Godlin escrita por Amanda8Kane


Capítulo 2
Dois




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As coisas ficaram estranhas depois de um tempo sozinha, eu o vi mais vezes que poderia contar, pela minha visão periférica. Estava como sempre, com uma máscara cobrindo todo o rosto, tinha olhos azuis brilhantes e cheirava a ferro. Ele usava roupas que mais pareciam trapos, uma calça marrom e uma camisa que um dia poderia ter sido branca, mas agora estava em bege rascado. Isso consequentemente deixava seu peito musculoso nu. Não que eu me importasse. Ser perseguida por um fantasma não me incomodou nenhuma vez nesses últimos anos, tanto que, se alguém me pergunta-se qual era a aparência de mendigos escravos, o usaria como referência.

Anteriormente, não saia da minha cabeça o que esse homem queria comigo, ou porque coisas estranhas aconteciam, mas decidi, depois de tentar falar com ele - e ele sempre sumir - que sou louca mesmo. E provavelmente não vou passar dos vinte antes de ser presa no manicômio.

A vida segue, eu acho.

Mas tem gente que consegue ser chata! Mas Erick, ele faz disso uma dádiva. Estava sentada no capô do carro tentando ver entre a luz forte do sol, Mia e Alex haviam decidido irem juntos ao hotel ligar para o guincho. Eu não queria ficar sozinha com Erick. Mas foi a única maneira que encontrei se ficar longe de Alex, e depois de tanta falação com minha mãe ao telefone, após deixar que ele falasse com seu pai, o clima novamente ficou esquisito.

Eu mesma teria oferecido Erik para ir junto com eles. Todavia o medroso se recusou a sair do carro, alegando que como advertência do sol, sua cabeça estava doendo muito. Mia achou um pote de aspirina para ele e quando saia deu um beijo na sua bochecha, então os dois saíram andando; ela de sapatos de combatem e Alex de chinelas havaianas. Não querendo ficar compartilhando o mesmo ar que ele, sai do carro e sentei no capô.

Abri os olhos lentamente. Tinha alguma coisa de errado, com a claridade, eu acho. Nuvens de chuva começaram a cobrir por completo a grande bola de fogo; arfei sentindo várias gotas de chuva caírem na minha cabeça deslizando facilmente até cair no chão. Como podia o tempo mudar assim? Isso definitivamente seria algo que atrasaria nossa viagem. Já que íamos para outra cidade, que consequentemente era em outro país, que obviamente ficava longe demais, não me importei com a chuva anterior, mas essa, oh não, isso era demais para minha cabecinha de pac-man aguentar! Gradualmente, a chuva foi ficando mais forte me obrigando a entrar no quarto.

Capotei a cabeça no banco suspirando pesadamente. Todo meu corpo, apesar de ter dormido numa cama confortável - não como outras pessoas, que tiveram a desventura de dormi no chão. - doía muito. Queria conseguir dormi enquanto olhava para as gotas de chuva caindo no carro, limpando a nuvem de poeira que se acumulou quando dirigimos nesse deserto. Já fazia quase meia hora que eles haviam partido, e eu já estava na fossa de tanta preocupação. Erick nem parecia se importar com qualquer coisa, só mexia no celular e resmungava de vez em quando.

– Vou atrás deles. Quer ir? - peguei minha blusa vermelha e sai do carro. Logo que meus pés tocaram as pedras rochosas fui abraçada pela chuva tempestuosa.

– De jeito nenhum! Quer morrer afogada nessa chuva, boa sorte, só não me leve junto.

Parecia uma cachoeira de água caindo na minha cabeça, mas me controlei e comecei a ir em diante. Minha visão ficou borrada, queria ter visão noturna, porque o céu estava quase nublado como a noite: sem lua. Escorreguei no chão lamacento e cai no chão com um baque. Aí. Doeu. Por sorte bati apenas minhas costas, teria sido ruim se tivesse batido a cabeça, mas mesmo assim doeu, e senti algo embaixo de mim. Provavelmente uma pedra. Quando tentei levantar foi como se alguém tivesse me puxando para baixo, gritei quando senti algo pegando meus braços, mas não via ninguém na minha visão, algo de baixo me puxava. Comecei a me debater gritando. Pedia por socorro desesperadamente. E quanto mais fazia isso, mais fundo meu corpo se afundava no chão de lama.

Ela só o que me faltava! Entrar numa área movediça no meio de uma tempestade.

