O Amor e o Destino escrita por Armamudi


Capítulo 1
Capítulo 1




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/638984/chapter/1

Como estou cansado! Cansado da rotina de estudar, ir na academia, passar em casa para comer e se arrumar para ir ao trabalho, trabalhar e voltar para casa. O inconveniente de se trabalhar em shopping (mesmo que você não trabalhe diretamente nos pisos de consumo do shopping e sim nos andares executivos acima destes) é que com o passar do tempo nós vamos criando uma certa “antipatia” de ir todo santo dia pra ele. Ainda bem que amanhã é sábado e estarei de folga, depois de alguns meses sem poder tirar uma folga com dois dias seguidos. Bom que vai dar pra eu terminar de ver os dois últimos episódios da série de Game of Thrones.

Com seis andares imensos, o shopping de Uberlândia, ou mais comumente chamado “Center Shopping” tem nos seus últimos três andares uma empresa de Call Center, onde concentra mais de quatro mil pessoas, a maioria com sua inconfundível vestimenta branca e azul. Não que eu não goste, mas pelo menos não são cores berrantes de uniforme. Ainda bem! Afinal já estou na empresa a pouco mais de um ano, e o trabalho é tranquilo, com pessoas de diversos gostos, estilos, manias e por aí vai. O mais legal é que com mais de 1,90m de altura, moreno e cabelos raspados, a maioria das mulheres acham que eu sou um rapaz ninfeto por não ter pelos no corpo, poucas espinhas, sorriso aberto e extrovertido. Não sou mesmo.

Lembro me da primeira vez em que estávamos numa reunião de equipe, e pra me fazer uma surpresa, o supervisor revelou que eu faria aniversário dali há dois dias. Como sempre fico sem graça, logo todos estavam cantando os “parabéns pra você” e no fim a trágica pergunta vinda de uma das meninas, senão me engano de nome Lorraine, para mim: - E então Fernando, tá fazendo quantos anos? Dava pra sentir o silencio dentro da sala, com todos olhando pra mim esperando a resposta. Eu com o copo de água na mão, tomei um gole de água e polidamente olhei pra ela e disse:

- Irei fazer trinta anos de idade.

Choque. Essa palavra define a reação das pessoas quando eu respondi. No mesmo momento em que terminei de dizer, a Lorraine com olhos e a boca escancarados me devolveu: - Nunca na minha vida eu pensaria que você tá fazendo trinta anos Fernando! Eu te daria uns vinte e dois anos fácil fácil!

O que se seguiu após foram vários comentários sobre a minha idade, uns incrédulos, outros até que normais, e eu rindo internamente da situação embaraçante que todos estavam. Foi muito divertido.

Desci do elevador apinhado de gente e saí apressado para o ponto de ônibus, afim de chegar rápido em casa pra tirar o peso do dia corrido. Ainda bem que não precisarei acordar cedo amanhã para ir à faculdade, o que meu sono agradece e muito. Ouvindo música japonesa em meu fone de ouvido, vejo as pessoas entrando e saindo do ônibus num movimento quase que universal. Todos os dias são assim, regidos por ações que as pessoas sempre repetem. A moça que vem da faculdade com sua bolsa marrom e seus quatro livros de Ética, um ensaio sobre A República de Platão, um Vade Mecum Jurídico e acima de todos eles “O reverso da medalha” de Sidney Sheldon; no ultimo banco do lado esquerdo do ônibus, o mesmo cara nerd com suas camisetas de Star Wars, um All Star preto e sempre com um mangá na mão; uma senhora de cabelos já brancos, com sua bolsa azul de lado, sentada no banco próximo ao cobrador, sempre conversando amistosamente. Eu pra variar quase sempre vou em pé, mas hoje dei sorte ao encontrar um banco vazio no fundo do ônibus. Do ponto do trabalho até o terminal de ônibus leva-se entre vinte a vinte cinco minutos, e nem percebo o tempo passar observando as pessoas, seus gestos e rituais próprios. O terminal estava passando por reformas e os pontos de parada dos ônibus para os bairros foram montados do lado de fora, causando uma bagunça durante algumas semanas até o pessoal acostumar a pegar seus ônibus no ponto certo. Já era dez e meia da noite e o vento estava gelado (graças ao mês de Jullho!), e estava uma delícia sentir o vento gelar a ponta do nariz. O ônibus que eu tinha que pegar pra ir pra casa, estava estacionando quando de repente um arrastão de pessoas se amontoou nas portas, loucas pra entrar e sentar nos bancos. Eu como sempre fico vendo o povo lutando pra ver quem entra primeiro. Foi aí que eu vi ele.

