Esta não é uma história de amor escrita por Nicoly Faustino


Capítulo 20
Capítulo 19 - Irracional




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O meu período de luto por James, parece que nunca irá passar. Apesar de saber que ele está vivo, é como se ele estivesse morto para mim, pois eu nunca mais o vi. Já faz mais de um ano. Eu realmente não sei como tenho conseguido sobreviver a cada dia. É um instinto mais forte que fala por mim, e mesmo que quando tudo o que eu desejo é ficar em minha cama, eu acabo me levantando. Sou lembrada periodicamente por Si, que eu tenho que me alimentar, beber água, até ir no banheiro. Eu simplesmente não sinto mais nada. Parece exagero e todos, parecem ter desistido de mim. Menos Si, Keira e Luna. Mesmo eu mal dirigindo a palavra a elas. A última informação que tive de James, foi a quase 7 meses atrás. Thomas me disse que ele tinha ido embora. Eu perguntei, para onde? Como? Com quem? Mas mesmo pelo telefone pude visualizar Thomas dando de ombros. Agora ele está por conta própria, foram as palavras que ele usou, para dizer que não tinha mais como saber do paradeiro do irmão. Nem Luna conseguiu mais falar com ele. Então, me centro em obedecer a ordens, como “Eve, tire habilitação... Eve, corte um pouco o cabelo e as unhas. Eve, tome banho, Eve, coma, Eve, respire…” E assim manter minha mente ocupada a fim de não sucumbir ao desejo de acabar com minha existência, como eu tentei dois meses após ser banida da vida de James, sem sequer uma escolha. Eu estava parada na cozinha da minha casa com as portas dos armários escancaradas, encarando o chão, onde todos os comprimidos que consegui reunir jaziam amontoados. Tirei um por um das embalagens metodicamente, e coloquei num copo. O copo ficou pela metade. Mas eu não queria sofrer enquanto morria. Tinha de ser rápido. Vasculhei os armários mais uma vez, joguei álcool etílico que achei sobre aquela mistura, e para garantir, entornei uma garrafa de conhaque, enquanto me forçava a engolir os comprimidos. Dessa vez, ninguém me encontrou. Era um sábado, todos tinha ido para a casa da minha avó, iam dormir lá. Eu não quis ir. Já tinha elaborado esse plano em minha mente. Enquanto as ânsias me dominavam e meu estomago e olhos pegavam fogo, eu fui andando para longe de casa. Não queria que achassem meu corpo no chão da cozinha. O mais ideal, é que eles nunca me achassem. Mas quanto mais me afastava de casa, mais uma vontade arrebatadora de viver, me invadia. E dessa vez, eu sabia que eu estava morrendo. Tive certeza, quando um líquido vermelho começou a escorrer pelo nariz em pequenos filetes, tive certeza, quando comecei a me debruçar sobre meu próprio corpo, convulsionando, e tive ainda mais certeza, quando deixei meu corpo cair barranco abaixo, sem sentir as dores da queda, nem estar acordada para ver se eu havia quebrado algo na chegada. E foi com uma mistura de decepção e alívio, que eu acordei. Eu não havia morrido afinal. Talvez nem para isso eu prestasse. Voltei para casa, grata por não ter ninguém para me recepcionar e consequentemente questionar. Fui para o banho, deixei a agua lamber minhas feridas e vomitei todo o remédio que tinha engolido, numa mistura marrom que eu julgava ter essa cor, graças ao conhaque.

Esse foi o pontapé inicial para meu vício em bebidas alcóolicas. Ás vezes eu tomava uma lata de cerveja na hora do almoço, o que não me deixava embriagada mas dava uma sensação mínima de paz. Ás vezes eu comprava umas garrafinhas de vodca de 50 ml, e entornava tudo de uma vez. Isso me deixava um pouco mais embriagada, mas nada que alguém pudesse perceber. Nessa névoa de bebida, acabei terminando os estudos, mas não fiz formatura por ser doloroso demais imaginar que era James que seria o meu par. Ao invés disso, menti que ia para casa de Sidney, e passei a noite na praça central, sentada no banco onde toda minha história com James começou, bebendo incansavelmente as 2 garrafas de vodca, dessa vez de 1 litro, que eu decidi comprar. Acabei de alguma forma, cerca de 2 da manhã, indo parar na casa de Sidney. Não me lembro direito do que aconteceu em seguida. Lembro da agua gelada do chuveiro me despertando, e de Sidney murmurando palavras a Richard, nas quais eu captei, “irracional, perdida”, e outras denominações pro que estava sendo resumido meu comportamento e minha vida.

