Give Me Love escrita por Angel


Capítulo 1
Capítulo Único




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Give me love like him,

Kurt lembrava-se da primeira vez que o vira. A princípio, ele acreditara que tinha sido apenas uma ilusão, um devaneio de um homem sonhador demais. Naquele momento, no entanto, ele acreditou. Acreditou naquele ser, assim como uma garota boba acreditava no amor incondicional de seu ídolo.

Na altura, parecia tão real. Era fácil acreditar, era fácil não questionar. O ser parecia tão comum que Kurt não conseguia duvidar da veracidade de sua existência. Vestia uns jeans escuros e uma blusa com gola em V, que ia até aos seus cotovelos. Parecia perfeito. Kurt soube a verdade, naquele momento, mesmo que ninguém acreditasse nele. A luz das asas do ser era forte demais para ser ignorada.

Meses depois, Kurt quis não ter acreditado. Quis não ter visto.

“— Vai ficar tudo bem, Kurt — seu pai lhe assegurou. Bastava um olhar sobre o loiro para Kurt perceber que aquela era a maior mentira que ele já contara. Não ficaria bem. Ele estava morrendo, seu melhor amigo.

Sentiu raiva. Não havia anjos, não havia Deus. Tais divindades não permitiriam que algo tão ruim acontecesse com alguém tão puro e bondoso quanto Sam, que sempre ajudara todo mundo: sua família, Kurt. Era tão injusto. Kurt sentia-se ultrajado. Quis gritar para que parassem, mas sabia que estaria gritando para ninguém. Perdera a fé.

Lembrava-se de ter rezado, nas primeiras horas, para que aquele anjo que vira meses antes fosse ajudar Sam. Como fora bobo. Não havia tal coisa como anjos – e se houvesse, eles não davam a mínima para a ralé. Sentiu raiva borbulhar em seu peito.

— Vai ficar tudo bem, Sam — teve que concordar. Se ele não apoiasse o amigo, quem mais faria? Se ele não lhe dissesse que tudo daria certo, quem mais diria? Não havia nada lá que os pudesse ajudar. Não havia um anjo da guarda para olhar por Sam nem um Deus por quem eles poderiam rezar e esperar que tudo desse certo.”

Naquele dia, Kurt percebeu que nunca estivera tão errado. As coisas não ficaram bem, não ficou tudo bem porque simplesmente o destino não tinha sido feito para dar certo. Sufocou uma lágrima, engoliu um soluço. Sam não quereria que ele ficasse daquele jeito, era o que sua família lhe tinha dito. Mas qual era o ponto? Mortos não querem nada, não havia palavras bonitas ou finais felizes ali.

'Cause lately I've been waking up alone,

O funeral seria no dia seguinte. Todo mundo estava esperando que Kurt fizesse um discurso bonitinho, com lágrimas e uma linda homenagem a Sam Evans. Que eles se fodessem. Kurt não serviria de entretenimento para eles – tudo o que ele queria dizer a Sam, ele já dissera. Não era hipócrita. Não conseguia.

Não se preocupara em vestir uma roupa bonitinha. Usara um moletom preto, grande demais, que pertencera a Sam, e umas calças justas, escuras, porque era o que sentia que devia usar. Sentia-se confortável, quase como se aquela camisola fosse a única coisa que o iria manter firme durante as próximas horas.

Ficara abraçado a Brittany durante o tempo todo, sendo amparado pela loira que chorava em seu peito e permitindo que os outros acreditassem que era ele quem a apoiava.

Observara Rachel Berry, uma moça da empresa com quem Sam ficara por alguns dias, fazer um discurso comovente como se tivesse acabado de perder o amor da sua vida e, naquele momento, quis socá-la. Tê-lo-ia feito, se ela não tivesse se apressado para abraçar o irmão de Kurt, alguns bancos atrás dele e Brittany, mal acabara de falar.

Paint splattered teardrops on my shirt,

Observara as pessoas se afastarem e ficou para trás, incapaz de fazer aquilo por mais tempo. Soluçara, por fim, deixando as lágrimas correrem por suas bochechas. Ouviu alguém chamá-lo, atrás de si, mas ignorou, implorando para que o deixassem sozinho. Permitiu-se, então, após perceber que não havia mais ninguém ali, ajoelhar-se ao pé da agora campa de seu melhor amigo.

