Feliz Aniversário, Megera escrita por Bia


Capítulo 1
18 Anos


Notas iniciais do capítulo

Olá, chuchus! Como estão vocês?
Eu prometi a mim mesma que não iria escrever novamente sobre a megera, mas não consegui resistir. Os dezoito anos dela estavam aí, jogados na minha cara, e eu acabei escrevendo jakksasasa
Infelizmente era para sair no dia 13, o dia do niver dela, mas não consegui - só com um pequeno atraso de dois dias ajkslasasa (nunca consigo cumprir minhas metas, pelo menos não dobrei-as desta vez, HAHAHAH)
Espero mesmo que gostem, admito que tava com saudade da família Dias!
Boa leitura o/



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Se você acha que sua vida está difícil, é porque você ainda não conhece a minha rotina.

O terceiro ano do Ensino Médio é o que chamamos de “Jogos Vorazes” - ENEM, provas quentes vindas direto do Inferno, professores que esqueceram de encobrir os chifres e a cauda de arpão… Há muitas variáveis que atrapalham a vida de alguém que está cursando o terrível Terceirão.

Este alguém vulgo eu.

Mas a vida não é feita somente de maus momentos. Infelizmente, no primeiros dias de aula, fomos informados que ocorreu um problema de planejamento e as férias foram adiadas para agosto. Ao menos, temos férias para nos livrarmos da sofridão escrava das aulas e provas.

Minhas férias começaram dia três de agosto. Nem preciso dizer que passo a maior parte do meu tempo dormindo, preciso? Na realidade, teve um dia em que acordei às cinco da manhã e fui dormir meio dia, acordando no dia seguinte às duas da tarde.

A vida era boa.

Fui acordada inconvenientemente do meu sonho envolvendo dormir por um sopro filho da puta na minha orelha. Me contorci, tendo um reflexo de me encolher, coçando minha orelha.

Assopraram de novo, me fazendo gemer desgostosa e me virar para o outro lado, cobrindo a orelha com os dedos. Assopraram minha nuca, a brisa ríspida adentrando minha camisola e passeando por minhas costas. Senti um arrepio na coluna, todos os meus pelos se eriçando.

Gemi de novo, encolhendo as pernas, coçando minha nuca. Ouvi uma risadinha rouca, algo quase sádico. Estava na cara que estavam adorando me atormentar. Forcei os olhos, afundando a cara no travesseiro, tentando pegar no sono novamente.

- Katrina… - A voz do Pedro invadiu e destruiu todas as minhas tentativas de ir dormir. Ele encostou seus lábios embaixo da minha orelha, sua barba mal feita me fazendo cócegas. - Katrina… - Ele sussurrou novamente, beijando minha pele com blandícia, subindo os lábios e encostando-os na minha têmpora. - Megera… - Senti suas mãos me envolverem num abraço caloroso.

- Me deixa dormir, porra! - Grunhi, tendo vontade de escalpá-lo.

- Que ótimo humor matinal para um aniversário de dezoito. - Disse ele, e eu senti seu sorriso contra minha nuca.

Me contorci, virando-me para ele, encostando minha testa em seu tórax.

- Quem tá fazendo dezoito? - Perguntei num muxoxo, bocejando e abraçando-o, no intuito de trazê-lo mais para perto de mim, para que pudesse me aconchegar mais.

- Você - respondeu como se fosse óbvio.

- Claro que não, Pedro. Só faço dia treze… - Bocejei de novo, fechando os olhos.

Pedro soltou uma risadinha presunçosa, se remexendo. Levei um susto quando ele se levantou de súbito, erguendo-se sobre mim, colocando ambas as mãos ao lado da minha cabeça, me encarando de cima. Fiquei encarando-o com cara de interrogação, uma sobrancelha erguida.

- Pois bem, Katrina Dias. Hoje é dia treze de agosto, seu aniversário. Feliz dezoito anos - desejou ternamente, inclinando-se e me dando um selo simples, porém carregado de sentimentalidades.

Fiquei encarando-o, completamente atônita, tentando digerir a informação. Não era possível.

Não.

Era.

Possível.

- Não é possível! - Verbalizei meus pensamentos, apoiando-me nos cotovelos, olhando para os lados, completamente desperta. - Espera, Pedro, não tô preparada psicologicamen-FODA-SE! - Berrei a última parte, com certeza acordando alguns vizinhos caso estivessem dormindo. Hércules latiu lá embaixo. - EU TENHO DEZOITO, PORRA! - Bradei, erguendo os braços e pulando sobre o italiano, dando-lhe um abraço de urso.

Pedro começou a gargalhar, me abraçando também, suas costas estiradas sobre o colchão. Me sentei sobre seus quadris, arrumando meus cabelos que voaram no rosto.

- Caralho, Pedro, eu posso ser presa… - Falei, os ombros caídos. - Mas eu posso beber, porra! - Me animei instantaneamente, olhando para o horizonte, quase podendo ver Johnnie Walker, Smirnoff, Bacardi, Hennessy, Jack Daniel’s e Jim Beam ao longe, acenando para mim carinhosamente. - Meu Deus, a faculdade é ano que vem! - Meu horizonte feliz foi-se com o vento quando me lembrei que meu cu seria comido com a faculdade que havia escolhido e o tanto que deveria estudar. - Mas eu vou poder dirigir, caralho! - Ergui o punho, em vitória. - Mas um carro é caro demais e eu tô tão dura que até criei um pau.