Luna acabou se tornando minha parceira no copo. A ausência de James parecia ter causado um estrago tão grande na vida dela quanto na minha. Pudera, ele era seu melhor amigo. Há bastante tempo. E ela ainda nutria outros sentimentos por ele, mesmo que dissesse já ter superado. Algumas noites, saíamos e amanhecíamos na rua, bebendo o que nos oferecesse, e eu me sentia momentaneamente feliz enquanto virava uma dose de... Gin? Talvez Martini? Não importava. Contanto que aliviasse minha dor, que me invadia em cheio toda vez que eu acordava, e me acompanhava quando eu ia me deitar. Si desaprovava totalmente meu comportamento, mas ela não podia fazer muita coisa. Eu estava beirando os 18 anos, tinha liberdade para fazer o que bem entendia. E se meus pais não conseguiam mais me barrar, quem mais iria conseguir? Essa, foi uma noite particularmente agitada. Luna e eu fomos a um pub assim que saí do trabalho, tomamos muita vodca com seus amigos barbudos e estranhamente atraentes, e em seguida, fomos para uma boate onde dançamos até de madrugada e depois um cara que eu não lembro o nome me trouxe até em casa. Ele foi extremamente legal em não tentar me agarrar. Mas eu não sou atraente para ninguém mesmo. O luto, depois de tanto tempo, foi se transformando em frustração, raiva, revolta, libertando em mim um comportamento libidinoso, da qual eu não me orgulhava quando acordava sóbria e de ressaca, mas que eu repetia sem pudor todas as noites. Mas eu ainda não estava pronta para o próximo passo. Para ficar com outro cara, beijar outra pessoa que não fosse James. Mas esse dia ia ter que chegar, nem que eu me forçasse a fazer isso.

Quando termino de descer a rua de casa, já que eu nunca deixo as pessoas me trazerem até a porta, (vai que minha mãe está acordada e faz uma cena, e até tenta me bater como ela fez numa das primeiras vezes em que cheguei em casa depois das 4 da manhã) eu subitamente estaco no chão. Consigo vislumbrar o contorno da televisão ligada na sala de casa, e julgo ser absolutamente tarde para alguém estar acordado vendo TV. Me aproximo sorrateiramente, e escuto soluços. Mas não um soluço comum. São soluços guturais, desesperados, como se a pessoa que estivesse chorando, não estivesse acostumada a fazer tal coisa. E esse choro só pode estar vindo do meu pai. Meus olhos se enchem de lágrimas, e eu começo a pensar o que poderia estar fazendo meu pai chorar nessa sofreguidão. Mas meus instintos de confortá-lo, vencem a lógica. Estou cheirando a bebida, e provavelmente a cigarros, mesmo não fumando. Me ver chegar desse jeito, não vai fazer com que ele se sinta muito aliviado. Então eu recuo, e com muito esforço, tento escalar o muro dos fundos de casa e entrar pela porta da cozinha, que nunca fica trancada, sem fazer barulho. Milagrosamente, consegui entrar despercebida, apesar de minha vista estar muito embaçada e de eu momentaneamente ter que controlar ataques de risos involuntários. Efeito da bebida. Estou indo direto para meu quarto, quando olho para o extenso corredor, e encaro a porta do quarto de Peter, entreaberta. Vou até lá, passando pelo que deveria ser o quarto dos meus pais, onde só minha mãe deve estar deitada, com a porta trancada, e espio o quarto de Peter. Mesmo escuro, consigo ver seus olhos esbugalhados, fitando o teto, numa expressão assustada. Eu decido entrar e ele parece muito feliz ao me ver. Feliz, e vulnerável. Sem dizer uma palavra, por não saber o que dizer, e por não ter certeza se conseguirei pronunciar alguma coisa sem embaralhar tudo, eu tiro meus tênis, e me deito ao lado de Peter, que se aninha em mim, como se precisasse da proteção de alguém.

