Aaron's Fate escrita por Descending Angel


Capítulo 1
Leve-me de volta ao início.




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Eu a beijei, e esta era a parte mais apavorante, seus lábios macios comprimidos aos meus; quentes. O som dos tiros chegava a nós cada vez mais alto, "Devem ser as caixas de som, quebradas. Deve ser o filme.", pensava, iludia-me, sabia muito bem o que viria, como numa premonição, um sexto sentido, e ainda assim temia.

Ela não estava mais lá, uma sensação de um vazio inconstante tomara seu lugar. Um desenho minimalista ilustrando um par de olhos verdes me saudava, projetado na gigantesca tela branca. Seus olhos, penetrando minha alma como se pudessem ver através de minha carcaça.

Eu estava só, as poltronas rubras vazias eram meus fantasmas. Mais um tiro, meu peito dói, meu sangue escapa; tal qual uma fita de cetim se desenrolando por meu peito, meu tronco. Os olhos dela, estáticos na tela, sei que são a última coisa que verei, a epifania me machuca.

Meu coração dói, bate fraco, meu fôlego se esvai e finalmente se cessa em segundos que me são eternos...

Abro os olhos e, buscando fôlego, me sentei exasperadamente em minha cama. A canhota agarra o tecido da camiseta. Está molhada. Olho desesperadamente para a palma de minha mão: Suor, constato, mas não suspiro em alívio... Não ainda.

Cambaleio pelas pedras de paralelepípedo cinzas da rua de trás da escola, o dia está úmido, o céu está tranquilo e cinzento, deixando que a fumaça de meu cigarro o manche parcialmente de branco à minha visão. Gosto desta parte da cidade, desta rua e da forma como tudo parece se desenrolar sempre tão calmamente, omitindo ou ilustrando o fato de que nada está acontecendo. Em meus fones de ouvido, a ausência da música me permite ouvir o som dos pneus dos carros esmagando as gotas d'água, dos pés estranhos cambaleando a minha volta, da vida tomando seu ritmo entediante, monótono.

Depressão…

Você pode entender a depressão de muitas formas, se não conviver com ela. É basicamente um inimigo-amigo, um companheiro insistente e individualista, que usa para sobreviver o fato de que você é sim um idiota e que você sabe muito bem que sua vida não vale a pena ser vivida. Ele está sempre ali com você, em um silêncio irritante que apenas você conhece, pois está tudo dentro da sua cabeça problemática; está sempre te convencendo de que é tudo cinza e que você é um idiota, as pessoas nunca te notam e você é um idiota, você nunca é autor de nada significante ou válido e, por fim, você é um idiota.

É um inimigo-amigo que você não escolhe… Esse filho da puta. Você tem de lidar com ele, abraçá-lo ou afastá-lo (a segunda opção é sempre a mais difícil, a que parece mais dolorosa, por incrível que pareça). A pior parte de tudo isto, talvez, seja o fato de que as pessoas raramente entendem que você não o escolheu, que você não o chamou para te acompanhar em todo-maldito-lugar, sendo assim, elas surgem com as perguntas:

Mas não tem amigos?”

Vejo que sua mãe é muito boa para você, então por que essa tristeza toda?”

Você é tão inteligente,tão talentoso, por que se deixa abater tão facilmente?”

Não há resposta para nenhuma dessas perguntas, não há nada lógico a se dizer diante de sua própria estupidez; partindo do ponto em que tudo parece tão simples, por que você não consegue se livrar da maldita depressão?

Eu apaguei o que restava do cigarro na parede; matar meus pulmões tornara-se uma atividade progressivamente entediante, desde acendê-lo até deixar que meus pulmões inalassem a fumaça tóxica. Não me levava e nunca levaria a nada, de qualquer forma.

-Bom dia, Aaron.

A sensação de ser tirado das profundezas de sua própria mente é quase como se fosse retirado das profundezas de um lago brando, de onde seus olhos alcançavam a luz do Sol através de uma lente lisa, entretanto, repentinamente, uma força o puxa pela gola da camisa, pelos ombros, pelo braço, fazendo com que as águas tornem-se turvas e o que antes fazia sentido, agora não passa de um borrão desforme.

-Bom dia, Am… Não te vi chegando.

Ela estava parada no meio do caminho, entre mim e o portão da escola, com seus olhos assustadoramente verdes, sonolentos, delineados pelas olheiras em sua pele de marfim. Alguns fios de seus cabelos loiros escapavam dos grampos colocados de qualquer forma, o que a tornava mais uma figura despenteada do que a deixava livre dos cabelos caídos no rosto, que atrapalhavam sua visão.

Eu não conseguia mais distinguir os horários das aulas, pessoas de outras, professores de funcionários, funcionários de alunos; eram todos apenas uma massa da qual eu desviava durante as horas úteis de aula… E por mais clichê que a afirmação possa parecer, Amelia era a única que se destacava perante tal massa.