- Hã… Você quer que eu desça e te deixe sozinha com sua bipolaridade por um tempo? - Pedro indagou, tão confuso quanto eu, apontando para a porta com o polegar.

- Se você fizer isso, é bem capaz de eu me matar - falei, coçando a cabeça. - Meu Deus… - Estapeei o rosto. - Dezoito anos. E eu aqui pensando que era patologicamente incapaz de viver até os quatorze.

- Maaas, graças a Deus você estava errada. E aqui estamos nós, Katrina Dias. - Disse ele, segurando minha cintura com esmero, acariciando a tez por baixo da camisola. - Sabe o que mais você pode fazer com dezoito anos? - Ele perguntou, um sorriso matreiro espreitando por seus lábios.

- O quê?

- Casar. - Disse com simplicidade, erguendo uma sobrancelha.

Ele dizia aquilo como se não afetasse em nada meu sistema cardiovascular. Revirei os olhos, acariciando os fios cor de areia do italiano. Pedro continuou olhando para mim, bem nos olhos, como se estivesse querendo dizer alguma coisa.

- Que foi?

- Hm… - Ele começou, sentando, me levando junto. Pedro manteve suas mãos na minha região lombar, meus calcanhares apertando seu quadril. - Eu tô tentando achar um jeito de falar isso…

- Fala logo! - Grunhi, impaciente, enxergando vestígios de incerteza naqueles olhos negros.

- Tá, você quem pediu. Katrina Dias, você quer ir comigo para Veneza neste fim de semana? Iríamos sexta à noite, voltaríamos terça feira. Eu sei que é meio em cima da hora, mas eu decidi esperar seu aniversário… - Deu de ombros, sorrindo. - É o meu presente pra você.

Fiquei de boca aberta - ou melhor, escancarada -, encarando-o, descrente.

- Cê não pode estar falando sério.

- As passagens estão lá em casa, se quiser eu as busco agora pra te mostrar. - Desafiou, erguendo o queixo de maneira falsamente prepotente.

- Pedro, você não fez isso… - Coloquei a mão sobre a boca, ainda incrédula.

- Pode apostar que fiz. E, se eu fosse você, já começaria a arrumar as malas.

- Mano, a gente vai transar muito, cê não tem noção - brinquei com um forte fundo de verdade. A gargalhada de Pedro acabou de acordar os vizinhos; na realidade, acabou de acordar o bairro inteiro.

Me levantei num pulo, não me incomodando mais com o fato de que eram nove e meia da manhã e eram férias. Talvez aquele momento se transformou no momento mais feliz da minha vida. Não me importava se eu recém fazia dezoito anos, aquele estava sendo a melhor coisa que aconteceu pra mim.

Abri meu guarda-roupa, dando dois passinhos para trás quando aquela montanha de tecidos caiu no chão. Me ajoelhei, caçando algo decente para vestir naquele dia. Quando Pedro abriu a janela do quarto, percebi que fazia calor com algumas nuvens - e era inverno; dane-se a lógica, São Paulo tinha sua própria.

Achei um short preto de renda e o coloquei, juntamente com uma camiseta fabulosa de Emily Rose - sim, a garotinha do Exorcista; seu rosto cobria a camiseta inteira, o fundo negro. Pedro já cansou de acordar gritando quando eu dormia com ela, tamanho seu susto quando abria os olhos de manhã e dava de cara com a garota verde e seu sorriso simpaticozinho - o importante é o que ela era por dentro.

Pedro, que só estava de cueca, vestiu apenas uma bermuda, pronto para descer. Descemos os degraus com calma, nós dois descalços, sentindo o piso gélido da escada. Podia escutar uma pequena falação na cozinha, e não me surpreendi quando avistei minha mãe com os cabelos louros presos num coque desmanzelado, vestindo seu pijama dos Ursinhos Carinhosos, conversando naturalmente com Chris, que estava sentado de costas para a porta. Camila acariciava o topo da cabeça de Hércules, ambos jogados no chão.

Quando ela me viu entrando na cozinha, colocou sua mão sobre a boca. Percebi seus dedos trêmulos, como se me ver ali fosse um grande erro.

- Ah, por Deus, Katrina… - Disse ela, os olhos já marejados. - Eu não estava pronta pra te ver ainda… - Quando juntei as sobrancelhas numa indagação muda, ela veio até mim, me dando um abraço forte. - Meu bebê tem dezoito anos… - Começou, suas lágrimas caindo de sua bochecha para minha camiseta. Serena fungou, entrelaçando os dedos em meus cabelos, como se quisesse uma prova que aquilo não era real. - Por que você cresceu tão rápido? Daqui a pouco tá fazendo vinte, depois trinta, depois tá saindo de casa…

- Você acha mesmo que eu vou sair de casa só com trinta anos? - Ri, tentando amenizar o clima.

- É bom que sim! - Ela grunhiu, me apertando mais, fazendo a todos ali rirem.

