Tic-Tac escrita por Lua Aquino


Capítulo 1
Capítulo 1




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/638748/chapter/1

A casa dos Follen se encontrava em uma das históricas quadras de Pirenópolis, Goiás, onde o chão era coberto por pedrinhas, as casas pareciam de bonecas da época de mil e oitocentos e alguma coisa e grandes e lindas árvores por todo lado. A cidade que parecia inclinada e ao mesmo tempo tão baixa, tinha um sol de rachar testas e torrar plantas - se isso é realmente possível.

Atualmente, a moradia era em volta de vários - vários mesmo - hotéis e pousadas, com de brinde uma pequena passagem do Rio das Almas. Era bem rural mesmo, e poderia até ser um conjunto de condomínios particulares.

Quando o amigo de Thiago Follen, aos treze anos, foi visitá-lo, chegando à cidade após quatro anos morando na capital do estado de São Paulo, a primeira coisa que perguntou foi: "O que há nesse tal de Rio das Almas?" Thiago reparou que nunca havia pensado no assunto, e então deu de ombros, num gesto simples. "Talvez seja só um nome para espantar criancinhas", disse. "Ou talvez para dramatizar ainda mais a cidade", Mitchell retrucou.

Depois disso, o assunto foi deixado para mais tarde, caindo no mar do esquecimento para ambos.

Dois anos se passaram, a amizade se tornou intensa entre eles e mais dois rapazes; assim, acabaram formando um grupo inseparável de amigos, que durou até hoje. Mas algo ainda os intrigava naquele lugar: Algo oculto, que precisava ser analisado.

Certa tarde, no porão esquecido da casa, os quatro rapazes estavam jogando vídeo-game, deitados no sofá velho e mofado da senhora Follen. Apesar da antipática bagunça, todos pareciam estar confortáveis no ambiente. Às vezes, a mãe de Thiago descia e trazia algo para comer ou um suco bem fresco. O porão era abafado - por razões óbvias - então era aceitável e até mesmo admirada a atitude da mulher.

Não que eles fossem formar uma banda teen como nos filmes americanos - até porque falharam, quando tentaram aos quatorze anos - e nem vão agir como badboys enquanto fumam narguile. A situação ali era bem casual e tranquila.

Tranquila na margem de quem está jogando jogos de guerra, de um contra o outro.

Neste certo dia, as provas finais haviam sido terminadas e era a última semana, a que os resultados seriam entregue e seria resolvido quem iria ou não reprovar. Como era de se imaginar, os garotos estavam um caco; não que homem tenha costume de escovar os dentes ou pentear o cabelo, mas vamos levar isso para um caso sério de eu-estou-virando-um-zumbi, uma fase antes de: se-eu-reprovar-me-mato, que também pode ser seguida por uma dose de suicídio moral ou por uma explosão de alívio de eu-finalmente-terminei-o-ensino-médio.

Então, no domingo, para relaxar antes da semana de entregas, era dia de comer carne, jogar e beber para ter a desculpa da ressaca e não aparecer no dia seguinte - ou aparecer em algum lugar peculiar. Diga-se de passagem.

Por volta das cinco da tarde, a senhora Follen, com seus olhos expressivos e cheios de rugas por sorrir, apareceu no quartinho. Apesar de ter franzido o nariz pelo leve odor, parecia calma e divertida. Era realmente bom ver seus meninos relaxados. Com pesar, começou:

- Começou a chover, então seria melhor que vocês desligassem esses aparelhos. A chuva será forte, e já avistei os relâmpagos.

Por meio segundo - quase um recorde - Gabriel tirou os olhos da tela e observou a mulher.

- Tá tudo bem. Não vai queimar - murmurou e sua atenção já foi arrancada novamente pelos sons de bombas vindo da tevê.

O menino de cabelos cor de terra molhada – que atendia pelo nome de Derek - olhou tímido, meio que sem jeito para ir pedir novamente para desligarem da tomada. Muito menos ousadia (e na sua opinião, falta de educação) para ir lá desligar por si mesmo.