Comecei a chorar misturando minhas lágrimas com a água chuva. Não podia ser! Eu iria me afogar dentro da lama... E nunca contaria pra Alex o que sentia. Não teria a chance de dizer para minha mãe que quebrei seu vaso favorito sem querer. Falar para Boby que o amava como pai.

Galhos prendiam minhas mãos fortemente me puxando para baixo. Parecia que tinha macumba nesse lugar!

– Jane? - ouvi sua voz antes mesmo de poder saber que era. Uma sombra correu até onde estava e puxou minhas mãos com força para cima. - O-o Q-que você está fazendo? - gaguejou Alex. Ele continuou investindo em puxar meus braços para cima. Apesar dos seus braços fortes e músculos, os galhos pareciam ter se agarrado ainda mais nos meus braços e pernas. Falar que tive sorte por não ter espinhos seria o eufemismo do século.

– Me ajuda! - chorei.

– Eu não sei! Tá preso. Onde estão suas pernas? - gritou, numa voz tão desesperada que nunca o vi fazer.

– Embaixo da terra, seu idiota. Onde mais poderia estar? - rosnei enlaçando minhas mãos na sua. - Não me solta...

– Nunca! N-n-n-nós vamos ficar bem.
– Alex eu...

E tudo ficou preto.

Como se estivesse numa nuvem acordei lentamente e gradativamente. Olhei em volta e vi selva, árvores por todas as partes, e muita grama. Podia sentir algo pesado em cima de mim. Precisei de toda à força para empurrar ele para longe.

Onde será que estamos?

Onde está o asfalto? O carro? O Alex... O Alex. Alex. Alex!

Desesperada levantei e comecei limpar as carpas que grudaram no meu jeans, apalpei-me por tanto tempo que só depois consegui ter uma visão certa do que estava em cima de mim. Agachei e bati forte no seu rosto. Ele resmungou abrindo os olhos lentamente, quando me viu um sorriso preguiçoso formou seus traços levemente, ele parecia feliz em me ver.

– Bom dia, meu amor. - ele sussurrou fechando os olhos novamente. Parei. Meu amor?! Ele não me chama dessa forma nunca! Agora estava certo, tinha algo errado nesse lugar.

– Alex! Acorda, por favor. - deu um soco no seu peito, só que de leve.

Como se minha voz o despertasse de verdade, ele pulou em cima de mim me abraçando. Enfiou a cabeça nos meus cabelos e inspirou fundo, apertando-me de encontro a seu peito, ele plantou um beijo na minha cabeça. Uau! Tínhamos que cair mais dentro se lamas.

– Eu achei que tinha perdido você. Você me assustou mais do que imaginei ser possível. Droga, Jane. Está tentando me deixar louco?

– Alex, me larga. Agora! - Tá, não da para viver no conto de fadas dos seus braços para sempre, sabe.

Bruscamente ele se afastou de mim.

– Desculpa. - disse ele.

Coloquei distância entre a gente andando vários passos para trás. Estávamos de verdade numa floresta, cheia de árvores e muitas plantas silvestres. Se eu soubesse onde estávamos, provavelmente teria achado o lugar lindo, cheio de vida, com animais brincando com suas nozes. Avaliei o lugar. Havia poucas rajadas de ar por entre as árvores, à pouca luz que passava pelos galhos mostrava o sol escaldante no céu.

Várias borboletas monarca pulsaram no galho perto do meu rosto. Sorri andando até elas como se estivesse hipnotizada, lhes toquei as asas com a ponta dos dedos e elas se agitaram voando pra longe. Mas voltaram todas felizinhas com a atenção. Eu continuei sorrindo enquanto brincava com elas. Eram seres encantadores. Faziam cócegas nas minhas juntas.

– Aí, meu Deus. Onde estamos Jane? - Alex pegou meu braço e me chacoalhou. Fechei a cara.

– Me deixa porra! Eu quero brincar com minhas amiguinhas. - trovejei forte.

Larguei sua mão e voltei a brincar com as borboletas. Tá certo, acho que estou um pouco hipnotizada demais. Como se tivesse fumado maconha ou algo do tipo fiquei inerte a qualquer coisa que acontecia ao redor. Só tínhamos eu e minhas novas melhores amigas, na floresta cheia de pólen que sou alérgica. Mas tá tudo bem. Cá entre nós, nunca acreditei que uma alergia de nada fosse me fazer mal. Mesmo assim minha mãe insistia para que eu ficasse longe de florestas, bosques, qualquer coisa relacionada a plantas de todos os tipos. Se perguntando como fui parar em um acampamento? Aquilo não era exatamente o que chamam de acampamento, era numa reserva onde tínhamos nossas cabanas e tudo o que podíamos comer era mineral e vegetal. Adeus, bife; olá, alface.