Chorou por horas. Chorou como não chorara desde que soubera que as chances de Sam sobreviver eram reduzidas. Chorou como se suas lágrimas pudessem trazer Sam de volta e ele queria tanto que isso fosse possível.

— Talvez você devesse ir para casa. — Kurt ouviu aquela bela voz e sugou-a como se fosse uma droga, não disposto a abrir os olhos, talvez com medo do que fosse achar. Ainda assim, abriu-os, encarando o nome de seu melhor amigo, escrito com letra caprichada na pedra polida.

— Quem é você? — Kurt engoliu em seco, ainda sem encarar a sua nova companhia. Notou, então, um movimento perto de si, vendo as mesmas jeans escuras e blusa branca que tanto tinham tirado seu sonho. A pessoa curvou-se e, então, Kurt encontrou-se com uns grandes olhos amendoados e um cabelo cacheado que parecia tão acariciável. Por fim, o ser floreou sua mão sobre a pedra esbranquiçada, perto de umas velas que lá tinham sido deixadas, e dois objetos apareceram lá; enquanto a pena gloriosa era branca como a neve, a rosa era vermelha como o sangue.

Told you I'd let them go,

— Eu acho que você sabe. — foi a resposta que obteve. Horas depois, tudo aquilo não passaria de um sonho na cabeça de Kurt. Uma alucinação; visto que, quando Kurt olhou de novo, o ser já não estava lá. Ele podia até achar que tudo aquilo não passava de um devaneio, que merda, ele queria acreditar. Mas os dois objetos estavam lá, encarando-o, como um memorando de que aquilo era real.

E tudo isso só fazia Kurt querer chorar ainda mais. A raiva em seu peito parecia não poder ser contida. Ele não queria acreditar que aquilo era real, ele não queria acreditar que havia por aí alguém que poderia ter salvo seu amigo e não o fez. Parecia inconcebível – ele não queria sequer considerar essa possibilidade.

Naquela noite, ele chorara por horas seguidas, chorara tanto que sentia que nunca mais o conseguiria fazer. Sufocara e então socara tudo à sua volta, como se isso fosse fazê-lo se sentir melhor.

Não fizera.

Nem naquela noite, nem nas que se seguiram. Era tão injusto, ele não conseguia nem queria entender.

Algumas semanas depois, Kurt foi surpreendido por uma visita noturna em seu apartamento. Ouviu um barulho que fora alto demais para o acordar e pulou da cama, apenas em suas calças de pijama e seguiu o barulho.

And that I'll fight my corner,

Seu rosto estava provavelmente inchado, mas era devido ao sono – era a resposta que ele daria a quem perguntasse.

Estranhou, então, o corpo desconhecido que resmungava em seu sofá. Desconhecido apenas até Kurt ver o rosto do ser, pelo menos. Sentiu suas mãos se fecharem em punhos e quis socar alguma coisa. Não estava pronto para reviver aquilo, não queria.

— O que você está fazendo aqui? — exigiu.

— Kurt. — o ser sentou-se. Seu rosto estava contorcido em dor. Bom, Kurt queria que ele sentisse toda a dor possível.

— Sai de minha casa. — ordenou. A sua voz estava fria e parecia prestes a falhar, então ele acrescentou, antes que não o pudesse fazer: — AGORA!

— Eu não tenho para onde ir. — só então Kurt viu que o anjo estava coberto por uma plumagem branca, mas não era o mesmo branco que ele vira semanas antes, na pena que o ser deixara na campa de Sam. O branco era sujo, amarelado e estava adornado por manchas tão vermelhas quanto as das rosas. Kurt percebeu, então, que as asas não estavam onde deveriam estar.