- Ah, mãe, não chora… - Comecei, acariciando o topo de sua cabeça. - É uma data feliz, veja só. Eu vivi por dezoito, e não tô morrendo com dezoito. - Tentei ver o lado bom da coisa, a afastando levemente. Enxuguei uma lágrima suja de rímel com o polegar, percebendo que nós duas estávamos com o mesmo tamanho.

- Você tem razão… - Disse ela, a voz ainda embargada. Serena enxugou os olhos com as costas da mão, borrando um pouco a maquiagem. - Eu e o Chris queríamos mesmo comprar alguma coisa pra você, mas não tínhamos ideia, então... - Começou, cutucando as costas largas do homem.

- Feliz aniversário, Ka- - mas Chris se interrompeu no instante em que me viu, soltando um berro ensurdecedor. Chris era do tipo cagão, que não conseguia ver nada aterrorizante que já ficava berrando por todos os cantos: taí a prova. - O QUE É ISSO, DEUS DO CÉU?! - Gritou, levantando-se correndo da cadeira e circundando a mesa, agaichando-se do outro lado como se esperasse que eu atirasse uma granada nele.

- Chis medoso, Chis medosoooo! - Camila começou a rir, os olhos sumindo tamanho seu sorriso sapeca. Ela, daquele tamanho, conseguia assistir uma maratona inteira dos meus filmes, enquanto Chris, daquele tamanho, não conseguia ver cinco minutos de Psicose.

Comecei a rir, puxando Pedro na minha frentes , escondendo a camiseta da Emily. Inclinei a cabeça para o lado, aparecendo por trás do italiano.

- Não quis assustá-lo - falei verdadeiramente. - O.k., talvez um pouquinho… - Ri juntamente com Pedro. - Mas, manda aí o presente, tô curiosa.

Chris se levantou, mas juro que vi sua integridade caída ali no chão. Ele, então, abriu a geladeira e tirou de lá um embrulho comprido.

- Feliz aniversário, Katrina. Direto da Irlanda - Exclamou com animação assim que eu abri o embrulho. Comecei a rir quando tirei de lá uma garrafa de uísque importado.

- Cês estão de brincadeira! - Praticamente berrei, completamente animada acerca daquilo. - Melhor aniversário. - Simplifiquei, guardando a bebida na geladeira para tomar mais tarde.

Todos se sentaram à mesa, exceto Pedro e Camila, que cochichavam na sala. Quando peguei um pãozinho para encharcá-lo de manteiga, o gnomo apareceu, segurando um embrulho maior que ela mesma atrás das costas.

- Katina, eu tenho uma supresa pra você... - Cantarolou, tendo muita dificuldade em me mostrar o que havia trago.

- Sério, gnomo? - Peguei o presente, sorrindo. - Obrigada, vamos ver o que é... - Quando o abri, comecei a rir. Era um livro: "A origem das espécies - Cobras". - Na boa, Pedro, vai tomar no cu - brinquei, vendo-o rir descaradamente.

- Achei que combinaria com sua coleção... - Gracejou, sentando-se do meu lado. O italiano roubou o miolo do meu pão, pegando um gole de café como se não tivesse fome de manhã.

Quando perguntei de Jonas e Marcela, Pedro me respondeu que eles viriam mais tarde.

Estreitei os olhos, achando muito estranho tudo aquilo.

- Eles estão preparando alguma surpresa pra mim, tenho certeza - falei com convicção, mordendo meu pãozinho.

- Do jeito que a Marcela é, nunca que deixaria essa data passar batido. - Pedro disse, parecendo avulso em relação ao que eles planejavam.

Pedro e eu fomos até o banheiro em seguida, dividindo a pia para escovarmos os dentes. Encarei meu reflexo: Marcela havia passado um treco que deixava meu cabelo enrolado contra a minha vontade há quatro dias e, como eu só lavo o cabelo uma vez na semana, o filho da mãe permaneceu enrolado até então. Pedro fingiu que não gostou dizendo que eu não o penteava há dez anos, mas eu sabia que em seu íntimo ele tinha adorado, já que não parava de puxá-lo e acariciá-lo toda hora.

Terminamos de escovar os dentes e logo eu estava me despedindo dele com um nada meloso beijo na bochecha.

- Umas três horas eu passo aqui, tá? - Me prometeu, abrindo a porta.

- Maratona de Jason vs Freddy? - Perguntei, já sabendo levemente a resposta.

- Como sempre, minha dama. - Sorriu, esfregando os braços nus enquanto atravessava calmamente a rua.

Não me surpreendi quando uma vovozinha da casa dez se lembrou que tinha uma vagina quando Pedro passou por ela, sorrindo ampla e bondosamente. A cada dia que passava o infeliz estava mais lindo, alto e maduro, tornando impossível não gostar dele.

E eu aqui, sedentária da vida, emagrecendo apenas três quilos desde o Ano Novo.

Outros com muitos, outros com tão poucos - a vida é e sempre será injusta.

***

Almocei uma hora da tarde enquanto recebia diversas ligações de parentes me cumprimentando. Até Emily, pequena garotinha, e sua mãe me ligaram. Enzo, dona Isabel e Rodrigo não ficaram de fora, a diferença é que os três vieram me parabenizar pessoalmente - até porque não fazia muito sentido eles me ligarem quando moravam em frente.

