Lumos! Interativa escrita por Dama dos Mundos


Capítulo 11
Uma boa dose de melancolia


Notas iniciais do capítulo

Genteeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee!
Okay, eu demorei pra cacete, eu sei, desculpem-me.
Como sabem, escrever Lumos requer paciência, muitas referências e criatividade, o que não andei tendo nos últimos dias. Mas creio que estou de volta.
Lhes ofereço um capítulo maiorzinho e com muita tensão para compensar minha falta.
Divirtam-se. :3



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Andrômeda era o tipo de pessoa centrada o suficiente para não deixar que quase nada a abatesse. Fora essa razão que lhe garantira o cargo de monitora da Sonserina, já que as outras veteranas em peso eram pouco responsáveis, ou pessoas dadas a piadinhas de mal gosto (como no caso de Cateline e Katherine). Como era esperado, porém, a notícia da morte do irmão lhe causou um choque tão grande que não conseguiu, de forma alguma, lidar com a situação de maneira madura.

Desgraçadamente, ela chorou noite adentro, sem conseguir dormir ou se acalmar, dispensando as tentativas das duas amigas de apoiá-la. Pessoas mais chegadas a ela que pertenciam as outras três casas nem sequer puderam vê-la. Em um dado momento, meramente deixou de falar ou responder a qualquer coisa que lhe perguntavam.

Andrômeda nunca tivera uma relação muito boa com os pais, apesar de preocupar-se com eles. O membro da família em que era mais chegada sempre fora Arthur, e agora que ele tinha ido embora, havia um vazio tão grande em seu peito que tinha a vontade de gritar. De fato, no começo gritara até sua garganta se inflamar e até sua voz sumir. Agora, mantinha-se num silêncio conformado, enquanto as lágrimas corriam por suas bochechas.

Teria que deixar a escola para comparecer ao enterro, era o mínimo.

Pensou nas pessoas que conhecia em Hogwarts e que haviam perdido alguém importante. Havia Lottie, a paciente e tranquila jovem da Grifinória, cujo pai havia morrido quando ainda era uma criança, de causas desconhecidas. Cateline, cujas irmãs mais novas não haviam chegado nem aos dez anos, um assunto delicado para tratar com a mesma. Se a parceira se disponibilizava a mencionar o próprio passado, era sempre com frases soltas que normalmente não faziam sentido algum. Contudo, Andrômeda era inteligente o bastante para somar dois com dois: aparentemente, a morte das crianças em questão tinha tudo a ver com a própria família.

Ana, a irritadiça lufina, era órfã. Ou dizia-se ser… pela maneira que se portava e mencionava os fatos, parecia mais que em algum ponto do caminho havia fugido de casa. Ainda assim, ela deveria saber o que era perder alguém que se ama, ou ao menos abandonar tal pessoa a própria sorte.

Por fim, havia Anastácia. Ela vira o pai ser morto com os próprios olhos, sem motivo aparente. Cogitava-se que ele fora morto por estar envolvido com o submundo, ou por ter descoberto algo que não devia, afinal por algum milagre Ani conseguira sair viva do confronto, e ela não passava de uma criancinha…

Os olhos de Andrômeda se arregalaram. Ainda havia muitas situações similares. Gente que morreu sem motivo, ou simplesmente desapareceu. Pessoas ligadas ao submundo…

Ela estava sentada na própria cama, apoiada na parede enquanto tomava um caldo que Cateline fizera questão de lhe trazer, alegando que morrer de fome não ajudaria em nada a sua situação. Já havia amanhecido, e as outras sonserinas haviam deixado o aposento (algumas resmungando que não conseguiram dormir por causa dela). Katherine era a única que ainda restava, ela acabava de trocar suas roupas e lançava olhares por cima dos ombros para a amiga.

Andrômeda entreabriu os lábios, tentando falar, mas ainda estava com a garganta muito irritada. Franziu o cenho, mostrando irritação. Kat começou a achar que ela iria ter mais uma crise, e afastou-se cautelosamente. — Andrômeda? Que cara é essa…

Hum grunhido baixo escapou de seus lábios, enquanto ela deixava o prato intocado sobre o criado-mudo e puxava uma folha de papiro e sua pena, que sempre mantinha separadas sobre o mesmo. Mergulhou a pena na tinta e pôs-se a escrever, de maneira torta e imprecisa, já que não havia nada plano para apoiar o papiro. Logo após, virou-o para a outra garota.

“A morte de meu irmão não foi uma coincidência.”