Rapidamente, percebeu o que tinha acontecido. Não podia negar que lhe partia o coração ver aquele ser, mais belo que qualquer homem que já vira, tão quebrado. As lágrimas desciam pelo rosto do não-mais anjo que não se preocupava em contê-las. O homem estava abraçado às plumas que se encontravam danificadas demais. Nenhuma daquelas penas atingia a beleza da do dia do funeral, nem nenhuma se aproximava disso.

Maybe tonight I'll call ya,

Kurt ofegou. Ele não devia sentir simpatia por aquela criatura que deixara Sam morrer, que permitira que seu Sam fosse tirado de si. Ainda assim, ele não conseguia deixar de sentir a tristeza que se apoderava de seu peito ao ver um ser tão belo quebrado, daquele jeito.

Deslizou para o sofá, sentando-se ao lado do anjo agora caído, que chorava copiosamente e segurava suas asas como se elas fossem o seu bem mais precioso. Então, ouviu:

— Eu queria tanto que Sam estivesse aqui. Ele sempre sabia o que dizer.

Era verdade. Ainda assim, Kurt não pôde deixar de se surpreender com a frase e acabou por perguntar: — Você conhecia Sam?

— Eu era o anjo da guarda dele — o outro baixou a cabeça, quase envergonhado. Culpa dominava seu rosto e Kurt sentiu um aperto em seu coração. A sua boca estava seca e ele não sabia o que dizer. Tinha medo de dizer alguma coisa e acabar machucando o anjo ainda mais, mesmo que, no fundo, o quisesse fazer.

— Por quê? — foi tudo o que conseguiu murmurar.

— Eu tentei. — o outro sufocou — Mas Sam não me ouvia. Eu lhe disse para não subir naquela moto, eu lhe disse tantas vezes. Seu amigo é teimoso — era mesmo, Kurt sabia que sim — Mas eu devia ter tentado mais. Eu devia ter insistido, eu devia ter enchido o saco dele até ele decidir ir na porra da loja de ônibus ou pegar um táxi. Eu falhei.

Kurt sentiu um bolo se formar em sua garganta e quis chorar.

— Assim, meus superiores acharam o mesmo e não os culpo. Não sei se seria capaz de vigiar alguém de novo, não sei se seria capaz de saber que falhei e continuar como se nada tivesse acontecido. — murmurou — Eu soube, eventualmente, que eles acabariam por me expulsar. O fato de ter sabido disso antes, no entanto, não tornou as coisas melhores.

After my blood turns into alcohol,

Kurt levantou-se. Não sentia vontade de confortar o anjo, não sentia vontade de sequer estar no mesmo local que ele. Ainda assim, estremeceu quando notou o sangue que ainda escorria das costas do ser. Ofegou e levantou-se, ordenando que o anjo voltasse suas costas para ele, enquanto pegava o que precisaria para cuidar dos machucados.

Não fez questão de ser gentil ao passar o desinfectante, mas sentiu-se culpado ao ouvir o gemido de dor do anjo. Sentiu-se culpado por ter querido machucar algo tão puro, mas ele merecia. Ele deixara Sam morrer, certo?

Enfaixou as costas do ser, depois de o limpar, e ordenou que ele se sentasse no outro sofá. Kurt estava morrendo de sono e teria que acordar cedo no dia seguinte, mas não teria aquele sangue em seu chão e sofá durante a noite inteira. Tivera o suficiente de sangue em sua vida após ver o rosto de Sam, ou o que sobrava dele, após aquele acidente de moto tão estúpido.

Esfregou o chão como se sua vida dependesse disso. Aquilo ajudá-lo-ia a não pensar no olhar do anjo sobre si ou nas lágrimas que se formavam em seus olhos. Aquilo ajudá-lo-ia a se distrair e não pensar na situação, pelo menos até que fosse inevitável.

Ah, a porra daquele sangue sairia ou ele não se chamava Kurt Hummel. Esfregou com mais força.

Após estar satisfeito, tirou as capas do sofá e colocou-as para lavar, olhando, então, para o anjo, embora não o quisesse fazer.

— Você pode ficar aqui até melhorar e assentar. Depois disso, eu te quero fora da minha vida para sempre. — apontou, disposto a não falar muito com a criatura — Você pode dormir nesse sofá — apontou para o que não estava sendo limpo. Então, pegou alguns cobertores e almofadas. Embora achasse que o ser merecia morrer ao frio, sentia-se culpado por ter esses pensamentos — E fingir que eu não existo.

