Gemini escrita por Mileh Diamond


Capítulo 1
Gemini


Notas iniciais do capítulo

Let's cry~



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Eles não eram os mais populares, os mais engraçados, os mais bonitos. Nada fazia os irmãos especiais. Claro, se considerarmos em um acampamento de semideuses. O único diferencial que tinham era serem filhos de Dionísio. Diferente dos outros, podiam ver o pai quando quisessem. Mas isso não garantia atenção. A maioria os conhecia como "os gêmeos", ou melhor, "os outros gêmeos". Os Stolls sempre foram mais conhecidos. Apenas alguns sabiam seus nomes: Pólux e Castor. O sobrenome ninguém conhecia e não é necessário. Eles não se importavam com a popularidade. Tudo que precisavam era de um amigo. Para isso tinham um ao outro.
Desde que chegaram ao acampamento foram taxados de antissociais. Isolavam-se nos treinamentos, no almoço, na hora da fogueira. Tinham algum contato com os filhos de Deméter por causa do trabalho nos campos de morango. Cresceram e isso mudou um pouco, mas a essência era a mesma.
O passatempo favorito era pregar peças. Sempre tinham a ajuda dos outros dois gêmeos. Era uma diversão. Quando eram pegos levavam algum sermão do pai e logo eram liberados. Uma infância normal.
Pólux era o mais extrovertido dos dois. Era o cara que organizava as festas, chamava a turma pra sair no final de semana e voltava pra casa cheirando à bebida.
Castor era o contrário. Tímido e de poucas palavras. Preferia se concentrar nos estudos para tentar manter as notas. Adorava plantas e animais. No futuro queria estudar Botânica.
E desse jeito os irmãos se completavam. Não importava o problema, sempre estariam lá um para o outro.
Quando Percy e seus amigos saíram em missão para o labirinto, ambos acreditavam que o filho de Poseidon estava com os dias contados.
- Ele já era. - disse Pólux sentando-se ao lado do irmão.
Estavam nos campos, à noite. De um lado as parreiras, do outro os morangos. Era aniversário dos dois, estavam comemorando. Pólux carregava um embrulho de papel que logo abriu, revelando uma garrafa de vinho e dois copos plásticos.
- Reserva especial do papai. Richeburg, safra de 1985. - disse com um sorriso, mas o irmão estava sério.
- Pólux...
- Relaxa, ele não vai se incomodar. É nosso aniversário, afinal de contas. - disse abrindo a garrafa.
O outro suspirou e deu de ombros.
- Se você diz...
Ele deitou na grama. Os olhos violeta observavam o céu com certa preocupação. Pólux percebeu.
- O que houve?
- Nada, só pensando...- ele respondeu, mas viu que aquilo não adiantaria muito, então continuou - Sabe o que eles estão dizendo? Que pode haver uma guerra.
- Sei. É com isso que está preocupado? - perguntou com uma careta - Não vai ser nada demais, Cas. Não precisa ficar assim.
- Mas e se for? - disse ficando sentado - Eu nunca fui o melhor em combate, quando corro, tropeço, nunca fui em uma missão. Sou uma presa fácil. - falou sério.
- Não é tão ruim assim, está exagerando. - retrucou deixando o vinho de lado - Você é muito bom com uma espada. Pode não correr muito, mas tem bons reflexos. Você faz vinhas crescerem do chão e pode criar alucinações na cabeça das pessoas. Isso é muito legal! - ele disse com um sorriso tentando animá-lo.
- Só diz isso pra melhorar o meu humor. - disse e abraçou os joelhos, voltando a olhar o céu estrelado - Lembra da história da constelação? Aquilo me dá calafrios.
- É uma história como você mesmo disse, não é como se fosse real. – ele disse fechando o sorriso.

A constelação de Gêmeos era um conto de terror para os dois. A história falava sobre os gêmeos Pólux e Castor que faziam parte dos primeiros Argonautas da Guerra de Tróia. Pólux era um semideus, mas Castor não. E por causa disso ele acabou morrendo e os dois foram separados. O final diverge, mas a versão mais popular diz que Pólux pediu a Zeus que dividisse a sua imortalidade com ele e assim os dois ficaram juntos para sempre na constelação. Mesmo com o final feliz, os irmãos não gostavam da lenda. Só de pensar em algo acontecendo com o outro ficavam realmente desconfortáveis.

- Mas tem um fundo de verdade. – ele olhou para o loiro – Os mais fracos são eliminados e os fortes continuam.

