Impulsiva escrita por Maíra Viana


Capítulo 12
Capítulo 12


Notas iniciais do capítulo

Ei! Você chegou até aqui, UAU!! Vamos logo para o último capítulo?



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Capítulo 12

O caminho inteiro foi marcado por prédios e carros, como se a única coisa bonita para preencher as calçadas fosse com cimento e ferro. Ah, menina, será que é possível sentir saudades de algo que nunca presenciei? Queria que tudo isso fizesse parte de um filme, com poucos recursos, de 1910, onde meus cabelos fossem deslumbrantemente curtos e cacheados, decorados com aqueles adornos e meu corpo sustentado pelo espartilho coberto com um longo vestido. Eu andaria nas ruas, exibindo charme, posando para a câmera, capturando todos os meus sorrisos e encenações. Mas não estou em um filme.

– Você está diferente. – senti uma voz ao pé do meu ouvido, falando de mansinho aquelas palavras.

Será que eu estava realmente diferente ou era o jeito que ele me via? Conheço pessoas que, simplesmente, tapam os olhos e não enxergam a verdade. Acorde para a vida, menina! Não é só você quem erra e que fala sem pensar... Os outros também estão sujeitos a derrapar algum dia.

– Como?

– Está me amando diferente.

– Eu sei.

E fiquei cabisbaixa assim como ele. Não queria entender o que estava se passando na cabeça de Karl, apenas deixei que uma pequena lágrima caísse na minha face e me fizesse soltar um sorriso.

– Você está rindo?

– Não sei.

– Me amar menos é motivo de graça, pra você? – Então fiquei quieta por alguns segundos. Era isso o que Karl estava achando: que eu o amava menos?!

– Moço, pare o carro! – disse para o taxista que me olhou esquisito e franziu a testa. Queria descer e gritar, para o mundo inteiro ouvir que Karl estava errado. Nunca o amei tanto como naquele instante.

– Já estamos chegando no aeroporto. – engatou a segunda marcha e acelerou, quando segurei no seu ombro e nos olhamos, pelo retrovisor.

– Pare, por favor. – então, como estávamos no sinal vermelho, eu achei que ele fosse parar... Mas continuou andando! Eu nunca havia visto aquele homem antes, mas era como se meu instinto me dissesse que algo estava errado. – Você não vai parar?

– Eu não posso fazer isso, moça. Eles vão me matar! – olhava para os lados, como se fosse um rato de bueiro.

– Eles quem? – Karl resolveu se pronunciar e ergueu um pouco a blusa, mostrando na cintura uma pistola.

– Shhhhh! – colocou o indicador na boca e arregalou os olhos, procurando por algo – ou alguém – perto das enormes árvores que nos cercavam na rodovia. – Eles me pagaram para que eu os trouxesse aqui.

Estava ventando muito e tudo estava deserto, mas o silêncio foi quebrado pelo trovão forte. Apertei o braço de Karl, indicando que eu estava com medo e eu sabia que ele também estava.

– Acelera e nos leva para longe. – falei rápido, com euforia. Ele apenas abaixou a cabeça e olhou de soslaio para uma das árvores.

– Eles estão vigiando vocês, sempre estiveram.

– Eles quem? – Karl perguntou, bravo, e o homem me olhou, novamente, pelo retrovisor. Vi seus olhos se encharcarem.

– Não deixe que ele me mate, moça. – e começou a chorar na minha frente. Seus olhos transbordavam angústia e pavor.

– Quem quer te matar?

– O homem velho e mal.

Eu e Karl nos entreolhamos e deduzimos: Dussel. Estávamos numa armadilha.

– O que nós devemos fazer? – perguntei.

– Escutem: – ele colocou o cinto de segurança e travou a mandíbula. – vocês vão abaixar agora e vão se espremer para o lado direito.

– Por quê? – Karl perguntou e lancei-lhe um olhar furioso. Era uma ajuda e ele ainda estava querendo questionar?!

– Faça o que eu estou dizendo, vai dar certo. – Karl bufou e nós dois nos abaixamos e fiquei atrás do banco. Karl ficou no meio do carro, também abaixado. Quando menos esperávamos, o homem arrancou o carro, tão rápido, que bati a cabeça no banco e fiquei tonta. – Saiam abaixados e se levantem somente quando estiverem dentro da mata. – o estranho disse.

Eu estava apreensiva, mas tinha que fazer o que ele estava falando. Saímos abaixados e correndo em direção à floresta que estava logo à nossa frente.

Não me distanciei muito porque não queria ficar perdida e, além do mais, não sabia onde Karl havia se enfiado. Fiquei observando tudo, atrás de uma árvore, torcendo para que não me encontrassem.

Dussel foi até o carro, andando rapidamente, abriu a porta do motorista e jogou o homem no chão.

– Onde eles estão? – Dussel perguntou, raivoso e gritando.

– E-Eles foram para a floresta. – o rapaz disse, tremendo e revelando onde estávamos. Droga, Lisa, droga!

