Eu menti pra mim mesma.

Olhei para essas falsas memórias sorrindo como se fossem minhas. Que pensamento absurdo! Eu queria prendê-las comigo pra sempre, queria que fossem de verdade, mas não passam de uma fantasia dolorosa.

Por que falsas memórias?

Imaginei um mundo surreal e incrível pra mim, o recriei e recriei milhões de vezes, mesmo que minha consciência dissesse que isso era uma falsificação de vida. Era um mundo tão lindo comparado ao que vivo agora, tão cheio de alegria, sonhos e esperança.

Quando foi que comecei a enganar a mim mesma? Nem lembro. Simplesmente fingi que estava dormindo e fugi do mundo real. Mas isso era falso e um dia desapareceu.

“Você ainda não percebeu?” disse ele sorrindo em deboche em cima do muro.

Corri atrás dele que desaparecia, mas era inalcançável.

“Desculpe, mas está sozinha agora”

Desde então nunca mais o vi. Era falso, com certeza falso.

Acordo de meu sono perturbador, eu sinceramente não gosto de dormir. Me olho no espelho, as olheiras profundas em minha pele branca demais me fazem parecer uma morta-viva. Mesmo se eu fosse mais bonita, ainda zombariam de mim. Por que será que fazem isso?

Desço as escadas até a cozinha, minha mãe cantarola feliz por algum motivo misterioso, ela deve ter saído com algum namorado ontem, não sei que hora voltou.

-Bom dia, monstrinho – diz ela.

-Bom dia – respondo.

Não sei exatamente ao certo porquê ela me chama de “monstrinho”, talvez me odeie e isso é só um deboche.

Tomo o café da manhã e saio de casa. A multidão de pessoas assustadoras em volta parecem tão perto e ao mesmo tempo tão longe... É muito perturbador estar tão perto desses rosto monstruosos, mas me sinto muito sozinha também.

Olho para o céu nublado como sempre, o ar não é puro certamente, isso é uma metrópole suja e corrupta. É tão simples odiar a todos neste lugar que há mortes em massa todos os dias. Claro, um lugar como este deve estar minado de terroristas, psicopatas e sociopatas. Eu odeio este lugar, odeio essas pessoas. Mas esta é a realidade.

Chego ao colégio com uma vista deprimente e desanimadora. Minha expressão fria faz todos se afastarem, mas é claro que há gente zombando de mim pelas costas.

Sento no meu canto solitário isolada do resto dos outros, odeio estar aqui, acho que odeio tudo desde que ele desapareceu. Mas esta é a realidade agora, uma dolorosa realidade.

“Sua vida é um mar de lágrimas, não é?” lembro do que ele me falou uma vez e tinha razão.

A aula finalmente acaba, meus dias normais são tão entediantes e inúteis que às vezes quero morrer. Eu só queria que ele voltasse e que houvesse algo mais além do dia-a-dia cansativo e pesado. Não seria incrível que parássemos de reviver o mesmo dia milhares de vezes? Se deixássemos de viver como animais?

Sim, é o que eu queria. Viver.

“É o que você quer?” ouço um sussurro em meu ouvido.

Quem disse isso? É mais alguma imaginação minha? Uma coisa falsa que minha mente cria pra enganar a realidade e para eu fugir deste mundo detestável?

“É esse o seu desejo?” a voz insiste em perguntar.

-Quem é você? – indago.

“Alguém que você não poderia compreender” responde.

-O que quer? – questiono olhando para todos os lados, procurando o portador da voz.

“A pergunta é: o que você quer?” retorna a voz.

-Isso é alguma piada? – suspiro sem acreditar.

“Vamos, deseje. Sei que você tem um desejo, todos têm”

-Okay – aceito, não irá aconteceu nada mesmo – Eu desejo que o Sora volte, mas de verdade desta vez, não uma mentira fantasiosa.

“Só isso?” ele quer que eu deseje mais.

-Desejo que o mundo seja um desafio, que as pessoas aprendam o seu lugar – peço debochando de todos, é apenas mais uma brincadeira.

“Seu desejo será concedido”

A voz cessa e sorrio apesar de saber que nada acontecerá.

Continuo caminhando, pensando em como todos são idiotas e merecem sofrer. Como sou sádica, um monstrinho.

De repente caio no chão, com os olhos arregalados por causa do que acertou minhas costas surpreendendo-me. Arquejo incrédula com a dor iminente, é uma faca, deve ser. Quem faria algo assim? O que eu tenho a ver com isso?