No, I just wanna hold ya.

Dirigiu-se ao seu quarto. Estava com sono e tudo aquilo era demais para ele digerir. Estava deixa o assassino de seu melhor amigo ficar em sua casa! E, embora uma parte de si dissesse que ele estava sendo injusto, a outra só queria bater no anjo até que suas mãos estivessem dormentes.

— Meu nome é Blaine.

Kurt não olhou para trás. Não respondeu. Quanto mais ele evitasse aquela situação, menos ele teria que pensar nela. E que assim fosse.

Três semanas se passaram. De repente, Kurt começou a fazer horas extra no trabalho e passou mais tempo em casa de Brittany do que era costume. Em casa, Blaine não falava e Kurt também não, e ambos pareciam gostar das coisas daquele jeito – e mesmo que Blaine não gostasse, foda-se ele.

Um dia, porém, Blaine pareceu esquecer-se do acordo de silêncio e chegou a casa, jogando-se no sofá e bufando, anunciando:

— Desisto.

Kurt sabia que Blaine melhorara bastante naquelas semanas. Ao fim da primeira semana, ele já se movimentava sem problemas e as costas não pareciam incomodá-lo, embora Kurt soubesse que as cicatrizes feias ficariam lá para sempre. Essa fora a única hora em que Kurt e Blaine tiveram algum contato: quando o lado médico de Kurt não permitia que Blaine ficasse mais de dois dias sem limpar seus ferimentos.

Kurt sabia que Blaine começava a sair de casa, a tentar misturar-se na cidade, mas Lima era pequena e as pessoas ainda o estranhavam. Ele saia para fazer as compras e por mais que Kurt o odiasse, ele não podia não agradecer por Blaine cuidar da casa enquanto ele estava no Hospital. Mas ele nem sequer devia agradecer, certo? Afinal, Blaine só estava fazendo sua obrigação, Kurt estava cuidando dele e ele tinha que retribuir!

Na terceira semana, Kurt soube que Blaine tinha começado a procurar trabalho. E, aparentemente, não estava tendo muito sucesso.

Give a little time to me or burn this out,

Em vez de responder, Kurt limitou-se a virar mais uma página da revista, esperando que Blaine se tocasse e voltasse para seu silêncio, para que o clima voltasse a ser o de dois estranhos. Ainda assim, Blaine parecia decidido a tomar outro rumo, pois desenvolveu:

— Eu nunca vou conseguir arranjar um emprego aqui. Ninguém vai querer trabalhar com um homem sem qualquer histórico escolar, que em seus plenos vinte-e-cinco anos nunca trabalhou! — Kurt tinha que concordar.

— Tente outra cidade — pegou-se retrucando — Você não vai ter sorte nesse inferno.

— Não fale assim — Blaine advertiu — Você cresceu aqui. Para além disso, você não tem ideia de como o inferno parece e nem quer ter.

Kurt calou-se por uns segundos, em parte enraivecido pela lição moralista por parte do anjo, mas também surpreendido pelo jeito como ele falara. Desde que Blaine chegara, Kurt não tinha feito nada para além de o maltratar, mas ele nunca ouvira Blaine lhe dirigir uma palavra que não fosse gentil, nem nunca sentira nenhum olhar ruim em si.

— E daí? E daí que eu cresci aqui? Eu passei os piores anos da minha vida aqui, porque aos olhos reles dos habitantes dessa cidade de mente pequena, ser diferente é um pecado — apontou.

— Ser diferente não é um pecado — ele respondeu, abanando a cabeça veemente. Kurt quis revirar os olhos.

— Não banque o perfeitinho. Não aja como se você estivesse muito relaxado com o fato de eu ser gay. Foi sua igreja que provocou tudo isto. — respondeu, sentindo o veneno subir por sua garganta.