- Você não é fraco, Castor. Senão eu sou também. Somos idênticos, lembra? – disse ficando frente a frente com o outro em uma expressão decidida – Passamos muitas coisas juntos. Situações difíceis. Mas estamos aqui, estamos bem. Não somos fracos. Você não é fraco.

Ele ficou em silêncio por um tempo pensando nas palavras do gêmeo mais velho.

- Se acontecer algo comigo...Se acontecer algo com você...- ele não conseguia formular uma frase.

- Nada vai acontecer com a gente. Vamos ficar juntos o tempo todo. É uma promessa, está bem? – disse pondo uma mão no ombro do mais novo.

-...Certo. Juntos. – disse com um resquício de sorriso nos lábios. Passou a mão pelo cabelo, afastando alguns fios loiros, e olhou ao redor - Isso aqui tá muito meloso, cadê aquela garrafa?

Pólux sorriu aliviado e voltou a pegar a bebida. Naquela noite tomaram vinho, falaram sobre coisas banais e só voltaram para o chalé por causa do toque de recolher.

As semanas passaram voando, muitas coisas aconteceram e no final estavam se preparando para uma guerra, como Castor dissera. E em um dia aparentemente comum eles atacaram.

Os irmãos estavam polindo algumas lanças quando ouviram os gritos. Logo uma parcela do acampamento estava no arsenal para pegar armas. O resto provavelmente já estava armado.

Castor pegou uma espada e Pólux, uma adaga. O segundo ainda estava colocando a armadura quando o primeiro saiu correndo para a batalha.

- Castor! – ele chamou agarrando o outro pelo braço.

O loiro olhou para trás confuso.

- O que foi?!

- A armadura. – ele disse irritado apontando para o outro.

Castor se soltou e disse no mesmo tom:

- Eu não consigo correr de armadura, você sabe disso. Vamos logo! – e dito isso saiu correndo.

- Castor! – ele chamou de volta, mas ele já estava longe.

Terminou de colocar o elmo e correu para a luta. Tudo era um verdadeiro caos. Monstros, semideuses, uma batalha sem fim. Perto do chalé de Apolo ele encontrou o irmão e outro semideus lutando contra um ciclope.

Com um movimento da mão ele fez vinhas crescerem e se prenderem aos pés da criatura que ficou impossibilitada de se mexer. Isso deu a chance para o outro semideus, que ele reconheceu como Malcolm do chalé de Atena, acertar em cheio seu joelho com uma espada. Após um urro de dor o ciclope se desfez em poeira. Malcolm saiu correndo em direção a outro combate e Castor olhou ao redor confuso. Então viu o irmão e sorriu correndo até ele.

- Eu podia cuidar dele sozinho.

- Eu sei. Vamos, temos que chutar os traseiros desses caras. – ele disse dando um leve soco em seu ombro e depois voltando a correr.

Eles lutavam bem juntos. O esquema era simples. Um distraía, o outro atacava. Ter a habilidade deixar os outros levemente loucos por alguns segundos era uma vantagem e tanto. Castor era muito melhor do que dizia. Ele desviava rápido e atacava o oponente com golpes certeiros. Vendo ele ali lutando Pólux sentiu orgulho do irmão que tinha.

Seus pensamentos foram cortados quando sentiu garras afiadas em seus ombros e o chão sob seus pés desaparecer. Ele gritou ao ver que estava sendo levantado do chão. Era uma harpia ou uma fúria? Ele não sabia, mas girando o corpo acertou o monstro com a adaga. Isso fez com que fosse solto a uma altura de cerca de dois metros. A queda não foi muito suave, mas ele estava bem.

Estava longe de Castor, mas podia vê-lo e ele continuava lutando. Pensou em voltar para lá, mas um grito feminino lhe chamou a atenção. Olhou para trás e viu Drew Tanaka do chalé de Afrodite sendo erguida pelo pé por um gigante. Seu elmo estava torto, o colete arrebentado, mas sua maquiagem continuava impecável. Magia de deusa da beleza.

Ele correu para ajudá-la. No chão encontrou a faca que ela provavelmente estava usando.

- Fique parado! – ela gritou.

Magia fluía com suas palavras, fazendo com que o monstro se confunda por um momento. Até ele parou de se mexer por um segundo por causa do poder, mas logo vira que era um plano dela e voltou à realidade.

Enfiou a faca no pé do gigante, fazendo ele gritar, mas não largar a menina. Pólux entrou em sua linha de visão balançando os braços.

- Ei, grandão, venha me pegar! Eu tenho gosto de uvas!