Podia escutar o resmungar baixo de Alex atrás de mim, ele parecia confuso tanto quanto eu, mas convém, eu estava me divertindo pra caramba. Em alguma hora elas começaram a dançar. Todas há minha volta e eu segui seus passos malucos de dança escocesa. Elas requebravam e eu descobri ter uma ginga como nunca antes, elas me fizeram se soltar, o que é novidade, contando com meu passado e tudo. Pulando de um lado para o outro riamos como adolescentes desorientadas e muito, muito, muito mesmo, chapadas.

Bom, até o que aconteceu logo em seguida.

Uma das borboletas começou a se dissolver e cair no chão, como um chamado, todas fizeram o mesmo caindo no chão formando um manto azul escuro. Olhei boquiaberta quando um corpo ia se formando das borboletas mortas, era gigante, o que fazia meus 1, 57 parecer anão. Sua pele era excruciante e branca como uma pena de ganso, seus cabelos caiam em cascata nos ombros pequeninos e era dona de dois pares de olhos azuis e compenetrantes. Com curiosidade ela cutucou minhas bochechas. Sua pele contra minha era macia. Ela sorriu encantada e direcionou um olhar chateado para Alex.

Olhei para trás e vi-o olhar boquiaberto à mulher. Eu sei que idiota sentir ciúmes quando se esta na minha situação! Muito complexa pra poder dizer qualquer coisa. Mas eu senti. E foi um sentimento tão ruim que me devorou por dentro, que minha visão ficou embasada. Alex deve ter sentido meu olhar nele, porque imediatamente abaixou a cabeça corando, muito. Pensamentos obscenos. Pensamentos obscenos.

Ainda embasbacada voltei a olhar para mulher, que me fitava. Tinha certa curiosidade no olhar. Continuando seu curso o manto azul escuro foi se formando em volta do seu corpo cobrindo-o até fazer parecer uma manta gigante. Ela segurava um pergaminho pardo e olhou cética para mim, franzindo os labios vermelhos para baixo.

– Jane Lovely? - sua voz mansa me assustou. Parecia que ela cantava cada palavra e seus lábios mal se mexiam, mas quando o faziam, era com uma graça inabalável.

– Sim. - respondi por puro reflexo.

Os olhos de vidro me analisaram de cima para baixo. Ela anotou algo no pergaminho e ele sumio, então ela sorriu.

– Droga de burocracia dos Deuses, não?

– Quem é você? E como em diabos saiu daquelas borboletas? - apontei.

Não é o sonho de todas as garotas, sabe, encontrar uma mulher seminua.

Ela suspirou teatralmente.

– É uma tragédia, não acha? Eu esperava ao menos um abraço. Iludi-me atoa. Mas aquele ali ganhou um abraço! O que é injusto. - ela trovejou apontando o dedo fino acusadoramente na direção de Alex.

– O... O que?

Ela está maluca se acha que vou abraçar uma estranha. Minha mãe me ensinou sobre isso, poxa, onde está a consideração pela sanidade? Porque eu tenho dúvidas de que ela não esteja batucando bem. Não quando pessoas saem de borboletas! Nem quando tudo parece tão real. Mas não passa de um sonho ilícito muito maluco, e Alex, ele nem gosta tanto de mim aponto de sorrir ao ver que sou a primeira imagem do seu dia. Como se gostasse de dessa forma. Aquele sorriso que faz o coração parar de bater no peito e pegar suas malas, correr para o precipício e se jogar feliz. Era esse tipo de sorriso. Eu ganhei ele pela primeira vez na vida. E tudo não passa de um sonho! Que meleca.

– Vocês devem estar cansados da viagem. Estou errada? Porque não arranjamos algo para vocês dois comerem... Se bem que... Esquece. Fantrya! - berrou alto.

Uma garota pequenina apareceu por entre as árvores. Suas roupas se assemelhavam à da mulher. Seu olhar era de completa determinação e perspicácia, ela o pouso sobre mim, e por um momento íngreme achei ter visto ressentimento passar pelo seu rosto pálido, mas passou tão rápido, poderia estar imaginando. Ela sorriu para a mulher, obviamente feliz em lhe ser útil.

– Fany, leve Jane para tomar um banho, como pode ver, essa não é exatamente uma veste apropriada. Mande Narentra e Charne ajudarem o garoto com o que ele quiser.