We'll play hide and seek to turn this around,

Ele calou-se por alguns segundos. Então, ele fez uma coisa que Kurt não esperava: encarou-o e ele viu-se obrigado a segurar o olhar. Por fim, ele disse: — Essas igrejas não nos representam. Deus acredita no amor.

Kurt revirou os olhos. Podia acreditar na existência de um Deus – afinal, Blaine estava na sua frente -, mas isso não significava que ele o representava. Porque não fazia. Ele não acreditava que se Deus fosse tão bem como diziam, ele permitiria que milhares de pessoas matassem em seu nome. Soava-lhe falso.

Levantou-se e anunciou: — Não adianta chegar bancando o coitado. Te dou cinco semanas para você arrumar um emprego e sair da minha casa, ou eu mesmo te chuto.

Já no seu quarto, Kurt arrependeu-se por ter falado daquele jeito para Blaine. Ele não conseguia considerar magoar Blaine, mesmo que o quisesse fazer, de certa forma. Parecia-lhe sem coração magoar alguém tão puro. Ainda assim, Sam era puro também. Kurt estava confuso.

Tentou dormir, mas não conseguiu. Já passavam das três da manhã quando ele decidiu que não conseguiria dormir. Estava indeciso entre ficar ali e fingir estar morto ou ir à cozinha e ter que encarar Blaine, que ainda estava acordado – e ele sabia disso devido ao som alto da televisão e das eventuais risadinhas. A segunda opção acabou por vencer, no entanto, mas somente porque Kurt estava com a boca seca e precisava urgentemente de comer algo.

Tentou fazer o menos barulho possível, talvez assim Blaine não reparasse na sua existência.

All I want is the taste that your lips allow,

Preparou chocolate quente para si e não se preocupou em perguntar se Blaine queria também, por mais que se sentisse um lixo por isso. Então, dirigiu-se à sala porque sua curiosidade era maior do que qualquer coisa. Para além disso, aquela era a sua casa. Ele não deveria sentir receio ao andar por ela.

Blaine estava deitado na sua “cama”, assistindo um episódio aleatório de How I Met Your Mother, soltando risadinhas e encarando a televisão como se fosse uma das coisas mais maravilhosas que já vira.

Pegando sua caneca, Kurt decidiu que não machucaria se ele assistisse um pouco de televisão também. Ele adorava HIMYM, de qualquer forma, e aquela ação não exigiria contato visual, físico ou verbal. Estava okay por Kurt.

Sentando-se no sofá oposto ao em que Blaine estava, enquanto se cobria com uma manta felpuda e jogava seus pés sobre as almofadas do local, Kurt não disse nada, sentindo o sabor quente de sua bebida. Blaine não disse nada, tampouco, mas Kurt sabia que o outro sentira sua chegada. Isso incomodou-o um pouco; estava esperando um “está tudo bem?” ou um “aconteceu alguma coisa?”, naquela voz preocupada de Blaine que fazia com que Kurt se sentisse um monstro por lhe querer mal. Mas nada veio. Talvez Blaine finalmente tivesse se cansado de ser chutado e Kurt não sabia porque isso o incomodava tanto.

Eles assistiram os episódios em silêncio, à parte das suas gargalhadas. Kurt sentia-se ligeiramente desconfortável, a principio, mas logo conseguiu ficar mais à vontade com Blaine ali. Isso não significaria que eles falariam um com o outro, no entanto.

My, my, my, my, oh give me love,

Em certo momento, Kurt não pôde mais ouvir o riso de Blaine e estranhou. Obrigou-se a olhar na direção do moreno, percebendo que ele tinha adormecido. Esforçou-se ao máximo para não se deixar comover pela doçura daquilo.

Levantou-se e observou-o melhor. Ele era bonito, não tinha como negar. Era o tipo de cara em quem Kurt daria em cima – se ele não tivesse matado seu melhor amigo, ele poderia considerar isso. Não havia dúvida que ele era gentil e dedicado, mas Kurt não podia se deixar tocar por isso. Considerou ir para o seu quarto e deixá-lo lá, descoberto e naquela posição desconfortável. Mas estava cansado de bancar o malvado.