Katherine estreitou os olhos na tentativa de enxergar melhor, jogando o corpo para frente em sua habitual pose sensual, que deixava seu busto aparentemente maior. — Você está delirando, And… precisa descansar, você não dormiu, não comeu, está exausta. Seus pais já devem estar a caminho para buscá-la e lhe levar para…

A outra meneou fortemente com a cabeça, mostrando certa irritação e batendo a pena contra a sua placa improvisada, logo voltando a escrever.

“Não acha estranho o fato de tantos de nós termos parentes que sumiram ou morreram?”

— Não mesmo, nem são tantos assim. Além do mais, isso faz parte do ciclo da vida. — Katherine parecia estar ciente que era uma maneira insensível de tratar o assunto. Na verdade, aquela era uma conversa complicada para ela também, afinal também tinha uma morte estranha na família. Seu irmão mais velho havia falecido em um acidente, que ninguém tivera a boa vontade de investigar. Ainda assim, continuou. — As pessoas morrem, And. Procurar uma razão para isso acontecer é apenas uma forma de alegarmos que não foi em vão.

Andrômeda sentiu a garganta já irritada se fechar, num grunhido de protesto. Ela não estava inventando, não estava fazendo aquilo por simples capricho. Ou talvez estivesse? Talvez seu cérebro só tentasse trabalhar em algo para que aquela tristeza esmagadora fosse embora. Manter-se ocupada mentalmente era a melhor forma de não pensar demais sobre a morte recente. O que Kat dizia fazia sentido, contudo…

Ela abaixou o papiro, as lágrimas voltando a descer pelo rosto. Trincou os dentes com força, passando o punho pela face com raiva, tentando limpá-las. Detestava estar tão instável. Odiava ainda mais aquela dúvida sobre suas conjecturas. Talvez devesse procurar Cateline mais tarde. Quando retornasse da casa dos pais… Cateline era especialista em criar teorias da conspiração, por causa de seu jeito desconfiado. Ainda assim, seus instintos quase nunca falhavam.

Andrômeda forçou-se a erguer o corpo da cama, pondo-se de pé. Precisava vestir alguma coisa, seus pais não demorariam a chegar. Em seu estado atual, não acreditava que poderia ir a qualquer lugar sozinha, mesmo que quisesse. Seus olhos capturaram o prato intocado na escrivaninha e instintivamente ela fez uma careta de desagrado.

— Você não vai comer nada mesmo?

A outra jovem fez que não com a cabeça, retirou o cobertor que ainda mantinha sobre os ombros e foi se arrumar. Com gestos das mãos, deu a entender que Kat poderia ir. Afinal, por qualquer motivo que fosse, Salazar não era capaz de demonstrar compreensão nem por uma cobra morta, quem dirá a alguém que havia chegado atrasado a sua aula.

Ao mesmo tempo em que a amiga deixava o local, Andrômeda ia ajeitando lentamente as várias camadas de roupa. Pela primeira vez em muito tempo, não teria que se preocupar com as ameças do Fundador de sua casa. Pela primeira vez, desde que entrara em Hogwarts, havia algo mais importante acontecendo fora dali.

Bom… era o que ela acreditava.

Mal sabia que estava equivocada… que o mal crescia bem debaixo do seu nariz.

E quando percebesse esse fato, talvez fosse tarde demais para fazer algo.

 

X-X

 

— Alguém viu a Ana?

A pergunta de Anastácia, num tom preocupado, rolou pela sala e estava para morrer sem uma resposta quando um outro aluno da Lufa-Lufa se manifestou. — A última vez que a vi foi na noite de ontem.

— Nós também estávamos lá. — Max alegou, tirando os olhos de um livrinho – intitulado Os Contos de Bedle, o Bardo – e franzindo o cenho. — Mas depois disso, imaginei que ela tinha ido para o dormitório feminino.

— Se foi, não estava mais lá quando eu cheguei. — informou uma outra garota, que mantinha os cabelos aloirados presos num coque. Também era uma das monitoras, então o fato dela não ter encontrado Ana era bem inusual.

— Talvez tenha saído para espairecer. — Dim mais resmungou do que comentou, a cabeça deitada sobre sua mesa. — De qualquer forma, alguém deveria procurá-la depois.

— Estou preocupada com a And também. — Confessou Anastácia, torcendo as mãos sobre a mesa, mordendo o lábio inferior de maneira sutil. — Sabem se ela está melhor?

— Considerando o fato que faz ela ficar mal… — Connor cortou, enquanto escrevia algo num papiro. — Imagino que não. Na verdade, a julgar pela hora, nem deve estar mais em Hogwarts.

