Fico tomada pela confusão e pela primeira vez pelo medo. Não era Gekkou que era Kami? E se for esse cara, o que ele quer de mim? O que acontecerá com Sora e Gekkou? Esse não pode ser Kami, quero ir embora daqui!

De repente estamos num grande salão com o chão xadrez, janelas gigantes e um tapete longo e vermelho.

–Onde... – começo a dizer.

–Minha casa – responde “Kami” antes de eu termina a frase – Deus tem que viver no luxo, não é?

O observo melhor, têm cabelo castanho escuro, olhos esmeralda. Suas roupas são realmente estranhas de cores vermelho e preto.

–Você não é Kami – nego.

–Ah, sou sim. Querida – discorda ele despreocupado, o sorriso provocando – E você é uma bela obra de arte minha.

Ele acaricia meu rosto, me afasto sem confiar nele.

–Hinamori Aika. Seria uma perfeita Kami, não acha? – comenta – Você é egoísta, criativa, maligna na dose certa, fria, vazia, solitária... Linda! Você, sua alma, é linda! Só mesmo ela pra criar a imperfeição perfeita pra mim!

–“Ela”? Do que está falando? E o que quer comigo, afinal? – pergunto totalmente confusa.

–Você... Preciso de você – diz Kami – É tão igual a mim, é a perfeita Kami!

–Não quero ser Kami! – falo – Quero o Sora!

–Não se esqueça que posso fazer qualquer coisa, tome cuidado. Posso matar Sora num piscar de olhos – alerta ele – E você não pode fazer nada contra mim, tudo o que eu quiser acontecerá.

–E você quer que eu seja Kami? Então tá, deixa eu matá-lo, espere um pouco – debocho.

–Não, não é isso – ele ri – Você não quer poder fazer o que quiser com este mundo? Fazer as pessoas que a fizeram sofrer pagarem? Poderia ser temida e amada, fazer justiça e injustiça, controlar tudo da maneira como desejar.

–E pra isso o preço é o que? – até me interesso com a ideia de poder, eu poderia mudar este mundo a meu gosto.

–Eu não consideraria como um “preço”, basta ficar comigo, como minha rainha – responde se aproximando.

–Que tipo de “ficar”? – afasto-me mais com receio.

–Você sabe o que estou querendo dizer, estou aqui há séculos e nunca tive em meus braços uma garota de verdade – fala ele – Sei que você vai querer ficar com o Sora, mas terá de ficar comigo também. Posso trazer o idiota aqui pra você, mas se ele quiser ir embora e levá-la, está morto.

–Traria ele aqui? – sua prepotência e confiança em si mesmo é tão grande que chega a ser fascinante.

–Eu já disse, desde que você seja minha, pode ter alguns bonequinhos – zomba Kami, é repugnante.

No entanto seria tão bom ser Kami e controlar tudo isso, esse sacrifício não é nada. E aposto que se eu não aceitar ele vai matar Sora, o melhor que posso fazer é evitar mais complicações.

–Está bem, eu aceito – concordo.

Kami me segura no alto como se eu fosse uma boneca, sorrindo maliciosamente.

–Ah, que perfeito! Eu me sinto como se estivesse casando! – ele puxa a fita do meu uniforme com a boca fazendo-o se abrir um pouco.

–Ei! E o Sora?! – questiono apreensiva com que ele quer.

–Vamos nos divertir um pouquinho antes.

–Não, agora não! – discordo – Quero ver o Sora! Gekkou pode machucá-lo ou sei lá!

–Okay, okay – ele me coloca no chão novamente – Mas depois eu quero diversão.

–Você é tão egoísta! Só quer saber de se divertir sadicamente com as pessoas! – resmungo.

–E você não?

Vejo que ele sabe muito sobre mim, mas tem razão. Meu desejo foi egoísta e sádico, eu queria ver o sofrimento das pessoas, então somos muito parecidos. Só espero que Sora aceite ficar sem protestar, ou vai acabar morrendo.

Kami desaparece num piscar de olhos, foi buscar Sora.

Resolvo vasculhar seu palácio. O que ele esconde aqui dentro? Deve ter segredos como qualquer um.