Arranjou-o para que seu corpo ficasse numa posição favorável e cobriu-o, não se deixando, no entanto, prender pelo rosto dele por muito tempo. Tinha medo que se olhasse para aqueles lábios por muito tempo nunca mais fosse capaz de desviar o olhar. Dirigiu-se, por fim, ao seu quarto e embora durante pouco tempo, conseguiu dormir.

Cinco semanas se passaram. Aquele era o final do prazo que Kurt tinha dado para Blaine e embora ele se sentisse aliviado, de certa forma, ele se sentia um lixo por estar agindo daquele jeito. Naqueles dois meses em que Blaine estivera em sua casa, ele nunca sequer lhe havia dirigido uma palavra grossa e nunca o vira a agir de um jeito errado.

Give me love like never before,

Na verdade, Blaine era o cara perfeito! Ele arrumava suas coisas, Kurt nunca via nenhuma bagunça, exceto a que fora feita por ele mesmo. Ele não fazia barulho, não chegava a casa de madrugada e não incomodava Kurt. De facto, Blaine era muito melhor que qualquer colega de quarto que Kurt já tivera e ele chegava a sentir-se mal por o tratar do jeito que tratava.

Ele podia considerar toda a pureza e inocência de Blaine algo falso, mas não era. Até há alguns meses, ele podia achar que era a maior baboseira a existência de alguém tão gentil e puro, mas ali estava Blaine. Kurt se sentia um monstro.

Era facto, também, que naquelas semanas, Blaine não tivera muito sorte no quesito de emprego. Kurt considerara, também, oferecer-lhe um emprego na oficina do pai, nem que fosse para limpar a bagunça que Burt fazia. Ainda assim, ele sabia que se o fizesse, ele acabaria cruzando com Blaine e isso não estava nos seus planos. Sentia-se malvado por pensar e agir assim, mas era assim tão errado não querer o cara que assassinou seu melhor amigo por perto?

Era.

Afinal, por mais que ele não fosse admitir em voz alta, após dois meses de reflexão, ele sabia que Blaine tivera tanta culpa no acidente como o médico que lhes dissera que não havia nada a fazer. Ambos tinham tentando o que podiam e ambos tinham falhado.

'Cause lately I've been craving more,

Ainda assim, ele não queria Blaine por perto. Não queria os seus olhos grandes o julgando a cada movimento, não queria a sua moralidade no ar nem a sua pureza que fazia Kurt sentir-se culpado por ser, em grande parte do tempo, um filho da puta.

— Hum, Kurt? — ouviu. Não se quis virar, não quis encarar o moreno. Quis ignorá-lo e talvez assim Blaine esquecesse que ele existia. — Hum, eu preciso de falar com você.

Kurt olhou-o. Era inevitável. Tirou os olhos do celular e observou Blaine sentar ao seu lado, no sofá que só Kurt costumava usar. Era mais contato físico do que já tinham tido em semanas. Kurt sentiu-se ligeiramente desconfortável por isso.

— Diga.

— Então — Blaine baixou a cabeça, parecendo envergonhado — Eu sei que você me disse que eu só poderia ficar por mais cinco semanas e eu sei que hoje esse prazo acaba. — Kurt preparou-se para dizer que não adiantava implorar, Blaine teria que sair, mas foi impedido: — Me ouça. — pediu — Eu não vou pedir para você me dar mais tempo, eu sei que ferrei tudo e você já fez mais por mim do que devia. Eu só queria que você soubesse que eu estarei saindo ainda hoje.

— Onde você vai ficar? — Kurt não queria se preocupar, mas não conseguiu evitar, tampouco.

And it's been a while but I still feel the same,

— Por aí.

Kurt iria se arrepender para sempre daquilo. Ainda assim, ele estava cansado de ser o mau da história. Talvez ele nem tivesse que encarar Blaine tantas vezes como pensava – afinal, ele nem ia assim tanto à oficina.

Antes de se conseguir impedir, disse: — Não. Você… v-você pode ficar até conseguir arrumar um lugar para viver. E eu posso falar com meu pai para ele te arrumar um lugar na oficina. — ofereceu, a contragosto.

