Elementar escrita por LunaLótus


Capítulo 20
Primeiro aliado


Notas iniciais do capítulo

"Apesar de toda a revolução robótica que havia acontecido no planeta, essa estranha normalidade dá uma sensação de dois mundos, dois tempos distintos numa mesma época: o passado e o futuro, pois o presente... Bem, esse nunca existiu."



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/640701/chapter/20

Ela não pode ter ficado inconsciente durante tanto tempo. A sua visão durou no máximo três minutos. Só para conferir, ela pega o seu relógio dentro da bolsa. Onze horas... Onze horas? Já?

Thaís se apressa ao arrumar o cabelo. A essa altura, o trem já deve ter cruzado toda a Holanda rumo ao sul; deve estar saindo do país nesse exato momento. E ela não se surpreende nem um pouco quando o sistema de som anuncia:

— Bélgica. Parada em Bruxelas, em cinco horas.

É surreal como algumas coisas não mudaram desde aquele tempo. Os países, as capitais deles, tudo conserva o mesmo nome que há duzentos anos. Apesar de toda a revolução robótica que havia acontecido no planeta, essa estranha normalidade dá uma sensação de dois mundos, dois tempos distintos numa mesma época: o passado e o futuro, pois o presente... Bem, esse nunca existiu.

Thaís se levanta de seu assento e olha para a mochila. Agora sabe onde está as respostas, ou pelo menos alguma pista. Mas resolve não tentar desvendar nada nesse momento. Por enquanto, irá estocar o máximo de comida que puder. Ela sabe que não poderá continuar nesse trem por muito mais tempo.

A jovem sai da cabine como o planejado. Ao fazer as refeições mais cedo, é provável que não tenha ninguém ainda no vagão-refeitório, de modo que não a incomodam. Ela caminha calmamente até lá e vê que dessa vez não deu sorte.

Dois homens e uma mulher, todos de aparência elegante, já estão almoçando. Eles mal levantam os olhos quando Thaís entra e tenta agir o mais naturalmente possível. Ela vai até a mesa e se serve de um pouco de cada. Não levanta o rosto em momento algum.

Thaís está quase saindo quando um dos homens a chama:

— Ei! Não quer almoçar conosco?

Droga, ela pensa, e se vira com um sorriso confiante.

— Ah, não, obrigada! Estou estudando, sabe? Quero um dia trabalhar com andróides, para o governo. Eles melhoram muito nossa vida, não acham?

O homem não caiu nessa, Thaís pode perceber. Mas os outros dois acompanhantes a adoram e concordam em tudo o que ela disse e lhe desejam boa sorte.

— Obrigada – responde, e dá as costas.

O outro homem, no entanto, não parece tão convencido da veracidade das palavras de Thaís. Assente levemente com a cabeça, mas seu olhar é duro e calculista. A jovem, fingindo não sentir o quanto ele a encara, anda pelo corredor o mais normalmente possível, e assim que chega a sua cabine, tranca-se depressa.

Ele desconfiou, ele desconfiou!, grita a voz de sua mente. E agora, o que ela irá fazer? Olha para todos os lados, mas sua concentração se fixa na mochila.

Uma coisa ela tem certeza: não poderá passar outra noite no trem.

É tarde.

O sol está fraco e os flocos de neve voltam a se acumular no chão. Já se passaram as cinco horas que a máquina havia anunciado para a pausa em Bruxelas. Eles precisam de suprimentos, a viagem para o sul é longa. O que vai fazer é que Thaís não sabe.

Durante as horas anteriores, Thaís arrumou e desarrumou a mochila muitas vezes. Estocou comida suficiente para quatro dias, se ela se controlasse, e pegou muitas garrafas de água. No entanto, espera que arrume um lugar para pelo menos passar a noite. Se não conseguir...

A jovem se remexe no banco. Está inquieta. Tem a sensação de que mil olhos a vigiam, o que não é mentira. As câmeras da cabine em que ela está instalada estão todas ligadas. Terá que destruir todo o sistema de segurança do trem antes de partir. Ela só sente pelos outros passageiros, que não tem culpa de nada e nem sabem o que está acontecendo.