O gigante fez uma careta e avançou no garoto. Ele era mais rápido, então desviou para o lado e cravou a espada atrás de seu joelho, fazendo-o grunhir e soltar Drew de uma altura de três metros. Era muito provável que ela tenha deslocado um osso, mas a mesma se levantou parecendo perfeitamente bem.

Pólux fez com que as raízes de uma árvore se prendessem ao pé do oponente, deixando-o imóvel por um tempo. Isso deu oportunidade para a garota pegar uma lança esquecida no chão e dar golpe final no abdômen. O mostro rugiu e explodiu em poeira, deixando os dois semideuses olhando para o nada atônitos.

- Você está bem? – ele perguntou primeiro.

A morena olhava para as próprias mãos com choque no olhar. Não acreditava que conseguira matar um monstro. Levantou o olhar e assentiu rapidamente.

- Sim. Obrigada. Muito, muito obrigada.

- Disponha. – ele disse pulando as raízes e correndo até onde Castor estava.

Entre todos os gritos e tilintar de espadas, ele ouvira o grito dele. Isso lhe mandou um choque pela espinha. Ele correu ainda mais rápido, desviando de monstros e semideuses que lutavam.

Chegando ao local tudo que viu foi Castor levando uma punhalada na cabeça de um meio-sangue inimigo. Seu corpo caiu inerte no chão enquanto o agressor fugia.

- Castor! – ele gritou com toda as forças que tinha ainda correndo.

Tropeçou ao se ajoelhar perto do loiro. Havia levado uma facada no braço, uma talha enorme acima de seu cotovelo. Seu cabelo loiro agora estava tingido com o vermelho do sangue que também escorria pelo seu rosto. Pólux chacoalhava seus ombros.

- Castor! Acorda, Castor! Castor! – ele gritava tão alto que sua garganta doía. Mas nenhuma resposta vinha.

Seus olhos estavam fechados. Ele parecia estar dormindo. Suas bochechas ainda estavam coradas. Ele não parecia morto. Não podia estar morto.

- Castor... – ele não tinha mais voz. As lágrimas escorriam ao mesmo tempo em que ele soluçava.

Algo o puxou para o lado. A única coisa que ele viu Travis Stoll lutando contra uma dracanae. Connor entrou em seu campo de visão. Ele falava alguma coisa, mas tudo que ouvia eram zumbidos.

- Pólux, acorda! – era o que ele ouvia. Mas o que queria dizer? Ele não entendia. Tudo que sua mente interpretava era Castor. Castor sorrindo. Castor lendo. Castor chorando. Castor lhe dando broncas. Castor sendo atacado. Castor morrendo.

Ele continuava olhando para o nada, completamente alheio ao que acontecia. Connor se virou para o irmão.

- Ele não me ouve!

- Ele está em choque. Cuide para que ninguém o ataque!

Ele não viu o que aconteceu nas próximas horas. Nem viu quando tiraram o corpo do irmão dali. A realidade o atingiu quando voltou para seu chalé e o encontrou vazio.

Ele chorou.

Pegou o travesseiro de Castor e o abraçou, sentando no chão. As lágrimas molhavam a fronha que tinha cheiro de alguma fruta tropical.

- Isso é xampu de mulher. – disse Pólux olhando com uma careta para o frasco.

- Era o mais barato que tinha. E o cheiro é bom. – respondeu Castor dando de ombros.

- Você é o irmão caçula mais careta que existe. – ele disse rindo.”

Ele era o mais velho. Ele deveria proteger Castor. A culpa era dele. Totalmente dele. Se tivesse voltado imediatamente para perto dele depois que se livrou da fúria, as coisas seriam diferentes. Ele estaria aqui com ele. Estariam juntos como havia prometido.

- Me desculpe... ele murmurou para o nada. Queria que o irmão estivesse ali, queria que o perdoasse. Ele suspiraria e daria de ombros como quem diz “o que posso fazer?”. Ele sempre fazia isso quando Pólux aprontava alguma. Ele sempre fora mais maduro, mais sensato. E justo ele tinha que ir embora.

No dia seguinte montaram a pira para os que morreram na batalha. Ele não prestou atenção a nenhum, era sempre a mesma coisa. Um discurso e depois queimariam o corpo.

Após o que parecia uma eternidade chegou a vez dele. Ele subiu no palanque e observou a mortalha roxa que cobria o corpo. Eles a fizeram juntos quando tinham uns onze anos. Lembrava-se de como haviam desenhado caretas e escrito coisas como “Pólux é uma minhoca” na primeira versão, então Dionísio fez com que eles começassem do zero. Eram tempos tão felizes, tão simples.