— Você se preocupa muito Ani. — Max fechou seu livro, notando o barulho de passos do lado de fora. Estranhamente, a junção das turmas da Corvinal e da Lufa-Lufa para a aula de Poções não estava tão barulhenta como era de se esperar. De maneira que era possível ouvir Rowena chegando, dando-lhes tempo o bastante para se organizarem antes que sua silhueta esguia entrasse no aposento. Havia uma expressão de cansaço permanente em seu rosto nos últimos dias, mas seus alunos preferiram não dizer-lhe isso.

A mulher parou de caminhar, ajeitando os cabelos por trás das orelhas e suspirando profundamente. Os alunos já rodeavam os caldeirões e bancadas, onde elementos não identificados borbulhavam e soltavam fumaça multicolorida. Um amontoado de odores enchia o ambiente, resultando num cheiro exótico e forte.

— Que tal debatermos isso mais tarde? — Helena (que mantinha-se no lado mais afastado possível da sala, de acordo com a posição que a mãe costumava tomar) alegou, ajeitando os cabelos também e pondo-se a mexer aleatoriamente nos líquidos dentro dos inúmeros frascos.

— Que tal sermos um pouco mais sensíveis a dor alheia? — Alfinetou Dimitry, que muito a contragosto fora forçado a sair de seu posto de descanso para ficar em pé… o que não o tornava menos dorminhoco, mas sujeitava-o a ser atropelado por alguém ou acertado por um líquido borbulhante qualquer.

— E o que eu ganho sendo? Anastácia vive preocupada com os problemas dos outros e Alana choraminga por qualquer coisinha que aconteça a alguém daqui. Ser sensível a dor alheia não me soa melhor do que uma chateação.

— Deve ser por isso que ninguém se importa se acontecer alguma coisa a você. — Connor alegou, bocejando suavemente, recebendo um olhar homicida em troca, o qual fez questão de ignorar.

— Parem com as conversas paralelas, a aula já começou. — Rowena cortou qualquer outro comentário que poderia ser feito com um aceno de mão, percorrendo com seus olhos perspicazes todos os presentes. — Alana, pare de chorar e aproxime-se, já passas aulas suficientes perdida pelos corredores.

— Mas, mas… — A dita cuja estava um pouco mais afastada que os demais, abraçada a sua gata e com os olhos avermelhados.

— Sem mas, mocinha. Não me faça repetir. — E Rowena abriu um livro especialmente grosso e grande que segurava, fazendo-o flutuar no ar a sua frente e correndo os olhos pelas páginas com rapidez digna da leitora assídua que era. — Já que estamos todos prontos… comecemos.

Alana achegou-se ao seu caldeirão (que se encontrava entre Connor e Anastácia), e soltou sua gata, que disparou para fora do local logo em seguida. Ani inclinou ligeiramente a cabeça em direção a ela, com metade da sua atenção concentrada na lista que Rowena ditava, ingredientes elementais para a poção em que trabalhariam naquele dia. Se ocorresse um erro de cálculo, era bem capaz do caldeirão explodir em sua face. — Você está se sentindo bem?

— Elas não me deixaram vê-la… — os olhos de Lana voltaram a ficar úmidos, enquanto ela fazia uma expressão que poderia ser considerada como a de um animal de estimação abandonado.

— Típico. — Connor começava a separar os frascos com os ingredientes necessários.

— Ah… pelo que sei a And não queria ver ninguém, então eu acho que não era nada pessoal contra você. — Anastácia abriu um sorriso apaziguador, mostrando-lhe os vidros que precisaria usar com a ponta dos dedos. — Dê um tempo para ela.

— C… certo! Irei me esforçar! — Alana juntou as mãos em frente ao peito, com uma empolgação recém-adquirida, que chamou momentaneamente a atenção de Rowena para elas.

— Er… você realmente não precisa…

— Alana. Sua poção. Concentre-se. Nela. — A fundadora pontuou lentamente, enquanto passava pelos caldeirões de outros alunos. Alguns, como Dimitry, já haviam conseguido ficar com o rosto completamente negro de fuligem. Max (ou a Estrela da aula de Poções, como acabou ficando conhecido, por ser o melhor aluno de todas as outras casas na dita matéria), assobiava alegremente, enquanto esperava o tempo exato para colocar cada ingrediente no caldeirão.

— Ele realmente se diverte com essas coisas, né… — Murmurou Helena, olhando de esguelha para Max. Ani, que estava na frente dela, sorriu um pouco sem jeito.

— Sim. É algo estranhamente reconfortante de se ver.

— Admita logo de uma vez que gosta dele.

— Eu… eu não… — sua pele clara ganhou uma coloração avermelhada característica de quem está muito sem graça. — Não… tem nada a ver e…

Boooom!

Com sua desatenção, acabou errando na dosagem do elemento que tinha a mão, e uma pequena explosão sucedeu-se, deixando seu rosto escurecido e fazendo-a tossir fuligem.

