Da janela do meu quarto...

                   Eu conseguia ver... As nuvens se formando.

                                     Provavelmente...

                       Uma forte tempestade se aproximava.

Eu gostaria de saber se o Lucas está bem... Ei Tony, me responda... Como nós chegamos a isso? Nós que costumávamos ser tão felizes e unidos... Como é que acabamos nos separando dessa maneira? Porque nós temos que sofrer desse jeito?

É estranho... Toda vez que olho para foto em cima do meu criado-mudo... Eu me pergunto como era possível sorrirmos assim... Eu não consigo mais me lembrar... De como me sentia. Hoje muitas coisas vieram á tona. Coisas das quais todos temos tentado nos esquecer. Ver o Lucas e a Annie sofrendo... Foi muito doloroso.

Sabe, tenho estado assustada ultimamente... Por não conseguir mais me lembrar... De certas sensações. O que senti hoje, ao vê-los daquela maneira... Eu saberia descrever perfeitamente... E só de pensar um pouco sobre isso, a sensação começa a se espalhar novamente. Então... Porque é que quando olho para essa foto, onde todos nós sorríamos como bobos... A única coisa que consigo sentir é meu coração se apertar dentro do meu peito?

- Parece que estava certa...

Os pingos de chuva começaram a cair, eu podia vê-los escorrendo pelo vidro enquanto continuava a pensar sobre o passado.

- Tá chovendo muito forte... E agora, como vamos embora?

- Correndo.

- Mas... Nós vamos nos molhar, podemos até pegar um resfriado...

- Ahaha deixa de ser chata, eu não ligo de ficar doente.

- Minha mãe vai me matar!

- Você vem ou não?

Ele me estendeu a mão e sorriu, e eu não podia resistir aquele sorriso...

Aah... Então foi assim que a Wendy se sentiu quando Peter Pan a convidou para conhecer a Terra do Nunca...

Pode parecer bobagem, mas na minha mente de criança... Foi a única coisa que consegui pensar antes de agarrar sua mão e ser arrastada por entre as gotas transparentes que caíam do céu. Nós percorremos todo o caminho até a minha casa de mãos dadas, eu tremia de frio e a chuva era tanta que mal conseguia abrir os olhos. Quando chegamos na porta, completamente encharcados, eu já havia me arrependido de ter feito aquilo e estava muito irritada.

- Pelo amor de Deus Tony, juro que nunca mais te dou ouvidos!

- Ahahaha, nunca vou me esquecer disso!

- Muito menos eu, seu idiota.

- Essa era a intenção.

Ele sorriu de novo e saiu correndo por entre os pingos novamente, e então eu não estava mais irritada, nem arrependida. Talvez eu já soubesse, mesmo que inconscientemente, que essa se tornaria uma das minhas mais preciosas lembranças. O que não me impediu de pegar um resfriado e ficar doente durante toda uma semana.

Está vendo? Aí está... O mesmo aperto no peito que sinto, quando o vejo sorrindo naquele retrato. E eu... Já não consigo mais me lembrar... Daquela sensação... Ela está... Desaparecendo? Me enfiei em baixo das cobertas, tentando inutilmente me separar dessas lembranças. Mas a única coisa que consegui fazer foi adormecer, enquanto lágrimas escorriam pelo meu rosto imitando os pingos de chuva sobre o vidro da janela.

Na manhã seguinte fui para a escola como de costume, estava mais deprimida do que o usual. Sentei-me na carteira e fiquei em silêncio por um longo tempo, até que Leonard chegasse e começasse a conversar comigo como sempre fazia.

- Ontem eu estava ouvindo uma música que me fez lembrar muito de você. – disse sorrindo.

- Sério?

- Geralmente me ignoraria... O que você tem?

- Nada demais. Porque se lembrou de mim?

- Por uma frase.

Hoje eu estava estranhamente afetada, por ter pensado tanto no que prometi tentar esquecer. Mas é que tudo estava ficando tão... Claro... Que fiquei cada vez mais assustada.

- Ah! Adivinha que livro eu li ontem antes de dormir?

- Não sei.

- Peter Pan! Eu fiquei com vontade de ler depois da nossa conversa, acabei encontrando o livro em casa.

Porque justo esse livro? Porque justo hoje vem me falar disso?

- Sabe... Eu estava pensando Kate... No motivo pelo qual Wendy, mesmo depois de ter voltado para casa e abandonado Peter... Continuava a deixar sua janela aberta.

- Porque... Ela tinha esperanças... De que ele voltasse um dia.

- Sério? Acha mesmo isso?

- Sim.

- Entendo.

Depois dessa conversa, ele se virou para frente e não nos falamos mais. E quando olhava pro céu através da janela ao meu lado, eu podia ver as nuvens se formando novamente.

Outra tempestade á vista.

Parece que estava mesmo certa, outra tempestade se aproximava. Ouvi o sinal do intervalo bater, mas continuei sentada, conforme os outros alunos saíam. Leonard estava se levantando para sair também quando não pude deixar de perguntar:

- Você conversou com  a Annie ontem?

- Não, eu não fui atrás dela como me pediu, sinto muito.

- Muito legal da sua parte, colocar idéias na cabeça dela e a abandonar quando tudo dá errado.

- Não adianta você jogar a culpa em mim, ela precisava fazer isso e foi uma escolha que ela tomou. Existe um limite ao qual podemos influenciar no que as pessoas fazem. E outra, se estava tão preocupada, deveria ter ido atrás dela ao invés de consolar o Lucas.