Sabendo que o aviso foi dado, a mulher de vestido de bolinhas azuis subiu novamente, cantarolando alguma música do século passado.

- Gente... Pode atrair raios para cá. E podemos todos ser... machucados gravemente. – Coçou a nuca. – E eu acho que é melhor obedecermos a senhoraFoll, porque devemos sempre obedecer os mais velhos porqu...

- "Porque são mais vividos e sábios" – cortou Gabriel, que deu uma leve risada repetindo o tão famoso discurso do menino Dery.

- Acredita mesmo nessas superstições? De raios e tudo mais? – o até então quieto, o quarto deles, se pronunciou.

- Já sei, Guga. É que ele anda lendo muitos livros sobre RPG e jogando Dungeons & Dragons - Gabriel gargalhou, sendo logo acompanhado.

- Precisamos dos livros, não posso só me concentrar em diversão e... – corou.

- Ei, cara, relaxa. - Iago esticou a mão paga pegar uma coxinha no criado mudo e olhou para o amigo, com um sorriso simpático. - Só estamos brincando. – E deu uma gulosa mordida no salgado.

Gustavo sentiu um cheiro estranho no ar. Era meio úmido, meio terra, meio papel velho. E aos poucos o cheiro foi ficando mais forte e lhe dando dores de cabeça. Ele não soube de imediato o que estava prestes a acontecer, mas como se fosse Dery, sentiu um mau pressentimento. Como se estivesse soltando a fumaça pelo nariz após uma boa exalada no cigarro, o rapaz deixou para lá, quase zombando de si mesmo. Seus pensamentos foram interrompidos por um grito de júbilo de Iago contra a voz reclamona do Biel.

- EU SEMPRE GANHO. ETERNO FREGUÊS. EU GANHEI! – gritava o moreno, dançando sua Dança-da-Vitória-De-Irritar-Gabriel.

- ISSO SE CHAMA TRAPAÇA! – gritou o loiro, incrédulo. – VOCÊ APELOU!

- Eu acho que já podemos desligar os... – Derek entrou no meio.

- ISSO É QUE VOCÊ NÃO ADMITE PERDER.

- COMO SE FOSSE DIFÍCIL GANHAR DE VOCÊ.

- Gente, a chuva está aumentando...

- ENTÃO POR QUE NÃO GANHOU?

- ERA JOGO JUSTO, DE HOMEM PARA HOMEM.

- ENTÃO CADÊ O OUTRO HOMEM? – Iago sorriu divertido.

A discussão foi interrompida por um grande estrondo e um grito vindo da lateral da TV. E então um cheiro de ferro e material queimado foi sendo exalado.

- Cadê o outro homem? Derek! - Os três procuraram o rapaz franzino pelo quarto. A luz havia queimado, claro, e eles se tocaram da importância da palavra chuva+raios+eletrônicos.

- Derek? - Thiago arriscou, se aproximando de onde deveria ser a tomada que ligava a TV.

- Estou aqui! - murmurou abafado. O cheiro já estava começando a dar dor de cabeça, principalmente quando Dery deu um salto quando foi tocado e acabou pisando em uma parte do piso fraco.

- Você está bem? - Gustavo franziu a testa.

- Não diga nada. - Biel foi até ele e o levou ao sofá. - Vou chamar a sra. Follen. Quiet...

- Biel, eu estou bem. Eu... Eu senti algo no chão. Eu juro que eu senti algo mole no chão.

Iago o encarou, surpreso. Pelo menos deve ter encarado, já que a única pouca luz que tinha era do celular na estante avisando sobre a bateria estar fraca.

Malditos iPhones.

- Bom, estamos no subterrâneo. Não há nada além de barro, cimento e etc.

- Você tem certeza?

- Claro que temos. - Guga caminhou pelo chão onde Marshall estava. Pisou, testou e deu leves pulos. - Firme como aço. E...

O homem não pôde completar a frase, pois no segundo seguinte já estava rolando escada abaixo, com a tempestade de poeira voando em seu rosto.

- Isso já está começando a parecer filme de terror - Follen murmurou, de olhos arregalados. Começaram a fazer a coisa certa nos casos: Descer e ir atrás do amigo.