— Ani, você está legal? — perguntou Alana, voltando a olhar para ela. Meia dúzia de cabeças tinham virado para sua direção.

— Estou sim. — tossiu mais uma vez, abaixando a cabeça e preparando-se para começar tudo do zero. Viu com o canto dos olhos Max acenar de maneira eufórica, com um gesto de “boa sorte” e engoliu em seco.

Rowena visualizou a quinta explosão do dia e suspirou pesadamente, levando uma mão a testa. Estava começando a questionar a razão de porque tudo naquele ano estava sendo tão difícil. E lembrar que o período escolar estava apenas começando não lhe deixou nem um pouco mais tranquila.

 

X-X

 

 

Cateline podia ser uma sonserina exemplar, o que significava achar que sua casa era a melhor de todas e, consequentemente, seu fundador estava no mesmo patamar. Mas depois de uma noite insone que forçou-a a chegar atrasada a aula de Salazar e aturar seu melhor olhar mortífero – tão penetrante quanto o das manticoras da semana anterior – foi forçada admitir que estava ansiosamente esperando pelo período em que Godric lecionava. O fato de ser sua matéria preferida contribuía bastante para essa sensação, também.

A aula de Defesa Contra as Artes das Trevas era dada nos andares inferiores, o que havia iniciado um extenso debate em que Slytherin insistia que não queria ter que lecionar perto de onde Godric o fazia, por questões óbvias, já que o mesmo iria atrapalhá-lo. Rowena rebatia que uma coisa não tinha nada a ver com a outra, Godric tinha uma sala praticamente do lado oposto da escola. O próprio Gryffindor afirmava categoricamente que preferia um lugar mais arejado, mas não via problema nenhum em continuar onde estava, contanto que Salazar mantivesse distância, afinal seu dito “mau humor” destruía a animação de seus alunos. Helga finalizava alegando que a outra sala disponível, no segundo andar, seria usada por ela… fora isso, apenas se limitara a comer tortinhas enquanto via os homens do quarteto se encarando e trocando palavras ásperas.

Obviamente, Cat não estava presente em tal discussão, mas algumas vezes ouvia referências a ela. Naquele dia especial, enquanto entrava na sala e se acomodava em uma carteira próxima a Katherine, ouviu o fundador ruivo resmungar algo sobre a falta de luz natural naquele lugar onde haviam forçado-o a ficar. Se era uma implicância com algum dos parceiros, era estranho, afinal não havia nenhum presente. Mas o tom que Godric utilizava nas suas ruminações era tão despreocupado quanto sua personalidade normal, então era sempre difícil ter certeza.

Estranhamente, ela conseguia separar algo que admirava em cada fundador, embora não falasse muito sobre esse assunto.

Salazar era seu mestre, com um autocontrole e sangue-frio invejáveis.

Helga era a mulher adorável, fácil de lidar, com um coração enorme.

Rowena tinha a seu favor sua inteligência, constituída com anos de leitura e pesquisa.

Por fim, havia Godric, dono de uma coragem sem limites aliada ao melhor jeito despreocupado que alguém poderia ter.

Cateline gostava de Gryffindor. Suas aulas eram ideais para descontrair um pouco, sem que corresse o risco de algo dar muito errado (o que sempre se sucedia com Helga, pobrezinha). Arrisco dizer que, se a jovem sonserina visse a maneira que sua casa se afastaria das outras futuramente, como as coisas mudariam completamente de forma depois que toda a confusão passasse… se ela tivesse vivido na época de Voldemort ou antes disso, se observasse com seus próprios olhos a desunião que se instalaria a partir dai… Cateline teria ficado escandalizada.

Isso porque, independente da rixa interna que havia em Hogwarts desde seu início, talvez instigada pela estranha amizade/inimizade entre Salazar e Godric, os alunos ainda eram unidos. Eles ainda se importavam uns com os outros, e isso se mostrava nas situações mais inesperadas: como o ataque do bruxo das trevas a dias atrás, ou a entrada na Floresta Negra, ou ainda com a morte de alguém importante para um colega, fosse de que Casa fosse.

Charlottie, que estava uma fileira a frente, moveu-se de maneira que pudesse observar as outras duas, franzindo suas delicadas feições, antes de questionar. — Andrômeda já partiu?

— Ah, sim. Eu acho, pelo menos. — Cat observou a colega do seu lado ao falar, como se esperasse uma confirmação da parte dela. Katherine, cuja cabeça estava deitada sobre a mesa, provavelmente tirando o atraso de seu sono, se remexeu levemente e bocejou, não fazendo nada mais que isso. — Provavelmente.

