Impulsiva escrita por Maíra Viana


Capítulo 5
Capítulo 5


Notas iniciais do capítulo

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Capítulo 5

Uma semana se passou e aquelas palavras de Track ainda me atormentavam. Não sei se fiz certo ou errado em ter me aberto tanto, daquela forma, com ele e acabado provocando nossa briga. Mas eu sabia que tinha sido o melhor porque aquela era a verdade.

Resolvi ir até ao supermercado porque minha dispensa já estava ficando vazia. Como era bem perto do meu apartamento, calcei uns chinelinhos confortáveis e fui a pé mesmo, com uma bolsa de lado e sorriso no rosto. Até que fui surpreendida por um braço tocando no meu.

– Não acredito! – Silvia dizia me abraçando. – Como você cresceu!

– Como vão as coisas, Silvia? – tentei parecer simpática, mas a realidade é que estar perto de sua família ainda me fazia um pouco mal. Seu marido vinha atrás puxando o carrinho com papel higiênico, latas de salsicha, maçãs, laranjas e alguns refrigerantes.

– Tudo muito bem e com você? Eu soube do seu pai, sinto muito pela sua perda, querida. – ela fez uma cara triste, só que o pior, é que, realmente, pareceu que ela se importava com sua morte. Que piada! Ninguém além de mim se importava com ele. Ninguém. Bando de egoístas.

– Obrigada. – dei um aperto em sua mão como um “não se preocupe, estou bem.”

– Precisamos ir, se não, ficaremos sem jantar. Ah, por falar nisso, por que não vem conosco?

– Deixe para outra hora, não estou adequada para a ocasião.

– Pare de me enrolar! – ela riu. – Será apenas nós três e Daniel, e você sabe que sempre é bem-vinda.

Então concordei com a cabeça porque daquela mulher, não havia como escapar. Não conseguia compreender todo carinho que sempre me deu, só que isso às vezes me deixava sem graça, por não conseguir retribuir tamanho afeto.

– Daniel então decidiu voltar a morar com a senhora?

– Ainda bem, não é mesmo? Depois de anos na Itália, finalmente sentiu saudades do nosso Canadá. – nós demos um risinho falso e fui até o caixa, paguei e pedi que o rapaz entregasse as compras, no dia seguinte, no meu apartamento e lhe dei o endereço.

– E você está fotografando muito? – perguntou, curiosa, enquanto seguíamos para a caminhonete azul, no estacionamento. Nós entramos no carro, me acomodei no banco de trás e respondi:

– Acredite ou não, estou fotografando mais do que nunca. – e só então, quando o carro foi acelerado, que notei que Dussel nem sequer me disse um oi. Obrigada pela consideração.

– Ah, realmente não vai fazer faculdade mesmo? Você e Daniel eram tão lindos, fazendo planos de cursar psicologia juntos! – ela suspirava como se aqueles tempos ainda fossem os mesmos. Acorde, Silvia, eu tinha 15 anos, e nunca que aqueles pensamentos antigos voltariam, muito menos os sonhos. Não sirvo para lidar nem com meus problemas, que dirá com os dos outros.

– Tudo está indo tão bem com as fotos que não será necessário ir para a faculdade.

Depois de um longo tempo, chegamos na casa dos Wonderfolt. Parecia que nada havia mudado, desde a última vez em que pisei naquele tapete de boas-vindas. A grama sempre bem podada, os mesmos enfeites de estrelas cadentes nas janelas e os móveis no mesmo lugar.

– Daniel, vem aqui! Temos uma surpresa para você! – Silvia gritou remexendo seus apliques cor de cereja. Mas, quem teve uma surpresa fui eu, porque Daniel estava bem diferente.

– Lisa! – deu um largo sorriso e me abraçou forte, enquanto eu tentava me recuperar do choque ao vê-lo.

– Vão conversar no seu quarto, porque vou preparar o jantar. – e Daniel revirou os olhos ao andarmos pelo corredor iluminado de sua casa e chegarmos ao seu quarto.

– Você mudou. – falei ao me sentar em sua cama de casal. Ele ficou ao meu lado com os braços apoiados no colchão e olhando para a frente.

– Você acha?

