Um pequeno contratempo escrita por magalud


Capítulo 2
Capítulo 2




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Quando abriu os olhos na manhã seguinte, Severo viu que já era dia. Mais do que isso, viu diversas cabeças a encará-lo curiosamente.

– Ele acordou.

– Quem é você?

– Severo Snape.

Um dos garotos olhou para o outro e disse:

– Ele é muito pequeno.

Um garoto maior, de cara de poucos amigos, olhou para ele e perguntou:

– Você vai para a escola?

– Não – respondeu Severo, tentando não se sentir intimidado com tantos garotos tão maiores do que ele.

– Você chegou ontem?

– Cheguei de noite.

– Foi você que começou a choramingar e ter pesadelos de noite.

Droga, ele tinha falado alto?

– Eu tive pesadelos, sim.

– Você tem dinheiro?

– Não.

– Então você vai fazer um servicinho para mim – disse o garoto desagradável – Meu nome é Moe, e todos aqui me obedecem. Você também vai me obedecer.

– Por que eu faria isso?

Os demais garotos começaram a rir.

– Ih, olha só o pivete!

– Qual é, garoto? Vai encarar?

Moe também parecia estar se divertindo:

– Garoto, você é novo então não sabe como as coisas funcionam por aqui. Por isso é que eu não vou quebrar sua cara agora. Mas se eu chegar da escola e você não tiver roubado pelo menos três cigarros da Bruxa Velha...

– Lá vem ela!

Bruxa? Tinha alguma bruxa ali?

A bruxa entrou – e era ninguém menos do que a própria Srta. Dóris, enfiada num guarda-pó cinza escuro, e com cara de poucos amigos:

– Que bagunça é essa?

A chegada de Dóris ao dormitório fez os garotos todos se colocarem em posição de sentido. Instintivamente, Severo se levantou e ficou ao lado de sua cama. Ela olhou para todos, com uma expressão rigorosa:

– Vejo que já conhecem seu novo colega. O nome dele é Severo e ele não vai ficar nesse alojamento, e sim com os menores. Venha comigo, Severo, eu vou lhe mostrar onde fica o seu quarto. Traga suas coisas.

De pijaminha mesmo, ele catou todas suas roupas, enfiou o sapato e foi com ela, sob os olhares dos demais. A cara de Moe dizia claramente que o assunto entre eles não estava acabado.

Com trinta anos de atraso, Severo sabia que estava para sofrer abusos nas mãos de colegas.

Pelo menos não era abuso dos pais. Ele estremeceu ao se lembrar de seu pai e algumas das coisas que ele o tinha feito passar.

O alojamento era consideravelmente menor do que os garotos de maior idade. Ali só havia oito camas, todas pequenas e adaptadas ao tamanho de seus ocupantes. Os garotinhos estavam levantando naquele horário, e alguns deles sorriram para Severo.

– Atenção – disse a Srta. Dóris para o grupo – Hoje vocês ganharam um novo amiguinho e o nome dele é Severo. Ele é mais velho do que alguns de vocês, e vai ajudar naquilo que vocês tiverem dificuldade.

Um lourinho que aparentava uns cinco anos perguntou:

– Quantos anos você tem?

– Quatro.

– Eu tenho cinco – ele disse, orgulhoso – Vou ajudar a tomar conta de você.

– Eu não preciso de ajuda! – inflamou-se Severo.

A Srta. Dóris interveio:

– Aqui é assim, Severo. Os mais velhos ajudam os mais novos. Mark vai ajudar a cuidar de você e lhe ensinar como são as coisas aqui. Você pode cuidar de Stevie, Maurice e dos outros. Calvin vai ajudar Mark. Agora arrumem suas camas. Severo, suas coisas ficam ali.

Ele recebeu uma prateleira para colocar suas coisas e depois de se vestir com as roupas simples que a Srta. Dóris lhe deu, ele desceu para o café da manhã na sala comum.

Nem de longe aquilo lembrava o Salão Principal de Hogwarts. Primeiro porque era pequeno. E todas as crianças estavam ali. Os mais velhos deveriam ter 11 anos. Moe e sua turma lançaram olhares ameaçadores para Severo, que ajudou Stevie a se servir de mingau. Era o que eles tinham para comer: mingau de aveia e um suco ralo de cenoura.

Depois do café, os mais velhos foram para a escola, e os novos, como Severo, iam ajudar nas tarefas do orfanato. Era trabalho duro para crianças tão pequenas, mas Severo ficou admirado que os garotos faziam tudo sem reclamar. Pequenos como eram, eles podiam limpar banheiros e alcançar partes inacessíveis para um adulto. Também arrumavam os escritórios e limpavam tapetes.