A outra moça também prestou atenção à jovem que ressonava, entreabrindo os lábios para voltar a falar. — Foi uma noite difícil para vós todas, imagino.

— Um pouco. — Cat passou a mão pelos cabelos ruivos escuros, tirando-os da frente do rosto por um momento. Ao notar que Lottie ameaçava olhá-la de maneira preocupada, porém, balançou rapidamente a cabeça e ergueu a mão direita. — Não se preocupe, estou bem. É sério.

Sua súbita mudança de tom deveria ter despertado Kat, pois esta levantou a cabeça da mesa com expressão fechada e passou as mãos nos olhos algumas vezes, logo após percorrendo a sala com o olhar, como que se estivesse tentando se lembrar de onde estava. — Vocês não podem falar mais baixo?

— Perdoe minha falta de tato… — ia dizendo Charlottie, quando Ian entrou na sala e jogou-se de qualquer maneira em sua carteira.

— Bom dia, flores do dia!

— Oh… poupe-me. Ele acabou de ficar pior. — Os olhos azuis de Kat voltaram a se fechar, como se a mera visão de Ian lhe fizesse ter sono.

— Bom dia, Ian. — a parceira dele recuou o corpo, fazendo um sinal educado para que este se levantasse de sua mesa imediatamente. — Sente-se em outro local, por obséquio. Há muitos lugares vazios.

— Parece-me que alguém aqui está tendo um bom dia, pelo menos. — Cateline abriu a mão num aceno rápido. Depois, assumiu sua melhor expressão zombeteira, deixando por um tempo seus problemas de lado. — Divida conosco as boas novidades, precisamos sabê-las.

— Bom, eu treinei até um pouco mais tarde, e consigo manter minha transformação em grifo por mais tempo, além de estar me sentindo mais forte do que antes. — Ele segurou a parte da frente da sua túnica com visível satisfação. — Logo serei o animago mais forte que já pisou nesse lugar. — E então deu uma risada convencida, jogando o peso para trás, ainda acomodado sobre a mesa de Lottie.

— Sua falta de modéstia deveria ser estudada. — retrucou Katherine, revirando os olhos. — Você está esquecendo de contar com a gata mais adorável dessa escola. — abriu um sorriso ferino, levando a mão direita ao peito enquanto se endireitava na cadeira. — Eu.

— Me pergunto qual dos dois é menos narcisista. — Cateline pôs-se a enrolar uma mecha do cabelo em seu dedo indicador, enquanto via Lottie discretamente erguer a mesa e virá-la o suficiente para que Ian caísse da mesma. Sem dúvida com ajuda de magia, afinal o grifinório era grande, e pesado. — Enquanto vocês dois debatem quem é o maioral, nossa amiga estava chorando a morte do irmão mais velho. — Finalizou, demonstrando certa inquietação que não lhe era usual. Mas quando se tratava de irmãos, Cat era tremendamente sensível. Principalmente quando o assunto era relativo as suas…

— Tenham um pouco mais de decoro. — Charlottie complementou, cruzando os braços.

— Ora, estão realmente empolgados hoje, aconteceu alguma coisa? — A queda de Ian e a sua posterior chuva de xingamentos pareciam finalmente ter chamado a atenção de Godric, que se aproximou do pequeno grupo, batendo suavemente a varinha contra a própria mão. — A propósito… não tive contato com a senhorita Deillie, sabem me dizer como ela está?

— Nada de mais… — foi a resposta de Ian, dita enquanto ele levantava-se com as mãos pressionando as costas e puxava uma cadeira vazia para se sentar. — Charlottie, isso doeu! Vai ter que me compensar por isso mais tarde.

— Desconheço o tipo de recompensa que tem em mente. E, diante de seu comportamento inaceitável, tenho a escolha de recusar-me a entregá-la.

— Eu só ia pedir algo inocente… tipo um beijo, ou uma massagem…

— A resposta ainda é negativa.

Godric, que ainda mantinha sua atenção voltada para as alunas da Sonserina, esperando pela resposta de ambas, havia colocado seu corpo entre as carteiras dos seus dois alunos que discutiam. Dessa forma, guardou a varinha e colocou a mão sobre a cabeça de cada um, num gesto para que ficassem quietos. — O florescer do amor juvenil é tocante, mas vamos nos concentrar no que interessa um pouco, sim?

Cateline tinha um comentário ácido preparado na ponta da língua destinado àqueles dois, mas preferiu abster-se de fazê-lo e olhou para a colega ao seu lado, que finalmente parecia disposta a responder. — Hum. Eu diria que não muito, foi uma notícia difícil para ela.

— Compreendo.

