellie o espantava. Após alguns silentes instantes, ela perguntou:

— E se chegarmos lá e eles tiverem ido embora, como na universidade? — Sua voz manifestou certa urgência.

— Não seja tão pessimista. Eles vão estar lá.

— Eu espero. — Murmurou Ellie, num suspiro profundo.

— Agora, durma. Você precisa.

— Me prometa que partiremos cedo. — Retorquiu, ainda teimosa.

— Certo, — Joel sabia que contestar não seria a melhor opção, então acatou com o pedido dela. — eu prometo.

Ellie pareceu satisfeita com a resposta. Afastou-se um pouco da fogueira, e começou a arrumar alguns dos cobertores que tinham encontrado na residência. Ellie se deitou, puxando sua mochila para perto de si. Cobriu-se até os ombros, encolhendo-se. Desejou um quase inaudível “boa noite”, e ajeitando mais uma vez as suas cobertas, aquietou-se.

Joel não iria acordá-la cedo, em partes por que gostaria que ela dormisse um pouco mais do que estava dormindo nos últimos dias, e em partes porque não tinha certeza de que queria chegar ao hospital dos Vaga-lumes. Depois de tudo o que passaram, ir até eles pareciam tão... desnecessário. Porém ele sabia que finalizar aquela jornada independia de sua opinião; Ellie seguiria com aquilo até o fim. Ela não admitiria recuar, não depois do que enfrentaram ao longo daquele tempo.

Muito embora Joel desejasse que sim.

Mas justamente por tudo o que tiveram que enfrentar, é que Joel almejava deixar aquela causa tola de lado. Se conseguissem algo — se desenvolvessem a tão dita cura para a humanidade, o que viria a seguir?

Depois de tanto tempo pregoando que ainda lutam, que tem esperança na humanidade — ou no que restou nela. — aquela milícia rebelde tinha parado, por algum momento, para pensar no próximo passo? Não, Joel tinha certeza disso. Não que ele se importasse com a causa e os feitos dos Vaga-lumes, mas aquilo envolvia Ellie, e tudo relacionado a ela o preocupava— e não apenas isso, o deixava perturbado, apreensivo, fazendo-o passar noites em claro pensando no quanto seria melhor para ambos que simplesmente fossem embora, para Wyoming.

Pro inferno a maldita cura, ele só queria ter certeza de que Ellie estaria segura, ter a certeza de que acontecimentos como o de Lakeside jamais não se repetiriam e ela acabasse machucada e abalada mais uma vez. Tudo o que Joel queria era que Ellie ficasse bem. Apesar de aquele mundo não ser propício para fornecer tal coisa, ele desejava que, pelo menos uma vez, a garota conhecesse o sentido real de paz, sossego e segurança.

Era o que ele acreditava ser o melhor para ela.

Perdido em devaneios, Joel sequer percebeu que estava quase dormindo também. O que recobrou seus sentidos fugazmente foram ruídos inquietos. Vindos de Ellie.

— Ellie?

Joel a chamou baixinho, considerando a remota possibilidade que talvez ela estivesse chamando-o. Sem resposta, ele se aproximou com cautela, tomando cuidado para não emitir barulhos que viessem a despertá-la.

As pálpebras de Ellie tremulavam, e suas feições inquietas transpareciam desassossego com o sono. Sussurros entrecortados e ininteligíveis escapam de seus lábios, juntos com uma brisa gélida. Ela se mexia agitadamente por conta do pesadelo que estava tendo.

De maneira circunspecta, Joel colocou a mão na cabeça Ellie, afagando com cuidado para que a garota não acordasse. Desde Montana, não era a primeira noite em que ela submergia em pesadelos. Talvez esse fosse o principal motivo de que, todos os dias, ela insistiu tanto na ideia de sempre partirem o mais cedo possível para chegarem a hospital. Não apenas para encontrar os Vaga-lumes, mas para passar o menos possível relembrando involuntariamente todos os acontecimentos de Lakeside.

— Vai ficar tudo bem. — Joel proferiu baixinho, na tentativa de apaziguar seus medos, enquanto acariciando lentamente a cabeça da menina.

Joel.

Ele teve certeza de que ela disse seu nome. Num tom sentido, plangente. O mesmo tom choroso ao qual ela havia se rendido quando Joel a encontrou logo após ela ter trucidado aquele homem que tentara matá-la. E aquilo o atingiu da mesma maneira; imprevisivelmente profundo, com um aperto no peito doloroso, ao cogitar as piores e mais amargas possibilidades sobre a dimensão que aquilo afetava Ellie. E o que seria dela dali por diante.

— Eu estou aqui, garotinha. — Murmurou num tom sereno, na tentativa de apaziguar seu sono inquieto. — Eu estou aqui.

E sempre estaria. Quando pensou não haver mais motivos para viver naquele mundo cruel senão a própria existência em uma constante luta para sobreviver, Ellie surgiu, e — lentamente, involuntariamente. —, se tornou uma justificativa.

Uma razão.

E ele lutaria por ela, e não pararia para pensar duas vezes sobre até onde seria capaz de ir por aquela garota. Joel estaria ali. Sempre. Para ela.

Por ela.


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