Só depois do almoço é que eles receberam permissão para brincar. Os mais novos estavam cansados e com sono, Severo percebeu. Ele mesmo, reagindo ao corpinho de 4 anos, também gostaria de uma sonequinha. Mas a brincadeira foi boa. Ainda mais que foi no quintal.

Na verdade, era um pátio pequeno, sem grama ou piso, que mal comportava todas as crianças do orfanato. Era terra, e como tinha chovido, havia lama em muitos lugares. Eles foram severamente advertidos para não entrar com lama na casa.

Os meninos queriam jogar algo estranho, um jogo que consistia em ficar chutando uma bola velha com o objetivo de fazê-la ultrapassar dois tijolos no quintal. O nome do jogo era futebol, e Severo nunca vira aquilo na vida. Em nada se parecia com quadribol, não se podia tocar a bola. Logo Severo foi marcado como mau jogador, e o máximo a que ele podia aspirar era a posição de goleiro – apanhador da bola, encarregado de impedi-la de ultrapassar os dois tijolos.

Eles brincaram durante algum tempo, mas no meio da tarde os mais velhos voltaram da escola. Começava aí o flagelo de Severo. Ele estava tomando conta de Stevie, limpando-o da lama do futebol, quando foram cercados pela turma do Moe. Steve ficou todo nervoso, mas Severo lhe disse calmamente:

– Steve, espere por mim no alojamento.

O pequeno protestou, de olho nos mais velhos:

– Daqui a pouco é o jantar. Vem comigo, Severo.

Moe disse ao menininho:

– Vai logo, pirralho. Eu quero conversar com o cara novo.

Stevie entendeu a indireta e saiu rapidinho. O grupo, uns cinco garotos, cercou Severo num círculo. Moe disse:

– Conseguiu o que eu pedi, baixinho?

– Eu nem tentei – replicou Severo calmamente – Não sei onde a Srta. Dóris guarda seus cigarros e eu certamente não vou roubá-los apenas porque você quer.

Houve um minuto de tensão. Moe ficou vermelho.

– Escuta aqui, baixinho. Aqui você faz o que eu mando, se não você vai se dar mal, entendeu?

Desafiador, Severo olhou para cima (pois Moe era bem mais alto que ele) e encarou-o dentro dos olhos, dizendo com uma voz firme:

– Você não me mete medo.

– Pois devia –disse Moe, ainda mais vermelho – Vou te dar uma lição agora mesmo.

Mal ele terminara de pronunciar as palavras, Severo arremessou contra Moe, usando os ombros para atingi-lo no meio do estômago, derrubando-o no chão e tirando seu fôlego. Pega de surpresa, a turma viu quando o pequeno Severo usou toda a sua força para desferir murros com as mãozinhas direto no fígado de Moe.

O garoto grande gemeu, surpreso. No chão, Moe chutou Severo para longe, e o pequeno rolou no chão. A gangue riu alto, e os outros garotos se aperceberam que havia uma briga rolando. Todos vieram para perto, a fim de ver a disputa.

Moe era grande e desajeitado, mas ele era forte. Severo, por outro lado, era bem mais fraco, mas era pequeno, ágil e esperto. O chute, porém, o fez sentir as costelas. Os garotos gritavam numa torcida feroz quando alguém da gangue do Moe pegou Severo pela camisa e empurrou-o na direção de Moe, que se levantava.

Severo não teve dúvidas: partiu para cima do brutamonte.

O grandalhão estava preparado, e Severo recebeu mais um golpe na cintura. Calculando suas chances, ele se mexeu, tentando sair do alcance de Moe, esperando que algum adulto viesse apartar a briga. Só o que ele tinha que fazer era sobreviver até lá. Ajudava que a gangue aparentemente tinha recebido ordens de não se intrometer na briga.

Em meio à gritaria cada vez mais alta dos garotos, Moe acertou Severo no rosto, fazendo o pequeno sonserino cambalear para trás, rumo à audiência excitada. Ágil, Severo resolveu se jogar no chão e rolar pela lama para evitar os chutes do grandão, e foi nessa hora que uma voz masculina adulta desconhecida surgiu acima dos gritos da meninada:

– Parem já com isso! Parem agora! Parem com isso!

Severo sentiu um forte puxão na camisa, e foi totalmente erguido, balançando as pernas e procurando se equilibrar.

– Quem é você?