Nunca prestei atenção às pessoas, nunca as apreciei por seu conteúdo fútil e seus sentimentos ilógicos e sem fundamentos, contudo, Amelia sempre fora diferente, uma das únicas personalidades pelas quais me apaixonei… Ou talvez, eu a tenha amado -Não o tipo de amor que pensa, essa acepção vulgar do amor. Não, me refiro ao amor ideal de Platão.-

Conheci Amelia na quinta série, no dia em que decidiram me chutar do topo da escadaria do colégio católico onde eu estudava. Foram cinquenta e cinco degraus de queda… Nós contamos, no dia seguinte.

Pude ouvir a risada dos meninos que me empurraram até, de acordo com meus cálculos, o vigésimo degrau, mais ou menos “meia queda”, ou então até o momento em que tiveram seu primeiro contato com a Lei da Inércia e perceberam que a tendência seria que eu prosseguisse com a minha incessante queda, com meu incessante rolar até o piso inferior. Tudo era confusão, o ambiente girava a meu redor de forma a eu não conseguir distinguir o chão do teto. Quando tudo acabou, eu simplesmente precisava me por em pé, meu orgulho dependia disso, entretanto, meu corpo doía demais e parecia que daquela forma eu vomitaria a qualquer momento.

Não conseguia nem ao menos pensar no que fazer quando minha confusão foi dissipada por uma voz feminina ofegante, que se tornava cada vez mais alta conforme sua proprietária se aproximava pela escadaria.

Ai meu Deus!”- Ela disse quando se abaixou para me ajudar a levantar – “Tem muito sangue na sua cara!”

Tudo terminou com duas crianças apressadas correndo até a enfermaria da escola, uma com hematomas e sangue pingando da testa e outra com o dedo do meio levantado para garotos que agora se preocupavam em ser expulsos do Sta. Maria… E pode ter certeza que eles foram.

Eu não sou um cara normal, percebe-se, além de fisicamente estranho, com meus cabelos castanhos bagunçados e minhas olheiras escuras demais, me privei de muitas coisas que adolescentes de minha idade não se importam em viver. Veja bem, sempre me privei de apaixonar-me como um daqueles adolescentes babacas, que se apaixona outro adolescente babaca, sem nem ao menos entender ema si mesmos, quem dera entenderem um sentimento tão complexo quando o amor -que nem eu mesmo entendo-.

Contudo… Quando Amelia se aproximava, com aquele sorriso tímido e os olhos sinceros, meu coração disparava quase como se fosse pular por entre minhas costelas; com isso precisei, com o passar dos anos, adaptar meu comportamento perto de Amelia, para que não me portasse como um idiota asmático todas as vezes em que ela está por perto.

Analisando agora, não sinto falta da vida em si, de tudo que ela envolvia e dos sentimentos quase opacos que me proporcionava; sempre me sentira como se fosse um espectador da minha própria vida, sentado com os cotovelos apoiados nos joelhos e o queijo apoiado em minhas mãos, unidas pelos meus dedos finos entrelaçados. Talvez por isso eu sinta falta de ler, dos sentimentos com os quais a leitura me presenteava, da sensação rara de estar vivo que vinha com as palavras impressas nas páginas brancas… Quando lia, me sentia mais vivo do que quando tentava viver de fato. Ler era como ter os sentimentos palpáveis, sendo carregados por minhas mãos como objetos quaisquer, que eu podia moldar da forma que desejasse, voltar para as páginas onde tudo dera errado e observar que agora, já estava tudo tão bem quanto antes delas.

Não...

Não gosto de pensar em meu passado, não onde estou agora… Não quero mais pensar sobre Amelia, sobre ler, sobre a escola, sobre nada. Não quero pensar sobre quem fui, sobre quem sou; mas pelo visto, agora já não me resta mais nada.

Estou em um lugar escuro agora, onde vez ou outra vejo luz passar por uma fresta no chão, como se escapasse por debaixo de uma porta, tão distante quanto um sonho… Mas me falta disposição para caminhar até ela, ver do que se trata. Fico aqui o tempo todo, sentado, em pé, apoiado contra a parede… Há uma calmaria corrente em mim, como se todas as anormalidades que me cercassem devessem acontecer.

Eu não sei como vim parar aqui, mas tudo bem.

Não sei como se dispõe meu corpo, mas tudo bem.

Não sei como vou sair daqui, mas tudo bem.

Nem ao menos sei quando cheguei aqui… Mas tudo bem.

Entretanto, a agonia de não ter nada além de meu passado sobre o que pensar me atormenta constantemente, quero tirar de mim meus próprios pensamentos, estripá-los de mim… Me tirem daqui, por favor, me tirem daqui.

Eu não suporto minha própria mente. Não suporto quem fui, nem ao menos quem sou.


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