O fato mais estranho foi que Jonas nem Marcela apareceram. Jurava de pés juntos que à meia-noite e um de hoje, eles me encheriam o saco até não der mais, enchendo o telefone de ligações emotivas e desnecessárias.

Mas não.

Eram duas e meia e minha mãe apareceu no alto da escada arrumada, segurando Camila nos braços. Eu terminava de ajeitar meus DVD’s quando ela me deu um beijo vermelho no alto da cabeça.

- Sabemos que você e o Pedro têm planos pra hoje, então não iremos atrapalhar… - Disse com malícia. - Isadora está nos esperando no shopping, juro trazer alguma lembrancinha pra você que não seja uísque - prometeu, sorrindo e abrindo a porta. - Não sujem meu sofá! - Deu um último aviso, batendo a porta.

Naquela meia hora que ainda me restava, peguei a bebida que estava na geladeira junto com dois copos. Eu iria obrigar o italiano a beber comigo, nem que seja um maldito gole! E, como prometido, lá ele estava ele, às três da tarde, vestido desleixadamente na soleira da minha porta, os fios de cabelo levantados para um lado.

Nos sentamos juntos no sofá, e, a pedido meu, ele iniciou a Maratona. Eu havia deixado as luzes da cozinha acesas, caso precisasse ir lá comer ou beber água.

- Ah, não, Katrina! - Disse ele, alarmado quando abri a garrafa gélida, posicionando-a entre minhas coxas. - Eu não vou beber, megera.

- Vai sim! - Insisti, ficando de joelhos enquanto pegava um copo pequeno e já preenchido pelo líquido transparente. Aproximei o copo de sua boca. - Por favor, Pedro! Esse vai ser o meu primeiro drinque de dezoito, quero que o tomemos juntos. Para de fazer cu doce e engole logo essa merda! - Perdi a pouca paciência que me restava, me assustando quando Pedro puxou meus pulsos, fazendo o copo tremer a bebida ameaçar cair.

- Meu Deus, cuidado, eu não quero tomar um banho de uísque e ficar fedendo a bebida! - Disse com certo desgosto, afastando meu pulso de cima de sua cabeça.

Pisquei, um sorriso malvado e cruel brotando nos meus lábios. Forcei o pulso sobre a cabeça do italiano, fingindo virar o copo de um lado e para o outro. Ele arregalou os olhos, tentando se esquivar e me empurrar, mas suas tentativas estavam sendo meio falhas.

- Se você não quer tomar um delicioso banho de uísque, Pedro, é bom que você engula isso… É a lei da vida: ou você engole, ou você é sujado - insisti, não evitando a piadinha, metendo uma perna minha sobre as coxas dele, não o dando escapatória.

- Mas você é uma filha da puta mesmo… - Ele grunhiu, um vestígio de sorriso em seus lábios. - Eu vou muito te matar se eu sair daqui, Katrina Dias - ele riu, forçando mais meus pulsos.

Continuamos naquela briguinha idiota por mais algum tempo, até sermos bruscamente interrompidos por uma queda de energia. Paramos de repente, os olhos esbugalhados, mergulhados em certo grau de escuridão - minha casa ficava virada contra o Sol, e, mesmo sendo à tarde, todos os cômodos ficavam enegrecidos. Lá fora uma sombra confortável de uma nuvem gigante abrangeu o bairro, não facilitando para nós, que estávamos sozinhos no escuro.

- Calma aí, sem pânico - ele começou, muito calmo, me tirando de cima dele e se levantando. - Cê tem vela aí? - Perguntou, e eu botei o copinho de uísque sobre a cabeceira da televisão, assentindo.

- Tá no armário da cozinha - falei, olhando para o cômodo do outro lado. - Você sabe que é neste momento que a gente faz a cagada de ir lá na cozinha no lugar de sair de casa, sendo mortos por um psicopata mutilador de corpos, né? - Previ, baseando-me nos meus conhecimentos acerca de filmes.

Pedro revirou os olhos, como se minha ideia fosse ridícula.

- Pelo amor de Deus, Katrina, são apenas filmes de terror, isso não vai acontecer com a gente. - Disse, virando-se para começar a andar.

- É exatamente isso o que as pessoas dizem antes de suas cabeças serem perfuradas e suas tripas serem fritas como linguiça! - Grunhi, hesitante em como sua forma parecia misturar-se ao escuro. - Espera, porra! Pedro, estamos sendo burros! É muito melhor irmos para a rua e ligarmos para qualquer empresa governamental responsável pela manutenção de redes elétricas metropolitanas, não acha? - Tentei persuadi-lo, já na cozinha, vendo-o se esticar à procura das velas.

- Eu acabei de descobrir um fato engraçado sobre você, Katrina. - Disse ele, botando a caixa com trecos em cima da pia, ainda caçando aquelas fontes de luz. Pedro sorriu, tirando de dentro da caixa uma vela. - Você fica tagarela quando está com medo.

- Eu não tô com medo - soltei um “pff” desaforado, cruzando os braços. - A gente que é burro e está aqui quando poderíamos estar pedindo manutenção técnica. Sabia que é um direito do cidadão? Eles são obrigados a nos prestar atendimento eletrônico gratuito vinte e quatro horas por dia.