– Bem, você tirou o aparelho, cortou o cabelo e, finalmente, parou de usar aquelas pulseiras de couro. Então eu não acho, tenho certeza.

– Eu gostava daquelas pulseiras. – ele fez uma carinha triste e dei um sorriso fraco. Tinha medo de que Daniel tivesse mudado só no estilo, e continuasse canalha. – Ah, trouxe um presente para você. – se levantou, foi até uma gaveta branca e pegou de dentro de uma caixinha, um colar de uma baleia prateada.

– Não acredito que você lembrou! – falei empolgada e pedi que colocasse em mim. Quando Daniel viajou, eu pedi que ele trouxesse algo que tivesse a ver comigo, e, desde então, nunca mais pensei a respeito. Mas, ele não esqueceu.

Colocou meus cabelos de lado e comecei a sentir o metal frio tocando minha pele, além da respiração quente de Daniel chocando contra minha nuca.

– Gostou?

– É claro que sim. Obrigada por não ter esquecido do presente, e muito menos, do meu animal preferido.

– Eu ainda me recordo de muitas coisas. – ele disse e não sei o que me deu, mas senti minhas bochechas queimarem.

– Ah, não fique assim! – ele começou a rir e me deu um outro abraço. – Você não mudou nada.

– Isso é o que você pensa. – falei com uma insegurança na voz e logo vi seu pai aparecer na porta, dizendo que o jantar estava pronto.

Levantamo-nos e fomos para a sala de jantar, onde a mesa estava posta e com margaridas no centro.

– Como nos velhos tempos. – Daniel olhou para mim, ergueu a taça de vinho e sorriu. Queria levantar a toalha da mesa e me enfiar lá debaixo, para sempre. Ainda estava assustada com a ideia do nosso passado voltar e junto, as coisas ruins.

– Como nos velhos tempos. – repeti, sorrindo, mesmo que não fosse meu desejo estar falando aquilo ou estar ali.

Seus pais colocaram A Sunday Kind of Love para tocar, enquanto saboreávamos o tradicional Poutine. Depois, Silvia me serviu um suco com gosto das tardes de outono que passei ali, estudando para as provas e conversando com Daniel no carpete, depois de receber beijos inocentes.

Hoje, ele está mais inteligente do que nunca esteve, sabe falar três idiomas e por onde passa arranca elogios de todos. E eu, continuo sendo eu.

– Conseguiu decidir se ainda quer cursar psicologia? – perguntei, virada para Daniel que enxugou os lábios com o guardanapo, pigarreou e respondeu:

– Depois de quase três anos fora, eu tinha que me decidir não é mesmo? – e deu uma risada para seus pais. – E você, o que tem feito?

Daniel já havia terminado o colegial quando viajou. Por isso teve todo esse tempo para aproveitar e abusar de todo dinheiro que sempre teve. Talvez fosse complicado para os pais de Daniel receber uma pessoa que, um dia, foi quase da família e que, hoje, saiu do colégio e foi tentar a sorte num sonho de garota. A vida te pega de surpresa.

– Estou morando sozinha em um apartamento e sou fotógrafa.

– Então já tem o seu próprio apartamento? – seu pai, Dussel, se intrometeu. – Conseguiu rápido para uma garotinha, não?

– Estava realmente delicioso. – disse me limpando no guardanapo e Dussel se levantou e foi até a cozinha lavar os pratos. Quis ser educada e fui atrás.

– Deixe-me ajudar. – me aproximei e ele deixou que eu tomasse seu lugar na pia, sentou na cadeira perto do balcão de mármore e me olhou.

– Obrigado. – ele falava devagar com sua voz grave e mansa. Eu não sabia o que fazer quando estava perto dele, porque sempre me causou uma sensação estranha. – Daniel e Silvia ficaram muito contentes por tê-la aqui essa noite.

– É sempre um prazer. Gosto muito da companhia de vocês todos e é bom saber que vocês pensem o mesmo.

– Sempre tão educada, bonita e muito carismática. – ele dizia e parei de lavar os talheres para prestar atenção em suas palavras. – Não sei se Daniel tem razão de ser fissurado em você.

– Perdão?

– Todos nós temos um defeito, Lisa.

Não sei se parece loucura da minha parte, mas eu até gostava daquele homem. Eu me via nele.