O livro na mão era o mesmo da série que eu estava assistindo, disso eu não tive dúvidas (os livro da série do Game of Thrones são gigantescos, e eu estava louco para lê-los, mas só depois de terminar a segunda temporada), mas quem segurava era um rapaz que era empurrado pela massa de gente pra dentro do ônibus. Coitado dele, pensei ao ver o esforço que ele fazia pra manter o livro nas mãos. Depois da batalha para entrar no ônibus, eu entrei e pelo estado de lata de sardinha que estava fui me ajeitando no corredor, tentando me agarrar em algum lugar pra não cair quando o ônibus desse sua arrancada. Consegui me agarrar no braço de um banco, e ao olhar, vi que o mesmo rapaz estava que foi empurrado pra dentro do ônibus, se ajeitava no banco, arrumando os óculos e depois sua blusa de frio verde-escura. Ele então passou a mão sobre a capa do livro em reverência e começou a ler. Fiquei curioso em querer perguntar como estava a história, se era boa ou se onde eu estava na série ele também estaria no livro. Eram muitas perguntas, mas como ele estava com os olhos pregados no livro, achei melhor não incomodá-lo.

O ônibus tomou seu itinerário, sacudindo pra lá e pra cá, e percebi que ele estava rindo sozinho (o que pra maioria das pessoas que não lêem achariam que ele só podia ser louco), de certo porque era uma passagem engraçada da história, mas seus olhos brilhavam ao ler o livro. O lábio dele era um pouco maior do normal para uma pessoa branca, o que é bem mais comum para pessoas negras como eu; as mãos claras seguravam o livro com tanto cuidado, como quem segura um bebê. Fiquei ali admirando-o, sem saber porque fazia aquilo. Quando olhei, estava a dois pontos de parada pra chegar no meu destino, e não resisti a minha curiosidade e lhe perguntei:

- Parece que o livro da série das Guerras dos Tronos é muito bom neh? Sem tirar os olhos do livro, ele automaticamente me respondeu.

- É muito bom sim.

Só isso! Nem ao menos se deu o trabalho de olhar pra dar a resposta? Que cara mais indiferente. Caramba!

Não consegui continuar a fazer as perguntas. Fiquei tão sem graça, que a única coisa que eu pensava era:

- Quero descer agora desse ônibus. Pra que é que fui fazer essa pergunta pra ele?

Desci do ônibus e essas perguntas ficaram martelando minha mente até chegar em casa. Lá minha mãe estava sentada assistindo sua novela sagrada de todo dia, e meu irmão tomando banho.

- Oi filho, tudo bem com você? Fui assaltado de meus pensamentos ao escutar minha mãe me fazendo perguntas.

- Ah tá tudo tranquilo. E como foi o seu dia?

- Eu tô quebrada pra variar de tanta coisa que eu tive que fazer hoje no trabalho. Só vou esperar terminar a novela pra eu ir tomar um banho pra relaxar um pouco.

Ela trabalha quase o dia todo numa casa e ao invés de vir pra sua casa e descansar do dia, ela mau sai do trabalho e vai passando na casa de amigas ou parentes pra conversar, ver como eles estão, e acaba chegando em casa sempre a noite. Só ela pra aguentar esse pique viu!

- Nossa mãe eu também estou quebrado de hoje viu. Só quero tomar um banho, comer alguma coisa e cair na cama pra descansar. Meu corpo ansiava por isso, mas eu estava com tanta preguiça que o sofá se tornou uma prisão difícil de escapar.

- Duvido que você vai descansar quando deitar na cama. Vai é ficar mexendo no seu computador até tarde, disse ela enquanto assistia à novela. Ainda mais que amanhã você não vai ter aula da faculdade.

- É isso é verdade Dona Maria, disse sorrindo pra ela. Quero terminar de ver uma série e depois eu durmo. Amanhã eu também estou de folga do trampo, então posso acordar mais tarde! Aleluia!

Saindo o banho e indo pro seu quarto meu irmão como sempre, saía apressado pra se trocar e cair na cama. Acordar todo dias as quatro da manhã não é fácil. Por isso, eu conseguia falar com ele com mais tempo somente nos fins de semana, pois ele não trabalha. Passei o resto da noite lembrando da cena no ônibus, sem entender do porque aquele cara tinha me chamado a atenção.

Já tinha namorado dois rapazes antes, um namoro de alguns meses(se é que aquilo foi considerado namoro), e o outro uns 7 meses (um namoro meio estranho, pois ele tinha medo das pessoas descobrirem, e depois que terminamos ele começou a namorar uma menina linda até! Bom tomara que eles ainda estejam juntos e felizes) mas a sensação que senti no momento em que vi ele sentado no banco do ônibus, se arrumando pra ler, foi diferente. Não sei explicar.

Será que na segunda-feira eu vou ver ele de novo no ônibus?


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O Amor e o Destino" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.