- O.k., senhorita futura advogada, por que você só não admite que tá com medo? Eu tô com medo, oras. - Deu de ombros, casual, pegando um fósforo e acendendo a vela. - Prontinho, minha dama, agora eu posso te ver. Admito que fico muito angustiado se não vejo seu rosto - e posicionou a vela na minha frente, a chama trôpega refletindo meus olhos.

Eu iria dizer alguma coisa, mas todos os meus pensamentos foram espantados com um sopro quando a porta do banheiro bateu com força brutal. O baque foi tão forte e tão estrondoso, que a chama da vela balançou. Pedro e eu pulamos em susto eterno, meu coração saltando para a garganta e algo gélido escorrendo pela minha espinha.

Pude ver pela vela surpresa e horror nos olhos do italiano, que virou-se devagar, olhando para a porta semi aberta.

- Foi só o vento… - Disse ele, mais para si do que pra mim, em um sussurro tímido, como se tivesse medo de apagar a vela com a voz. - Por que você não anda um pouquinho? - Começou, obviamente tentando manter o controle, me agarrando pelo cotovelo e me empurrando com até mesmo um pouquinho de brutalidade.

- Pedro, a gente vai morrer - sussurrei mais baixo ainda, atravessando a sala e me posicionando na frente da porta. Agarrei a maçaneta, girando-a.

Trancado.

- Tá trancado - falei, virando-me para ele. - Essa porta só fecha por dentro, Pedro. - Expliquei, devagar, sentindo minha saliva virar concreto.

O italiano ficou olhando para mim, depois para a porta. Não fazia ideia do que passava por sua mente, principalmente com sua cara de impassível, como se condenasse a si mesmo a demonstrar alguma reação negativa sobre a situação para mim.

- Não tem problema, vamos pular a janela - sua voz tinha um tom rouco controlado, e logo seus dedos apertaram com força meu antebraço, me arrastando para a cozinha.

- Você tá se controlando para não me aterrorizar, né? - Perguntei, já sabendo que tipo de coisa ele aprendia em seu cursinho básico de medicina veterinária; teria de lidar com estados terminais e contar isso à criancinhas de dez anos.

- Não. - Respondeu, vago, a cabeça em outro lugar. Pedro colocou a vela sobre a pia, puxando a janela da cozinha para cima de súbito. Aquela porcaria estava emperrada, mesmo que ninguém tivesse a trancado anteriormente. Ele estava quase conseguindo desemperrá-la quando ouvimos sons de passos pesados, como se alguém que estivesse calçando coturnos passeasse pelo corredor lá em cima. Pedro ficou olhando para a escada, um pingo de suor escorrendo por sua têmpora. - I-isso é… - Começou ele, apoiando as mãos no mármore. - Completamente ilógico.

Eu iria realmente dizer alguma coisa, talvez olhar para ele, mas toda minha atenção permaneceu na sala. A televisão ligou de súbito, o volume alto, alcançando a cozinha. Uma tela azul tomou conta do eletrônico, como se não estivesse ligado ao DVD.

One, two, Freddy’s coming for you

Three, four, better lock the door

Five, six, grab your crucifix

Seven, eight, gonna stay up late

Nine, ten, never sleep again…

Naquele instante, Pedro e eu havíamos morrido por dentro. Nenhum de nós dois falava, e eu, quase instantaneamente, agarrei sua camiseta, hipnotizada pela voz doce da garotinha. Meu corpo inteiro tremia, e aquela foi, sem sombras de dúvida, a única vez em que eu senti medo de verdade.

Tudo aconteceu muito rápido. Mal pisquei os olhos e um vulto negro apareceu de repente na cozinha, suas mãos mais parecendo lâminas; o suéter listrado não enganava.

Freddy Krueger estava na minha casa, suas mãos em forma de lâminas apontadas para mim e para o italiano.

Freddy Krueger queria me matar.

Quando dei por mim, já estava aos berros junto com Pedro, que havia pego na gaveta uma faca pequena comparada às lâminas de Freddy. O italiano estava dez mil vezes mais aterrorizado do que eu, sua face vermelha tamanho seus gritos. Se nós dois não morrêssemos, eu com certeza pediria um autógrafo.

- MEU DEUS, QUE FODA! - Continuei berrando, o medo, a adrenalina e a emoção contaminando minhas veias, enviando mensagens desconexas e sem sentido para meu cérebro. Pedro se afastou daquela figura deformada, colocando um braço na minha frente, tentando me proteger apesar de tudo.

Sentei na pia, abraçando-o com ambas as pernas e braços, protegendo suas partes vitais enquanto o puxava mais para mim, nossos berros formando uma sincronia aterrorizante.

Mas tudo ficou num completo silêncio novamente. Lágrimas escorriam pela minha bochecha, o medo real da morte misturado à angústia de se ter vivido tão pouco.

Eu vi tudo em câmera lenta. Os coturnos de Jason Voorhees era o único ruído que eu ouvia. Seus passos eram largos e pesados, o facão do tamanho da minha cabeça segurado com folga na mão direita. O ruído de sua respiração contra a máscara, a pose e a altura… Tudo era absolutamente real e ilógico.

Era como se seu crush olhasse e sorrisse pra você.

A diferença era que meu crush tinha um facão para me estripar.