– Me diga, qual é o seu?

– Prefiro saber o do senhor primeiro. – devolvi sua pergunte e nós dois sorrimos como duas cobras que são velhas amigas.

– Sou persistente. – respondeu. – Pode ser uma qualidade também, depende apenas do que desejo saber e aonde essa informação me levará.

– Impulsiva. Pode me causar grandes problemas esse defeito, mas sabe de uma coisa? – ele me olhou com um sorriso de quem estava adorando a conversa e prossegui. – Gosto de não ter medo de quase nada.

– E do quê, afinal, você tem medo? – sua voz se transformava em um redemoinho de perguntas, tanto em sua boca, quanto na minha cabeça.

– Como saberei que não usará essa informação contra mim? – perguntei rindo querendo levar aquilo na brincadeira.

– Se for para usar algo contra você, fique tranquila que deixarei seus medos irrelevantes de lado. – ele falou num tom amargo e ouvi Silvia nos chamar para acompanhá-la na sobremesa.

Comi o brownie em silêncio enquanto Daniel conversava com seu pai sobre o jogo de basquete na TV.

Terminamos a sobremesa e ficamos jogando papo fora por um tempo até que senti meu celular vibrar. Era Amanda.

– Com licença. – me retirei da mesa para atender e fui para o jardim.

– Lisa? – ela perguntou com uma voz alterada e depois começou a chorar, descontroladamente. Eu ficaria preocupada se Amanda não fosse tão exagerada às vezes. Devia ser apenas uma barata que entrou em seu quarto e depois desapareceu.

– O que aconteceu?

– Vem pra cá, por favor.

– Amanda, eu estou no meio de um jantar.

– É importante.

– Tudo bem.

Desligamos e voltei para a sala pegar meu casaco.

– Silvia, tudo estava maravilhoso, só que já está na minha hora.

– Volte quando quiser, meu bem. – ela me deu um abraço e Daniel foi comigo até o portão.

– Foi bom te rever. – ele disse, com as mãos no bolso da calça jeans, me olhando. – Se quiser, posso te dar uma carona. – fiquei sem jeito, mas aceitei. Mal sabia como agradecê-lo, depois daquele jantar, o presente e a carona. Era bom saber que havia pessoas à minha volta que, por mais que fizesse mal, só me dariam amor. Talvez fosse por isso que eu me culpava tanto.

Quando chegamos na porta da casa de Amanda, ele me olhou, estranho.

– Você não disse que era um apartamento?

– Minha amiga pediu que eu viesse. – respondi saindo do carro. – Obrigada pela carona. – e vi seu carro sumir por entre as outras casas da vizinhança. A porta se abriu e Amanda se agarrou em mim, me apertando forte, soluçando e com as mãos trêmulas nas minhas costas.

Quando saímos daquela escuridão e entramos, a claridade em seu rosto me deixou espantada.

– Quem foi o desgraçado que fez isso com você? – perguntei com raiva ao encarar seu olho roxo e os ferimentos em sua boca. Ela mal conseguia falar, apenas se remexer de um lado para o outro com os olhos vestidos d’água.

– P-Pedro. – ah, estava óbvio demais! É claro que era ele! Quem mais faria aquilo com aquela menina doce? Eu queria acabar com ele e o transformar em pedacinhos. Tudo bem, ele a amava, mas aquela obsessão já havia passado dos limites.

– Onde ele mora?

– Não! – ela berrou. – Se você está pensando em ir até lá e machucá-lo, seja como for, eu não aceito. – e dizia tudo rapidamente. Ela devia estar com a cabeça tão quente quanto a minha, mas nos acalmamos e fomos até o banheiro para lavar seu rosto. Fiz uns curativos, apesar que o maior estrago fosse dentro dela.

– Está ardendo. – ela disse, tocando o lábio inferior e ficou se olhando no espelho durante uns minutos. Fomos para a sala e logo perguntei o que havia acontecido, porque precisava de uma explicação para aquela maluquice. Então ela começou:

– Eu combinei com Felipe vir para cá e assistirmos a um filme, só que Pedro também veio sem ao menos me avisar. E acabou nos encontrando aos beijos e achou que estivesse no direito de bater nele. Então, interferi na briga e deu nisso.