Quando Dussel foi guardar a arma dentro da bota, eu não sei como ele conseguiu me achar, mas nossos olhares se cruzaram e um sorriso se abriu no seu rosto. Tentei me encolher ainda mais atrás da árvore, mas ouvi seus passos se aproximando. Eu tinha que ficar calma.

– Não fuja de mim, pequena Lis! – ele gritou, enquanto eu corria e tropeçava na lama e nos galhos caídos no solo. A essa hora meu chapéu deveria estar perdido por algum lugar e, onde estava Karl?

– Me deixe em paz, seu nojento! – gritei, olhando para trás. Meu erro. Acabei tropeçando nos meus próprios pés e caí com tudo no chão. Ele estava gargalhando e veio até mim, segurou meu queixo, firmemente, e disse:

– Desse jeito você me ofende, Lisa. – e sorriu revelando aquelas rugas fundas, tão visíveis, quanto à frieza daquela criatura.

– Por que está fazendo isso, Dussel? – perguntei, abraçando meu corpo, ainda caída no chão e com sua mão me segurando.

– O desgraçado do seu pai não te contou nada, não é mesmo? – deu uma risada contida, balançou a cabeça, negativamente, e puxou meus cabelos, forçando-me a olhar para ele. – Você mereceu o pai que teve.

– Por que tanto esse ódio por mim e por ele?

– Você acha que sabe de tudo só porque mataram o desgraçado do seu pai, mas você não passa de uma garotinha com medo, bancando a esperta.

E me jogou com força para o outro lado, me fazendo ficar a poucos centímetros de bater a cabeça numa pedra.

– Eu só quero saber a verdade, senhor Dussel, apenas isso. – isso Lisa, guarde sua arrogância para depois, porque usá-la contra esse homem, não compensa.

– Não banque a boa moça comigo porque nós dois sabemos que você é tão ruim quanto eu. – Umedeceu os lábios ressecados e apertou minhas bochechas. – Você fez tanto mal para meu filho, Lisa.

– Acha que o que o seu filho fez, bater em mulher, é certo, Dussel? Ah, que pergunta a minha! É claro que acha, afinal, não era isso o que você fazia com sua mulher?

– E será isso que farei com você, se não calar essa boca. Ou você não quer ouvir minha explicação, antes de eu estourar seus miolos? – e fiquei quieta. – Trair, também, não é nada legal, Lisa. Entre um casal, isso é o pior que pode acontecer.

– Você fala como se já tivesse sido traído.

– E por que acha que odeio tanto o seu pai?

– Eu não sei. Tudo o que você está falando não faz sentido pra mim.

– Parece que a menina mais culta do colégio – e puxou meus cabelos novamente, só que com mais força – não consegue pensar sozinha. Seu pai seduziu minha mulher.

Haveria comentário para aquela afirmação?! Eu permanecia quieta. Então, era por isso que Dussel estava me perseguindo? Não bastava o traidor estar morto... Tinha que matar sua filha, também?

– Nunca consegui dar uma menina pra Silvia... Nunca.

– Eu sinto muito por isso ter acontecido. – e não era mentira. Eu, realmente, estava triste por Dussel ter sido traído daquela forma! Mas, encaremos os fatos... A vida sempre nos devolve o que damos a ela.

– Sente muito, Lisa? – Eu não sabia o que eu havia dito de errado, mas seu ranger de dentes estava aumentando a cada fala minha. Talvez o segredo fosse me silenciar. – Eu vou te esfolar todinha, igual eu fiz com sua mãe! – e olhei firmemente dentro de seus olhos.

– Vo-você conheceu minha mãe?

– Você é burra ou é surda? Silvia era sua mãe! – Aquelas palavras ecoaram na minha cabeça como se ele estivesse gritando dentro de uma caverna escura e vazia. Silvia era minha mãe.

– Era? – perguntei, inclinando a cabeça. – Você a matou? – Ele apenas deu um sorriso cínico. Não conseguia me mexer e nem pensar direito. Então, aqueles abraços tão afetivos que eu nunca compreendi, aqueles conselhos e formas diferentes de me manter por perto... Aquilo sempre foi para que ela ficasse perto de sua filha legítima. Minha mãe estava morta e eu nem sequer consegui retribuir seu carinho.

– Vamos acabar logo com isso. – Ele partiu para cima de mim e socou meu estômago, me fazendo cair. Distribuiu chutes nas minhas costas e nas minhas pernas, e quando ia pegar a arma para atirar, ele ficou estático. E depois, caiu sobre meus pés, revelando Karl logo atrás, com a arma ainda apontada para a frente.

– Karl? – perguntei, tentando desviar minha atenção daquele corpo caído. – Onde você estava?

– Eu...

– Silvia era minha mãe, Karl! – falei assustada e tremendo. Ele se aproximou de mim e me puxou para um abraço apertado. E mesmo no meio daquela confusão, ele conseguia me fazer sentir viva. – Queria que minha vida não fosse um pesadelo. – falei, me desgrudando de seus braços e evitando olhá-lo com minha cara de choro. Ele se sentou em uma pedra e ficou olhando para o chão de terra.