Se Blaine se perguntou por que Kurt não tinha feito aquilo antes, ele não demonstrou. Pelo contrário, a sua cara foi tomada por uma felicidade que quase consumiu Kurt e transformou ele num unicórnio que peidava glitter. Ele praticamente pulou em cima de Kurt para o poder abraçar, apenas para se afastar ao ver o quão desconfortável Kurt estava.

— Você não tinha que fazer isso — ele murmurou, e Kurt sentiu vontade de o socar por ele ser tão perfeito. Não era possível alguém ser tão puro e gentil — Mas obrigado, Kurt, muito obrigado.

Durante o resto da semana, Kurt sentiu que seu apartamento tinha virado um inferno. Veja, não que Blaine estivesse fazendo algo politicamente errado, é claro que ele não estava! Na verdade, ele estava ainda mais correto, mais doce, mais gentil e mais dedicado e isso estava deixando Kurt à beira da insanidade.

Maybe I should let you go,

Ele saía antes de Kurt, para ir trabalhar, mas isso não o impedia de deixar o café da manhã pronto. No primeiro dia, Kurt não tocou na comida, numa mensagem clara de que Blaine não conseguiria aquecer seu coração. O moreno não se deixou intimidar, no entanto, pois no dia seguinte, lá estavam os waffles com geleia que Kurt tanto amava. Aquilo era jogar baixo, caralho!

E não bastava isso, claro que não. Ele também fazia o jantar e arrumava a casa, lavava a roupa de Kurt e limpava a cozinha. Era quase como se Blaine estivesse tentando pagar uma dívida a Kurt, mas, após tantos cafés da manhã deliciosos, a dívida já estava paga e Kurt odiava sentir que era ele quem estava começando a dever a Blaine.

Ele só queria que aquele inferno terminasse.

Meses se passaram. Mas vocês acham que as coisas melhoraram? É claro que não! Bem, é verdade que um mês depois de Kurt ter arranjado trabalho para Blaine, este tinha arrumado um apartamento para si mesmo. Até aí tudo perfeito para Kurt, mas ele tinha mesmo que ter escolhido um apartamento ao lado do de Kurt?

You know I'll fight my corner,

Eventualmente, Kurt tinha começado a apreciar a presença de Blaine. Eles conseguiam manter uma conversa e a verdade é que Kurt se sentia menos pressionado e sufocado sabendo que não compartilhava o mesmo teto com Blaine. De certa forma, eles tinham conseguido deixar de ser os estranhos que viviam se ignorando para passar a ser os vizinhos agradáveis e isso parecia estar bem para ambos.

Mas Kurt não estava nada bem, nos últimos dias. Estava se aproximando a data da morte de Sam e Kurt estava ficando mais para baixo. Os pesadelos voltaram e ele não estava conseguindo dormir. Estar na presença de Blaine deixava as coisas ainda piores. Ele sentia falta de seu melhor amigo, mais do que qualquer um poderia dizer o imaginar.

— Olá, vizinho.

— Oi, criatura — Kurt murmurou — O que você quer?

— Ah, doce como um limão — Blaine brincou. — Como você está?

— Estou ótimo.

Blaine estalou a sua língua, murmurando: — Mentiroso — brincou — Seus olhos estão tristes. Você está mais carrancudo do que costuma.

— Você não entenderia — Kurt acusou.

And that tonight I'll call ya,

— Você se esquece que eu também estava lá, não é mesmo? Você se esquece que ele foi tanto meu amigo quanto seu e que eu o vi morrer. Eu te entendo, Kurt, e me chame malvado, mas como eu queria não entender…

Kurt quis arrancar a culpa que atingiu seu peito. A verdade é que Blaine tinha razão, Kurt estava um pouco cansado de ser o egoísta. Sam não gostaria de sua atitude. Sam não gostaria do jeito como ele estava tratando Blaine. Mas que se fodesse. Mortos não gostam de nada.

— Mas o que passou passou, Kurt. — Blaine segurou o pulso do castanho — E eu acho que está na hora de você deixar Sam ir. Acho que está na hora de você superar.

— Você não sabe do que está falando.