– Tem alguma coisa errada com nossos pais, Eve – ele sussurra após um longo tempo. Achei que ele tivesse até dormido.

– Eu sei – sussurro em resposta, por não ter a confiança de dizer que está tudo bem.

– Você está fedendo a bebida e cigarros. Tem alguma coisa errada com você também, Eve – ele sussurra mais uma vez, e se aninha ainda mais em mim.

– Eu sei Peter – eu digo e minha voz, para minha surpresa, está embargada. – Mas isso não é algo que eu possa consertar.

Ele não me responde, mas logo adormece, num sono infantil, sua expressão se tornando mais leve. Eu faço menção em ir para meu quarto, mas não consigo. Fico ali, observando Peter dormir, e ouvindo, entrecortado ao barulho da TV, o choro ruidoso e sofrível de meu velho pai.

Eu não sei bem a que horas eu dormi. Mas sei que foi por pouquíssimo tempo. Pois quando acordo, parece que dormi no mínimo uma hora. E estou com uma ressaca de matar. Peter está paralisado ao meu lado, e no começo acho que é por ter descoberto que eu dormi em sua cama, coisa que eu jamais teria feito em sã consciência (é mais fácil culpar a bebida por essa demonstração de afeto), mas depois entendo que ele está assustado com os gritos. Gritos estes que me acordaram. Céus, que não seja uma discussão, eu peço. Mas eu sei bem que é exatamente isso.

– Eu não suporto mais. Eu não quero mais – minha mãe grita, e acredito que esteja chorando também, por sua voz, normalmente grave, estar tão esganiçada.

– Eu não posso deixar as crianças. E vocês são a única família que eu tenho – meu pai grita, audivelmente chorando, pelos seus soluços.

Copio a reação de Peter e fico parada como uma estátua na cama. Eles devem saber que estamos ouvindo tudo, pois a vizinhança inteira deve estar.

– Mas eu não te amo, Nigel – minha mão grita ainda mais alto. – Você sempre soube disso, nosso casamento foi uma farsa desde o início. Você sabe... Eu tentei, por muitos anos te amar, mas não dá! As crianças vieram, e nos mantiveram juntos mas gora estão grandes e entenderão.

– Não – meu pai berra. – Como você ousa dizer isso? Que nunca me amou? Tivemos filhos maravilhosos providos do nosso casamento. Eu não acredito que você não me ame, nem um pouco.

– Não deixe as coisas mais difíceis Nigel – minha mãe suplica.- Vamos fazer esse divórcio ser amigável, pelo bem das crianças.

– Mas eu não quero ficar longe dos meus filhos. Você se lembra, quando Eve quase morreu, quando tinha um ano? – Meu pai diz, mais baixo, parecendo muito cansado. Fico petrificada. Dessa história eu não sabia. – Lembra, como ela chamava meu nome, enquanto delirava de febre? Lembra como ela pareceu feliz ao me ver, quando acordou, depois de 15 dias desacorda na UTI?

Lágrimas escorrem por meu rosto. Eu amava meu pai dessa maneira com apenas um ano? O que aconteceu? Como foi que nos afastamos assim? Quando isso aconteceu?

– E você lembra como você se recusou a ir no hospital quando eu ganhei Peter? Você se lembra de ter deixado eu ir a pé, sozinha? Eu andei 3 quilômetros, Nigel, grávida de 9 meses, para dar a luz a um filho que você disse que não queria ter – minha mãe explode, em pura raiva.

Agora é Peter quem chora silenciosamente. Ai meu Deus, ele não podia ter ouvido isso.

– Quantas vezes eu vou ter que te pedir perdão por isso? Nós estávamos sem nenhum dinheiro, por isso eu não queria mais um filho. Mas eu amo Peter, você sabe disso.

– Isso não importa mais – minha mãe grita. – Eu só quero que você vá embora.