Subo escadas em espiral, entro nos primeiros quartos que vejo. A maioria são apenas quartos normais, com camas, roupeiros e nada de interessante. Então ouço alguém cantando, uma voz doce e infantil, tão infantil que chega a causar arrepios. Sigo o som curiosa pra descobrir de quem é a voz:

–“Os desejos e sonhos se reuniram num milagre proibido

Amanhã sorrisos se transformarão em dor

Não existe nada que não tenha um preço

O que acha que Deus é? Um idiota? Bondoso?

Isso não é a realidade e talvez nunca será

Sinta tristeza ou ódio, nada mudará

É o preço de desejar

É o preço de Deus”

Entro na sala de onde ver o som e vejo uma garotinha de vermelho, escrevendo num caderno e cantando.

–Quem você? O que faz aqui? – pergunto.

–Ele não me acha o suficiente, não é mesmo? – diz ela com voz chorosa – Por que ele sempre precisa de mais?

–Do que está falando? Quem é você, afinal? –indago confusa.

–Um dia você também será jogada fora, você vai ver – ela continua falando coisas sem sentido – Nunca será o suficiente. E o pior é que ele quis minha própria criação.

–Vamos me responda! – coloco a mão no ombro dela e de repente algo acerta meu olho direito, solto um grito pela ação repentina.

Quando tiro o lápis de meu olho, estou sozinha, a menina sumiu.

Quem era ela? Do que estava falando? Será que tem algo a ver com Kami? “Ele não me acha o suficiente”. Estranho... É como se ela o amasse e Kami tivesse me escolhido.

–Aika! – ouço Sora gritar.

Corro pelos corredores até o salão de onde fui primeiro, esperando que ele esteja bem e que Kami não faça nada. Não confio nele, ele poderia muito bem feri-lo e eu não poderia fazer nada.

Chego lá e vejo Sora e Kami posicionados para lutar, meu coração dispara de preocupação. O que eles estão pensando?!

–Sora! Kami, você prometeu...

–Aika, vou tirar você daqui! –fala Sora – E acabar com toda essa confusão.

–O que?! Mas... – antes que eu termine a frase, correntes prendem meus braços, impedindo-me de ir até os dois.

–Maldito! – rosna Sora.

–Prefere que ela se machuque com nossa luta? – indaga Kami – Vamos logo, fazia tempo desde que a diversão acabou. Divirta-me! Divirta-me, bonequinho!

–Não! Kami, pare! – grito tentando me libertar das correntes – Sora!

Kami investe contra ele, Sora repele o golpe, parece determinado a vencer e me tirar dali.

–Eu vou pegar leve com você – promete Kami – Poderia matá-lo com um sopro, mas aí não teria graça.

–Você ousou tocar em Aika?! – questiona Sora.

–Não – nega ele – Mas pretendo.

–Desgraçado! – Sora o ataca, parece até que saem faíscas das lâminas com a colisão.

A raiva de Sora é tão intensa que sinto algo estranho ao redor, como um poder emanando dele.

Kami defende os golpes de Sora que tenta feri-lo de todas as formas possíveis, mas Kami parece até estar entediado, como se estivesse fácil demais.

Ele resolve agir e num golpe rápido fere o braço de Sora aproveitando os poucos segundos em que ele ficou atordoado, Kami machuca o rosto dele e o chuta para o chão.

–Que decepção! – resmunga Kami – Eu esperava mais, bonequinho.

Sora rosna e quase o derruba ao chutar suas pernas, mas Kami não cai. Começo a ficar apreensiva. E se ele matar Sora?

Felizmente, meu amigo se levanta antes de ser ferido pelo deus.

Ele chuta Kami, mas o deus o derruba e quase o machuca com sua lâmina. Sora soca o rosto de Kami e o empurra pra longe de si. Então o ataca rapidamente desferindo um golpe certeiro no rosto dele. Kami se enraivece e uma ventania varre o salão, uma luz envolve o deus e ele simplesmente aparece do outro lado do lugar virado de costas. Sora fica paralisado de olhos arregalados por um instante, logo depois cai no chão sangrando descontroladamente.

–Sora! – berro me remexendo pra me soltar.

A ideia de perder Sora é desesperadora. Não! Isso seria o fim do mundo! Ela é a única coisa que eu tenho!

Uma figura estranhamente familiar aparece por um momento e desaparece depois. Ela de novo.

Quem é aquela garotinha?