-Aika! – grita alguém.

Perco o fôlego. Essa voz...

Alguém tira a faca de minhas costas bruscamente e pula por cima de mim. Duas lâminas se chocam, olho pra cima pasmada.

-Sora... – o garoto de minha imaginação, da minha falsa memória está lutando contra um homem de cinza bem em minha frente.

O que está havendo? Isso é mais uma fantasia minha? Uma falsa memória? Estou sonhando?

Sora é derrubado e se protege com sua espada, mas o homem parece ser forte e fica forçando a lâmina para matá-lo. Levanto-me sem jeito, com as costas ardendo como se insetos estivessem me picando por dentro.

-Sora! – empurro o homem de cima de Sora.

Ele me dá uma cotovelada e num chute repentino em minhas pernas, me faz cair. Então me perfura com sua lâmina.

Arregalo mais os olhos me desesperando com o sangue que sai de minha boca. A dor chega a meus sentidos eminentemente e solto um grito. Não posso morrer, não quero morrer agora.

-Aika! – Sora acerta o pescoço do homem e o esfaqueia.

Não suporto ver uma cena tão repugnante, meus pensamentos estão embaralhados, arquejo com a falta de ar. Não posso morrer agora, não quero.

“Claro, ninguém quer” a voz de antes fala comigo “Você parece a pessoa perfeita pra odiar tudo isso. Eu realmente detesto a perfeição, sei que você odeia tanto quanto eu. Muito bem, você não vai morrer. Continue viva e. me divirta”

Fico confusa. O que isso quer dizer? O que é essa voz? É realmente verdade?

Percebo que não sinto mais dor nenhuma, me sento e olho para o local onde deve ter sido o ferimento, há sangue, mas não há ferida alguma.

-Ah, eu sabia que Ele não ia te deixar morrer – diz Sora com o corpo ensandecido.

Ele me ajuda a levantar, estou incrédula. Como ele está vivo? O que aconteceu? O que significa tudo isso?

-Sei que você está confusa, mas precisamos sair daqui agora – alerta Sora – Vou te explicar o que está havendo.

Andamos um pouco e resolvo perguntar:

-Como você está aqui? E vivo?!

-Logo você vai descobrir.

Ouço gritos histéricos e gargalhadas. Pessoas berram perguntas estranhas para o nada, agradecem a Deus por algum motivo desconhecido. Escuto tiros e os gritos de alegria se tornam de terror. Avisto as pessoas correndo pela rua freneticamente. Garotos de mais ou menos minha idade dão tiros no nada, assustando a todos.

De repente, eles tossem sangue e caem no chão inertes.

-Morram, seus desgraçados! – berra um homem agarrado a uma mulher que levou tiros.

A mulher treme em colapso, seus olhos estão brancos, mas ainda respira.

-O que está acontecendo? – questiono estupefata – Por que as pessoas estão assim?

-Você desejou – Sora me acusa – Não deveria ter desejado isso. Agora os sonhos das pessoas estão se tornando realidade. São tão idiotas! Será que não vêem que isso tem um preço? Desejos egoístas e ignorantes. Agora acontecerá o que você pediu Aika: as pessoas aprenderão o seu lugar. Um Inferno na Terra.

-Como? Eu pensei que era uma brincadeira, minha imaginação – consigo ouvir mais gritos e urros ao longe, o som de uma explosão me assusta, isso é culpa minha – Quem foi que fez isso?

-Kami. Quem mais? – responde ele – O que você vai fazer agora? O estrago já foi feito, a destruição já vai começar. Os desejos da humanidade são muito egoístas, logo a coisa vai piorar.

-O que eu posso fazer? Fui negligente e ignorante, não foi minha intenção. E agora?

-Temos que acabar com esse milagre proibido. Mas Kami não é nada fácil, Ele não vai ceder tão rápido, afinal é sua diversão.

-Como assim? Kami é mau? – indago.

-Você nunca se perguntou o porquê este mundo é tão injusto? – pergunta Sora – Pessoas são monstros famintos disfarçados, alimentando-se de lágrimas e sofrimento alheio. Por que seu criador seria diferente?

Mais explosões, mais gritos e gargalhadas. Preciso acabar com esse milagre antes que seja tarde demais.

Essa é a realidade agora.

Mas é realmente isso que eu quero?