E de repente, ouço sons de louças sendo quebradas. Agarro o braço de Peter, e corro por entre a confusão de louças sendo arremessadas sobre meu pai. Vislumbro sangue vertendo de um corte em seu braço, enquanto ele tenta se defender do ataque de minha mãe. Saio de casa, enfio Peter no carro, dos meus pais e parto com um rumo certo. Peter balança para frente e para trás no banco do carona, em um estupor enquanto frenéticas lágrimas rolam por seu rosto. Enquanto dirijo, mais rápido do que já fiz em toda minha vida, agradeço silenciosamente por meu celular ainda estar no bolso de minha calça jeans desgastada e ligo para a polícia. Murmuro as palavras, no automático. “Briga doméstica...Rua 101... Urgência...” Desligo o celular e seguro firme a mão de Peter, dizendo a ele que tudo vai ficar bem, enquanto pego o atalho da estrada de terra que leva a casa de minha vó, onde acredito que Peter vai ficar provisoriamente protegido do caos que se instalou em nossa casa. Ao deixa-lo nos braços acolhedores de minha avó, sem muitas explicações coerentes, acelero com o carro de volta para o centro da cidade, onde antes de ir para o trabalho, passo no primeiro boteco que encontro e entorno uma dose de algo que não sei o que é, mas que deve ser puro álcool, e ligo para a imobiliária. Nessa separação, sei que terei que escolher com quem vou querer morar. E independentemente da minha escolha, não seria justo com nenhum dos dois. Hora de ir morar sozinha.

Como eu havia previsto, dois dias depois, assisti ao caminhão de mudanças, levar os poucos pertences do meu pai, que já havia partido para seu novo apartamento, não tão distante de nossa casa. Peter adoecera nesse mesmo dia, e os médicos disseram ser uma virose. Eu sabia que não era nada disso. Minha mãe, parecia ter rejuvenescido, como se um peso houvesse saído de suas costas, e meu pai estava exatamente ao contrário dela. Ambos receberam a notícia da minha partida para uma vida adulta, entusiasmados. A garotinha crescera, afinal. Mas por detrás de seus sorrisos, eu via a preocupação, por causa de meus hábitos nada saudáveis de me embebedar. Não era segredo para ninguém que isso só ia piorar agora que eu estava como James, por conta própria. Meu apartamento era minúsculo, mas o aluguel era uma pechincha e no começo, eu não saía muito dele, aproveitando meu novo lar. Ia visitar minha mãe, apenas para ficar com Peter, que graças a Deus se recuperou da dor, da ausência de nosso pai. Também visitava bastante meu pai, que aos poucos se recuperava dos traumas da separação nada amigável. E quando minhas visitas não se fizeram mais necessárias, entrei no mundo do álcool de uma maneira que eu achava impossível sair. E eu havia decidido, que era hora de arrumar alguém. E foi isso que eu fiz. Mas quase todas as noites, esse alguém que eu levava para minha nova casa, era alguém diferente, que as vezes eu sequer sabia o nome. Eu deixava que eles possuíssem meu corpo, a dor da falta de James quase cessava nesses momentos. E no dia seguinte, e eu acordava com a dor triplicada, com nojo de mim mesma, olhando entorpecida para o cara que estivesse deitado e nu, ao meu lado na cama.

Foi numa festa, badalada onde quase todas as pessoas da cidade e de fora da cidade também deveriam estar, que eu o reencontrei. Eu usava uma calça jeans nova, que tinha rasgos descolados da coxa até o joelho, deixando boa parte de minha pele a mostra. Usava uma camiseta regata, vasada dos lados, exibindo meu top preto por baixo. Luna havia desaparecido a quase 1 hora, me deixando sozinha, com um bando de estranhos que estavam começando a me entediar com seus papos sobre arte moderna. Foi com uma pitada de susto e gratidão que a inconfundível voz de Willian me alcançou em meio à multidão. Pedi licença, e trôpega, apesar de estar de tênis como sempre, me virei, e caminhei até Willian que estava sentado num sofá ao lado do bar, com três garotas lindas, de minissaia e batom vermelho ao seu lado. Será que elas combinaram de sair vestidas da mesma forma? Tive que segurar o riso.

– Eve, quanto tempo – ele grita, para ser ouvido por sobre a música e o burburinho de vozes. As garotas me olham com desdém, e se aproximam para mais perto de Willian que parece alheio a elas.

– Pois é! E você pelo visto não mudou em nada. Continua sendo o solteiro mais cobiçado da cidade – eu grito, olhando com divertimento para as garotas que pareciam agora, leoas prestes a atacar, por eu estar chamando a atenção de sua presa.