— Além disso… — Kat hesitou por alguns instantes, entreabrindo os lábios algumas vezes, antes de ter certeza do que ia dizer. — Acho que… And está tendo umas ideias meio estranhas.

O fundador apenas ficou em silêncio, movimentando a cabeça de leve para indicar que continuasse. Havia um certo receio que alunos cometessem suicídio. Uma prática definitivamente incomum, mas não inexistente. Se Andrômeda começasse a considerar tal coisa, alguém teria de observá-la para impedir que ferisse a si mesma. Katherine, contudo, pareceu ler esse pensamento ao olhar em seus olhos, e negou violentamente com a cabeça. — Não! Isso não, de forma alguma. É só que… ela me disse algumas coisas antes dos pais dela virem buscá-la. Algo sobre coincidências, sobre pessoas desaparecendo e morrendo sem explicação. Era como se estivesse desconfiando de alguma coisa maior. Acho que ela escreveu algo sobre a morte do irmão não ser uma coincidência.

Três pessoas dali sentiram algo estalar em seus cérebros: Cateline, que tinha tendência a ver ligações em tudo e achou aquilo bastante suspeito, digno de preocupação; Charlottie, cujo cérebro não parava um minuto sequer de trabalhar, imaginando as razões do Bruxo das Trevas ter invadido a escola; e por fim Godric, cujos lábios se tornaram uma linha apertada, antes de se moverem num nome silencioso que nenhum dos alunos presentes conseguiu definir. Logo depois, porém, passou a mão por trás da nuca, assumindo uma postura mais descontraída. — Bom, é melhor não ficarmos conversando sobre esse tipo de coisa agora. A senhorita Deillie… Andrômeda precisa de apoio dos amigos por enquanto, isso é o mais importante.

E com aquela quebra de clima fenomenal que só ele conseguia forçar, caminhou até a frente da sala novamente e bateu as mãos algumas vezes. — Bom… é hora de trabalhar. Vamos fazer algo diferente hoje.

— Como assim diferente, professor? — um aluno da Grifinória esticou o dedo para perguntar.

— Nós vamos fazer um pequeno jogo, dessa vez. — A expressão animada no rosto do fundador não pareceu nem um pouco confiável. Lembrando-se da situação na Floresta Negra, Lottie ergueu uma mão também, demonstrando certa dúvida. — Mestre Gryffindor… a que tipo de jogo está se referindo?

— Um que eu resolvi intitular de “Morte ou salvação para Glen?” — e com um movimento nobre, acenou para que alguém adentrasse a sala. A silhueta comum de Glen, o aprendiz de zelador, passou pela porta, com um ar de “o que estou fazendo aqui?” estampado em sua face. Tendo noção que os olhos dos alunos o seguiam, engoliu em seco e parou ao lado de Godric, que apoiou uma mão sobre a cabeça dele, sem muita cerimônia. — Vocês de dividirão em dois grupos. Um para atacá-lo e outro pra defendê-lo. A ideia é dar-lhes uma noção mais ampla de como lidar com um possível inimigo enquanto tenta proteger alguém… ou caçar um elemento perigoso enquanto este tem guardiões. Lembrando que não vou tolerar que machuquem-no de verdade, então usem maldições e feitiços leves, por favor.

Glen notou que os olhos de Cateline estavam fixos sobre ele, um sorriso de satisfação aflorando em seus lábios, e já parecia óbvio em que grupo ela ficaria. Suas mãos suavam, e ele enfiou-as dentro dos bolsos de seu uniforme simples para escondê-las. — Senhor… tem certeza…?

— Não se preocupe, confio nos meus alunos.

Eu não confio nem um pouco… — ele choramingou em pensamento, incerto, desviando o olhar de Cat e suas intenções provavelmente macabras.

— Mas senhor… — um aluno da Sonserina (o mesmo que Kat tentara seduzir alguns dias antes) cruzou os braços, um tanto quanto cético. — Não temos espaço suficiente pra fazer esse tipo de coisa aqui dentro.

— É por isso que vamos usar o campo por trás da escola. — Godric juntou as mãos com uma satisfação ainda maior do que antes – o que fez seus estudantes questionarem os verdadeiros motivos para ele ter decidido dar esse tipo de aula – e se dirigiu a porta, ainda com Glen ao seu lado. — Vamos lá, mexam-se!

— Ele está apenas evitando dar aula aqui dentro. — alegou Katherine, revirando os olhos.

— Definitivamente. — Ian fez uma careta entre a dor e a certeza de suas palavras e levantou-se também.

— Será instrutivo, de qualquer maneira. — Charlottie alegou, com sua voz macia e suave de sempre. Cateline, que se desvencilhara de sua mesa e parecia compartilhar o bom humor do fundador, saltitou por alguns instantes antes de emparelhar com o trio, que já estava a sua frente.