— Não sei? — murmurou — Eu vi você crescer, assim como eu vi Sam. Eu vi um homem alegre e realizado se tornar nisso — apontou — Devido à morte de seu melhor amigo e é okay ficar de luto. Mas é okay deixar ir, é okay superar. Isso é o que Sam quereria.

After my blood is drowning in alcohol,

Kurt quis chutar Blaine. Quis se chutar. Acima de tudo, quis abraçar Blaine e chorar como não chorava há meses. Estava cansado, cansado de lidar com os olhares de pena e cansado de ter que agir como se tudo estivesse bem. Não estava e ele não sabia se algum dia estaria. Não havia um final feliz ali, apenas vazio. No final de contas, cada vela, cada reza, por mais que elas fizessem as pessoas sentirem-se melhor por alguns minutos, não compensariam o fato de que a única coisa que sobra é um buraco onde aquela pessoa que você amava costumava estar.

— E-eu… — Kurt soluçou. Percebeu, então, que não havia volta a dar. Estava no meio de um prédio, quase chorando nos braços da pessoa que ele mais odiara no último ano — Eu sempre achei que tudo daria certo. Sempre achei que se passariam anos, ele teria sua família e eu teria a minha, e seria um conto de fadas.

Blaine puxou Kurt para um abraço e ele permitiu-se chorar. Chorar como não chorava desde bebê, chorar porque perdera seu melhor amigo e chorar porque tudo o que lhe sobrava era uma raiva que ele não sabia como conter. Sentia-se vazio.

— O destino não foi feito para ser mudado, Kurt. — Blaine murmurou — E é uma merda quando alguém que nós amamos se vai — também ele parecia querer conter as lágrimas, mas Kurt percebia que ele falhava miseravelmente. Kurt percebeu, com alguma satisfação, que aquela era a primeira vez que ele ouvia Blaine xingar — Mas tudo o que nós podemos fazer é superar. E seguir em frente porque se pararmos para chorar por mais tempo do que devemos, os outros vão se começar a preocupar e aí serão eles a chorar por nós. Nós devemos isso às pessoas que amamos. A quem sem foi e a quem fica.

No, I just wanna hold ya.

— Me chame de egoísta. Me odeie porque eu te tratei como uma merda e me xingue porque eu sou ruim. Você só me faz sentir pior ficando desse jeito, você só me faz sentir cada vez mais um lixo porque eu considerei machucar você — Kurt confessou.

— A vida é pequena demais. Você não pode se esquecer de viver ela, porque a morte chega a todos. Você vai se encontrar com Sam eventualmente e eu tenho a certeza que ele vai estar bem puto por saber que você desperdiçou sua vida desse jeito. — Blaine ignorou o que Kurt dissera, apertando seu abraço e confortando-o.

— Como você não me odeia?

— Eu nunca conseguiria odiar você. Foi você quem me amparou quando eu não tinha nada. Eu te devo tanto. — Blaine confessou.

Give a little time to me or burn this out,

Naquele momento, Kurt não soube o que o moveu. Ele sentiu os lábios de Blaine nos seus, ou talvez fossem os seus nos de Blaine. Não importava – o que mais importava, é que Kurt nunca se sentira tão certo. Não foi um beijo desesperado nem movido por luxuria. Foi um beijo de duas pessoas que já tinham esperado demais, um beijo de um casal que já vira demais e queria aproveitar cada segundo como se fosse o último, porque eles não sabiam quando realmente seria.

Mas, tão depressa quanto se juntaram, eles se separaram. O olhar estampado no rosto de Blaine era de confusão.

— O que foi? — Kurt murmurou, em parte receoso — Já não esperámos tempo suficiente?

We'll play hide and seek to turn this around,

Naquele momento, o brilho nos olhos de Blaine fez um pensamento aleatório preencher a mente de Kurt: ocorreu-lhe que Blaine não precisava de suas asas para ser um anjo e que ele não precisava de ser seu anjo da guarda para ser tudo o que Kurt precisava.

All I want is the taste that your lips allow,

My, my, my, my, oh give me love.


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Notas finais do capítulo

Espero que goste, amiguinha s2
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