– É – ele diz, sorrindo, travesso e galanteador. – Já você. Uau, os anos lhe fizeram muito bem.

Eu me peguei surpresa, e não contive o impulso de baixar a cabeça e olhar para o meu corpo. E reparando bem, ele tinha uma certa razão. Eu estava, apesar das roupas de moleca, com um corpo de mulher. E dos bons, diga-se de passagem. Como não pude repara nessas mudanças em meu próprio corpo? Corei, e torci para ele não ter percebido.

– Que nada – eu digo, e faço um gesto com a mão, como se dissesse que isso era besteira.

– Quanta modéstia. Sente aqui comigo, eu lhe pago um drinque – ele diz e só então repara nas garotas ao seu lado. – Ah, meninas, deem me licença, por favor.

Com um sorriso nos lábios, não sei porque meio triunfante, observo as beldades levantarem em seus saltos 13 cm, e me lançarem olhares fugazes antes de ir para outra ponta do bar, ficar encarando Willian e eu.

– Acho que estou sentenciada a morte, quando sair daqui – eu digo em seu ouvido, já que a música parece ter aumentado, ficando praticamente impossível conversar.

Com um gesto, Willian consegue chamar um garçom, sussurra algo a ele, e logo uma taça de... Margarita, talvez?, está em minhas mãos.

– Bom, por via das dúvidas, eu te levo em casa. Não suportaria ser a causa de sua morte – ele diz, de modo sedutor. Ou seria minha imaginação? Ele está ainda mais bonito. Sob sua camisa grudada no corpo, é possível ver seus músculos definidos.

– Eve? – Ele chama.

– O que foi? – Pergunto, e volto meus olhos para seu belo rosto, provavelmente corada.

– Eu te perguntei, o que aconteceu com James, seu namoradinho perfeito.

A menção a James, faz meu corpo estremecer. E malditas lágrimas aflorarem em meus olhos. Tento disfarçar, enquanto entorno mais da metade do liquido em minha taça. Porque tem que doer tanto, depois de tanto tempo?

– Bom... Digamos que... Ele quis que eu saísse da vida dele – eu digo, e bebo mais do conteúdo extremamente forte do meu drinque.

– Ele o que? – Willian pergunta, incrédulo. – Esse cara só pode ser louco.

– É mais complicado do que parece – eu murmuro, desejando desesperadamente mudar de assunto.

– Não vejo como isso pode ser complicado. Como esse cara pode te dispensar, assim? Você devia ter ficado comigo, daquela vez – ele diz, sugestivo e sorri. Ele não está bebendo, percebo também.

– Na verdade... Ele sofreu um acidente. E ficou... É... – não consigo pronunciar em voz alta. Acho que nunca disse isso em voz alta... – Ele... Ele ficou paraplégico. E disse que não podia mais ficar comigo, por isso.

O sorriso de Willian se desfaz, e eu vejo a comoção em seus olhos. Dou de ombros.

– Eu o entendo. Mas sinto muito por você, muito mesmo.

– Já faz um bom tempo. Eu já superei – minto, e tomo o resto do meu drinque. Logo outro aparece em minhas mãos.

– Já superou, mesmo? – Willian pergunta, e chega mais perto de mim. Eu não recuo. Qualquer coisa é válida para tirar James da minha mente. Pra apaziguar essa dor que se tornou sufocante, por ter falado sobre ele.

Sustento o olhar de Willian.

– Superei, mesmo – minto, e tomo, quase sem perceber, todo o meu drinque, mais uma vez.

– Quero ter certeza disso – ele diz, antes de me beijar.