Meu corpo inteiro tremia, consumido pela adrenalina do momento. Me agarrei mais forte ao Pedro, sentindo-o gelado, seus cabelos louros empapados de suor, as mãos trêmulas tentando segurar meus quadris.

- PORRA, EU AMO MUITO VOCÊ, JASON! - Berrei, a voz fraca de tantos gritos de horror já soltados anteriormente. Eu estava enlouquecendo, meu mundo fantasiado e real colidindo numa sintonia frenética e desconexa, como se estivesse me teletransportado pela primeira vez na vida para uma dimensão paralela, aonde meus mais profundos delírios se tornassem reais.

Então, como num passe de mágica, tudo foi-se.

Jason Voorhees tirou lentamente do bolso um celular com capinha cor de rosa cheio de glitter (coisa que eu não me lembrava de ter visto nos filmes), sua voz ruidosa batendo contra o aparelho.

- Pode acender as luzes, Dé - disse, sua voz saindo fina e afeminada, mas, graças à máscara, robótica.

Será que era por isso que Jason nunca falava nada?

Todas as luzes se acenderam num estralo. Eu pensei que acordaria de um sonho, mas lá estavam os dois, perfeitos e mortais como sempre, parados na minha frente. Eu ainda estava fortemente agarrada com Pedro, jamais soltando-o, assistindo a cena com os olhos ainda arregalados.

- Wow, isso aqui esquenta mesmo! - Freddy disse, utilizando-se de suas garras para…

SE ESCALPAR?

- AMOR, O QUE VOCÊ TÁ FAZENDO?! - Berrei assustada quando Freddy retirou sua pele de sobre o crânio, mas, no lugar de haver sangue, ossos, músculos e tendões, apareceu-me um veado. - JONAS?! - Berrei, talvez mais incrédula ainda, a voz já falhando.

- É claro, neném, quem você esperava? O Freddy Krueger? - Ele sorriu, despenteando os cabelos negros.

A ficha caiu junto com Pedro e eu.

O italiano deslizou até o chão, a mão colada ao tórax; quando minha bunda bateu no piso gélido da cozinha, Pedro apoiou sua cabeça na minha clavícula, arfando audivelmente, o rosto suado. Ele permanecia com a mão no peito, os olhos bem fechados.

Eu me encontrava no mesmo estado, talvez um pouquinho melhor, sentindo minha nuca, minhas costas e meu couro cabeludo gelado por conta do suor fresco.

- K-Katrina, pelo amor de Deus, vê se meu coração tá batendo, porque eu acho que não... - Tentou dizer, a voz fraca e rouca. O italiano pegou minha mão, pressionando-a contra seu peito

- N-não sei, não tô sentindo essa mão... - Falei, tão rouca quanto ele.

Uma gargalhada estrondosa soou de trás da janela; àquela altura, nós nem ao menos nos assustamos - estávamos psicológica e temporariamente incapazes de nos assustarmos.

Derek apareceu atrás do vidro, retirando a trava que utilizou para emperrar a janela e mostrando-a para nós juntamente com seu sorriso traquinas, rindo sem parar de nossa cara.

- Ai, meu Deus, se vocês pudessem ver suas próprias caras! - E rachou novamente, sumindo atrás do muro, sua gargalhada estridente ressoando por toda a cozinha.

Jason Voorhees retirou sua máscara, revelando atrás dela uma oxigenada filha da puta. Marcela balançou a cabeça, os fios louros balançando por cima da fantasia. Ela riu maldosamente, como se estivesse satisfeitíssima.

- Foi épico! - Exclamou, toda risos, puxando seu macacão para baixo, revelando um vestido de cetim florido. Marcela então retirou os coturnos, revelando por baixo deles um salto pink 15. - Maldito Jason e sua altura! Tive que me virar para conseguir chegar em seus um metro e noventa e seis. E, sim, eu li o dossiê dele - revirou os olhos, como se tivesse sido uma tortura.

Jonas já estava com a fantasia em mãos, seu sorriso feliz combinando com seus jeans e camiseta verde lima. Derek rompeu pela porta, deslizando até a cozinha. Ele ainda continuava menor que Marcela, mas estava tão forte que não duvidava que seu bíceps fosse do tamanho do meu pescoço. Uma tatuagem tribal rompia sob sua camiseta cinza de skate, e logo seu sorriso colgate e nada culpado complementava o sorriso de Marcela e Jonas.

- Feliz aniversário! - Eles disseram ao mesmo tempo, como se acabassem de ter me dado o melhor presente da minha vida.

E o pior é que eles estavam certos.

- Assim que eu me certificar que meu coração continua funcionando, eu vou matar vocês - falei, apoiando minha testa na do italiano, que parecia mortinho da Silva. - Pedro, não me deixa agora… Força, soldado! - Tentei reanimá-lo, dando-lhe um belo chacoalhão.

Pedro apenas gemeu, mais mole que macarrão. Derek começou a rir desesperadamente, terminando de nos matar quando pulou em cima de nós, nos amassando e nos dando um abraço de urso.

- Vocês estavam tão engraçados, até tive dó. - Confessou, rindo nasalado. - Mas valeu muito a pena, melhor coisa do universo! - E nos apertou mais.