Olha pela janela e percebe uma placa passando rapidamente. Acha aquilo estranho. De fato, não existem mais fronteiras ou países em 2200. Os nomes são simbólicos, apenas para demarcar as regiões. Existe somente um governo. Um poder. E, tarefa simples, Thaís luta contra ele. Por isso, ela achou estranha a placa. Não deveriam existir mais placas também.

O trem começa a desacelerar. O coração de Thaís, no entanto, bate cada vez mais rápido. Ela arquitetou todo um plano para destruir a sala de segurança. Arruma-se, coloca suas armas e veste o enorme sobretudo por cima. Respira fundo e se levanta, a mochila nas costas, a mão no bolso, segurando o que podia ser a sua única pista.

— É agora – sussurra.

Dá um passo à frente e sai da cabine.

E leva um grande susto.

A porta da sua cabine está totalmente cercada por androides altamente armados. Mais atrás, claro, estão os humanos. Irônico, pensa. Mas não tem muito tempo. Precisa agir, e agora já não sabe se vale a pena destruir a sala de segurança, já que todos os robôs já estão ali para destruí-la.

— Ok! Para trás! – grita ela, mesmo sabendo que isso não adiantaria muita coisa. – Agora! Estou mandando recuarem! Ou explodo todo o trem!

Com essa última sentença, alguns androides recuam, mas muitos ainda continuam avançando. Thaís percebe que a sua ameaça abala os humanos por trás dos monstros robóticos. É claro que eles não querem ver o trem destruído.

Mas e por que não?, pergunta-se a jovem. Certamente não há tantos passageiros ali, e ela também não conseguiria explodir o trem completamente. Talvez somente aquele vagão... E eles não se importam com as vidas perdidas se conseguirem o que querem.

— Hmmm... – murmura. – Tem algo aqui, não tem? Pois muito bem. – E volta a falar mais alto. – Recuem, agora! Vocês vão me deixar passar! Ou...

Mas aquilo não dá certo. Incitados pelos humanos, os androides se aproximam cada vez mais de Thaís. Ela puxa as shurikens e se prepara para a luta e, assim que tiver uma oportunidade, a fuga.

— Tudo bem. Vamos lutar.

E então, instala-se o caos. Os androides atiram para todos os lados, impedindo qualquer direção para onde Thaís queira correr. Vários deles correm para a menina, que conta pelo menos uns dez. Ela quase se desespera, mas lembra-se de Renato, seu sorriso, a confiança dele na capacidade dela...

— É por você, Renato – sussurra e ataca.

Thaís se move com agilidade. Os androides são muito rápidos, mas ela é mais esperta. Procura pelos humanos, quando percebe que eles fugiram. A jovem retira as armas de fogo do cinto. Ela não tem tempo. Atira várias vezes seguidas, e pelo menos os dez que estavam muito perto consegue abater.

Mas existem muito mais. Mais cinco avançam e ela puxa suas shurikens. Atira-as com habilidade e faz uma nota mental para correr atrás dos covardes humanos que haviam fugido. Ninguém pode saber que ela está ali, naquele trem, cercada e vulnerável. Não. Eles não vão saber.

Com uma enorme descarga de raiva, Thaís perde o controle. Os androides percebem tarde demais que ela não está mais com armas nas mãos. Não há mais nenhum humano ali. O ar se condensa e a temperatura cai vinte graus. Nem é preciso muito. Com todo aquele frio, os circuitos dos robôs congelam e eles ficam paralisados. Então a jovem finaliza o seu trabalho, pega a adaga e corta todos os fios internos.

— Pronto. Agora... Os humanos ou a sala de segurança? – pergunta a si mesma. – Os humanos. – E parte para a única outra porta do vagão, à sua esquerda, indo na direção contrária ao trem.