Ele queria pedir perdão por tê-lo deixado para trás, mas as palavras não vieram. Ele engasgou. Seus olhos ardiam. Ele não suportava aquilo. Pegou a tocha e queimou a pira, vendo as chamas consumirem o tecido da mortalha. Consumirem o que estava abaixo dela.

Ele saiu dali correndo. Não precisava de plateia para vê-lo chorando. Não sabia aonde estava indo, mas se viu nos campos de morango, onde costumavam passar os dias. Tudo lembrava ele. Ele estava em tudo.

- Pólux. – uma voz grave o chamou.

Ele se virou para encarar o pai. Dionísio tinha uma expressão arrasada no rosto, mas com certeza não era pior que a dele.

- Eu sei como se sente, Pólux. Ele era um ótimo rapaz, não merecia morrer tão cedo.

- É culpa minha, pai. – disse esfregando os olhos – Se eu não tivesse deixado ele sozinho, isso não teria acontecido. Eu falhei.

- Não, não, a culpa não foi sua, Pólux. – ele disse se aproximando e segurando seus ombros. Não sabia ao certo o que dizer. Nunca fora o melhor em demonstrar sentimentos com seus filhos, visto que não tinha tantos – Aconteceu, simplesmente. Não devia ter acontecido, mas aconteceu.

- Ele não merecia isso. Ele não, pai. De todos eles, ele não merecia! – ele disse fechando as mãos em punhos e andando de um lado para o outro.

- Eu sei, filho. Mas você precisa ser forte agora. A guerra ainda não acabou. Ele iria querer que você lutasse. – poderia ser egoísmo de sua parte querer que seu filho lute na guerra para vingar o irmão. Mas a verdade é que não sabia o que dizer. Sabia o quanto os dois eram importantes um para o outro. Se Pólux não encontrasse uma razão pra viver, ele temia o pior.

- Você pode trazê-lo de volta, pai. – Pólux se virou encarando o mais velho – Eu sei que você pode. Você é um deus, tem poder pra isso.

- Eu queria, Pólux, eu queria mesmo. Mas há leis mais antigas do que os próprios deuses. Leis que todos devem seguir. E uma delas é que as almas mortais devem ter seu descanso quando o destino chama.

O desespero no olhar do garoto era de quebrar o coração. Ele parecia perdido, sem rumo. Não, ele não parecia. Ele estava sem rumo.

- Eu fico no lugar dele. Como na história. Pólux deixava de lado a imortalidade para ficar no lugar de Castor no Mundo Inferior. Eu não me importo. – ele disse decidido.

- Não, Pólux. Nunca poderia fazer algo assim. Nunca seria capaz de oferecer um dos dois pra ter o outro de volta. – o homem suspirou olhando nos olhos violeta que eram tão parecidos com os dele – Acredito que ele não gostaria de ver você assim desse jeito. Você precisa seguir em frente.

Ele não queria seguir em frente. Isso significaria esquecer Castor. Não poderia esquecê-lo. Não se esquece um irmão. Mas para deixar o pai mais à vontade ele assentiu, limpando as últimas lágrimas que escorriam.

- Está tudo bem. Eu só preciso de um tempo sozinho. – sem esperar uma resposta ele saiu andando, de volta ao seu chalé.

Passando por alguns pontos do acampamento ele se lembrava de alguns de seus momentos. As brincadeiras, as festas, as risadas. Ele nunca fora de rir muito. Seu riso era contido. Tudo nele era moderado. Ele era suficiente, mas ainda era mais.

Agora não seriam mais “os outros gêmeos”. Seria só o filho de Dionísio, aquele que perdeu o irmão. Agora não o confundiriam mais. Chega de brincar e fingir que era Castor apenas para passar mais tempo com as filhas de Deméter ou Atena, enquanto o outro fazia a mesma coisa para envergonhá-lo nos treinos. Chega.

Ele estava em um lugar melhor agora. Estava no Elísio, com certeza. Estava à salvo da guerra e do fim do mundo. Isso o fez se sentir um pouco melhor. Mas ele melhorou de fato quando se deu conta de que teria a chance de encontra-lo novamente, em outra vida. E dessa vez eles não iriam se separar. Ele não quebraria promessas.

Entrou no chalé escuro e vazio. Parecia bem maior agora. Olhou para a cama em que ele dormia. Encostou-se a parede e ficou olhando para o teto por um tempo.

- Eu vou te achar, só me dê algum tempo. Então ficaremos juntos. – ele falou para o nada.

Ele sabia que em algum lugar Castor escutaria.


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Notas finais do capítulo

O que acharam? Quero comentários!
xoxo



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