- Então vamos melhorar esse filme! - Gabriel sorriu sapeca e pegou a lanterna, sendo reprovado por um murmuro do Slytes. Talvez um gemido em forma de "idiota". Não deu para ouvir direito.

O cheiro era praticamente insuportável. Mistura de terra com poeira, com papel velho, traças, madeira podre e tudo aquilo que se cheira quando está há anos guardado e nunca foi tocado.

As escadas não rangiam como nos filmes, mas os rapazes decidiram não arriscar nem brincar com a sorte. Afinal, a escada poderia cair e eles ficariam presos até a próxima ronda da mãe de Iago.

A lanterna passeava por todo o quarto. Era pequeno, cheio de teias de aranha e poeiras voando por todo lado. O que era extremamente idiota eles estarem descendo ali só para verem se o amigo estava bem, já que é exatamente o que não fazer nos filmes de terror. Guga poderia muito bem anunciar e voltar subindo e se agarrando às madeiras ao longo da subida, porém a curiosidade era bem maior.

Por quanto tempo aquele lugar esteve embaixo de seus narizes e eles nem se tocaram que existia? As memórias se tornaram duvidosas, e se pegaram analisando o passado para qualquer sinal de desconfiança ignorada da existência de tal lugar. Será que a senhora Follen sabia? Ou que seu avô sabia?

A família de Thiago morava na casa havia muito tempo, então era praticamente impossível de saber se seu tataravô que fechou aquele local.

- Se eu não me sentisse tão sufocado, diria que estamos em um livro de mistério -Derek sorriu.

A lanterna foi passeando mais uma vez pelo local: mesas de cadeiras cheias de papéis (ou resto deles, devorados pelas traças), móveis cobertos por panos brancos e vários projetos não terminados.

- Isso aqui parece com uma sala de criação de um inventor maluco - soprou Gabriel, admirado.

- Talvez seja. Quem sabe Albert Einstein não está na lista da família do Iago?

- Sem piadinhas, que eu acho que eu encontrei algo bem peculiar aqui! - o rapaz respondeu com um ar sagaz.

Era uma espécie de ampulheta, com detalhes rústicos e da realeza, com cinzas... bom, cinzas. Quase prateadas.

Os olhos dos homens se iluminaram.

- Eu fico com ele - disse Biel, praticamente atacando a ampulheta.

- Não! - respondeu o coro, o afastando. Logo começaram a rir. O que diabos estava acontecendo ali?

Derek virou a ampulheta, começando do zero. Admiraram por um tempo, como se fosse um objeto precioso raro. Aos poucos, a poeira começou a aumentar e o cheiro a fazer as cabeças deles latejarem.

- Gente... - murmurou. - Acho que não me sinto bem. - Tossiu.

- Eu... - Guga se apoiou na mesa, tonto. Piscou os olhos três vezes. - Temos que sair daqui.

Mas era tarde demais. Caíram em um sono profundo, ali mesmo.

Iago abriu os olhos e sentiu uma leve náusea quando o sol bateu diretamente em seu rosto. Despertou na hora. A primeira coisa que pensou foi que estava em sua cama, acordando depois de ter batido com a cabeça e alguém da família veio lhe ajudar, mas a situação não era mais ou menos essa.

Os seus amigos estavam ao seu lado, ainda inconscientes. Era hora de se erguer e ser um líder, enquanto seu cérebro recrutava tudo que havia acontecido na noite anterior.

A) Eles caíram do subsolo... ainda mais para baixo. B) Encontraram uma sala muito empoeirada. C) Encontraram uma ampulheta daora. D) Giraram ela e...

Iago não pôde terminar a letra D, porque notou onde estava.

O hospital tinha um aspecto bem estranho, do tipo de ano mil e novecentos e sessenta, como nos filmes. As enfermeiras até vestiram os trajes iguais aos dos livros da época. Como se de repente tivesse entrado em alguma história clássica.

Quando Iago se tocou que aquilo era real demais para ser um sonho, ele ficou pálido.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Tic-Tac" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.