— E então… quem é que vai ficar comigo no grupo de ataque…?

 

X-X

 

Algumas horas atrás (noite anterior).

 

Ana não sabia exatamente o que tinha em mente quando decidiu, contra todas as probabilidades, fugir da Escola em que os jovens faziam de tudo para entrar. Além de ser uma decisão estúpida, a longo prazo até mesmo irresponsável (já que ela agia como órfã, embora tivesse um pai vivo, em algum lugar), acabou tornando-se também infeliz.

Carregada de todo tipo de feitiço protetor e que impedisse sua localização ou percepção, seguiu em direção a Hogsmead. Se conseguisse alcançar a vila, significaria que já estava fora do terreno de Hogwarts, e então poderia desaparatar para longe dali.

Sua cabeça estava quente, ela não conseguia raciocinar muito bem. A lista de fracassos iam se acumulando em cima dela, um por um, até lhe dar uma sensação mental de sufocamento. Seus pés percorriam a trilha com pressa, não lhe dando tempo sequer para repensar sobre seus atos.

Se ela repensasse, voltaria atrás. Mas um orgulho juvenil a incitava a seguir adiante. Afinal, ela não faria falta nenhuma para ninguém de seu grupo. Era apenas um atraso, um ainda pior que Dimitry. Na verdade, Dim conseguia ser extremamente talentoso quando mantinha-se desperto. E o que ela era, afinal?

Uma animaga com a sorte de se transformar em um animal fantástico.

E o que fazia com isso?

Absolutamente nada. Porque não conseguia se transformar. Tentara a mais de um ano, e só o conseguira uma única vez. E nessa ocasião já parecia-lhe implícito que nunca mais conseguiria. Uma fênix? Patético. Além do mais, o que ela esperava se preparando para ser uma animaga? O que esperava mudar com isso?

Seus pés finalmente pararam. Ela podia ver as tochas e luzes acesas ao longe no pequeno vilarejo. Havia sentido algo diferente a uns dez passos atrás, e tivera a certeza que atravessara as barreiras de proteção. Ana levou um braço para a testa, esfregando-a suavemente e deixando-se cair de joelhos.

O que ela esperava? Nada.

O que tinha em mente? Nada.

O que ansiava? Nada.

No fim das contas, ela era nada. Ninguém. Coisa alguma.

Bombardeando sem dó a própria mente com esses pensamentos negativos, viu-se chorando, as mãos escondendo o rosto de ninguém em particular, já que estava sozinha. Seus soluços foram ficando mais fortes e insistentes, de maneira que mal pode escutar uma conversa perto dali. Contudo, a palavra “morto” chamou sua atenção e fez com que olhasse na direção que as vozes vinham.

Aparentemente, as duas pessoas que debatiam não tinham notado sua presença ou ouvido seu pranto, ainda. Um era distintamente mais alto que o outro, e isso era o máximo que podia ver de diferença. Ambos estavam usando capaz e capuzes, e a escuridão tornava difícil ver qualquer outro detalhe.

— Tão eficiente, como esperado…

— Algum de nós precisa trabalhar. Diga-me, até quando pretende continuar fingindo ser o que não é?

— Ora… para que nossos intentos sejam atingidos com êxito, preciso manter essa máscara por um pouco mais de tempo. Enquanto estiveres limpando aqueles do mundo exterior que sabem demais, contudo, não poderei iniciar nada aqui.

— Não há mais ninguém. Na verdade, há uma família, mas bruxos que vivem do Submundo não são bem-vistos.

— De qualquer forma, mesmo que descubram o suficiente para dar com a língua nos dentes, creio que conseguiria detê-los antes que tudo fosse perdido.

Ana poderia jurar que o vulto mais alto sorriu com aquele comentário. Deu um passo para trás, vagarosamente, tentando retornar ao caminho antes que reparassem nela. A sensação de perigo e urgência foi crescendo drasticamente em seu peito. Quando deu o segundo passo, tendo certeza que não provocara nenhum ruído, ambos os vultos viraram noventa graus e se encararam por alguns segundos. — Falas demais, criança. — alegou o mais alto, nobremente, fazendo a capa farfalhar.

— Um pouco, eu admito. Ainda assim, nossa garotinha intrometida não vai a lugar nenhum.

Houve um atraso de segundos até que Ana percebesse que a garotinha intrometida citada era ela. Girou nos calcanhares, já sem incomodar-se com o barulho que poderia causar e disparou em direção a Hogwarts novamente.