– O que posso fazer para você esquecer essa confusão toda?

– Brigadeiro. – ela disse, sorrindo, e fui para a cozinha preparar.

Dias se passaram e os cortes no rosto de Amanda foram sumindo, assim como minha presença no hospital. Parei de visitar Karl, definitivamente, porque aquilo estava me perturbando.

Meu trabalho estava muito corrido. Todos os dias, eu tinha que fotografar uma festa, casamento, uma família nova ou um sorriso. Não iria nunca reclamar, porque seria com aquele dinheiro que minha dignidade voltaria, se é que um dia eu tive alguma. Eu iria pagar Karl, de qualquer jeito.

Às vezes, meus pensamentos se voltavam para Track, se ele estava muito mal com toda essa demora de dois meses para Karl melhorar ou se ele me perdoou.

E se ele nunca mais acordasse? Parecia ter um pião na minha cabeça, girando e girando, dando voltas só para provocar mais dúvidas, fazendo minha insegurança transbordar. Inundar meus olhos, minha mente, minha alma. Sou feita das piores combinações que existem, onde minhas atitudes e falas nem sempre são verdadeiras. Não tenho controle sobre o que eu penso, mas se alguém pergunta o que se passa comigo, nem sempre respondo por completo.

A pior parte se cala e não tem vez na minha boca. Afundo-a nas minhas entranhas para que nunca mais possa sair. Aquela que não me atrevo tentar explicar para os outros, porque no fim, seus julgamentos não servirão de nada. Eu sou minha única inimiga. Penso demais... Penso tanto, que crio histórias que nunca aconteceram, pessoas que nunca existiram e assim, acabo me tornando alguém que não sou.

Ando por essas ruas desertas, procurando um rosto conhecido. Todos passam com suas pastas indo para o trabalho, livros no braço por causa do grupo de estudos e espelhos erguidos, refletindo um topete perfeito para o encontro dos sonhos. Vejo pessoas de todos os tipos; encaro tanto seus rostos que consigo ver todas as linhas de expressões, rugas ou batom borrado, mas ninguém se vira para mim e devolve a olhada. Ninguém. Mas, por que olhariam para mim? Não tenho absolutamente nada que possa atrair nem um amigo, quanto mais, aquele que nunca me viu.

Coloquei água na banheira e me estiquei deixando meu corpo ser dominado pelo vapor quente. Estava tão cansada que acabei dormindo, para que, pelo menos por um tempo, minha mente parasse de me confundir e pregar peças. O celular me despertou e deixei pra lá, já que não estava nem um pouco apressada.

Enrolei-me na toalha e fui para o quarto me trocar, enquanto a música ainda podia ser ouvida. A seda da minha blusa acariciava minha pele e o tecido áspero da calça jeans parecia passar por cima de um quebra-molas ao tocar no meu joelho cicatrizado. Quis berrar, mas ao invés disso, soltei um longo suspiro ao falar com Laura, que pediu que eu a encontrasse em um restaurante.

O motorista do táxi cheirava à madeira e isso fazia minhas narinas coçarem. Subi as escadas do restaurante e vi gente com olhar curioso me fitando de cima a baixo, e depois, voltarem ao que estavam fazendo. Esse é um dos meus incontáveis probleminhas inúteis. Sempre desejo ser vista por todos e admirada por ser quem eu sou, mas, quando me transformo no centro das atenções, mesmo que não dure um milésimo de segundo, eu quero fugir. É uma boa opção enfiar minha cabeça em um imenso buraco negro e esperar que o tempo a devore.

Avistei Laura, sentada em uma mesa pequena com um rapaz moreno e fui até lá.

– Atrapalho?

– Ah, claro que não! – ela disse, sorrindo, e me deu dois beijinhos, coisa que nunca costuma fazer. – Gostaria que conhecesse meu namorado, esse é o Caio.

Ele esticou a mão e o cumprimentei.

– Eu sou Lisa, muito prazer. – respondi sorrindo e nós nos sentamos. Ficamos conversando sobre algumas bandas de que Caio gostava, mas eu nunca tinha ouvido falar sobre nenhuma delas. Volta e meia, Laura abria a boca, mas não sabia se era de sono ou fingimento.

