Divagando no escuro escrita por Agama


Capítulo 1
Realidade




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Um homem, vestido tradicionalmente, com roupas até certo ponto normais, como um fraque negro e uma bela cartola. Possuía estampando o rosto um belo sorriso, com um carisma jovial e, apesar do dia nublado, andava sem guarda-chuva em mãos. Andava com passos ligeiros e até que largos, planejando chegar o mais rápido possível ao seu destino. Em meio caminho, para ás esquinas de uma floricultura e compra com uma nota de vinte um grande e colorido buquê de margaridas, pedindo para que a vendedora ficasse com o troco e logo seguindo seu caminho.

Ele anda por mais alguns minutos, pensando no que falaria para ela. “Ela quem?”, deve estar você, caro leitor se perguntando. Digamos que uma pessoa muito especial. Muito especial. O jeito como ela caminha, como ela penteia o cabelo, como demorava para dar-se por arrumada, seu perfume matinal (e claro, o do resto do dia), uma fragrância dos mais belos asfódelos; como ela respira, como ela fala... Ou falava. Faz tanto tempo. Ele sentia saudade disso tudo. Mas ele não tem esse direito. Ao menos não mais.

Na verdade, ele sentia falta até das suas discussões com ela. Dizia :“Amor, por favor, vamos conversar, resolver isso com calma”, sempre respondido com um curto e grosso: “Vai se fu...”, bom, acho que deu pra entender. Aquilo era rude? Era. Mas fazia parte da vida deles. Uma vida que não existia mais. Ele a perdeu. Mas nada custa ir vê-la de novo não é?

Ela já sabia que ele estaria indo na sua casa, discutir um pouco o que houve. As coisas precisavam ser esclarecidas. Além do mais, ele sabia que ela não ligava. Era só uma visitinha. Ao chegar no portão branco que guardava o prédio de cinco andares, o homem faz um pequeno sinal de positivo para o porteiro, junto à um sorriso amigável, que é correspondido com um aceno. O homem espera dez segundos, tempo o suficiente para o portão se abrir por completo. Ele entra sem olha para trás, entrando numa pequena praça de entrada, com árvores, arbustos e bancos de pedra decorando o ambiente. Ah, que perfeito para um reencontro. Pena que teremos que subir para o último andar.

Ele sobe as escadas a pisadas fortes, com real vontade de fazer barulho com sua chegada. Logo chega à porta do tão honorável quarto de número 13. Que número infortúnio, não é, leitores? O mau agouro cercava a vida do nosso casal, será que lhes assombrará mais esta vez? Ou será cortado pelas Parcas o fio deste amor que quem dera ser eterno? Ele bate na porta três vezes, mas ninguém responde. Então ele lembra que sempre deixava a chave abaixo do carpete, com um cordial “bem vindo” em cima. Tinha uma mancha carmim nele, sujando o branco de suas letras e o castanho de seu entorno, mas nada a reparar em demasiado. Com certeza ele o lavará depois.

Ele entra na casa com um característico cheiro que ele tanto ama. Apesar de diferenciado, não deixa de ser seu preferido.


— Boa tarde, querida. – Fala o homem. Ela nada diz. – Não quer me responder não é? Vamos, relaxe, só quero conversar.

Ele adentra mais na casa, procurando seu tão grande amor. Olha para todos os lados e nada acha, até que tem a atrasada ideia de olhar no quarto de dependência, onde nossa antiga empregada morava.


— Ah, ai está você querida. Olhe o que trouxe para você. – Ele entra com delicadeza no quarto, e vê sua donzela, oh, com um belo vestido branco e vermelho, sua beleza incomparável, embora um pouco deturpada pelo calor do quarto fechado, coisa que o ventilador provavelmente não resolveu. Serviu mais para espalhar a fragrância pela sala. E pela cozinha. E pelos corredores.


Ele deixa o buquê em seus braços, puxa uma cadeira ao lado da cama e fica perto dela, ainda com um sorriso na face, feliz por estar vendo sua querida novamente.


— Margaridas, amor. Suas preferidas. – Ela continua parada, apenas olhando fixamente para um foco distante. – Olha, eu sei que você não quer conversar, até porque, não é? Depois de tudo o que houve, do que eu fiz... Eu posso ter começado... – Ele olha para o chão e dá uma risadinha. - ...com o pé esquerdo, mas você me conhece. Sempre fui o estilo de homem olho pro olho, dente por dente. – outra risadinha. – Não aguento injustiças. Mas você, apesar da compreensão até que exagerada de sua parte, tenha certeza que apesar da minha ignorância eu nunca quis essa parte... torta da nossa história. Eu sei que deu tudo errado entre nós, mas podemos recomeçar não é? Lembra daquela vez que você e eu fomos no parque? Nós quase caímos de lá de cima da roda gigante, claro que foi brincadeira, mas você quase acreditou não foi – uma risadinha mais longa, com um “aiai” no final -. Fora aquele dia em que fomos na casa da sua mãe ver os cachorros. Eles estavam com tanta saudade de nós. Imagina todos eles correndo pela casa, junto com alguns... – Ele olha para ela, que continua calada. O homem solta um suspiro de cansaço e tira o sorriso do rosto. - Eu lhe disse que ficaríamos para sempre juntos. É como já diz em “O Pequeno Príncipe”, “você se torna eternamente responsável por aquilo que cativa”. Nossa história não acabou você não acha? Pode ser só um novo início! Vamos pensar assim, está certo?


Ela continua em silêncio. Sem nenhuma reação, nada a dizer. Ele apenas fecha a expressão e num acesso de fúria segura a cabeça da mulher, balançando-a para cima e para baixo, ensandecido. Ele levanta da cadeira, chutando algo que bate na porta e cai no chão com um som abafado e úmido.


— Ó, desculpa querida. – Sua voz repentinamente fica doce e tenra. Ele vai até o chão e pega o objeto caído. – Bom, acho que tivemos uma conversa legal não foi? Ok, eu volto mais tarde, tudo bem? Outro dia, talvez? Mas eu volto pra lhe ver. Tchau querida. Ah, e toma sua perna. – Ele joga o membro em cima da cama, próximo ao putrefato corpo que já houve de ser de uma mulher, sem olhos, dentes, ou cabelo, somente com o tão amado (ah, e como amado) cheiro de decomposição.


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Notas finais do capítulo

sweet dreams.



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