No começo é estranho, pois beijar Willian, me traz lembranças de uma época em que as coisas estavam indo bem com James. E consequentemente me traz lembranças de quando ele se despedaçou com a morte da mãe, e me tirou de sua vida, com o acidente. E então, eu me vejo correspondendo ao beijo de Willian, quase insanamente, na esperança de afugentar minhas lágrimas, e esquecer tudo isso. Tenho consciência de sua mão na curva do meu seio, sobre o top. Tenho consciência de que nossos corpos estão colados. E um pouco horrorizada, tomo consciência de algo enrijecido, de encontro a minha coxa quando ele deixa escapar um murmuro, quase como um gemido. Mas eu não me afasto. Só mais alguém para ir para casa comigo. Mais alguém para aliviar minha dor. Para fazer com que eu esqueça James, em minha nuvem de bebidas e sexo contínua. Aperto o membro enrijecido de Willian sobre sua calça com uma mão, com a outra puxo seu cabelo, o despenteando. Ele de alguma forma, conseguiu enfiar sua mão por baixo de meu top, e toca meu seio, o aperta, sem pudor. A onda de prazer começa a surgir, e eu já estou preparada para dar adeus a presença constante de James em minha mente, quando alguém me puxa bruscamente dos braços de Willian. No começo, penso que é uma de suas panteras, que não se contentaram ao ver eu o pegando, dessa maneira. Mas a vergonha, inexplicavelmente me acomete, ao ver Si, me encarando como se eu fosse a pessoa mais idiota do mundo.

– Eu não acredito nisso Eve – Si grita e nem se dá ao trabalho de olhar para Willian enquanto ele puxa a camisa para disfarçar o volume sob sua calça.

– Chega de ficar de luto por James – eu rebato, sentindo a vergonha ser lentamente substituída por uma raiva ensandecida.

– E é com esse cara que você pretende passar uma borracha no que teve com James? Espere, não só com ele, mas com todos os caras da cidade, pelo jeito – Si diz, e logo parece arrependida.

Eu rio, amarga.

– É assim que as coisas são, Sidney. De alguma forma, tenho que esquecer James. E não importa se for com Willian ou com todos os caras da cidade como você sabiamente acabou de destacar.

– Não tem que ser assim, Eve.... Você sabe que não – ela diz, entristecida.

– É o único jeito que eu sei – eu murmuro, e me vejo à beira das lágrimas.

Quando Si me pega pelo braço e me puxa para irmos embora, eu me deixo ser levada. Só percebo que Willian está atrás de mim, quando estamos chegando a saída.

O ar da noite, parece envolver meus pulmões, e eu respiro profundamente. Willian segura firme minha mão, impedindo que Si me leve até o carro.

– Namore comigo – ele diz. – Não se faça de puritana, arranjando uma desculpa para dizer não. Todo mundo sabe a vida que você tem levado, com um monte de caras e tudo o mais. E é a mesma que a minha cheia de garotas. Embora por razões diferentes, você se tornou uma pessoa como eu. Mas eu abriria mão dessa vida, para ficar apenas com você.

Eu fico confusa. Não sei se devo me sentir lisonjeada por esse pedido de namoro, ou ofendida pelas palavras que vieram a seguir, mesmo sabendo que são a verdade.

– Eu... – não consigo pensar direito, o álcool está fazendo seu trabalho direitinho deixando meus pensamentos totalmente embaralhados.

– É claro que ela nunca vai namorar com você – Si intervém e consegue pôr fim me levar para o carro.

– Pense bem, Eve. Você vai saber onde me achar quando tiver sua resposta – Ele grita, enquanto Si tenta fazer seu carro pegar. – Nó somos iguais agora. Nada mais certo que ficarmos juntos.

Quando Si consegue dar a partida, acelera o mais rápido possível. Ela não me diz nada durante o caminho, e só quando para em frente ao meu apartamento é que ela olha para mim.

– Que babaca. Acha mesmo que você aceitaria namorar com ele – Si diz, e dá risada. – Mas nunca, que isso vai acontecer.

– Pois é – eu concordo, ainda entorpecida pelo álcool. – Nunca, mesmo.

Rimos mais um pouco e em seguida ela me ajuda a chegar até meu quarto, já que os elevadores nunca estão funcionando e subir as escadas no meu estado de embriaguez se provou um pouco arriscado. Quando Si vai embora, e me deixa sozinha, jogada em minha cama, pela primeira vez em muitas noites, habitada apenas por mim, eu começo a pensar sobre o inusitado e nada romântico pedido de Willian. Dou risada sozinha, e penso que Si está certa. Isso nunca vai acontecer. Mas na verdade, desta vez, Sidney estava tremendamente enganada, foi o que descobri, não muito tempo depois.


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