A Hora Certa escrita por Chiharo Sasaki


Capítulo 2
05/09




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Estou te escrevendo de um amplo e majestosa loja de decorações. Se não a melhor, com certeza é a mais cara da cidade. Tudo aqui varia entre a casa dos três e quatro dígitos, exceto por uma escrivaninha, onde está escrito: "OFERTA ESPECIAL".

Isso a deixa um pouco tímida, claro, os clientes se voltam única e exclusivamente a uma disputadíssima peça de mogno, sem que nunca dirijam atenção a ela, a escrivaninha sem graça que ninguém quis levar. Inevitavelmente me identifico com esse móvel estigmatizado por um anúncio que lhe tirou todo o valor. Penso em leva-lo comigo, livrá-lo do constrangimento de ser o patinho feio entre artigos disputados, mas não tenho certeza se há algum espaço livre na minha casa.

Querendo me desculpar por ter um apartamento tão pequeno, começo uma ladainha boba sobre a peça de mogno não ser tão bonita quanto dizem. A escrivaninha, um pouco sem graça, agradece, mas diz estar acostumada. Passou tempo demais indo e vindo de setor em setor, mas por algum motivo não conseguiu despertar interesse e acabou caindo na oferta especial.

Aquilo a deprime, é claro. Mas, hoje, (a escrivaninha abre um lindo sorriso enquanto me confessa), ela está especialmente esperançosa. Algo lhe diz que sua hora está chegando, que alguém especial enxergará suas qualidades. E quando esse dia chegar (mais uma vez abre aquele sorriso grandioso), seu sonho estará finalmente realizado.

Penso em dizer que tudo ficará bem, que a pessoa especial já está a caminho, mas tudo parece tão tolo, tão vago, que me limito a devolver seu sorriso encorajador. Mas no momento que estudo a bancada de mogno, propositalmente colocada ao lado da escrivaninha, com a única finalidade de acentuar ainda mais sua beleza, meu sorriso se desmancha e dá lugar a uma ardente vontade de chorar.

É quando compreendo que nada ficará bem, que a pessoa especial não está a caminho, que a hora não chegará para aquela pobre escrivaninha enquanto a beleza do mogno estiver ao seu lado.

Você já deve ter percebido o óbvio, Tomás: enxerguei na escrivaninha o meu próprio reflexo. Sendo assim, não é de surpreender que, mesmo sem poder, levei-a comigo, não por amor ou compaixão, mas pela vaga esperança de que um dia fariam o mesmo por mim. Entenda o meu raciocínio: se ela era meu reflexo e sua hora chegou, queria dizer então que ainda me restava uma chance... correto?

Errado. No momento que a compro, ela deixa de ser um reflexo e se torna um mero objeto inanimado. Olho para ela e não sinto nada além de um profundo vazio, Tomás. Seu sonho se realizou. A parte de mim que havia nela simplesmente foi embora.


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