- Estou me sentindo excluída! - Marcela se manifestou, fazendo um bico. - Não se esqueçam que eu tive que usar salto 15 com coturnos para fazer tudo dar certo! Aliás, a ideia foi minha, mereço um abraço também! - E se jogou em cima daquele amontoado de carne, bem em cima de Derek, que estava atravessado sobre nós. Soltei um grunhido ao sentir meu fígado amassado.

- Vem, Jonas! - Disse Derek, erguendo a mão para ele. - Junte-se a nós neste momento de amor grupal.

- Não confundir com suruba, obrigada - me manifestei, a voz fraca tamanha pressão que sentia em todo meu corpo.

O garoto riu, dando de ombros, como se perguntasse a si mesmo ‘por que não?’. Minha morte foi concretizada quando Jonas pulou sobre todos nós, sua cabeça parando em minha clavícula.

- Eu odeio todos vocês… - Grunhi, fraca, mas aquela era a manifestação de ódio menos convincente que eu já havia soltado em toda a minha vida.

***

Seis da tarde chegaram como um sopro de realidade. Já estava escuro lá fora, e minha mãe, Camila, Isadora, Hércules e Chris já haviam voltado do suposto ‘shopping’. Apenas minha mãe sabia da pegadinha mais cruel de todos os tempos, e se mijou de tanto rir quando Marcela lhe contou detalhe por detalhe.

Pedro, no fim, encarou aquela dose mínima de uísque. Fez cara de quem chupou limão, mas engoliu tudinho, assim como a norma sugere - quando lhe contei isso, ele me mandou ir para um local agradável.

- Eu vou muito ficar com essas fantasias - falei aleatoriamente enquanto todos se acomodavam na cozinha. Me apoiei na pia, recebendo total atenção. - Tipo, muito. Eu não vou tirá-las nem para tomar banho.

- Ai, porca! - Minha mãe se manifestou, uma cara de desagrado no rosto.

Sorri, bebericando meu copo d’água. Mas meu corpo parecia infeliz com apenas um copinho d’água, por isso ele me chamou a atenção. Um barulho de coisa morrendo se alastrou do meu estômago, assustando a todos ali.

- Juro que é seu - brinquei, olhando para Pedro, que riu, mas logo fez uma cara de quem acabou de se lembrar de algo muito importante, quase crucial, seu sorriso murchando e se transformando numa cara de quem se esqueceu do aniversário da mãe.

- Puta merda, eu esqueci! - Gritou, afoito, pulando e saindo correndo num pique assustador. Todos nós ficamos encarando-o pela janela, enquanto o italiano entrava com tudo em sua casa, deixando a porta escancarada.

Hércules entrou na cozinha com um bocejo longo, os olhos miúdos de sono. Ele andou até aonde eu estava, cheirando minhas pernas, depois sentando-se e abanando o rabo, como se me olhasse e dissesse ‘feliz aniversário!’. Sorri, acariciando o topo de sua cabeça, abrindo a garrafa de uísque.

- Você anda muito deprimido ultimamente, e tudo por conta daquela cadela desgraçada da ponta da rua. Não precisa ficar assim, você é um garanhão e tá melhor sem ela - falei, derramando a bebida na minha mão.

- Katrina, não dê bebida pro cachorro! - Minha mãe berrou, mas já era tarde demais. Hércules lambeu meus dedos, meio hesitante, mas depois da primeira lambida, ele acabou com tudo.

Ele era o segundo e último homem com quem eu dividiria meu uísque.

- Tarde demais - falei, soltando uma risada nasalada. - Ah, qualé, ele merecia. O coitado precisava de um estímulo para viver, e só foi um pouquinho. - Sorri, acariciando sua cabeça em seguida.

Marcela também me repreendeu, mas com exceção dela e da minha mãe, todo mundo sorriu, concordando.

Me sentei à mesa quando minha mãe tirou uma torta holandesa da geladeira, os ‘convidados’ comemorando porque finalmente iriam comer alguma coisa. Só que eu, meio involuntariamente, comecei a me sentir meio preocupada - eram seis e meia e nada do Pedro voltar.

- Vai ver que ele percebeu a besteira que fez e fugiu antes que você percebesse - Jonas disse, berrando de dor logo em seguida quando lhe dei um soco no estômago.

- Não te preocupa, KitKat. - Derek tentou dizer, a boca cheia de torta. - Ele só deve estar dando uma cagada.

- A gente tem banheiro aqui, sabia disso?

- E daí? - Deu de ombros. - Ninguém gosta de cagar no banheiro do namorado ou namorada - então olhou isento de culpa para Marcela. - Nunca caguei no seu banheiro, seria incapaz de fazer isso em sua privadinha cor de rosa.

- Não, Derek, eu não estava cagando - um peso de mil e quinhentos quilos pulou para fora das minhas costas quando a voz de Pedro rompeu da sala. Mas, em compensação, meu maxilar pareceu pesar, pois minha boca se escancarou. - Eu só estava arrumando o bolo que eu esqueci de enfeitar - e sorriu, culpado, erguendo a bandeja com o bolo.

Aquele era o bolo mais foda que eu já tinha visto na minha vida.

Pedro andou e se posiciono atrás de Derek, colocando a bandeja na frente dele, tendo de circundar a cabeça do garoto com os braços para fazer isso. Derek inspirou fundo, erguendo-se na cadeira e dando um abraço no italiano.