Meu sangue borbulhou de verdade agora, me coloquei na frente da garota, tampando a visão dela do Alex. Algo parecido com um rosnado saiu da sua garganta. Ela me fuzilou com os pequenos olhos amarelos, então se curvou reprimindo o olhar e saiu andando para onde a mulher estava. A mulher se curvou pra escutar o que a garotinha tinha a dizer e seu rosto foi ficando cada vez mais estranho, mudando de felicidade para confusão, e daí, para furioso. Ela bateu forte no rosto da garota. A garotinha caiu de joelhos no chão murmurando coisas em outra língua. Alex observava a cena tão chocado quanto eu. Sem nem pestanejar andamos um para o lado do outro.

Entrelacei nossos dedos juntos. De forma amigável! Esse é o sonho mais esquisito que já tive na vida.

– Aonde será que estamos. - ele sussurrou deslizando o dedo polegar na minha mão. Fazendo vários círculos. - Não importa. Temos que sair daqui. Como estão seus machucados?

– Não sei se percebeu, senhor notório, mas estamos numa clareira no meio do nada. E isso é um sonho mesmo. Quem liga para o que acontece? - acusei desviando do assunto das mãos. Porque ardiam mesmo, e não queria ele pensando nessas coisas enquanto montava um jeito de tirar nós dois desse lugar. Ele já foi escoteiro. Deve saber fazer isso, não é?

Ele coçou o queixo.

– Não acho que seja um sonho, Jane. Eu sei diferenciar isso, caso você tenha essa dificuldade, e você me parece bem real. - ele passou as costas da mão no meu rosto, levando várias ondas de energia por onde passava. Reprimi a vontade de me afastar. - E nos meus sonhos, você é menos rabugenta.

Estapeei sua mão para longe. Ele me deu um sorriso malicioso e olhou em volta. Então parou de sorrir e acrescentou:

– Eu não me lembro de mais nada depois que você afundou na terra e... Bem, minha teoria é de que estamos mortos.

Arquei dando vários passos para trás. Não. Eu não morri. Não quando tinha dezenove anos!

– Ou... Fomos sequestrados e trazidos para cá. Há. Minha teoria é bem mais consistente que a sua.

– Pela mulher borboleta?

– Sim. Ela não me cheira bem, tudo nela é sombreado em perigo. Faz sentido. Ela é bruxa e quer usar a gente como ritual de magia negra onde... - Eu gemi colocando a mão na barriga. - Pensando bem essa não é uma teoria tão boa assim.

– Mas ela saiu das borboletas! Não tem como isso ser normal.

– Poderia ser ilusão de ótica. - opinei.

– Ela saiu das borboletas! - persistiu parando de andar.

– Magia?

– Jane! Ela saiu das borboletas!

– Qual é a probabilidade de você parar de falar o que eu já sei? - explodi.

Ele rosnou e eu rosnei de volta. Se era a conexão de irmãos que queríamos, parabéns pra nós. Eu estava mesmo querendo meter a mão no seu cabeção até afundar, e Deus me perdoe, queria muito agarrar sua camisa e beija-lo. Me mantive em posição de ataque. Os olhos verdes me analisaram de cima para baixo lentamente, não vou dizer que não gostei, porque estaria mentido, mesmo assim senti meu rosto em chamas. Ele segurou os dois lados dos meus ombros.

– Respire, Jane. - ele sussurrou tirando uma mexa da minha cabeleira do meu rosto.

Respirar? O que é isso mesmo?

– Vamos sair dessa. Não vou deixar nenhuma bruxa usar essa cabecinha oca como ritual, ok?

Assenti em completa submissão ao seu olhar. Ta bem que não queria desviar os olhos dos dele, mas alguém limpou a garganta tirando-nos do transe imediato. Nos separamos, ele deslizou a mão do meu ombro para minha mão e entrelaçou nossos dedos.

– Para sua informação, eu cheiro a rosas de verão e não a perigo. - ela suspirou - Fany acabou de avisar que os anciões estarão ocupados nessa noite cuidando de algo, muito, muito importante. Peço perdão. Vocês dois dormiram no chão por algumas horas antes de acordarem, estava pensando, que talvez, se não muito ruim aos dois, poderiam nos acompanhar num tour e depois jantar conosco.

Eu guardei só blábláblá, anciões, blábláblá, jantar. Meu estômago ronca só de pronunciarem a palavra sinônimo de comida. Minha boca enche de água. Mas, como sempre, Alex que se coloca entre mim e a mulher.