- Você não sabe do que está falando Leonard, e sempre age como se soubesse.

- Então me conta, o que eu não sei?

Ele empurrou sua cadeira para trás e apoiou os dois braços sobre a minha carteira, de modo que pudesse me olhar mais de perto. Estava bem próximo e parecia irritado, podia ver... Seus traços... Todos tão familiares... Que quase me perdi. E por um momento quase tive vontade de me perder. Desviei o olhar para a janela, tentando em vão me distrair.

- Tá vendo, eu odeio quando você faz isso!

Me virei para olhá-lo.

- Isso o que?

- Fica olhando para o céu, enquanto tem tantas coisas por aqui ao seu alcance e você apenas as ignora, como se não fossem importantes.

Estava me perdendo novamente... Então voltei a fitar a janela, tentando fugir desses pensamentos. Pude sentir quando uma de suas mãos alcançou meu queixo, obrigando-me a encará-lo, mas antes que pudesse pensar em alguma coisa... Ele me beijou. E então, eu não podia pensar em mais nada... Que não fosse a sensação dos lábios dele sobre os meus.

                                                          Úmidos.

Lentamente... Tirando-me o fôlego... Lentamente... Tirando-me a razão. E eu havia me perdido... Havia me perdido nele. Agora... Eu sentia. Era essa sensação... A mesma de quando o Tony me beijava? Seriam seus lábios tão avassaladores quanto os de Leonard? Qual era a sensação do seu toque? Suas mãos eram quentes não eram? Então porque não consigo mais senti-las sobre as minhas? E eu me lembrei... Do que estava esquecendo. Eu estava me esquecendo... De como era estar com o Tony. Eu estava me esquecendo da sensação de ser tocada por ele, eu não conseguia mais... Senti-lo por perto. Quando todos esses pensamentos explodiram na minha mente, somente um único sentimento começou a se espalhar por mim, dominando-me.

                                                        Repulsa.

Comecei a tremer... E tudo se tornou escuro... Minhas mãos começaram a suar e antes que percebesse, as lágrimas apostavam corrida sobre o meu rosto. Não conseguia pensar em mais nada, aquele sentimento me consumia... Se antes, eu havia me perdido em Leonard, a repulsa me salvara. Tentei me desvencilhar, mas ele não queria me soltar. Eu já conseguia sentir o gosto salgado das lágrimas em meio aos nossos lábios e provavelmente, ele também. Afastou-se. Sua boca a poucos milímetros da minha.

Senti que me encarava mas eu não era capaz de abrir os olhos, era repulsivo demais.

- Sabe Kate... – disse sem se afastar – Não era esperança.

Aah... Sua voz... Tão... Fria.

- Wendy sabia... Que o Peter Pan não voltaria mais. Ela tinha plena consciência disso.

Eu sei.

- O motivo pelo qual, ela sempre deixava sua janela aberta... Era para que não se esquecesse de que um dia ele esteve com ela. Era pra que ela não se esquecesse, de que ele não tinha sido um sonho.

E então ele me soltou abruptamente, e embora estivesse com os olhos fechados, conseguia sentir o quão frio me olhava. Eu ainda estava tremendo e chorando, devido a repulsa... O sentimento que me devorava.

- Eu... Não... Quero... Que se aproxime de mim novamente Leonard! Não te quero por perto!

Estava me abraçando, se não o fizesse... Não seria capaz de mantê-lo afastado.

- Não se preocupe. Eu nunca mais chegarei perto de você novamente.

Pude ouvir o barulho da porta se fechar quando ele saiu. Embora eu saiba que não há forma de que isso aconteça por aqui, sentia como se uma forte tempestade de neve estivesse caindo lá fora... Mas havia me esquecido de fechar a janela, e agora a sala toda estava coberta de gelo. Eu sabia que Leonard estava certo quanto a Wendy... Porque eu sentia a mesma coisa. A minha janela... Também continua aberta, embora saiba que o Tony não pode mais voltar. Isso... É porque eu tenho medo de esquecê-lo. E é por isso que estou tão assustada... Porque eu já não o sinto...  Será que ele também irá desaparecer... Assim como todas essas sensações? Foi por isso, que eu tentei buscá-las no Leonard? Repulsiva.

Como eu fora capaz... De usá-lo dessa maneira? Como eu fora capaz... Por puro egoísmo, de ficar perto dele todo esse tempo? Eu sabia... Que não era saudável tê-lo por perto. Sabia que eu acabaria machucando-o, me aproveitando de sua aparência. 

                                                       Me desculpe...

                          Provavelmente era o que eu deveria ter dito.

                                  Mas será... Que seria de coração?

                          E então, o sentimento voltara a me consumir.

                                          Repulsa... De mim mesma.

Saí correndo da sala, antes que ele voltasse. Não queria olhar pra ele, e não queria encarar as pessoas se perguntando porque estava chorando como uma louca. Vi que começara a chover, mas eu não podia ir embora. Teria que encontrar algum lugar onde ficar durante as duas últimas aulas. E o único lugar que me veio á mente nessa hora... Foi a sala sete... Não faria diferença nenhuma, me afundar em outra lembrança.

                      Porque é que a pequena felicidade que surge

   Toda vez que penso no Tony, sempre acaba desaparecendo em seguida

                        Dando lugar a essa tristeza esmagadora?