– Lisa, sente-se aqui. – e me sentei ao seu lado na pedra. Ele me olhou com uma expressão firme e me deu um beijo. – Se eu pudesse fazer um pedido agora, acredite, eu escolheria transformar esses pesadelos em sonhos.

Nunca pensei que pudesse ouvir tantas coisas boas e ruins da mesma pessoa, e Karl me mostrou que é possível. Quando fui beijá-lo, como forma de agradecimento por aquelas palavras, ouvimos um barulho estranho.

Era Daniel!

Ele estava a poucos metros de distância tentando se desembaraçar de uns galhos.

– O que nós fazemos? – Karl me perguntou.

– Corre! – Puxei-o pelo braço e começamos a correr, mesmo que, para onde olhássemos, houvesse apenas a mesma visão: mato. Cortes e mais cortes iam se formando nos meus braços; minha calça estava imunda e meu único pensamento era se eu sairia dali, viva.

Quando olhei para trás, Daniel já estava perto o suficiente para me causar pavor. Ele apontou a arma e deu um tiro para o alto, o que me fez correr ainda mais. Respirar se tornava difícil a cada segundo.

– Karl, você tem uma arma. Use-a! – gritei. Ele me olhou com uma expressão cansada e disse:

– Só tenho uma bala. – e então pude compreender: apenas um de nós iria sobreviver. Daniel atirou de novo e de novo, e a cada novo barulho, a morte parecia mais perto.

Nós três ouvimos o barulho da sirene da polícia e percebemos que tínhamos chamado muita atenção. Alguém, que passava por perto, deve ter ouvido os tiros e nos denunciou. Mas, se estávamos tão próximos da rodovia, tínhamos uma nova chance de escapar!

Comecei a correr para o outro lado da mata e Karl estava tão apavorado, que nem percebeu minha ausência.

– Karl! – gritei e ele parou de correr, me procurando por todos os cantos, até encontrar meus olhos e se fixar neles. E Daniel atirou de novo. Karl caiu. Sua boca se encheu de sangue.

Daniel agora corria atrás de mim, como um lobo caça sua presa. E eu estava tremendo, quando me lembrei:

O lago!

Eu tinha que correr para o lago, que estava a poucos metros dali. Ouvi passos se aproximando e alguém gritou:

– Mãos para o alto, você está preso! – e gelei. Mas logo percebi que era com Daniel que estavam falando. Nem sequer notaram a minha presença. E mesmo com toda aquela neblina, eu consegui ver um senhor conduzindo um barco.

Não conseguia pensar direito. Eu só queria continuar correndo e correndo, como se a cada passo, tudo aquilo fosse desaparecer aos poucos.

– Me tire daqui, por favor! – pedi em prantos.

E atendeu ao meu pedido, em silêncio, sem retrucar ou sorrir. Ele não estava preocupado com quem eu era, ou o que eu havia feito de errado. Engoliu seus julgamentos e se propôs a me ajudar, como se fosse um anjo.

Usava um casaco pesado e um chapéu gasto, típico dos pescadores da região. E entrei no barco, para deixar aquele cenário de horror.

As águas cristalinas refletiam meu rosto e, quanto mais eu tentava enxugar minhas lágrimas, mais as palavras “Eu daria minha vida por você”, de Karl, ecoavam na minha cabeça.

Meus pais estavam mortos. Dussel e Karl estavam mortos. Daniel fora preso. A morte me fez visitas constantes e bateu na minha porta, incansavelmente, mas não estava na hora de recebê-la.

O sol já havia se posto e o velhinho continuava seguindo em frente. E assim seria: sempre em frente.

Ah, menina! O que minhas mãos já fizeram e onde meus pés já pisaram, não importa mais. Tudo isso ficou para trás, junto com meus erros e tropeços. O que me resta é o agora. A vida resolveu me mostrar, mais uma vez, que sou uma peregrina, buscando respostas daquilo que, às vezes, não se pode compreender.

Fim


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Notas finais do capítulo

O desfecho dessa história pode não ser o que você, menina, esperava. Mas, a mensagem principal está aí, gravada eternamente, em palavras. E creio que em seu coração também. Os tempos não estão fáceis, requer muita paciência e acima de tudo, esperança. E temos que lutar! Obrigada por ler o que eu escrevi. Obrigada por receber as mudanças constantes da Lisa, o jeito meio grotesco e ao mesmo tempo, gracioso, do Karl. A animação da Laura e o romantismo da Amanda. A bondade da Mirela e a amizade do Track. O carinho da Silvia. E até mesmo os malditos do Daniel e Dussel. "Impulsiva" é e ainda continuará sendo não apenas o meu xodó, mas uma parte de quem eu fui. E talvez ainda seja.
Obrigada por receber de braços e mente aberta, o Círculo Secreto. Obrigada por não ter desisto de tudo quando achou que fosse capaz disso! Obrigada por existir, menina! Você é importante e não imagina o quanto!



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