– Não sabemos o que você é. Acabei de ver você saindo do chão! Sinto muito. Não podemos sair daqui até que comece a fala, e rápido.

– Ah, meu amor... - ela sorriu docemente para ele. Contradizendo qualquer coisa que vinha a minha cabeça senti um turbilhão de emoções queimando-me. Céus. O que esse lugar está fazendo comigo?

Só pode ser o sol!

– Alex... - coloquei minha mão no seu ombro para me equilibrar. Por que o mundo gira tanto? Ele imediatamente saiu do seu estado de proteção para super preocupação, com delicadeza ele me ajudou a sentar no chão, com cuidado a todos os movimentos, como se tivesse medo de me quebrar. Então começou a praguejar tanto que seria expulso da nossa antiga escola na hora. Ele levantou para falar alguma coisa com a mulher, por que não perguntamos o nome dela? Parece um ser tão gentil.

– Ela só deve estar cansada da viagem, ogro. Não é culpa minha que seu corpo não esteja habituado a ficar aqui! Eu, particularmente, não posso fazer nada. - a ouvi dizer. E sorriu para mim.

Ela sempre sorri pra tudo?

Afundei na grama fresca e senti mãos me erguendo novamente, mas não liguei nem um pouco para elas, estava com vontade de dormi e essa pessoa queria me manter acordada. Para que? O sono é tão libertador. "Porque nos sonhos entramos num mundo inteiramente nosso. Deixe que mergulhe no mais profundo oceano, ou flutue na mais alta nuvem." Queria poder gritar isso para ele. Avisar que estava tudo bem se desse uma leve cochilada, não poderia acontecer nada, ué.

– Jane, por favor, fique acordada. Fique comigo. Não feche os olhos, por favor. Vamos, Jane, não precisa se fazer de teimosa agora! Só fique mais um pouco acordada. Assim que acabar você pode dormi até 2879. - Sua voz era toda agoniada, e parecia que a cada palavra que saia mais doía nele.

A visão embasada se aguçou até poder ter uma bela visão dele a centímetros de mim, pela segunda vez em só uma semana! Que recorde. Não me lembro dele ser tão lindo a meia luz. Dos seus lábios cheios e rosados. Na verdade, verdadeira, eu queria ficar ali, nos seus braços, enroscada a ele, para sempre.

– Espero que isso tenha aviso prévio.
Ele sorriu. E que sorriso, pessoal.

– Ô mulher de pouca fé. Levante. Temos que seguir o que essa maluca quer fazer. Depois damos um jeito de voltar pro carro. - ele me ajudou a levantar, com a mão na minha cintura me equilibrou em pé.

– Qual é seu nome? - Perguntei já sóbria.

– Me chamam de tantas coisas...

Vaca do inferno, pensei.

– Natacha é o mais humano que chegaram. Chamem-me assim. Vamos, temos tanta coisa parar ver em tão pouco tempo. Jane e Alex. Seus nomes são fofinhos juntos, mas me lembra de algo da cultura mundana...

Se sua mãe gostava de assistir Tarzan tanto quanto a minha. Talvez seu nome também fosse Jane.

A garotinha desapareceu da minha visão periférica. Natacha começou a andar para dentro da floresta lentamente, dando espaço pra nós a seguirmos. Trinta minutos depois encontramos uma tenta rodada de ramos de flores. Era bem maior do que qualquer cabana que já tenha visto. O pano, quando rocei os dedos, era consistente como ferro, as plantas, pareciam saber da nossa presença. Porque se mexiam. Do lado de dentro duas grandes camas eram separadas por um lençol branco, que prendia de cada lado da tenda. Natacha nos explicou que ali seria nossa acomodação enquanto tivéssemos com ela.

– Nós não pretendemos ficar. Temos que chegar ao carro antes que Nick coloque fogo em si mesmo. - Chiei fazendo vários movimentos com a mão. Natacha parecia apavorada da ideia.

– Vocês têm uma criança?

– Não! - dissemos os dois em uníssono.

– Somos irmãos. - deixei escapar.

Ela franziu o cenho e olhou para nossas mãos entrelaçadas.

– Imaginei. - foi tudo o que disse. Depois de nós discutimos sobre não querermos ficar ali, ela nos ignorou e mostrou onde poderíamos tomar banho. Duas banheiras, também eram separadas por um pano, só que dourados. Era tão grande quanto Natacha. Caberiam duas de mim lá. Logo em seguida, ela mostrou como poderíamos pegar água do poço, só que seria difícil, já que isso levaria umas dez baldes para encher. Quando voltamos para o quarto. Havia roupas verdes na nossa cama. Alex e eu nos olhamos, aquilo já estava ficando esquisito demais para nós dois e sabíamos disso.