Não era possível. Aquilo não tinha lógica, ela estava camuflada o suficiente para conseguir escapar da barreira da escola… eles não poderiam tê-la visto tão fácil assim. Tirou a varinha em meio as vestes, com as mãos trêmulas, e arriscou dar uma olhada para trás. Não havia alma viva… teria deixado-os para trás?

Quando sua cabeça retornou a posição normal sentiu algo agarrá-la pelo pescoço. Deveria ser a mão de alguém, embora parecesse mais garras de metal, dificultando sua respiração e causando uma dor desagradável. Era o vulto maior que a segurava, enquanto o mais baixo erguia sua própria varinha para iluminar o ambiente. Ana reparou em olhos amarelados e nos cabelos prateados do homem que a sufocava, embora não conseguisse ver muito mais que isso. Em compensação, quando seus olhos assustados cravaram no rosto do parceiro, um frio ainda pior desceu por sua espinha. — V… você!

— Sem sombra de dúvida, minha cara. — ele fez uma mesura zombeteira, abrindo um sorriso macabro.

Estava tudo ligado, afinal de contas. Ana lutou para se libertar, chutando e golpeando com as mãos o corpo de seu captor, mas ele não cedia. Irritada, começou a lançar palavras ásperas em direção a outra figura, que agora apenas observava, em silêncio. — Por que está fazendo isso? Pensei que nós eramos amigos…

— É exatamente pelo fato de sermos que isso acaba agora. — o sorriso maldoso em seu rosto morreu, e ele deu-lhe as costas, ajeitando o capuz sobre os cabelos novamente. — Acabe logo com isso.

— Não vais tirar a vida dela?

— Faça isso por mim… não posso retornar a escola coberto de sangue. — Ana o viu virar a cabeça sutilmente, talvez para observá-la uma última vez. — Se não fosses tão tolinha, não haveria necessidade de matá-la desde já. Não se entristeça, contudo… nossos colegas logo encontrarão contigo, seja lá para onde for… — fez um sinal indiferente com a mão. — Adeus, Ana.

Isso não vai ficar assim.

A raiva explodiu dentro dela, como chamar, uma raiva mortal e assassina. Demorou um pouco para reparar que ela própria estava pegando fogo, o que fez o homem que a segurava soltá-la imediatamente, com um guincho de dor, afinal sua mão havia ficado num estado lastimável. Ana sentiu seu corpo mudar, diminuir e ascender, e foi com extrema surpresa que notou o que havia se tornado.

A fênix. O animal mágico que tanto treinara para se transmutar, sem sucesso algum. Um misto de felicidade e urgência tomaram conta dela, enquanto o fogo se dissolvia para deixar aparecer as penas avermelhadas e douradas, e sua figura majestosa… tão diferente dela mesma que era chocante.

Ela despencou do céu, passando em meio aos dois desconhecidos e ganhando a noite, voando veloz pela trilha. E então sentiu dor. Uma dor excruciante, sem motivo que se alastrou por todo o corpo e fez com que despencasse. Mais atrás, o homem que havia segurado-a apontava-lhe a varinha, estreitando os olhos. — Crucio…

— Aparentemente, um animago não pode acreditar que, mesmo transformando-se em um animal mágico, consiga manter suas propriedades mágicas. — a voz daquele que conhecia soou, apática, enquanto a dor fazia com que sua concentração se perdesse e, por fim, Ana retornasse ao seu corpo original. A tortura fazia com que ela se revirasse, entre gritos e momentos em que sua voz se perdia. A última coisa que ela foi capaz de ver foi o vulto dele aproximando-se, apontando uma varinha para ela e ditando as palavras terríveis. — Avada Kedavra.

E depois, não havia mais nada…


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Notas finais do capítulo

Bom... eu vou ficar devendo-lhes uma imagem, afinal eu estou esse capítulo muito no susto, estava sem internet a quatro dias e não me lembrei de prepará-la antes. Então fico lhes devendo uma imagem do Glen, e quiçá da Beatrice (ninguém se lembra mais dela, mas enfim...)
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Alguns alunos estão começando a entender um pouco melhor a situação em que se encontram. Eu diria que falta um pouquinho até as coisas começarem a ficar bem mais tensas.
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E bom... como eu disse, não vou matar personagens pelo simples fato de seus donos não comentarem, até porque estou ciente que demoro bastante pra atualizar. Em outras palavras, Ana morre porque isso vai fazer diferença mais na frente. Digo que já tenho planejado matar mais algumas pessoas, então não fiquem muito surpresos com isso. -q
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Espero realmente que tenham se divertido com esse cap, ficado com o coração na mão e afins (embora eu contínue achando que está faltando alguma coisa. -q). No próximo, veremos a caçada ao pobre Glen.
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Kisses para todos vocês e até lá! :3