O silêncio ali é assustador. Também não há uma única alma viva. Com certeza há algo mais importante que pessoas naquele vagão. Ou melhor, talvez em todo aquele trem. Mas não. Ela comprou a passagem especificamente para aquele horário. Com certeza era aquele espaço que tinha mais do que deveria.

Thaís continua caminhando por toda a extensão do vagão. Pelas janelas, pode ver a vegetação artificial do lado de fora, mas o trem ainda segue numa velocidade razoável. Ótimo, assim ela tem mais tempo para fazer o que é preciso. Ela para e olha em volta. Alguma coisa ali... Alguma coisa ainda está muito errada.

— Mas o quê? – murmura para si mesma.

Segue adiante e abre uma porta de metal pesado logo a sua frente. Com frustração, percebe que não há nada demais ali, apenas a cozinha. Refaz todo o percurso de volta e agora vai ainda mais adiante, passando por vários e vários vagões, todos vazios. Será que já desceram todos os passageiros enquanto eu dormia?, pergunta-se. Muito provável, claro. Neste caso, ela precisa sair dali o quanto antes.

No entanto, Thaís continua com sua busca pelos humanos. Ela agora está com a arma de disparo rápido na mão, em posição. Não pretende matar, óbvio, mas deixá-los feridos o suficiente para que não a ataquem.

— Vamos, vamos... Apareçam... – murmura.

De repente, ela se interrompe. Um ruído de passos a fez parar. Seu coração está acelerado, mas sua respiração está controlada. Pensa em se esconder, mas não iria adiantar nada mesmo. Apura mais os ouvidos, e percebe que o som vem de uma sala provavelmente do próximo vagão. Chega mais perto e dessa vez pode distinguir vozes.

— ...mas é muito arriscado continuarmos aqui... – diz uma voz masculina grave.

— Não seja tolo, Roberto! – responde uma segunda voz, também masculina. – O que uma criança pode fazer contra nós?

— O que pode fazer? O que pode fazer?! Você é que está sendo tolo, Carlos! Você não viu o estado em que os homens ficaram? Ou os nossos androides? Ela pode explodir esse trem com um simples aceno de mão!

— Mas ela não vai fazer isso. É o tipo de garota muito previsível. Essas, eu conheço.

— Percebo – resmunga o homem chamado Roberto.

— E conheço mesmo. É o tipo de garota que não quer matar. Só que por onde ela passa, deixa um rastro de destruição. E é assim que vamos alcançá-la. Ela e qualquer outro que esteja com ela.

— Você não pode matar Alexandre – argumenta Roberto, com um tom de riso.

— Ah, o governo! – Carlos ri. – Não será nosso problema por muito tempo. Só precisamos deles para capturar e extinguir essa raça dos Elementares. Logo, logo, quem dominará tudo seremos nós. E então eu mesmo matarei Alexandre.

Nesse momento, algo se remexe dentro de Thaís. Uma coisa que ela não sabe explicar cresce em seu corpo. Raiva, fúria. Totalmente incontrolável.

— Carlos, você realmente não a conhece... E se ela descobrir nosso plano? Como pode ter tanta certeza que ela já saiu do trem?

— Eu já lhe disse, Roberto. É uma garota previsível. E não deve ser muito inteligente. Você já ouviu alguma explosão? Aposto que nem pensou em destruir a sala de segurança. Melhor ainda para reconhecê-la. Aposto como aproveitou que o trem está desacelerando para fugir. Ela não vai descobrir o nosso plano, eu tenho certeza.

É nessa hora que Thaís não aguenta mais. Numa explosão de fúria, atira repetidas vezes na porta, que se derrete, revelando os dois homens com expressões assustadas olhando para ela.

— Nunca. Me. Subestime – ela diz, pontuando cada palavra e apontando as duas armas para os rostos deles. Os dois homens nem se mexem. – Identifiquem-se.

O homem da direita se aproxima um passo. Thaís ainda aponta para o rosto dele.

— Sou Roberto. E esse é o Carlos.