Só então Severo olhou para o homem que apartou a briga – e empalideceu. Se Argo Filch, zelador de Hogwarts, tinha um irmão gêmeo, esse irmão seria ele. Os dois eram muito parecidos, os mesmos dentes horríveis e a cara assustadora, exceto que o sujeito do orfanato tinha o cabelo crespo curto e castanho. Ele olhava com cara de poucos amigos para Severo.

– Eu não conheço você.

Um dos garotos disse:

– Ele é novo, Sr. Richard.

– Chegou hoje.

– Novo e já está arrumando encrenca, é? Tsk, tsk, tsk. Começou mal, garoto – na outra mão, ele segurava Moe pela camisa – E você, Moe? De novo brigando em garotos da metade do seu tamanho?

– Ele me provocou, Sr. Richard.

– Não é verdade! – Severo não pôde se conter, ainda esperneando – A culpa é dele!

– Moe, eu não acredito em você – disse o tal Richard – O baixinho mandou ver, hein? Quem diria, tão pequenininho e não se intimida. Bom, tem alguém machucado?

Severo tinha um olho roxo e suas costelas doíam, mas ele não falou nada. Moe também ficou de bico calado.

O caso foi levado à Srta. Dóris, que determinou que os dois limpassem as latrinas depois do jantar. Eles se lavaram (estavam imundos de lama) e fizeram a refeição. Severo foi recebido como um herói pelos menores. Aparentemente, ninguém jamais tinha enfrentado Moe antes.

Dali para a frente, a vida de Severo se resumiu a fugir das provocações e das armadilhas de Moe. E foi assim que ele descobriu que sua magia não o abandonara.

O incidente mais revelador foi uma tarde no pátio. Severo estava com Stevie e de repente, ele foi empurrado no chão. Moe, que o havia empurrado, e sua gangue riram-se alto, apontando para Severo, no chão.

Como sangue fervendo de ódio, o pequeno sonserino lançou um olhar ferino para Moe, que se afastava ainda rindo. Foi quando ele sentiu uma espécie de arrepio, uma energia a percorrer-lhe o corpo. Moe foi ao chão porque os cardaços de seus sapatos estavam repentinamente amarrados um no outro. Ele xingou, esbravejou, cuspiu ódio pelas ventas, mas ninguém conseguiu explicar como isso tinha acontecido.

O coração de Severo acelerou-se. Instantaneamente, ele soube que tinha feito magia sem varinha. Havia esperança.

A partir daquele momento, o pequeno Severo procurava se esforçar para realizar pequenos feitiços, quando estava sozinho no pátio, ou de noite, debaixo das cobertas. Ele conseguiu mover uma pedra sem ninguém perceber e derrubar um copo de água (de Moe). Quanto mais ele ficava com raiva, ou ficava fora de controle, mais rápido ele conseguia fazer o feitiço.

Além dessa alegria, ele tinha poucas. A vida no orfanato era dura mesmo quando Moe estava fora. Ele passava muito tempo com os menores, e logo se sentiu protetor deles. Stevie era o mais apegado a Severo, e chegou ao ponto de não comer sem Severo para ajudá-lo.

Fazia mais de uma semana que Severo chegara ao orfanato e parecia um ano. Mas naquele dia, logo no café da manhã, a Srta. Dóris chegou perto dele e disse:

– Você deve tomar um banho, vestir as roupas com que veio para cá e esperar meu chamado. Hoje é um dia importante para você. A encarregada do Serviço Social vai olhá-lo para colocá-lo no programa de adoção. Faça o favor de não me envergonhar.

– Sim, Srta. Dóris.

A cabeça de Severo fervilhava de idéias quando ela saiu. Uma chance de sair daquele lugar!... Adoção! Sim, ele podia conseguir. Só o que ele precisava fazer era agir como uma criança legítima.

O problema era que isso estava se tornando cada vez mais fácil sem ter que fingir. Embora ele retivesse seus conhecimentos e memórias, cada vez mais ele sentia a resposta emocional de uma criança de quatro anos. Ele se lembrava de sua mãe, da ternura que ela lhe evocava, e do seu pai, do terror que ele lhe impunha. Ainda ssim, enquanto ele se vestia como ordenado, ele tentou "incorporar" mais um espírito infantil, pensando no que a assistente social esperava ver: um menino órgão, de 4 anos, recém-chegado num orfanato. Ele lembrou que o olho ainda estava um pouco roxo, e pensou que podia dizer que caiu no chão. Afinal, ninguém ia querer levar para casa um garoto brigão.

Foi pensando nessas coisas que ele foi para a sala de recreação, onde brincou com Stevie enquanto esperava o chamado da Srta. Dóris.


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