– Me dêem licença. – ele colocou o guardanapo na mesa e foi em direção ao banheiro. Eles já haviam pedido uma porção de batatas-fritas, antes da minha chegada, então mordisquei algumas.

– Ele gostou de você. – Laura soltou um risinho e não consegui identificar nenhum sinal de ciúmes. – Impressionante como você se relaciona rápido com qualquer um – tomou um gole da sua bebida e Caio voltou a se sentar ao seu lado. Era uma hipocrisia sem tamanho! Depois de três palavras trocadas, provavelmente a pessoa já estaria me matando mentalmente. Mas, quando olho para o lado, vejo Laura beijando seu terceiro namorado. Não do ano, do mês.

Apenas disfarcei, olhando para a televisão embutida no outro canto, enquanto eles terminavam de se beijar. Por fim, ele disse que estava no seu horário e se despediu de nós. O céu estava numa escuridão completa quando pedimos a conta e um vento forte bagunçou nossos cabelos.

– Eu posso te levar em casa. – Laura disse virando-se para mim e aceitei sem retrucar. Saímos do restaurante, demos a volta e chegamos ao estacionamento. Ela desativou o alarme do carro e só então fui me tocar de uma coisa.

– Ele não estava destruído?

– Não está mais. – disse me dando uma piscadela e entrou. Abri a porta, me aconcheguei no banco de couro e ela ligou o carro.

– Eu disse que ia bancar o prejuízo.

– Foi seu amigo que pagou. – ela respondeu, calma, e franzi as sobrancelhas. Que amigo? – O que tem uma tatuagem nas costas.

– Tatuagem nas costas? – eu realmente não sabia de quem ela estava falando. Como eu iria saber?

– Cabeça de vento! – me deu um peteleco na cabeça, trocou a marcha e prosseguiu. – Aquele que você vive brigando. – então tudo começou a fazer sentido. Ela tinha visto ele sem camisa? Como assim? Isso era insignificante naquele momento.

– Quando foi isso?

– Acho que faz uns dois dias.

– Ele já saiu do hospital? – não sabia se o que mais me dominava era a alegria ou a raiva que estava sentindo. – Muda o caminho, você sabe pra onde ir. – pedi, confiante e minhas costas se chocaram contra a porta quando o carro fez uma curva.

Eu não conseguia parar quieta por causa do nervosismo. O que Track estava pensando? Ele sabia o quanto eu fiquei preocupada, mas nem mesmo assim engoliu aquele orgulho e me ligou para avisar. Minha vontade era de bater minha cabeça contra o porta-luvas. A questão não era essa e, nunca foi. O que eu estava pensando? Que ele iria sentir compaixão depois de tudo que o fiz?

Às vezes, meu nível de esperança no ser humano chega a ser inacreditável. Laura estacionou o carro próximo à boate; respirei fundo e tirei o cinto. Ela disse que iria esperar no carro. Então, fui em direção ao corredor, até encontrar a porta estreita. Bati três vezes, já sem paciência e aguardando ansiosamente por uma explicação. Até que um par de olhos azuis me encarou pela brecha da porta.

– O que deseja? – ela perguntou baixo e, confesso, estava pouco me importando com aquela mulherzinha! Eu precisava tomar alguma atitude e receber uma justificativa.

– Desejo que saia da minha frente. – falei com um falso sorriso nos lábios. Pensei que ela fosse recuar e me deixar passar, porque eu a olhava tão ferozmente, que era como se eu estivesse arrancando seus olhos com os dentes. Mas, ao invés disso, escancarou a porta, fazendo um barulho estridente e revelando seus longos cabelos. Eu a conhecia.

– Nem sei quem você é, por que a deixaria entrar?

Ela já havia me visto naquela droga de hospital, por que então estava bancando a desconhecida? Empurrei-a pro canto, entrando no local e gritando por Track.

– Shhh, você vai acordá-lo. – ela disse, da mesma forma que eu disse na primeira vez em que nos vimos.

Guardou as mãos dentro do bolso do jaleco e saiu andando, nos levando até uma cama que antes não existia. Ele estava virado para o outro lado e encolhido na coberta felpuda.