– Bem. Vou deixar vocês dois tomar banho. Água morna vai ajudar a abaixar sua temperatura, consigo sentir o calor que os dois irradiam daqui. - ela torceu o nariz - Por favor, vistam as roupas, são símbolos da paz aqui. Quando terminarem, é só chamarem que eu apareço, como... Como vocês dizem mesmo... Num passe de mágica. - Sorriu e saiu da barraca.

Passei a mão no pescoço dolorido.

– Um banho cairia tão bem agora.

– Eu providencio para você. - ele passou por mim, roçando nossos ombros juntos. - Depois daremos um jeito de sair.

Sentei na cama que afundou com meu peso. Massageei minhas têmporas com os dedos suspirando. Era bom sentar depois de tanto tempo andando, sabe. Fico imaginando o que está acontecendo com Mia agora, se era procura por mim e Alex no buraco de terra, ou se as pessoas que nos sequestraram também a pegaram. O pensamento me apavora. Se eles tiverem pegado Erick o sentimento não é tão ruim, porque nem gosto daquele canalha, cão chupando manga, e estaria dando o benefício da liberdade para Mia. Porque, apesar dela não querer contar, sei que Erick é uma pessoa ruim.

Alex preparou uma banheira para mim e saiu da tenda dando-me privacidade. Me desfiz das roupas sujas de barro. A água quente envolveu meu corpo carinhosamente. Suspirei. Meus braços ardiam por causa dos arranhões. Quase tive vontade de chorar quando passei, sem nenhum entusiasmo, o sabão que achei ao lado da banheira. Distrai-me com o cabelo antes de sentir um formigamento nas mãos, minha visão ficou nublada, e então quando voltei a abrir os olhos as marcas de feridas tinham desaparecido.

Soltei um grito agudo. Isso estava ficando muito esquisito. Passei os dedos na pele macia sem entender nada, era tão surreal, estranho e mentira! Eu estou ficando louca! Só pode ser demência. Owng. Desenvolvi isso e nem percebi.

Mente vazia é oficina do diabo.

– Jane? Está tudo bem? - Alex colocou a mão no pano. Ele não pode me ver pelada.

– Eu só me cortei.

– Você se cortou? Como? Onde? Você está bem? - Ele apertou o pano. Ta certo que não foi a melhor coisa a ser dita para ele. Ainda mais para Alex. Controlador. Super protetor. Obsessivo.

– Não foi nada demais. Sério. Eu estou bem. - garanti. - Já estou sempre em constante perigo mesmo.

As mãos no pano ficaram mais apertadas quase fazendo a linha que lhes prendiam estourar, olhei horrorizada, pensando na cena patética que seria caso ele me viesse pelada. Que horror! Não que eu não goste do meu corpo, tudo bem com ele, obrigado. Está em forma e as curvas nos lugares certos, me considero quase que bonita, quase. Mas, não pretendo deixar ninguém, que não meu marido, ver-me nessas condições.

Com um pesaroso suspiro a mão largou do pano e ele deu vários passos para trás. Cobri meus seios e observei perplexa a sombra dele.

– Tudo bem então. Mas, Jane, eu vou te proteger, não importa o que aconteça. Onde estejamos. E temos que admitir que esse lugar seja bem estranho na nossa rotina, sabe. Você sempre será a minha amada. - Depois de uma pausa, quase imperceptível, mas para mim foi dois anos, acrescentou: - Irmãzinha. E eu te amo como tal. - então a sombra sumiu.

Meus olhos se encheram de lágrimas. Afundei na banheira até ficar submersa na água.

Irmãzinha? Pessoas não beijam irmãs do jeito com que ele beijou. Não na minha terra. Pessoas não são tão... tão... Carinhosas com irmãzinhas!

Não podia ser. O destino não poderia ser tão ruim assim comigo. Eu só posso ter dançado de salto alto no enterro do Dalai Lama! E, que Deus me perdoe, eu queria poder voltar e esfolar a cara da minha antiga eu, no asfalto de preferência, por ter feito algo tão estúpido.

Então eu fiquei sem ar.


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Notas finais do capítulo

Bom, espero que gostem flores, comentem e critiquem. Estou aberta a isso kkk