- Ah, poxa, não precisava! - Gracejou ele, dando um beijo cheio de chocolate na bochecha de Pedro, que tentou afastá-lo.

- Sai fora, Derek! - Começou a rir, limpando a cara com certo nojo, puxando-o para fora da cadeira. - Você na frente deste bolo é perigoso, sai daí - grunhiu, estendendo sua mão limpa a mim. - Venha aqui, minha dama…

Eu ainda estava boquiaberta, aceitando a mão de Pedro enquanto me sentava na cadeira de frente para o bolo. O.k., você já assistiu Cake Boss? Aquela era uma versão italiana e muito mais foda do programa.

Meu bolo era cinza chumbo, com a máscara de Jason Voorhees comestível no centro do bolo, manchada de sangue sabor calda de morango. Uma faca (que eu não sabia se era comestível ou não) estava fincada num dos vãos oculares vazios da máscara. À mão e com glacê preto, estava escrito “Feliz aniversário, megera”.

Tinha uma vela do formato do número dezoito, negra por fora, vermelha sangue por dentro. Fiquei encarando igual a uma trouxa o bolo, completamente muda e sem palavras, as sílabas difíceis de pronunciar tamanha a variedade de sentimentos que giravam em torno da minha alma.

Fiquei ali, encarando aquela obra de arte, vendo um braço com pelos louros acender com um isqueiro a vela decorada. As luzes se apagaram com delicadeza, aquela chama trôpega iluminando com graciosidade todo o local.

- Faça um pedido… - Sussurrou Pedro perto da minha orelha, sua voz rouca milimetrada com esmero.

Fechei os olhos, apertando-os bem. Tentei imaginar algo para pedir, bem no meu íntimo, mas nada me veio.

- Como posso pedir alguma coisa, sendo que tenho tudo que quero? - Sussurrei, minha voz mais trôpega e instável que a própria chama da vela.

- Então peça que tudo se mantenha assim, megera - Pedro me auxiliou, tocando meu ombro.

Pressionei com força meus olhos, pedindo exatamente o que o italiano havia me auxiliado, bem no meu íntimo. Abri os olhos novamente, aproximando-me do bolo e assoprando a chama, apagando-a. Palmas bobinhas e habituais se manifestaram assim que a chama se apagou, a luz sendo acesa logo em seguida.

- O.k., tu já fez o pedido, já cresceu, agora bora comer esse bolo aí! - Derek disse, folgado, a boca ainda cheia de torta, avançando no pobre bolo.

- Aaah nah! - Pedro o afastou, retirando a faca de dentro da máscara, a entregando para mim. - A aniversariante deve cortar o primeiro pedaço, é lei.

- Não sei cortar bolos - admiti.

- Quem diabos não sabe cortar um bolo?! - Jonas indagou, incrédulo.

- Eu.

Depois de uma breve discussão, enfiei a faca na massa macia, todo mundo rindo e comemorando com entusiasmo. Retirei o primeiro pedaço, todos me olhando com expectativa - exceto Pedro, que já sabia que o primeiro pedaço não seria para ele.

- O primeiro pedaço é meu - falei, colocando o prato no colo. - Por eu ser essa pessoa maravilhosa, que aguenta a mim mesma todos os dias há dezoito anos. E também porque a fome é forte. - Cortei mais uma fatia. - O segundo pedaço é para minha mãe, por também me aguentar por todos estes dezoito anos. - Sorri, entregando o pratinho à minha mãe, que riu, agradecida. - Mas consideremos este como o primeiro, sou especial demais para entrar em números.

- Narcisista… - Pedro resmungou, revirando os olhos.

Comecei a rir, cortando mais uma fatia.

- E este aqui necessita ser dividido. No terceiro lugar no ranking, há três pessoas muito legais que me aguentam há bastante tempo também. - Sorri, erguendo o pedaço. - Jonas, Marcela e Pedro, dividam isso. Obrigada por se darem ao trabalho de fazerem tudo o que fazem por mim. - Marcela soltou um ‘ooowwn’ arrastado, espetando um pedacinho do bolo enquanto o italiano se inclinava para me dar um beijo na cabeça, quase paternal.

- Sua víbora - Jonas riu, também experimentando o bolo. - Caramba, isso tá bom mesmo!

- Claro que tá, eu que fiz - então ergueu o queixo, fingindo-se de orgulhoso.

Sorri do jeito com que ele disse isso, como se de fato não acreditasse que era o melhor no que fazia. No fim das contas, aquele meu aniversário de dezoito, nada simples se considerar o episódio onde quase morri do coração há algumas horas, estava sendo o melhor aniversário que já tive na vida.

E eu não estava realmente ligando se daqui em diante as coisas só iriam piorar ou melhorar, contanto que eu estivesse na companhia daquelas pessoas que só me faziam bem.

O.k., talvez não totalmente bem, considerando, novamente, a pegadinha mais cruel de todos os tempos - e a mais foda também.


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Notas finais do capítulo

No fim, nunca entenderei a complexidade dos dezoito anos.
Obrigada por lerem até aqui, obrigada por acompanharem as minhas maluquices sempre. Espero, de coração, que tenham gostado deste pequeno especial tanto quanto gostei.
Até a próxima :*