A jovem se vira para Carlos. A fúria está estampada em seus olhos. E quando fala, seu sussurro sai letal:

— Obrigada por me ensinar uma importante lição. Não sou uma assassina, mas algumas pessoas não merecem continuar vivas. E, como você disse, estou deixando um rastro de destruição. Ótimo. E que tal se eu deixar um recadinho para eles de que não sou tão fraca assim? Que tal... se esse recadinho... for seu corpo morto, Carlos?

— Você sempre vai ser uma garotinha fraca que se esconde na barra da mamãe – Carlos cuspiu as palavras.

— Pode até ser. Mas não acho que uma garotinha fraca estaria aqui agora, apontando uma arma para a sua cara, a poucos segundos de puxar o gatilho. Não acho que uma garotinha fraca estaria lutando com uma coisa milhões de vezes maior que ela. Então, me desculpe por discordar de você, mas eu não sou uma garotinha fraca.

— Você se diz muito forte... – A testa de Carlos está pontilhada com gotículas de suor. Roberto sequer abre a boca. – Se diz muito forte, mas está apontando uma arma para um homem por sua vez desarmado, que não tem chance de se defender.

— Segundo erro: acha que sou idiota. Desculpe-me se aproveito todas as minhas oportunidades. E pela lição, é claro. Agora, toda vez que alguém merecer morrer, eu o mandarei para os Campos da Punição, para fazer companhia a você, no Hades. Adeus, Carlos.

E ela atira, sem dó nem piedade. Carlos se mantém firme até o final e quando é atingido diretamente no coração, não emite nenhum som. O corpo dele tomba com um som surdo, e Thaís se vira para Roberto.

— Pelo menos morrer ele sabe – diz ela.

— É um hipócrita nojento que sempre acreditou ter o rei na barriga – responde Roberto.

— E por que você trabalha para ele?

— Não trabalho, na verdade. – Ele estende a mão para ela. – Meu nome é Roberto Fonseca. Seu aliado. Agente da base dos Elementares. Claro que você não deveria saber disso. Mas há muito mais iguais a mim. A base sempre envia agentes para trabalhar no governo. E eles são tão burros que nem percebem.

Thaís não baixa a guarda. Roberto sorri.

— Tem toda razão de não confiar em mim. Mas estou falando a verdade.

— Você pode me provar? – pergunta ela.

— Você recebeu uma cápsula para esconder a marca. E também uma carta com sua missão, para o Sul. E seu segundo chamado foi anteontem, à noite.

A jovem assente e baixa a arma.

— Imagino que você não poderá me ajudar – ela diz.

— Com certeza não. E seria melhor se você não comentasse com ninguém sobre mim. E, claro, talvez um dia eu precise lutar contra você. Mas não leve isso para o lado pessoal. É o meu trabalho. Mas provavelmente eu vá errar algum disparo e acertar alguns dos militantes do governo, quem sabe...

Thaís sorri com essa possibilidade.

— Certo. Obrigada. – E se vira para ir embora.

— Thaís – ele a chama e ela para na porta. – Não se preocupe com a sala de segurança. Eu já cuidei disso. Apenas saia daqui. Tome. – Roberto entrega um papel para ela. – Vá para esse lugar. Você vai encontrar ajuda. E saia pela porta desse vagão. O trem acabou de parar. Corra, e só pare quando estiver bem longe daqui. Boa sorte. Agora vá.

— Obrigada – ela agradece rapidamente e sai correndo para o mundo de possibilidades e maluquices que se abre a sua frente.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

GENTE, QUE TENSÃO! Só em reler este capítulo, fiquei super tensa, e vocês?! O que acharam da mudança de Thaís? MUAHAHAHA!
Ah! Quero agradecer todo o carinho que vocês têm dispensado a mim e à história! Vocês são demais!
ESTOU SUPER ANSIOSA PARA SABER O QUE ACHARAM! HAHAHA' Beijos, e até os comentários!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Elementar" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.