– Ele está melhorando. – me assegurou e se sentou perto dele, pegando um copo com água e um comprimido. – Foi um verdadeiro milagre ele ter saído dessa sem sequela alguma. – e começou a passar a palma da mão em seu rosto de forma tão carinhosa, que tive que me segurar para não provocar uma briga.

Ok, Lisa, é apenas uma enfermeira. Quando ele abriu os olhos, se virou na cama para se sentar e me viu, levou um tremendo susto.

– O que está fazendo aqui? – ele parecia cansado e obviamente deveria estar. Foi uma batalha que ele havia superado, esse é o Karl que conheço! Pegou o comprimido, colocou na boca, bebeu a água e depois fez uma careta feia.

– Eu não sabia que você já tinha saído do hospital. – juro que tentei diminuir meu tom e compreendê-lo ao máximo, mas eu não tinha mais domínio de nada e quando percebi, eu havia dito aquilo num tom tão arrogante, que quis desaparecer.

– Não sabia que você queria ser avisada, e não tive condições de sair daqui, quanto mais te avisar.

– E teve condições de cuidar do conserto de um carro? – perguntei, naquele velho tom da Lisa. Já estava virando uma marca registrada.

– Espere, então é por isso que está aqui? – ele riu aborrecido. – Mal consigo ficar em pé e já vem me acusar?

– Foi você quem pagou? – perguntei e ele concordou balançando a cabeça. – Então não estou te acusando de nada.

– Ele precisa descansar porque está muito fraco ainda. – a mulher falou com uma mão no meu ombro. – Por favor, vá embora. – ela pediu. Aguardei alguns segundos, na expectativa de que Karl dissesse para eu ficar, mas não ouvi a porcaria de sua voz. Saí, furiosa, batendo a porta com toda a minha força.

Enquanto eu ia em direção ao carro de Laura, vi Track do outro lado e aposto os meus discos se você quiser, que ele também me viu. Por mim, o mundo inteiro poderia parar de fazer o que estava fazendo, só para me olhar, mas nada me tiraria aquela sensação de ter sido enganada.

Laura não fez perguntas quando entrei no carro e pelo menos uma vez na vida ela sabia a hora certa para calar a boca. Paramos no sinal vermelho e, para passar o tempo, fiquei observando todos fazendo caminhada, comendo ou conversando na grande avenida, como se nada ao seu redor estivesse acontecendo ou como se o mundo não possuísse problemas maiores além de perder alguns quilos.

No final, do que tudo aquilo irá adiantar? Você nasce e chama atenção por ser fofo, cresce e é obrigado a aprender que sempre temos que emprestar nossos brinquedos e, quando vira adulto, tem que erguer a cabeça e seguir em frente com apenas dois amigos verdadeiros, porque os outros estão ocupados demais, descobrindo pessoas mais interessantes que você. E depois você ficará largado dentro de um caixão enquanto bichos comem tudo que você lutou para manter em boa forma. Seu corpo. Preste atenção, menina, acredite em mim quando digo para se preocupar mais com o que você é por dentro do que é por fora.

Havia uma lojinha de bolsas perto da calçada e as correntes se agitavam pra lá e para cá, trazendo à minha memória uma velha amiga. Ela era toda eufórica e não parava quieta. Um dia, foi avisada de uma importante prova de redação na faculdade cujo tema seria uma surpresa. Passou a madrugada inteira pesquisando sobre política, economia, petróleo e cultura, e na manhã seguinte foi, cheia de segurança, fazer a prova, mas quando começou a ler... seu coração quase saiu pela boca. “O que é felicidade?” Essa pergunta quase a fez jogar a mesa no chão, sair de seu lugar e estapear o professor.

Respondeu, confiante, a pergunta e depois veio me contar a experiência. Mas, nunca mais a vi ou soube como ela havia se saído na prova, e, quer saber? Não tem a menor importância se ela acertou a questão ou se errou, porque opinião é muito particular. A pergunta não é o que é felicidade, mas sim, se você é feliz. Isso sim, é difícil de responder. Os motoristas buzinaram e Laura arrancou o carro.


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Notas finais do capítulo

Gosto muito de alguns trechos que inseri nesse capítulo! E você, o que achou?
Ah, não se esqueça que amanhã postarei o próximo capítulo, viu?!



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